terça-feira, 10 de dezembro de 2024

DO MAL-ESTAR DOS DOCENTES

Foram divulgados dados do estudo do Observatório da Saúde Psicológica e do Bem-Estar, da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência relativo a 2024, coordenado pela Professora Margarida Gaspar de Matos, que envolveu 6112 alunos, do pré-escolar ao secundário. Teve também a participação de mais de 900 elementos adultos das comunidades escolares, professores, psicólogos, assistentes técnicos e operacionais ou encarregados de educação.

Dada a dimensão dos resultados, uma primeira abordagem aos indicadores dos docentes que parecem preocupantes apesar de alguma prudência dada a dimensão da amostra, 390 professores.

Ainda assim, importa que numa escala de 1 a 10 62% dos docentes referem portam uma satisfação com a vida igual ou superior a sete. No entanto, metade afirma sentir-se nervoso, 50,4%, triste, 48,4%, irritado ou de mau humor, 49,2%, pelo menos uma vez por semana. É ainda de considerar que 18,3% refere frequentemente está tão triste que parece não aguentar.

Como sinais de mal-estar, 45,6% refere dificuldades em adormecer, dois terços dizem que recentemente sentiram agitação, dificuldade em relaxar, assumindo ter reagido excessivamente a determinadas situações e sentido irritabilidade.

A propósito, recordo um trabalho divulgado em Agosto realizado pela FNE com a participação de 3750 docentes.

Em termos globais, quase 90% entendem que a profissão não é socialmente reconhecida, 53,1% afirmam gostar muito de ser professor, mas apenas 12% se sentem valorizados. Dos inquiridos, 89% identificam como dimensões críticas, as pouco ou nada atractivas perspectivas de carreira que 95% consideram não estar ao nível das competências e qualificações que lhes são exigidas.

É ainda referido por 86% o excesso de trabalho e a carga burocrática. A avaliação de desempenho constitui uma preocupação para dois terços dos respondentes e três em cada quatro afirmam-se preocupados ou muito preocupados com a progressão na carreira.

Como tantas vezes aqui tenho abordado e recuperando notas já escritas, os problemas que envolvem a classe docente e as suas consequências a curto e médio prazo, sendo conhecidos de há muito, são agora claramente reconhecidos apesar de algumas tentativas de torcer a realidade. Nos últimos anos têm sido recorrentes as referências, relatórios e estudos evidenciando a preocupante falta de professores, o envelhecimento da classe, os níveis de cansaço e de exaustão emocional, a baixa atracção dos mais jovens pela profissão associada a modelos de carreira, contratação e valorização pouco motivadores e justos. Os professores passam por dispositivos de avaliação pouco transparentes e competentes que desmotivam, causam mal-estar e climas institucionais pouco amigáveis, para ser simpático na adjectivação.

O modelo de governança das escolas é também apontado com frequência como motivo de mal-estar e desmotivação.

Por outro lado, existem algumas sombras que podem sugerir um parece ter-se desenhado um processo questionável e preocupante de “desprofissionalização”. No entanto, também é de registar que de uma forma geral continuam a merecer a confiança das comunidades.

Este quadro, de um mal-estar reconhecido, não pode deixar de ter impacto. Como muitas vezes afirmo, crianças, enquanto grupo social, e professores, enquanto grupo profissional, constituem dois grupos nucleares nas sociedades contemporâneas. Os mais novos porque são o futuro e os professores porque, naturalmente, o preparam, tudo (quase) passa pela escola e pela educação. Entre nós, este entendimento ainda me parece mais justificado porque, devido a ajustamentos na organização social e familiar e, é minha convicção, devido a políticas públicas sociais e educativas inadequadas, os miúdos passam tempo excessivo na escola, alterando a dinâmica educativa familiar o que sobrevaloriza o papel da escola através dos professores.

Raramente a profissão professor tem estado tanto em foco como nos últimos anos bem como a necessidade de defender a qualidade da escola pública. Os tempos que vivemos sublinham uma questão e outra de forma crítica.

Múltiplas acções e decisões políticas, bem como alguma imprensa e "opinion makers" têm contribuído para degradar a sua função, fragilizar a sua imagem social e comprometer o clima e a qualidade do trabalho desenvolvido nas escolas apesar dos professores continuarem a ser uma das classes profissionais em que os portugueses mais confiam.

A atenção que tem estado centrada nos professores advém de boas e más razões. Não cabe aqui um balanço, e entendo que, tal como os miúdos, os professores não têm sempre razão, os discursos dos seus representantes são, por vezes parte do problema e não parte da solução e também sei que existem alguns professores que o não deviam ser. No entanto, a verdade é que a esmagadora maioria dos docentes são ... Professores, muito bons Professores.

A valorização social e profissional dos professores em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade. A valorização e reconhecimento passam também pela necessidade de modelos de carreira e de avaliação justos e transparentes que sustentem, reconheçam e promovam competência, empenho e atracção pela profissão.

Estamos num novo ciclo e urge o ajustamento nas políticas públicas de educação, e não só. Este caminho está a esgotar-se e o futuro parece comprometido, atentemos nos resultados mais recentes da avaliação dos alunos. Não vale a pena negar a realidade.

E o futuro não pode esperar. 

segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

OS NOMES QUE NOS CHAMAM

 Um dos produtos informativos sazonais é a divulgação no final de cada ano realizada pelo Instituto dos Registos e do Notariado dos nomes que os pais entendem "oferecer", chamar, aos que vão nascendo considerando o início de Dezembro. Tal como tem acontecido nos últimos seis anos, em 2024 os nomes mais escolhidos são Maria e Francisco. Depois temos Alice, Benedita, Matilde e Leonor, nas raparigas e Lourenço, Vicente, Tomás e João nos rapazes.

Apesar desta recente estabilidade e para quem como eu lidou durante muito tempo com sucessivas gerações de alunos são evidentes e curiosas as mudanças têm vindo a ser registadas e bem evidentes ao fim de alguns anos.

Devo dizer que tenho vindo a ficar um pouco inquieto com o rumo que a coisa tem vindo a tomar e parece persistir.

Um mundo sem “Sónias Andreias”, sem “Cátias Vanessas”, sem “Sandras Cristinas”, sem “Tatianas”, sem “Fábios”, sem “Mauros”, é certamente um mundo diferente. Também em trabalhos anteriores sobre esta matéria se registava já a tentativa de sofisticar um pouco as escolhas, mantém-se o popular Maria, João e Francisco mas temos o Santiago, o Lourenço, o Rodrigo, o Martim, o Tomás, o Santiago, o Afonso, a Mariana, a Matilde, a Beatriz, entre outras, que nos garantem, enfim, outra apresentação.

Mas o que me deixou mais apreensivo face a esta questão, é que, recordando um trabalho também sobre esta matéria há algum tempo divulgado, parece notar-se que o povo está mesmo a voltar as costas aos nossos mais gloriosos nomes, sobretudo nos rapazes, nomes como Manuel, António, José, Paulo, Carlos, etc., estão em queda. Será que vamos deixar de ter um Carlos Jorge, um António Manuel, um Manuel Carlos, um José Manuel, um António João, um Paulo Jorge, tudo nomes na nossa melhor tradição?

Para dar um exemplo, os meus nomes, José e António desapareceram dos dez primeiros há já alguns anos.

Até nos nomes! A nossa identidade está em mudança.

É certo que existem uns nomes que todos os dias, em voz mais alta ou mais baixa, chamamos a alguém e que se mantêm e manterão, aí a tradição ainda é o que era, felizmente.

Por outro lado, existe um outro lado dos nomes que se chamam e de que as pessoas e de que as pessoas não gostam. Uma pequena história que há tempos aqui deixei.

"Gosto quando me chamam. Às vezes, muitas vezes, não me chamam.

Outras vezes chamam-me nomes que não são meus. Os crescidos chamam-me preguiçoso, distraído, parvo, bebé, coitadinho e outros nomes, sempre nomes que não são meus.

Os outros miúdos chamam-me badocha, gordo, bolacha, caixa de óculos, def e outros nomes, sempre nomes que não são meus.

Eu acho que as pessoas, todas as pessoas, só deviam ter um nome, o seu."

Seja ele qual for, acrescentaria eu, José.

domingo, 8 de dezembro de 2024

DO PRECISAR E DO GOSTAR

 Estamos a aproximarmo-nos do Natal. Já vai sendo tempo de pensar nos incontornáveis presentes. E estando os futuros tão incertos, os presentes ganham ainda mais relevância. Para todos.

A escolha dos presentes, estou a pensar sobretudo nos mais novos, nem sempre é fácil. Para além da consideração dos custos, há que escolher o presente e muitas vezes balançamos entre o que gostam e o que precisam.

De uma forma geral, as crianças, independentemente das suas capacidades de comunicação, dizem-nos e mostram mais facilmente o que gostam do que aquilo que precisam o que parece claro. No entanto, se estivermos atentos, as crianças também mostrem o que precisam, às vezes até de formas menos positivas.

Por outro lado, também acontece que gostem do que precisam, mas ... nem sempre é assim, muitas vezes não é assim.

Muitos adultos sabem do que elas precisam, mas dão-lhes quase só o que elas gostam querendo acreditar que as crianças serão capazes de construir por si sós o que precisam. Às vezes, muitas vezes, não é assim e é arriscado acreditar.

Muitos adultos, sabendo o que elas precisam tentam e frequentemente conseguem que elas também gostem.

Quando assim acontece fica tudo bem mais fácil, em casa e na escola, no comportar ou no aprender

sábado, 7 de dezembro de 2024

AINDA O ACORDO DO NOSSO DESCONTENTAMENTO

 Hoje, felizmente, tropecei com o excelente texto de António Jacinto Pascoal no Público, “A língua e o sofá: o paraíso beatífico do acordo ortográfico”. Não sendo um especialista entendo que o artigo é uma notável defesa da Língua Portuguesa e, mais uma vez, se a evidencia que a transformação do Português pelo “acordês” é absolutamente insensata.

Será porventura uma tarefa sem sucesso, mas enquanto for possível reverter a situação criada pelo AO90, ou, pelo menos, atenuar danos, vale a pena insistir, importa que não nos resignemos. É uma questão de cidadania, de defesa da Cultura e da Língua Portuguesa. Aliás, os que por aqui passam notarão a manutenção do Português e a recusa do “acordês”.

É importante recordar que apenas Portugal, S. Tomé e Príncipe, Brasil e Cabo Verde procederam à ratificação.

Como tantas vezes tenho escrito, desculpem a insistência e não inovar, entendo, evidentemente, que as línguas são estruturas vivas, em mutação, pelo que requerem ajustamentos, por exemplo, a introdução de palavras novas ou mudanças na grafia de outras, o que não me parece sustentação suficiente para o que o Acordo Ortográfico estabelece como norma.

Não sou, evidentemente, um especialista, mas parece-me que o cerne da questão reside, de facto, no entendimento, cito o presidente da Academia das Ciências de Lisboa, de que “Qualquer tentativa de uniformização ortográfica nos diversos países que usam a língua portuguesa como oficial é utópica” e que “o normal é o respeito pelas ortografias nacionais".

É esta perspectiva que informa o que se passa, por exemplo, com o inglês ou o castelhano/espanhol que têm algumas diferenças ortográficas ou na linguagem oral nos diferentes países em que são língua oficial, sem que daí advenha qualquer perturbação ou drama mas isto dever-se-á, certamente, a ignorância minha e à pequenez irrelevante daquelas comunidades anglófonas ou com língua oficial castelhano/espanhol.

Acresce que as explicações que os defensores, especialistas ou não, adiantam não me convencem da sua bondade, antes pelo contrário, acentuam a ideia de que esta iniciativa não defende a Língua Portuguesa. O seu grande defensor Malaca Casteleiro refere até "incongruências" no AO, o que, aliás, me parece curioso, para ser simpático. Dito de outra maneira, desencadeamos um acordo com esta amplitude e implicações para manter "incongruências e imperfeições" que abastardam a ortografia da Língua Portuguesa.

Por outro lado, a grande razão, a afirmação da língua portuguesa no mundo, também não me convence. Voltando ao exemplo do inglês e do castelhano/espanhol que têm diferenças ortográficas nos diferentes países em que são língua oficial, não parece sejam conhecidas particulares dificuldades na sua afirmação, seja lá isso o que for.

O que na verdade conhecemos com exemplos extraordinários é a transformação da Língua Portuguesa numa mixórdia abastardada, numa confusão impossível de concertar dadas as diferenças entre o Português falado e escrito pelos diferentes países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

Era importante que fossem revertidos alguns dos maus-tratos dados à Língua Portuguesa com o AO90.

Enquanto o corrector me permitir e eu conseguir tentarei evitar o “acordês”, birra de velho, evidentemente.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

OS CANTOS DOS MIÚDOS

 Um dia destes, lida profissional terminada, netos na escola, aqui sentado no meu canto dei por mim a pensar como os cantos estão presentes na vida dos miúdos, umas vezes pela positiva, outras nem por isso e algumas mesmo pelas piores razões. A ver se vos consigo falar desta ideia esquisita.

Com os estilos de vida e valores presentes nas comunidades actuais temos muitas crianças e adolescentes que vivem ao canto, muitas delas num canto onde cabe pouco mais que um ecrã, no qual também aparecem outros como eles, fechados num qualquer canto de outra qualquer família. No entanto, na quase totalidade das famílias, os miúdos não vivem ao canto, ocupam um lugar bem ao centro. Ainda bem, pelas famílias e, naturalmente, por eles.

Muitos de nós, sobretudo nas gerações mais novas, passaram pelo jardim de infância, cujas salas estão frequentemente estruturadas em cantinhos que, por sua vez, nos organizam nas primeiras tarefas, o cantinho dos brinquedos, cantinho dos livros, o cantinho das pinturas, etc., dando uma primeira visão de um mundo aos cantinhos, organizado e à nossa espera.

Uns anos mais tarde, muitas crianças e adolescentes andam nos cantos das nossas escolas, como figuras transparentes que quase nem notamos, a menos que os comportamentos desajustados os tirem dessa invisibilidade.

Felizmente, a maioria dos miúdos passa por situações de bem-estar e vive com a tranquilidade própria de quem conhece os cantos à casa, como diz o povo. Neste caso é um canto, é um encanto.

Finalmente, o espaço é curto, a referência para aquelas crianças que ainda antes de nascer e ao longo de toda a sua vida, às vezes curta, vão compondo um canto triste.

Existem demasiadas crianças a viverem a um canto que, por estranho que pareça, com alguma frequência está no meio de uma qualquer sala, na escola, em casa ou … no mundo.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

A MATEMÁTICA É DIFÍCIL E CHATA. SERÁ DESTINO?

 Foram divulgados os resultados do Trends in International Mathematics and Science Study (TIMSS), relativo 2023. Alguns indicadores.

Sem surpresa, já se tinha verificado com o PISA, verificou-se uma descida nos resultados de 2023. Considerando a Matemática, no 8.º ano os alunos portugueses obtiveram 475 pontos, ligeiramente abaixo da média, 478 pontos representando, no entanto, uma descida de 25 pontos. Em 42 territórios analisados Portugal está em 25.º Os alunos do 4.º ano obtiveram 517 pontos, 14 acima da média e menos 8 que em 2019 ocupando o 26.º lugar em 58 participantes.

Em Ciências, verifica-se uma desci no 8.º ano, 13 pontos e um posicionamento de 28 pontos acima da média, 17.º.

Também como seria de esperar, os alunos com frequência mais prolongada de educação pré-escolar e com contextos socioeconómicos mais favoráveis revelaram melhor desempenho.

Professores reclamam um currículo mais exigente para inverter queda dos alunos a Matemática

É também de considerar que 58% dos alunos portugueses inquiridos “não gostam” de aprender Matemática e 13% afirmam “gostar muito”, menos 8% que a média.

Como é natural e considerando a Matemática, o domínio com mais escrutínio, surgem sempre algumas leituras. No Público refere-se a análise da Sociedade Portuguesa de Matemática e da Associação dos Professores de Matemática que, mais uma vez, divergem no discurso produzido.

A SPM sobrevaloriza a questão da alteração curricular, a passagem das “metas curriculares” para as “aprendizagens essenciais” e a APM considera as “aprendizagens essenciais” são de manter e alerta para outras variáveis como, por exemplo, os efeitos da falta de docentes.

Não sou especialista em questões curriculares, mas parece-me curioso que a Sociedade Portuguesa de Matemática e a Associação dos Professores de Matemática, não sei com que dimensão representativa dos professores de matemática têm habitualmente entendimentos diferentes com um argumentário que em alguns aspectos que me são mais familiares, o funcionamento dos alunos por exemplo, me levantam dúvidas e, por vezes, me parecem fruto de agendas para além da Matemática.

Lembro-me, por exemplo, de Nuno Crato, de há muito ligado à SPM e sempre com “base na evidência” ter, enquanto ministro, proclamado a existência de professores a mais e a “inevitabilidade da redução”. Sabemos o que se tem verificado.

Continuo a entender que estruturas curriculares demasiado extensas, normativas e prescritivas são pouco amigáveis para o bom desempenho da generalidade dos alunos, pouco amigáveis para acomodar a diversidade.

Por outro lado, e como aqui tenho escrito, o desempenho a Matemática pode ainda ser influenciado, não numa relação de causa-efeito, por múltiplas variáveis como número de alunos por turma, tipologia das turmas e das escolas e dos contextos, dispositivos de apoio às dificuldades de alunos e professores ou questões de natureza didáctica e pedagógica.

Acresce a esta complexidade um conjunto de outras variáveis menos consideradas por vezes, mas que a experiência e a evidência mostram ter também algum impacto.

São variáveis de natureza mais psicológica como a percepção que os alunos têm de si próprios como capazes de ter sucesso associada a contextos familiares de natureza diversa, por exemplo.

É também conhecido e os resultados do PISA sublinham, que os pais com mais qualificação e de mais elevado estatuto económico têm expectativas mais elevadas sobre o desempenho escolar dos filhos o que se repercute na acção educativa e nos resultados escolares e, naturalmente, mais facilmente mobilizam formas de ajuda para eventuais dificuldades, seja nos TPC, seja através de ajuda externa.

Finalmente uma outra variável neste âmbito, a representação sobre a própria Matemática. Creio que ainda hoje existe uma percepção passada nos discursos de muita gente com diferentes níveis de qualificação de que a Matemática é uma “coisa difícil” e ainda de que só os mais “inteligentes” têm “jeito” para a Matemática. Esta ideia é tão presente que não é raro ouvir figuras públicas afirmar sem qualquer sobressalto e até com bonomia que “nunca tiveram jeito para a Matemática, para os números”. É claro que ninguém se atreve a confessar uma eventual “falta de jeito” para a Língua Portuguesa e, por vezes, bem que parece. A mudança deste cenário é uma tarefa para todos nós e não apenas para os professores e seria importante que acontecesse.

De facto, este tipo de discursos não pode deixar de contaminar os alunos logo desde o 1º ciclo convencendo-se alguns que a Matemática vai ser difícil, não vão conseguir ser “bons” e a desmotivar-se.

Não fica fácil a tarefa dos professores, mas no limite e como sempre será a escola o braço operacional da comunidade a fazer a diferença.

Parece ainda claro e é uma questão central claro que para promover mais sucesso e não empurrar os alunos para os anos seguintes sem nenhuma melhoria nas suas competências ou saberes é essencial, como referia acima, criar e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo.

Sabemos também que a escola pode e deve fazer a diferença, em muitas escolas isso acontece. Mas para que isto seja consistente e não localizado também sabemos que o sucesso se constrói identificando e prevenindo dificuldades de forma precoce, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio eficazes, competentes e suficientes a alunos e professores, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, com a valorização do trabalho dos professores, com práticas de diferenciação que não sejam "grelhodependentes", com expectativas positivas face ao trabalho e face aos alunos, com melhores níveis de trabalho cooperativo e tutorial, quer para professores quer para alunos, etc.

Uma nota final para a importância da avaliação externa como forma imprescindível de regulação. No entanto, não entendo que só por existirem e serem muitos, os exames finais, só por si, insisto, só por si, melhorem a qualidade. É como esperar que só por medir muitas vezes a febre irá baixar. A qualidade é promovida considerando o que escrevi em cima e regulada em termos globais pela avaliação externa que permite análises necessárias, nacionais ou internacionais como, por exemplo, … o TIMSS.

É com a escola, por dentro da escola e integrado em sólidos projectos de autonomia e responsabilidade e com recursos adequados que o caminho se constrói.

Sabemos tudo isto. Nada é novo. Só falta um pequeno passo.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

VARIAÇÕES EM TORNO DE ANTÓNIO

 Ontem passaram 80 anos do nascimento de António Variações que partiu demasiado cedo, em 1984. A Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa promove nos próximos dois dias um Colóquio, “Variações em torno de António”, para celebração do seu legado.

É centrado no trabalho de António Variações que partiu em 1984 e no envolvimento cultural da época. Variações, produziu uma obra curta, mas, também do meu ponto de vista, inovadora e de grande qualidade.

Em 2017, também a Universidade de Coimbra promoveu uma iniciativa valorizando a obra de Variações.

Sublinho a iniciativa, agora da FCSH da U. Nova, que é mais um contributo para um reconhecimento que é justo. Não é muito habitual entre nós que da academia surjam iniciativas sobre as expressões artísticas mais “pop” designadamente na área da música.

Era um homem inquieto e atento, como habitualmente são os criadores.

Dizia ele em “Estou além”:

(…)

Vou continuar a procurar o meu mundo,

o meu lugar

Porque até aqui eu só

Estou bem

Aonde não estou

(…)




terça-feira, 3 de dezembro de 2024

DIA INTERNACIONAL DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

 Passou mais um ano e a agenda das consciências determina que hoje se cumpra o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. Como sempre, umas notas que de forma substantiva não se desactualizam, lamentavelmente.

Como tem sido hábito, poderão surgir algumas referências na comunicação social, ouvir-se-á alguma da retórica política aplicável à matéria em apreço com referência a iniciativas ou intenções, eventualmente teremos até alguns testemunhos, positivos e negativos, de pessoas com deficiência ou de entidades que "operam" nesta área. Aliás, a inclusão ou a promoção de um qualquer entendimento de inclusão constitui-se como um nicho de mercado promissor em diversas vertentes.

Poderão ter lugar alguns eventos realizados por instituições e movimentos que operam nesta área, referir-se-ão alguns avanços de natureza tecnológica, como se sabe as tecnologias mudam mais depressa que as pessoas e amanhã o mundo volta-se para outra questão que a agenda das consciências determine. Nos dias que correm será ainda mais rápido.

Em primeiro lugar deve dizer-se que, como acontece em outras áreas, a legislação portuguesa é globalmente positiva, embora a sua operacionalização mereça quase sempre um estudo de caso. Na sua definição é promotora dos direitos das pessoas, mas a sua falta de eficácia e operacionalização é bem evidenciada na tremenda dificuldade que milhares de pessoas experimentam no dia-a-dia.

Como exemplo, é notória a falha na fiscalização e cumprimento das disposições legais relativas às questões das acessibilidades e barreiras nos edifícios, mobiliário urbano e acessibilidade em geral. As normas de construção não são respeitadas, mantendo-se em edifícios novos a ausência de rampas ou a sua existência com desníveis superiores ao estabelecido, constituindo, assim, um obstáculo e um risco.

O resultado é a existência de muitos serviços públicos e outro tipo de equipamentos de prestação de serviços com barreiras arquitectónicas intransponíveis, a que os cidadãos com deficiência só podem aceder com ajuda de terceiros e, mesmo assim, com dificuldade.

Os transportes públicos de diferente natureza também colocam enormes problemas na acessibilidade por parte de pessoas com mobilidade reduzida.

Para além deste quadro, suficientemente complicado, ainda há que contar com a prestimosa colaboração de muitos de nós que estacionamos o belo carrinho em cima dos passeios, complicando ou proibindo, naturalmente, a circulação de cadeiras de rodas. Os passeios, nem sempre com as medidas determinadas por lei, são, por vezes ainda ocupados com esplanadas que, claro, são só mais uma dificuldade para muita gente.

A vida de muitas pessoas com deficiência é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, que ampliam de forma inaceitável a limitação na mobilidade que a sua condição, só por si, pode implicar. No entanto, muitos dos obstáculos não têm a ver com barreiras físicas, remetem para a falta de senso, incompetência ou negligência com que gente responsável(?) lida com estas questões.

Na verdade, boa parte dessas dificuldades decorre do que as comunidades e as suas lideranças, políticas por exemplo, entendem ser os direitos, o bem comum e o bem-estar das pessoas, de todas as pessoas.

Também para as crianças com necessidades especiais e respectivas famílias a vida é muito complicada face à qualidade e acessibilidade aos apoios educativos e especializados necessários apesar do empenho e profissionalismo da maioria dos profissionais que trabalham nestas áreas.

Como é evidente, existem muitas outras áreas de dificuldades colocadas às pessoas com deficiência, designadamente apoios sociais, qualificação profissional e emprego, em que a vulnerabilidade e os riscos de exclusão e pobreza são elevados traduzido em taxas de desemprego entre pessoas com deficiência muitíssimo superiores à verificada com a população sem deficiência.

Uma referência ainda ao que deve ser um princípio não negociável, a inclusão em todos os domínios da vida das comunidades.

É verdade que a questão da inclusão, em particular da inclusão em educação, é presença regular nos discursos actuais. É objecto de todas as apreciações, ilumina todas as perspectivas e acomoda todas as práticas, incluindo a “entregação” que manifestamente não promove inclusão, antes pelo contrário. Apesar do bom trabalho que existe e deve ser sublinhado, por vezes, demasiadas vezes, confunde-se colocação educativa, crianças com necessidades especiais na sala de aula regular, com inclusão. Aliás, até a exclusão de muitos alunos da sala de aula e das actividades comuns é frequentemente realizada … em nome da inclusão. E não acontece nada. A situação dura e já longa que atravessamos veio agudizar a situação.

O termo está tão desgastado que já nem sabemos bem o que significa. Não esqueço o que positivo se faz, mas também se conhecem tantas práticas e tantos discursos que alimentam exclusão e que são desenvolvidas e enunciados ... em nome da inclusão. Tantas vezes me lembro do Mestre Almada Negreiros que na "Cena do Ódio" falava da "Pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões".

A inclusão assenta em cinco dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Aprender (tendo sempre por referência os currículos gerais) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade). A estas cinco dimensões acrescem dois princípios inalienáveis, autodeterminação e autonomia e independência.

As pessoas com deficiência não precisam de tolerância, não precisam de privilégios, não precisam de caridade, precisam só de ver os seus direitos considerados. Os direitos não são de geometria variável cumprindo-se apenas quando é possível.

Este é o caderno de encargos que nos convoca a todos, todos os anos, todos os dias.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

REDES SOCIAIS PROIBIDAS. SERÁ QUE FUNCIONA?

 Mais uma vez aqui retomo a questão crítica da utilização das redes sociais por parte dos mais novos.

A Austrália é, creio, o primeiro país a estabelecer a proibição de acesso de menores de 16 anos às redes sociais como o TikTok, Facebook, Snapchat, Reddit e X. A lei prevê multas elevadas às entidades que se revelem incapazes de vedar o acesso de crianças e adolescentes a estas plataformas. É certo que em alguns países já estão definidas algumas restrições, mas não com esta dimensão.

Não tenho conhecimento suficiente para saber se a proibição é possível ou facilmente contornada com dados incorrectos.

Por outro lado, a experiência diária e, como agora se diz, a evidência mostram de forma cada vez mais clara como o excesso de tempo que crianças e adolescentes (mas não só) passam “trancados” em ecrãs, em particular envolvidos nas redes sociais, têm impacto negativo no seu bem-estar e saúde mental, no desenvolvimento de competências e capacidades cognitivas, sociais e emocionais e, naturalmente, na aprendizagem. São conhecidos muitos exemplos de situações graves ocorridas no contexto de utilização das redes sociais.

Em muitos sistemas educativos e também por cá, vão surgindo iniciativas, sobretudo nos espaços escolares, no sentido de minimizar esse tempo incluindo a redução da utilização dos recursos digitais na aprendizagem, sobretudo em particular com os mais pequenos.

Certamente mais difícil será a mudança nos contextos familiares e comunitários. O próprio comportamento dos adultos não parece favorável a esse trajecto de mudança. Creio, aliás, a absoluta desregulação da utilização por parte dos adultos será um enorme obstáculo à auto-regulação por parte dos mais novos. Lembro-me estar numa conversa com pais de crianças no básico a falar sobre esta questão e referir as orientações das associações de pediatria ofalmológica relativas ao tempo aceitável de exposição a ecrãs em diferentes idades. Um pai comentou, "são opiniões". Pois, o problema é esse mesmo, as opiniões.

Muitas vezes aqui tenho abordado esta questão tal como a abordei em muitas conversas com pais e encarregados de educação e é clara a dificuldade de mudança dos comportamentos, independentemente dos discursos de concordância com a preocupação ou a expressão de dificuldades.

Continuo com dúvidas sobre a bondade e eficiência de estratégias essencialmente proibicionistas, entendo que será sempre mais eficaz e sustentado ainda que mais difícil, o incremento de comportamentos de auto-regulação ajustados às diferentes idades.

No entanto, com alguma frequência se alimenta o equívoco de que não proibir significa a ausência de regras e limites. De todo, como tantas vezes afirmo, as regras e os limites são bens de primeira necessidade no bem-estar global e no desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes.

É o bem-estar dos mais novos e a qualidade global dos processos educativos que estão em jogo.

É uma questão demasiado importante.

domingo, 1 de dezembro de 2024

DA ESCOLA MÁGICA E OMNIPOTENTE

 Os discursos sobre a educação e sobre a escola produzidos quer por muitos actores deste universo, quer por opinantes profissionais ou amadores, referem sistematicamente um conjunto de problemas, desafios como muitas vezes lhes chamam, com que a educação, enquanto sistema e em particular as escolas, se confrontam.

Em poucos anos passámos de uma escola percebida como mais direccionada para a instrução para uma escola à qual parece exigir-se a responsabilidade e competência para responder a todos as necessidades dos alunos.

De facto, aumentando até ao inaceitável o tempo de presença dos miúdos na escola, os problemas que os afectam são transportados para a escola, mas será que podemos ou devemos esperar que a escola seja responsável e capaz de gerir todos os problemas que os miúdos carregam na mochila?

Não creio, pelos menos com o modelo de escola e de organização da acção educativa que temos e, sobretudo, porque não me parece ser esse o caminho adequado.

Como pode ser a escola a gerir a pobreza e a exclusão que afectam as famílias de origem dos meninos que batem à porta da escola?

Numa sociedade de relações interpessoais pouco reguladas, muitas vezes violentas e desrespeitadoras, das elites ao cidadão comum, como resolve a escola os problemas do impacto deste clima nos comportamentos de crianças e jovens?

Numa sociedade, em particular em Portugal, em que os tempos da família para o exercício da parentalidade vão baixando por razões que se prendem com a organização do trabalho, mas também por opções e estilos de vida assumidos pelas famílias como pode a escola acomodar esta realidade?

Será que a escola é uma realidade mágica e omnipotente que tudo resolve? Qual deve ser a formação dos professores e a organização da escola para que, além de lidarem com construção do conhecimento os saberes, respondam a tudo o resto que afecta os alunos? E que outros profissionais devem estar na escola? Todos os que de alguma forma intervêm em problemas de crianças e jovens? Acho difícil, aliás, parece-me errado admitindo que isso seria possível.

Creio que o caminho passa por uma redefinição do sentido de comunidade educativa, na qual, mesmo fora da escola, devem existir recursos e dispositivos eficazes, sejam sociais, na área da saúde ou em qualquer outra que, em rede, possam a pedido da escola intervir a tempo e eficazmente.

Enquanto o discurso for no sentido de responsabilizar a escola por tudo e a própria escola assumir essa responsabilidade, por exemplo reclamando recursos para tal, a mudança, do meu ponto de vista, ficará mais difícil.

sábado, 30 de novembro de 2024

SÓ APRENDE QUEM SE RI

 São preocupantes os dados sobre as circunstâncias sociais e económicas em que vivem muitas, demasiadas, crianças em Portugal. Apesar de frequentemente aqui abordar estas questões, é preciso insistir.

Num relatório da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e da Ciência, “Assimetrias entre Escolas: Ensinos Básico e Secundário, 2022/23”, agora divulgado, evidenciam-se assimetrias muito significativas entre escolas no que se refere ao contexto de vida dos alunos. A situação é mais grave no 1.º ciclo, mas verifica-se em todos os ciclos, bem como no secundário e no ensino profissional.

Sem surpresa os maiores contrastes verificam-se nas regiões de Lisboa e Porto. Relativamente a Lisboa, considerando 82 escolas de 1.º ciclo analisadas, em metade existem mais de 50% de alunos que beneficiam da Acção Social Escolar e em pelo menos cinco o número é superior a 80%.

Considerando a escolaridade das mães, variável utilizada em estudos desta natureza, 85% das mães de alunos com ASE não têm o ensino secundário face a 3% de mães de alunos sem apoios sociais

No Porto a situação é da mesma natureza, a percentagem de alunos do 1.º ciclo com apoio da ASE varia entre 77% e 7% e das 46 escolas analisadas, em 37% metade ou mais dos alunos beneficia da ASE sendo que seis destas escolas têm taxas superiores a 70%.

É na verdade preocupante, precisamos de insistir e repito o que há pouco aqui escrevi.

Há pouco tempo diversas organizações da sociedade civil divulgaram e chamaram a atenção para o aumento do risco de pobreza entre as crianças portuguesas requerendo a atenção das políticas públicas sectoriais. De acordo com os dados mais recentes do INE referentes a 2023 verifica-se "um aumento da taxa de pobreza infantil com 347 mil crianças em risco de pobreza monetária". "São mais 44 mil do que no ano anterior", de referem os subscritores desta iniciativa.

É ainda de registar que a "taxa de risco de pobreza infantil em 2023 foi de 20,7%", correspondendo a um regresso aos valores de 2017, o que coloca as crianças como o "grupo etário que regista a maior taxa de risco de pobreza e também aquele em que se observa uma evolução mais desfavorável deste indicador",

Parece, assim, que estamos longe de conseguir minimizar os riscos de pobreza e exclusão importa insistir e apelar a que estas matérias constituam preocupações sérias das políticas públicas em diversas áreas.

Sabemos que a educação tem um papel crítico neste processo. Retomando notas que aqui recentemente deixei, recupero o relatório, “Portugal, Balanço Social 2023”, realizado pela Nova SBE Economics for Policy. De acordo com o trabalho, 82% das crianças pobres com três anos ou menos não frequentam pelo menos 30h de creche. Também no intervalo entre 4 e 7 anos são também as crianças mais pobres que não frequentam educação pré-escolar.

Apesar da gratuitidade da frequência da creche em 2022, a insuficiência de vagas dificulta o acesso das famílias de menor rendimento apesar de alguns efeitos decorrentes do Programa Creche Feliz.

Está bem estudada a relação entre a situação económica, laboral e nível de literacia familiar no trajecto pessoal. E também sabemos que situações de "guetização da pobreza" são um obstáculo à sua minimização.

Também sabemos que a pobreza tem claramente uma dimensão estrutural e intergeracional, as crianças de famílias pobres demorarão até cinco gerações a aceder a rendimentos médios, um indicador acima da média europeia.

A escola é certamente uma ferramenta poderosa de promoção de mobilidade social, mas, por si só, dificilmente funciona como elevador social. Muito menos o fará em circunstâncias em que a maioria vive em piores condições.

O impacto das circunstâncias de vida no bem-estar das crianças e em aspectos mais particulares como o rendimento escolar ou o comportamento é por demais conhecido e essas circunstâncias constituem, aliás, um dos mais potentes preditores de insucesso e abandono quando são particularmente negativas, como é o caso de carências significativas ao nível das necessidades básicas.

Algumas vezes, quando penso nestas matérias não resisto a recuperar uma história que conto muitas vezes, coisas de velho como sabem, e que foi umas das maiores e mais bonitas lições sobre educação que já recebi. E mais uma vez.

Aconteceu há já uns anos em Inhambane, Moçambique, também conhecida por Terra da Boa Gente. Num início de manhã, eu o Velho Carlos Bata, um homem velho e sem cursos, meu anjo da guarda durante as semanas que lá estive em trabalho, íamos a passar por uma escola para gaiatos pequenos e o Velho Bata, parou a olhar. Não estranhei, era um homem que não conhecia o significado de pressa.

Um tempinho depois disse-me que se tivesse “poderes de mandar” traria um camião de batata-doce para aquela escola. Perante a minha estranheza, explicou que aqueles miúdos teriam de comer até se rir, “só aprende quem se ri”, rematou o Velho Bata.

Pois é Velho, miúdos com fome e que passam mal não aprendem e vão continuar pobres. E infelizes, não se riem.

Ontem, hoje e amanhã. Não podemos falhar.

sexta-feira, 29 de novembro de 2024

REGISTA-SE, MAS ...

 Registo, até pela raridade com que acontece, que o Ministro da Educação assumiu que os dados que divulgou sobre o cenário actual relativo ao número de alunos ainda sem professor a todas as disciplinas estavam errados e não correspondiam à realidade. Aguardam-se números mais fiáveis.

No entanto, a questão crítica mantém-se sendo também certo que não é de fácil e imediata resolução. Aliás, outros “donos” da pasta da educação bem que podiam seguir o exemplo de Fernando Alexandre assumindo o fracasso das políticas de que foram responsáveis e pedir desculpa pelos discursos com que nos continuam a tomar por gente sem memória.

Como escrevi há dias, em educação, mas não só, são frequentes os exercícios de “whisful thinking” ou de pensamento mágico. É também verdade que, por mais que a torturem a realidade, esta não se transforma na projecção dos desejos. As realidades descritas nem sempre são as realidades observadas. O que se passa no universo da chamada educação inclusiva é mais um bom exemplo de realidades múltiplas.

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

A NET, UM MUNDO DE OPORTUNIDADES, UM MUNDO DE ALÇAPÕES

 Foi divulgado o estudo “Comportamentos Aditivos aos 18 anos” resultante do estudo realizado pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e Dependências “Comportamentos Adictivos aos 18 anos – Inquérito aos jovens participantes no Dia da Defesa Nacional 2023”.

O inquérito envolve diferentes dimensões dos comportamentos de adição, mas  umas notas mais dirigidas à relação com os ecrãs.

Considerando a região de Lisboa 43,5% dos inquiridos começou a utilizar a net antes dos 10 anos sendo que mé dia nacional é de 41,7% e a maioria dos inquiridos começa entre 10 e 14 anos.

Quanto às actividades em que os jovens usam o tempo de ligação à net os dados evidenciam que é nas redes sociais, 43,1% gastam em média por dia duas a três horas, nos jogos de apostas, 63,9% utilizam-na em média uma hora por dia e em jogos, 45,6% referem uma hora do seu dia para jogar e 31,5% entre duas a três horas por dia.

Os dados devem ser reflectidos, mas do meu ponto de vista e apesar de conhecer riscos e comportamentos negativos, cyberbullying, por exemplo, julgo que devemos ter alguma serenidade e evitar discursos extremos.

Para as gerações mais novas não fica muito fácil imaginar um mundo sem a net. Quando por vezes converso com os meus alunos(as), já jovens e adultos, e lhes conto como era estudar sem net e sem computadores, as máquinas usadas eram as de escrever e de calcular, julgo que eles estarão, por assim dizer, a “ver” um filme de ficção científica ao contrário.

Como costumo afirmar, sou um utilizador conservador, sem conhecimento muito sólido, conto com o apoio de colegas e de gente mais nova como o meu filho, para as muitas dúvidas que vou sentindo. Aliás, já passei pela situação de não saber como realizar uma operação qualquer no telemóvel e o meu neto Simão, agora já com dez e um “nativo digital” como agora lhes chamam, me ter dito tranquilamente como proceder. A minha auto-estima aguentou-se sempre encostada ao meu perfil de utilizador, basicamente “ligo-me” para corresponder a alguma necessidade profissional, de conhecimento, de informação, de utilização de serviços, etc.

E não é raro que ainda me sinta “maravilhado” com as possibilidades abertas e que têm progredido enormemente, quer ao nível de equipamentos, de “software”, recursos, e que, certamente, ainda estaremos longe de esgotar como agora estamos a descobrir com a inteligência artificial.

A verdade é que se a net abriu um mundo inesgotável de oportunidades, também abriu um mundo de alçapões. Ligado desde sempre ao mundo dos mais novos, muitas vezes aqui tenho falado desses alçapões e como, apesar da vulgaridade e massificação da sua utilização, muitos pais me dizem desconhecê-los mesmo sendo eles próprios utilizadores regulares da net.

Em primeiro lugar sublinho que, como é evidente, não está em causa qualquer diabolização destas ferramentas, apenas um alerta para riscos e da necessidade de regulação da sua utilização pelos mais novos.

Como múltiplos estudos revelam aumentou exponencialmente o tempo que crianças, adolescentes e jovens, tal como muitos adultos, estão em frente do ecrã. Os confinamentos durante a pandemia fizeram subir exponencialmente esse tempo, a escola estava no ecrã. Naturalmente os riscos também aumentaram como o cyberbullying que já referi, chantagem e roubo, exposição a conteúdos inadequados às idades, pornografia infantil, etc.

Trata-se de mais um factor de pressão para a supervisão imprescindível, mas muito difícil dos mais novos na sua relação com a net.

 

É importante sublinhar que dados do Estudo Internacional de Alfabetização em Informática e Informação (ICILS) envolvendo 11 países e divulgados em 2020 sugerem que os alunos portugueses são os mais bem preparados para usar a internet de forma responsável. No entanto, os dados relativos aos riscos são, de facto, geradores de preocupação.

Recordo um trabalho da OCDE de 2018 "Curriculum Flexibility and Autonomy in Portugal – na OECD review” em que considerando dados de 2012 e 2015 (recolhidos no âmbito do PISA), oito em cada dez adolescentes portugueses afirmam "sentir-se mal" se não estiverem ligados à internet. Apenas os adolescentes franceses e suecos de entre os 31 países envolvidos evidenciam uma taxa superior.

Podemos considerar mais um sinal dos tempos as múltiplas referências ao tempo excessivo e dos riscos associados que que muitas crianças e adolescentes despendem com a ligação à net nas suas múltiplas possibilidades designadamente as redes sociais e os riscos associados. Os indicadores relativos ao cyberbullying, insisto e muitas vezes aqui tenho referido, são inquietantes.

Nesta perspectiva e tal como noutras áreas o recurso privilegiado a estratégias proibicionistas não funciona. É mais eficiente a promoção da utilização auto-regulada e informada. A net e o mundo de oportunidades, benefícios e riscos que está presente em todas as suas potencialidades é uma matéria que deve merecer a reflexão de todos os que lidam com crianças e jovens embora não lhes diga exclusivamente respeito. É o nosso trabalho.

Sabemos que muitas crianças têm um ecrã como companhia durante o pouco tempo que a escola "a tempo inteiro" e as mudanças e constrangimentos nos estilos de vida das famílias lhes deixam "livre". Também é verdade que a crescente "filiação" em redes sociais virtuais pode “disfarçar” o fechamento, juntando quem “sofre” do mesmo mal e o tempo remanescente para estar em família, frequentemente, ainda é passado à sombra de uma televisão.

Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos e os riscos potenciais, por estranho que pareça, são problemas menos conhecidos para muitos pais. Aliás, as dificuldades sentidas por muitas famílias na ajuda aos filhos em tempo de ensino não presencial, mostrou isso mesmo, baixos níveis de literacia digital. Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível e útil seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes minimizando os riscos existentes nos “alçapões da net”. Existem demasiadas situações em que desde muito cedo os “smartphones” ou outros dispositivos funcionam como “babysitters”.

Por outro lado, a experiência mostra-me que muitos pais desejam e mostram necessidade de alguma ajuda ou orientação nestas matérias. Sabemos que estratégias proibicionistas tendem a perder eficácia com a idade.

Creio que o caminho terá de passar por autonomia, supervisão, diálogo e muita atenção aos sinais que crianças e adolescentes nos dão sobre o que se passa com elas.

quarta-feira, 27 de novembro de 2024

O CANTE, A ALMA DO ALENTEJO

 Os tempos vão muito duros, inquietam e preocupam face ao que virá. No entanto, até por uma questão de saúde mental e confiança importa que continuemos atentos ao que mais fora da nossa atenção.

Vi uma nota na imprensa recordando que há dez anos o Comité Intergovernamental da UNESCO para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial da Humanidade decidiu reconhecer o Cante Alentejano como património cultural imaterial da humanidade.

É verdade que a humanidade não tem sido particularmente cuidadosa com o seu património e consigo própria, mas deixou-me contente este reconhecimento da alma alentejana, o Cante.

Sendo o Alentejo uma paixão, o cante é também a banda sonora dessa paixão.

Como disse na altura, parece particularmente interessante para nós portugueses que duas formas de expressão vocal tão densas e expressivas como o Fado e o Cante Alentejano obtenham esta visibilidade.

Uma moda muito conhecida.



terça-feira, 26 de novembro de 2024

DA DELINQUÊNCIA JUVENIL

 No Público está uma entrevista interessante com Maria João Leote de Carvalho da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova sobre o universo preocupante da delinquência juvenil que está a aumentar no número de situações e na complexidade. Mais um sinal dos tempos que atravessamos.

A delinquência juvenil é, de facto, uma área complexa e e com uma insuficiente capacidade de resposta aos múltiplos episódios quer á sua prevenção.

Já em Maio, a Ministra da Justiça referiu na Assembleia da República a existência de lista de espera para o cumprimento de medidas de internamento em Centros Educativos existência de lista de espera para o cumprimento de medidas de internamento em Centros Educativos de jovens, com idades entre os 12 e os 16 anos, que cometeram actos que a lei qualifica como crimes. Considerando a idade ficam sujeitos à lei tutelar educativa com o objectivo de reeducação e inserção na comunidade. Para além da insuficiência dos equipamentos verifica-se uma significativa falta de recursos humanos, designadamente, técnicos de reinserção social. Entretanto, os jovens mantêm-se instituições de acolhimento ou nas famílias com o risco acrescido da reincidência.

Considerando Relatório Anual de Segurança Interna Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) relativo a 2023, a violência entre grupos de jovens aumentou 14,6% em 2023, num total de 6 756 ocorrências, o valor mais elevado desde 2014. Também a delinquência juvenil, crimes praticados por jovens entre os 12 e os 16 anos, registou um crescimento de 8,7%, e 1 833 ocorrências, o valor mais alto desde 2017.

Parece clara a importância dos Centros Educativos e da urgência dos equipamentos e dos recursos humanos que lhes permitam cumprir a função.

Já durante 2023, num relatório da Comissão de Acompanhamento e Avaliação dos Centros Educativos é evidenciada a situação crítica dos centros desde problemas de instalações à escassez de técnicos de reinserção social, mal pagos e sem perspectivas de carreira. Acontece ainda que nem sempre as decisões dos tribunais são cumpridas.

Este cenário compromete de forma séria o cumprimento dos objectivos da Lei Tutelar Educativa que se podem traduzir na construção de um projecto de reinserção social bem-sucedido para cada um destes jovens.

Como já tenho escrito, a prevenção é, naturalmente, a questão crítica. Neste sentido, um sistema público de educação com qualidade, com recursos diversificados e competentes e autonomia das escolas, é a melhor ferramenta de promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. É através de uma educação global que se minimiza o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis e a emergência de comportamentos mais disruptivos por ausência de projecto de vida. Este continua a ser o nosso caderno de encargos.

Depois de iniciado um trajecto de delinquência importa que registar que em 2018, um relatório da Direcção de Serviços de Justiça Juvenil envolvendo os Centros Educativos e das equipas de Reinserção Social referia que decorridos dois anos do cumprimento de uma medida tutelar de internamento 31% dos jovens voltam a ser condenados. Se considerarmos a reincidência num período mais alargado a taxa é ainda maior apesar de alguma melhoria mais recente.

Uma das questões referidas como associadas a este valor prende-se com a necessidade de garantir a resposta adequada por parte dos Centros Educativos e do apoio e suporte após a saída da instituição. O relatório evidenciava como dificilmente estas necessidades são cumpridas e, provavelmente, assim continuará.

Múltiplos estudos sublinham a importância da prevenção e da integração comunitária como eixos centrais na resposta a este problema sério das sociedades actuais. As casas de autonomia, uma intenção conhecida em 2013 e na lei desde 2015, visam justamente apoiar este processo e saída dos centros e de promoção de uma reinserção social bem-sucedida. No entanto, apenas em 2019 e de forma pouco expressiva arrancou o processo de instalação das primeiras casas de autonomia.

Sabemos que a educação, prevenção e programas comunitários de reabilitação e integração têm custos, no entanto, importa ponderar entre o que custa prevenir e cuidar e os custos posteriores do mal-estar e da pré-delinquência ou da delinquência continuada e da insegurança. Será o que espera das políticas públicas nestas matérias.

Parece ser cada vez mais consensual que mobilizar quase que exclusivamente dispositivos de punição, designadamente o internamento enquanto menor e a prisão para os mais velhos, parece insuficiente para travar este problema e, sobretudo, inflectir as trajectórias de marginalização de muitos dos adolescentes e jovens envolvidos em episódios de delinquência.

No entanto, a discussão sobre estas matérias é inquinada por discursos e posições frequentemente de natureza demagógica e populista alimentados por narrativas sobre a insegurança e delinquência percebida, alimentadora de teses securitárias.

Apesar de, repito, a punição e a detenção constituírem um importante sinal de combate à sensação de impunidade instalada, é minha forte convicção de que só punir e prender não basta.

É em todo este caldo de cultura que em muitos contextos familiares vulneráveis nascem e se desenvolvem as sementes de mal-estar que geram os episódios que regularmente nos assustam e inquietam e com consequências sérias.

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

A HISTÓRIA DE O TAL

 Agora na condição de reformado são frequentes as viagens às memórias profissionais. Em muitas conversas que realizei em escolas não era raro ouvir histórias como a de O Tal.

Era uma vez um rapaz, tinha 11 anos e chamava-se O Tal. Era o aluno de quem mais se falava na escola, por toda a gente. Cada professor achava que O Tal não aprendia o suficiente na sua disciplina, não tinha o comportamento adequado, não tinha motivação para aprender, não estudava, não gostava de escrever, não gostava de ler, não se interessava pela generalidade dos assuntos abordados nas aulas, não sabia participar numa conversa, não completava uma actividade, não era organizado, não gostava de ser contrariado, não cumpria a generalidade das tarefas, etc.

Um dia, um dos professores que tinha O Tal, falou nele ao Professor Velho, o que estava na biblioteca e falava com os livros. O Professor Velho, depois de ouvir afirmou que não conhecia O Tal. A resposta surpreendeu o professor. “Como não conheces O Tal? É o aluno mais conhecido da escola!”.

Disse o Velho naquele jeito baixinho, “Sim, eu sei quem é O Tal, mas acho que O Tal é o aluno mais desconhecido da escola. Repara, só conhecem o que ele não sabe, o que ele não faz, o que não gosta, o que ele não é. Não saberão, portanto, o que ele é, o que ele será capaz de fazer, o que ele saberá, de que gostará. Olha que a gente só aprende a partir do que sabe e só cresce a partir do que já é. Era melhor conhecer O Tal. Só conhecendo O Tal e as suas circunstâncias o podemos “agarrar””.

Sempre assim será com "Os Tais”.

domingo, 24 de novembro de 2024

ALGUNS BRINQUEDOS SÃO PERIGOSOS, A NEGLIGÊNCIA TAMBÉM

 Como por aqui se diz, está um dia cabaneiro, com uma ventania que convida a estar em casa. Dado que não é dia de escola os mais novos podem ter um tempinho para brincar. Por coincidência, mas sem surpresa, é habitual quendo se aproxima a época natalícia, no DN está uma peça a alertar para o perigo que alguns brinquedos podem representar para as crianças.

Nos primeiros quatro meses deste ano, a ASAE – Autoridade da Segurança Alimentar e Económica apreendeu 682 brinquedos inseguros e de “potencial risco”. É ainda de referir que relatórios do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia mostram que os brinquedos são dos produtos mais contrafeitos.

Na verdade, existem riscos em alguns brinquedos tal como a Associação para a Promoção da Segurança Infantil e a DECO já têm referido alertando para o facto de que tal estar no brinquedo o símbolo CE não é suficiente como garantia de segurança. A DECO tem também alertado para o risco da compra de brinquedos através da net.

Neste cenário, tanto como o trabalho das instituições de regulação, importa sublinhar o papel dos pais como os "verdadeiros inspectores" da segurança dos brinquedos. No entanto, parece-me, como sempre, necessário usar de algum bom senso e evitar excessos de zelo que também não são positivos, ainda que em matéria de segurança infantil o excesso seja melhor que o defeito.

Esta referência à segurança nos brinquedos é importante e oportuna, estamos à beira do espírito natalício, o tempo dos brinquedos, mas gostava de reforçar o facto de continuarmos a ser um dos países da Europa com taxa elevada de acidentes domésticos envolvendo crianças, de que as quedas de janelas ou varandas, os afogamentos ou o contacto com materiais perigosos não devidamente acondicionados, são apenas exemplos tragicamente frequentes.

O que me parece importante registar é que num tempo em que os discursos e as práticas sobre a protecção da criança estão sempre presentes e muitas vezes e em múltiplos aspectos com comportamentos de excessiva protecção, em que é recorrente a referência aos perigos dos brinquedos, também se verifica um número altíssimo de acidentes o que parece paradoxal. Acrescentaria a necessidade de uma maior regulação na utilização dos ecrãs que em excesso tem riscos de natureza diversa.

Por um lado, protegemos as crianças de forma que, do meu ponto de vista, me parece excessiva face às suas necessidades de autonomia e desenvolvimento e, por outro lado e em muitas circunstâncias, adoptamos atitudes e comportamentos altamente negligentes e facilitadores de acidentes que, frequentemente, têm consequências trágicas.

E não vale a pena pensar que só acontece aos outros.

sábado, 23 de novembro de 2024

AS CONTAS QUE NUNCA DÃO CERTO

 O Ministro da Educação MECI anunciou que em 20 de Novembro existiam 2338 alunos sem professor desde o início o ano a uma disciplina pelo que cumpriu o objectivo de diminuir em 90% o número verificado na mesma altura no ano passado.

Umas notas curtinhas. Estando em final de Novembro e tendo alunos sem aulas a pelo menos uma disciplina parece-me estranho falar de objectivo cumprido. Sim, sei que não se faz milagres, mas também entendo que precisamos de seriedade, ainda que seja uma só turma sem professor é um problema.

Em educação, mas não só, são frequentes os exercícios de “whisful thinking” ou de pensamento mágico. É também verdade que por mais que a torturem a realidade, esta não se transforma na projecção dos desejos. As realidades descritas nem sempre são as realidades observadas.

Por outro lado, é curioso que numa área como a educação, quando se referem números e se apresentam contas, estas nunca dão certas. Parece existir um problema sério de iliteracia ou, de uma forma mais popular e real, manhosice. 

Uma última nota. As políticas públicas exigem opções, os recursos são finitos, mas com regulação e competência, sem desperdício, também sabemos que, simplificando, em educação não há despesa, há investimento.

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

POBREZA E EDUCAÇÃO. É PRECISO INSISTIR

 Leio no Público que diversas organizações da sociedade civil divulgaram e chama a atenção para o aumento do risco de pobreza entre as crianças portuguesas requerendo a atenção das políticas públicas sectoriais. De acordo com os dados mais recentes do INE referentes a 2023 revelam "um aumento da taxa de pobreza infantil com 347 mil crianças em risco de pobreza monetária". "São mais 44 mil do que no ano anterior", de referem os subscritores desta iniciativa.

É ainda de registar que a "taxa de risco de pobreza infantil em 2023 foi de 20,7%", correspondendo a um regresso aos valores de 2017, o que coloca as crianças como o "grupo etário que regista a maior taxa de risco de pobreza e também aquele em que se observa uma evolução mais desfavorável deste indicador",

Refere-se também que um estudo realizado pela EPIS – Empresários para a Inclusão Social revela que 20 em cada 100 alunos provenientes de famílias desfavorecidas reprovam de ano durante o 2.º e 3.º ciclos do ensino básico.

Também no acesso e frequência do ensino superior se repercute fortemente as circunstâncias socio-económicas familiares

Ainda uma referência a dados do Eurostat que aqui abordei em Junho. Em Portugal, no final de 2023 viviam 339 mil crianças em risco de pobreza ou de exclusão social, cerca de 22,6% da população com menos de 18 anos. Relativamente a 2022 verifica-se um aumento de 1,9%. Se considerarmos a primeira infância, até aos 6 anos, a taxa de risco é de 21,6%, um aumento de 4%, mais 25 mil crianças.

Parece, assim, que estamos longe de conseguir minimizar os riscos de pobreza e exclusão importa insistir e apelar a que estas matérias constituam preocupações sérias das políticas públicas em diversas áreas.

Sabemos que a educação tem um papel crítico neste processo. Retomando notas que aqui recentemente deixei, recupero o relatório, “Portugal, Balanço Social 2023”, realizado pela Nova SBE Economics for Policy. De acordo com o trabalho, 82% das crianças pobres com três anos ou menos não frequentam pelo menos 30h de creche. Também no intervalo entre 4 e 7 anos são também as crianças mais pobres que não frequentam educação pré-escolar.

Apesar da gratuitidade da frequência da creche em 2022, a insuficiência de vagas dificulta o acesso das famílias de menor rendimento apesar de alguns efeitos decorrentes do Programa Creche Feliz.

Está bem estudada a relação entre a situação económica, laboral e nível de literacia familiar no trajecto pessoal.

Também sabemos que a pobreza tem claramente uma dimensão estrutural e intergeracional, as crianças de famílias pobres demorarão até cinco gerações a aceder a rendimentos médios, um indicador acima da média europeia.

A escola é certamente uma ferramenta poderosa de promoção de mobilidade social, mas, por si só, dificilmente funciona como elevador social.

O impacto das circunstâncias de vida no bem-estar das crianças e em aspectos mais particulares como o rendimento escolar ou o comportamento é por demais conhecido e essas circunstâncias constituem, aliás, um dos mais potentes preditores de insucesso e abandono quando são particularmente negativas, como é o caso de carências significativas ao nível das necessidades básicas.

Não podemos falhar.

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

FAMÍLIA, UM BEM DE PRIMEIRA NECESSIDADE

 Lê-se no blico que o Governo divulgou uma campanha que terá como objectivo “sensibilizar para a necessidade de termos mais famílias de acolhimento e não só sensibilizar, mas também informar", de acordo com a secretária de Estado da Acção Social e da Inclusão.

Retomo o que aqui escrevi há pouco tempo a propósito da divulgação do Relatório CASA 2023 (Relatório de Caracterização Anual da Situação de Acolhimento dasCrianças e Jovens) pelo Instituto da Segurança Social. Vejamos alguns dados. Em termos globais aumentou o número de crianças e jovens em situação de acolhimento.

Em 2023 registaram-se 2415 casos de novo acolhimento o que significa mais 8% que em 2022. Destes novos casos, 80% já estavam em acompanhamento, mas a identificação de situações de perigo sustentou processos de retirada urgente, situação que está a aumentar.

Em termos globais, das 6446 crianças em situação de acolhimento estavam 263 em família de acolhimento, 4,1% das 6446 crianças com medida de acolhimento. Assim, perto de 96% estava em regime institucional, 5738 em cuidados formais residenciais, como casas de acolhimento, e 445 noutras formas de cuidados alternativos, como centros de apoio à vida, lares residenciais ou colégios de educação especial.

É um quadro que continua a ser preocupante e alimenta o que o relatório "Caminhos para uma melhor protecção: Balanço da situação das crianças em estruturas de acolhimento na Europa e na Ásia Central" realizado pela Unicef divulgado em Janeiro mostrava, segundo qual, entre 42 países da Europa e da Ásia Central, Portugal o país com mais crianças a viverem em instituições.

Mantém-se a acrescida dificuldade de processos de adopção de crianças mais velhas, mais vulneráveis por alguma condição de saúde, crianças com necessidades especiais ou adolescentes e jovens.

É consensual que em nome do bem-estar das crianças e jovens seria desejável que se conseguisse até ao limite promover a desinstitucionalização das crianças por múltiplas e bem diversificadas razões.

Recordo um estudo de Paulo Delgado do Instituto Politécnico do Porto, creio que divulgado em 2018, refere que as crianças evidenciam uma percepção de bem-estar significativamente diferente consoante estejam em família tradicional, 9.05 numa escala de 0 a 10, em famílias de acolhimento, 8.69 e em instituições, 7.61.

Também há algum tempo um trabalho da Universidade do Minho evidenciou que as crianças institucionalizadas revelam, sem surpresa, mais dificuldade em estabelecer laços afectivos sólidos com os seus cuidadores nas instituições. Esta dificuldade pode implicar alguns riscos no desenvolvimento dos miúdos e no seu comportamento.

A conclusão não questiona, evidentemente, a competência dos técnicos cuidadores das instituições, mas as próprias condições de vida institucional e aponta no sentido da adopção ou outros dispositivos como forma de minimizar estes riscos e facilitar os importantes processos de vinculação afectiva dos miúdos. Também deve acentuar-se o trabalho de grande qualidade que muitas instituições procuram desenvolver. Além disso, sabemos todos, que existem contextos familiares que por razões de ordem variada não devem ter crianças no seu seio, fazem-lhes mal, pelo que a retirada pode ser uma necessidade que o superior interesse da criança justifica sendo um princípio estruturante das decisões neste universo.

Uma família é, de facto, um bem de primeira necessidade.

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

DO DIA UNIVERSAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA

 Só para relembrar. O calendário das consciências determina que no dia 20 de Novembro se assinale o Dia Universal dos Direitos da Criança assente numa dupla comemoração, a proclamação da Declaração dos Direitos da Criança (1959) e adopção da Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

É verdade que nestes 65 anos, pensando sobretudo na realidade portuguesa, muito evoluímos também no que respeita ao universo dos mais novos. No entanto, os Direitos da Criança continuam uma agenda por cumprir em múltiplas dimensões e por muitas e diferentes razões.

Os ventos malinos que sopram e o enorme conjunto de dificuldades que atravessamos apesar de algumas melhorias, ancorados num quadro de valores que tende a proteger mercados e interesses outros que conflituam com os interesses e bem-estar da maioria das pessoas vão criando exclusão, pobreza e negação de direitos. Aliás, é frequente o entendimento de que os direitos devem ser entendidos como sendo de geometria variável, ou seja, dependem da conjuntura económica pelo que os que menos têm também terão os seus direitos diminuídos. Por outro lado, os ventos que sopram politicamente por boa parte do mundo não auguram melhor e maior atenção aos mais desprotegidos.

Neste cenário, conforme os estudos e a experiência mostram, os mais novos constituem um grupo especialmente vulnerável. Aliás, recordo uma expressão de Laborinho Lúcio considerando que entre nós e em muitas circunstâncias, os direitos dos menores também parecem direitos menores.

Nesta vulnerabilidade existem três áreas em que me parece que os direitos estão particularmente ameaçados, as crianças e adolescentes em risco de maus tratos, abusos e negligência, a pobreza infantil e o direito à equidade nas oportunidades de acesso à educação de qualidade para todas as crianças, sublinho, todas as crianças.

De uma forma geral, os discursos e a retórica política sempre acentuam a importância destas matérias, mas é preciso ir um pouco mais longe. Por exemplo, dotar as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens dos meios suficientes e qualificados para a detecção e acompanhamento eficaz dos casos de risco, ou caminhar no sentido de diminuir o número de crianças institucionalizadas e sem projecto de vida.

No que respeita ao risco de pobreza, as crianças são sempre o elo mais fraco de uma sociedade com um fosso demasiado grande entre os mais ricos e os mais pobres. As políticas sociais não podem deixar de entender como prioritário, sobretudo nos tempos que atravessamos, os apoios sérios e fiscalizados aos problemas das famílias que envolvem, necessariamente, os mais novos. É o seu futuro que está em causa.

No que respeita à educação, a equidade e o objectivo de que todos atinjam o patamar possível de sucesso educativo e qualificação é o grande desafio. Os discursos políticos nunca esquecem o grande desígnio da educação ou a paixão pela educação. Os preâmbulos dos normativos são excelentes peças de retórica sobre direitos e qualidade.

No entanto, precisamos mesmo de caminhar de forma séria e não tentados pela sedução do sucesso estatístico, para a qualidade dos processos educativos que se traduza nos níveis de qualificação das pessoas (não da simples certificação), na diminuição das taxas de abandono e insucesso, enfim, na construção de projectos de vida viáveis e bem-sucedidos. Muitas crianças e adolescentes com necessidades especiais vêem atropelados os seus direitos a dimensões básicas da qualidade de vida, a educação, por exemplo.

A escassez de recurso de diferente natureza que permitam apoios suficientes, competentes e em tempo útil são constrangimentos grandes que ameaçam os direitos de crianças e adolescentes.

Torna-se imperativo promover a participação e fazer ouvir, escutando, a voz dos mais novos. Continuamos com uma agenda por cumprir no que respeita ao seu bem-estar

terça-feira, 19 de novembro de 2024

QUANDO A IMPRENSA É NOTÍCIA

 De vez em quando a imprensa é ela própria o objecto da notícia. A Trust in News, empresa que detém órgãos de comunicação social como a Visão, Caras, Ativa, o Jornal de Letras Artes e Ideias e a revista História atravessa uma grave situação económica de que, aparentemente, dificilmente recuperará.

É um lugar-comum, mas uma imprensa de qualidade é um dos alicerces da democracia e nunca como hoje se tornou tão necessária.

É recorrente, não só em Portugal, a discussão da questão da sobrevivência da imprensa e, naturalmente, da sua independência face aos poderes, político e económico, designadamente. Sabemos das tentativas recorrentes de controlo político da imprensa, como também sabemos da eventual agenda implícita dos investimentos dos grupos e poderes económicos na imprensa. São vários os exemplos recentes. Sabemos que a sustentabilidade económica da imprensa é condição necessária, mas não suficiente para a sua independência e por isso os tempos são difíceis.

Por outro lado, a evolução do próprio mundo da imprensa, a evolução exponencial do universo do on-line, a conjuntura económica inibidora de gastos das famílias em bens “não essenciais” e, caso particular de Portugal, o baixo nível de hábitos de leitura e consumo da imprensa escrita, produzem dificuldades de sobrevivência de títulos de qualidade, chamados de referência, abrindo caminho à chamada imprensa tablóide que, apesar das oscilações, se mantém relativamente saudável, o que se entende. São também tablóides os tempos. A esta realidade soma-se a explosão das redes sociais e o consumo de “notícias” através destes suportes diluídas em manipulação e desinformação potenciadas pela IA. Acresce ainda a eventual falha dos modelos de gestão das empresas detentoras.

Como leitor de jornais ou revistas desde muito novo, é sempre com inquietação e tristeza que penso nestas questões e vou assistindo ao abaixamento das tiragens e, finalmente, ao desaparecimento.

Numa entrevista ao Público há já algum tempo, um especialista, Tom Rosenstiel, afirmava que se o jornalismo deixar de ser rentável e, como tal, correr o risco de desaparecimento, as democracias poderão sofrer um "cataclismo cívico". Creio que a cidadania de qualidade exige uma imprensa não só voltada para o imediatismo da espuma dos dias e acredito que apesar das mudanças em tecnologia e das incidências do mercado a que os jornalistas, a imprensa saberá adaptar-se. Quero acreditar que a imprensa, jornais ou rádio com qualidade, são como os dias, nunca acabam. Se forem jornais ou revistas, bons jornais, boas revistas, independentemente do suporte têm de resistir.

No entanto, parecem-me inquietante os potenciais efeitos que a precariedade e a fragilidade da situação profissional de muitos jornalistas possam tornar a sua função ainda mais vulnerável, trata-se da sobrevivência, às questões da qualidade e, como é referido, a constrangimentos em matéria de ética e deontologia.

No mesmo sentido, a fragilidade do jornalista enquanto profissional é também favorável à existência de pressões de várias origens e com impacto potencial inquietante no papel que se espera que a imprensa cumpra em sociedades abertas e democráticas.

Talvez, estes dados nos ajudem a perceber aquilo que para quem acompanhe diariamente a imprensa portuguesa se torna razoavelmente claro, a existência de agendas e critérios editoriais, uns mais explícitos, outros mais dissimulados, mas evidentes, que constroem narrativas em que o jornalista mal pago, com um lugar precário e pressionado é apenas um peão executivo.

Não é de agora, mas este quadro agrava a natureza da relação dos poderes, designadamente do poder político, com a comunicação social que tem algumas particularidades interessantes.

Se estivermos atentos, reparamos como todos se procuram servir da comunicação social para a defesa dos seus interesses pessoais, partidários, institucionais, económicos, etc. Nada de novo, sabemos o peso que a comunicação social tem nas sociedades actuais e nos últimos tempos também temos tido sucessivos episódios ilustrativos dessas nebulosas relações.

Nesta matéria, para além das consequências óbvias destes comportamentos, parece-me particularmente irritante a forma quase infantil, está um pouco na moda este tipo de infeliz comparação, mas não resisto, como algumas figuras reagem ao ser abordadas pela imprensa sobre assuntos sobre os quais, por várias razões, não lhes interessa discorrer. Surgem então as afirmações patéticas, “não tenho nada a acrescentar”, “desculpem, não comento”, “não estou aqui para falar dessas matérias,” “no estrangeiro não comento questões nacionais”, etc., etc. Este pessoal desenvolve assim uma espécie de surdez selectiva, só ouve o que lhe convém, de mutismo selectivo, só fala do que lhe convém, de cognição selectiva, só conhece o que lhe convém.

No entanto, são também estas as figuras que directamente ou através de terceiros, lambem as botas às redacções e aos jornalistas (quanto mais influentes melhor) e pedem, exigem, tempo de antena quando tal serve os seus diferentes interesses. Por outro lado, é também patético e preocupante assistir ao trânsito entre redacções e lugares de assessoria e em gabinetes políticos numa promiscuidade que mina a solidez ética da classe.

Parece-me ainda preocupante o peso que na imprensa assumem os “comentadores”, ocupam mais espaço que as notícias, vendem agendas, mascaram-se de jornalistas quando, na sua maioria, mais não são que “papagaios” dos poderes ou dos aspirantes a poderes.

Para combater este pântano seria necessária uma imprensa forte, não proletarizada e precária que pudesse cumprir a sua imprescindível função.

A imprescindível sobrevivência da imprensa, da boa imprensa, para além da qualidade e competência do seu próprio trabalho, também se garante na escola, nos hábitos de leitura, na educação, na cidadania.

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

A LER "PESSOAS QUE DETESTAMOS"

 O texto de José Gameiro no Expresso, “Pessoas que detestamos”, merece leitura atenta. Nos tempos que vivemos os desafios e interrogações são de diversa natureza, mas (quase todos) de importância crítica.

domingo, 17 de novembro de 2024

NOTÍCIAS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

 Ontem realizou-se em Évora, Lisboa, Faro, Coimbra e Porto uma manifestação “Por uma inclusão efectiva nas escolas" que decorreu em simultâneo em Coimbra, Évora, Faro, Lisboa e Porto, convocada pelo Movimento por uma Inclusão Efectiva para expressão e chamada de atenção sobre os problemas sentidos nas escolas para o cumprimento do direito à educação de crianças necessidades especiais, pedindo desculpa pela expressão que, parece, já não se deve usar.

É recorrente a voz de pais, professores, técnicos ou directores escolares e algumas referências na imprensa relativamente a essas dificuldades e, como se dizia há uns anos, … a luta continua.

Algumas notas retomadas, não vale a pena inventar.

Segundo dados da DGEEC no ano lectivo passado estavam cerca de 90000 alunos ao abrigo de medidas selectivas e/ou adicionais de acordo com o DL 54/2018.

Recordo que em 2018 o ME decidiu que já não podíamos referir alunos com “necessidades educativas especiais” porque a designação não era conforme a “educação inclusiva”, categorizava alguns alunos o que não é uma boa prática. Assim, determinou que os alunos que revelavam algum tipo de dificuldade eram objecto de medidas educativa arrumadas em três categorias, as medidas “universais”, as medidas “selectivas” e as medidas “adicionais”. Isto parece que é uma outra forma de categorizar, mas não é. Na educação inclusiva é assim que se faz.

Também acontece que temos alguma dificuldade em interpretar os dados que vão sendo divulgados, aumenta o número de alunos com dificuldades de alguma natureza ou aumenta o número de alunos com medidas aplicadas. E quais as dificuldades dos alunos que se inscrevem nas medidas “universais” e assim ficam incluídos.

São habituais, tal como na peça, as preocupações com a insuficiência preocupante dos recursos humanos, professores e técnicos, designadamente psicólogos e terapeutas, auxiliares educativos bem como o crescimento significativo do número de alunos sinalizados com algum tipo de dificuldade. Aliás, também se conhecem situações em que professores com funções de apoio assumem outro trabalho minimizando a falta de professores.

 Deste quadro resulta a impossibilidade de assegurar a muitos alunos aquilo que é “apenas” um direito e não um privilégio, uma resposta educativa de acordo com as suas necessidades.

Na verdade, muitos alunos não, não estão incluídos nem sequer integrados, estão “entregados” com as consequências que professores e pais bem conhecem. E não estou a considerar apenas os “Selectivos”, os “Adicionais” ou os “Universais”.

Este cenário de insuficiência de recursos tem sido referenciado em trabalhos diversos incluindo da Inspecção-Geral de Educação e Ciência.

Como tenho afirmados e escrito inúmeras vezes, acompanhei com esperança e expectativa a mais do que necessária, reafirmo, mudança legislativa desencadeada no âmbito da Educação Inclusiva que se traduziu no DL 54/2018 ele próprio associado a todo um quadro de mudança envolvendo, designadamente a definição do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, das Aprendizagens Essenciais ou o Decreto-Lei n.º 55/2018 relativamente ao currículo. Todo este edifício potenciaria a inovação, a mudança de paradigma, de vários paradigmas aliás, e alguns falavam mesmo da revolução que estava em marcha e anunciavam os amanhãs que cantam.

Com confiança em algumas virtudes do novo quadro aguardei expectante pela revelação da anunciada escola inclusiva de 2ª geração. No entanto, para meu desconforto e cansaço, o que fui conhecendo e vai sendo divulgado não me ajudou a perceber o que seria.

Continuo a verificar que, tal como aconteceu com o velho 319/91, (nesta altura eu já trabalhava neste universo há 15 anos), quer com o 3/2008 e depois com o actual 54/2018 existiam e existem professores e escolas a realizar trabalhos notáveis que devem ser conhecidos e reconhecidos.

A avaliação dos alunos, a definição dos apoios nas diferentes tipologias (já usadas como categorização uma vez que a outra categorização já não existe), o funcionamento das Equipas, os recursos disponíveis, a organização da intervenção, os papéis ou a articulação dos intervenientes continuam com inúmeros sobressaltos. Recebo muitos testemunhos e, como referi, os dados conhecidos também não são particularmente animadores.

Apesar de agora estar mais desligado em termos profissionais, o interesse e a paixão por este universo mantêm-se e apesar do cansaço, sempre me animo quando conheço situações muito positivas que, felizmente, acontecem todos os dias em tantas escolas.

No entanto, nem tudo vai bem, muito longe disso. Não torturem a realidade que ela não vai confessar.

Há muito que fazer, muito para caminhar.

 

PS – Já agora e mais uma vez, talvez já vá sendo tempo de não insistir no uso da designação "educação inclusiva" para referir a educação dos alunos que têm algum tipo de dificuldade e que se encaixam nas novas "categorias", os "universais", os "selectivos" e os "adicionais" criadas pelo DL 54, a educação inclusiva é de todos e, portanto, deveria ser “apenas” educação.