terça-feira, 8 de julho de 2025

VEMOS, OUVIMOS E LEMOS

 A rotina diária de leitura da imprensa deixa-me sempre num estado ambivalente.

Por um lado, sinto-me "obrigado" a estar atento ao que se vai passando, por outro lado, inquieta-me o que vou sabendo sobre o estado do mundo, o enorme sofrimento em que tanta gente (sobre)vive e a impotência face à incapacidade de mudança e de aprendizagem com a história.

E amanhã, no dia depois de amanhã e no dia depois do dia depois de amanhã, vamos, de novo ler as mesmas notícias, com as mesmas consequências, os mesmos protagonistas medíocres, sem escrúpulos nem valores, numa estranha forma de habituação acomodada.

Entretanto, lembrei-me da Cantata da Paz, da Sophia de Melo Breyner, “Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”.

Mas, como sabem, os poetas não sabem das coisas da vida, são uns fingidores. Nós, vemos, ouvimos e lemos e sempre, sempre, vamos ignorar.

Para não ignorarmos merece leitura e reflexão, “Numa escola em França: José Manuel. Maria de Fátima. Américo. Ana Maria. Felicidade” de Marine Santos. É evidente que os protagonistas do episódio terrorista que motivou este texto continuarão a ignorar, é sua condição, ignorantes e sem valores.

segunda-feira, 7 de julho de 2025

DA INDIGNIDADE

 Bateu no fundo a indignidade de uma bancada de arruaceiros ignorantes chefiada por um "troca-tintas" sem escrúpulos.

Não sabem o que significa Direitos e, muito menos, o que significa Humanos.

FAZER AS COISAS CERTAS, FAZER CERTAS AS COISAS

 De acordo com a imprensa o MECI definiu novas orientações para regulação da mobilidade estatutária de docentes que possibilitarão a diminuição de cerca de 35% das situações existentes.

Esta iniciativa pretende combater escassez de professores nos grupos de recrutamento, quadros de zona pedagógica e escolas deficitárias” e “permitirão o regresso às escolas públicas de centenas de professores no próximo ano letivo”.

Dada a latitude das possibilidades de mobilidade estatutária parece positivo um ajustamento nessas possibilidades.

Por outro lado e por razões óbvias, parece também que entre as modificações introduzidas seria desejável que estivesse inscrita a publicitação das situações de mobilidade.

A ver vamos, para além de fazer as coisas certas, importa fazer certas as coisas.

domingo, 6 de julho de 2025

UMA BOA NOTÍCIA

 Nos tempos que correm não é fácil encontrar boas notícias no mundo da educação e do desenvolvimento das comunidades, tal como se passa com várias outras dimensões. O mundo anda feio, muito feio.

Leio no Expresso que em Vila Velha de Ródão, o concelho mais envelhecido do país durante mais de 25 anos, o número de crianças desceu até 172, cerca de 5% da população.

Acontece que de há seis anos para cá a população aumentou estando registadas 355 crianças que representam 10% da população.  O ensino secundário reabriu este ano e uma escola do 1º ciclo encerrada desde o princípio do século vai reabri com creche e, um dado curioso, o minibus que assegurava a vinda à escola das crianças das aldeias do concelho será substituído por um autocarro maior.

A peça mostra com clareza um caminho de desenvolvimento que poderia servir de modelo para muitas comunidades do país apostando nos apoios à habitação, na existência de respostas de educação e de natureza social e na criação e manutenção de emprego. Fiquei particularmente satisfeito pois a minha querida e sempre lembrada avó Leonor era de Vila Velha de Ródão, nasceu numa aldeia, o Alvaiade, onde estive muitas vezes.

Contrariamente à irresponsabilidade e ignorância dos discursos de arruaceiros xenófobos, os modelos de desenvolvimento actual assentam na diversidade das populações. A diversidade e a inclusão constituem uma riqueza, não um obstáculo.

sábado, 5 de julho de 2025

EDUCAÇÃO INCLUSIVA - LADO B

 Vão-se repetindo as referências às enormes dificuldades sentidas por pais e escolas na resposta adequada a alunos com necessidades especiais, desculpem a insistência na terminologia, não me dou muito bem com a inclusiva arrumação de alunos nas gavetas das medidas “universais”, “selectivas” ou “universais”.

No JN surge mais um trabalho elucidativo destas dificuldades referindo-se situações dramáticas vividas pelas famílias.

Como há algum tempo a propósito do pedido de escusa de responsabilidade de um grupo de professores de educação especial de uma escola em Almada, os ventos não vão de feição para os mais vulneráveis.

Reconheço e conheço, aliás, como sempre conheci, excelentes e inspiradores trabalhos de professores, técnicos, pais, escolas ou instituições ao longo destas quase cinco décadas de paradigmas diferentes. No entanto, também importa reconhecer, veja-se os testemunhos da peça acima e outros, por exemplo de relatórios da IGEC, que propagandear discursos sobre inclusão assentes em “wishful thinking” ou torturar a realidade para que se mostre diferente não é assim muito eficaz. Não, muitos alunos não estão incluídos nem sequer integrados, estão “entregados” com as consequências que professores, técnicos e pais bem conhecem.

Desculpar-me-ão a heresia ou descrença, mas uma escola inclusiva é algo que não existe e, provavelmente, não existirá nos tempos mais próximos. Os modelos e estilos de vida actuais, económicos, políticos, sociais, culturais, as assimetrias brutais que se mantêm não são compatíveis com “uma escola inclusiva”, de todo, são brutalmente inquietantes os tempos que vivemos. Existem escolas, isso sim, que desenvolvem excelente trabalho com alguns alunos, o que é diferente de “uma escola inclusiva”.

Eu sei e gosto de acreditar que a escola é, também, uma alavanca de mudança, mas a verdade é que a escola, de uma forma ou de outra, é sobretudo um reflexo da sociedade que serve no tempo histórico em que vive.

No entanto, em nome dos meus netos que serão o futuro e das minhas convicções, e como disse acima, acredito numa escola que possa, quanto possível, tentar promover educação, a relação diária entre quem está na escola, assente em princípios de educação inclusiva. E neste sentido em todas escolas existirá educação inclusiva, há sempre quem a promova mesmo em contextos menos favoráveis.

Finalizo voltando ao início, as políticas públicas são onerosas, a política pública de educação é onerosa, a suficiência de recursos será sempre uma questão problemática, mas é, também, por aqui que se avaliam a competência e adequação das… políticas públicas.

E, fazendo bem as contas, a exclusão tem custo bem mais elevados.

Muitos pais, muitos alunos, muitos professores, muitos técnicos, não são “abandonados pelo sistema de ensino", estão abandonados na incompetência das políticas públicas e na retórica em matéria de educação inclusiva, seja lá isso o que for.

sexta-feira, 4 de julho de 2025

OS DIAS DA AVOZICE

 Em 4 de Julho de 2013 escrevi aqui no Atenta Inquietude:

Hoje, entrei no mundo encantado da avozice, nasceu o meu neto. Esta mudança de geração é um momento mágico que nada hoje conseguirá perturbar. Assim se cumpre a narrativa de um homem de sorte.

O tempo voa, já lá vão 12 anos de magia e aprendizagem neste mundo mágico no qual entrei com a abençoada chegada do Simão há doze anos e do Tomás há nove. Acho que ainda não consegui acomodar os sentimentos e a magia de acompanhar de perto, tão de perto quanto possível, mas sem o excesso da intrusão inibidora de autonomia, o crescimento destes gaiatos que têm uma geração pelo meio.

Tem sido um divertimento, uma descoberta permanente viver também os sobressaltos do crescimento e a percepção de um outro sentido para uma vida que já vai comprida e também, desculpem a imodesta confissão, cumprida.

quinta-feira, 3 de julho de 2025

O MUNDIAL DE MATRAQUILHOS E UMA VIAGEM NO TEMPO

 Num tempo estranho e duro tropeço com uma notícia no Record que me deixou surpreendido e, simultaneamente, me levou numa viagem no tempo que, como sabem, é uma tentação frequente dos mais velhos.

Há poucos dias disputou-se em Zaragoza o Campeonato Mundial de Matraquilhos em que na final se defrontaram Portugal e Espanha que venceu. Desconhecia a existência desta modalidade enquanto tal e o desempenho notável de muitos praticantes neste campeonato que aqui se regista e felicita..

Por outro lado, andei muito para trás no tempo, a entrada na adolescência quando jogar matraquilhos era uma actividade muito comum para muitos de nós.

Não tínhamos telemóveis, computadores e mesmo os brinquedos mais sofisticados estavam longe das bolsas de muitos pais, incluindo os meus.

Os matraquilhos eram uma tentação, mas também era preciso ter a moedinha. Muitas vezes fazíamos viagens a pé de casa para Almada ou volta para poder jogar aos “matrecos”.

Lembro-me de em Almada jogar no café Ver Cruz e ter a sorte de ter um parceiro, o Zé Miguel, cigano, que era uma máquina a jogar à frente e eu desenrascava-me na defesa. Muitos lanches tivemos à conta da habilidade ofensiva do Zé Miguel e, claro, da minha solidez defensiva.

Também na minha terra, Feijó, nome muito referido diariamente nas rádios de devido às filas de trânsito para a ponte 25 de Abril que estão muitas vezes perto das pontes do Feijó, jogávamos matraquilhos na Tasca do Manel.

Recordo ainda os matraquilhos porque, ainda miúdo, conseguíamos tirar, por assim dizer, uma bola para, imaginem, jogar hóquei em patins, modalidade em alta naquele tempo.

Claro que ninguém de nós tinha patins nem sticks. Recorríamos a uns talos de couve com uma curva que pudesse fazer de stick ou construíamos em madeira, solução mais frágil.

Eram tempos outros. Quando conto estas histórias aos meus netos fico com a sensação de que estão a ouvir (imaginar) ficção científica ao contrário.

De novo, as felicitações aos intervenientes pelo desempenho no Campeonato Mundial.

quarta-feira, 2 de julho de 2025

DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - MAIS UMA VEZ

 Desculpem a insistência, mas existem matérias que não podem, não devem, sair da agenda de preocupações em termos de cidadania e, obviamente, das prioridades das políticas públicas. A violência doméstica é uma dessas questões.

O número de mortes em contextos familiares aumentou 42% nos primeiros seis meses de 2025 face a 2024.

Para além de sabermos o que a violência doméstica está habitualmente no topo das participações acresce que este mundo é bem mais denso e grave do que a realidade que conhecemos, ou seja, aquilo que se conhece, apesar de recorrentemente termos notícias de casos extremos, é "apenas" a parte que fica visível de um mundo escuro que esconde muitas mais situações que diariamente ocorrem numa casa perto de nós.

Por outro lado, para além da gravidade e frequência com que continuam a acontecer episódios trágicos de violência doméstica e como recorrentemente aqui refiro, é ainda inquietante o facto de que alguns estudos realizados em Portugal evidenciam um elevado índice de violência presente nas relações amorosas entre gente mais nova mesmo quando mais qualificada. Muitos dos intervenientes remetem para um perturbador entendimento de normalidade o recurso a comportamentos que claramente configuram agressividade e abuso ou mesmo violência.

Importa ainda combater de forma mais eficaz o sentimento de impunidade instalado, as condenações são bastante menos que os casos reportados e comprovados, bem como alguma “resignação” ou “tolerância” das vítimas face à situação de dependência que sentem relativamente ao parceiro, à percepção de eventual vazio de alternativas à separação ou a uma falsa ideia de protecção dos filhos que as mantém num espaço de tortura e sofrimento. Felizmente este cenário parece estar em mudança, mas demasiado lentamente. Os sistemas de valores pessoais alteram-se a um ritmo bem mais lento do que desejamos e estão, também e obviamente, ligados aos valores sociais presentes em cada época.

Torna-se criticamente necessário que nos processos de educação e formação dos mais novos possamos desenvolver esforços que ajustem quadros de valores, de cultura e de comportamentos nas relações interpessoais que minimizem o cenário negro de violência doméstica em que vivemos. A educação, a cidadania e o desenvolvimento que sustentam constituem a ferramenta de mudança mais potente de que dispomos.

É uma aposta que urge e tão importante como os conhecimentos curriculares. Percebe-se, também por estas questões, a importância da abordagem do universo da “Cidadania e Desenvolvimento” na educação escolar e para todos os alunos. Seria ainda desejável que a ignorância, o pré-conceito e, também, o preconceito não inquinassem a discussão.

Entretanto, torna-se fundamental a existência de dispositivos de avaliação de risco e de apoio como instituições de acolhimento suficientes e acessíveis para casos mais graves, um sistema de protecção e apoio eficiente aos menores envolvidos ou testemunhas destes episódios, e, naturalmente, um sistema de justiça eficaz e célere.

A omissão ou desvalorização destas mudanças é a alimentação de um sistema de valores que ainda “legitima” a violência nas relações amorosas, que a entende como “normal”. Tudo isto tem como efeito a continuidade dos graves episódios de violência que regularmente se conhecem, muitos deles com fim trágico.

Apesar da natureza estranha e complexa dos dias que vivemos, é fundamental não esquecer questões como estas que devastam o quotidiano ou a vida de muita gente. Pode estar a acontecer numa casa ao lado.

Neste contexto, é também de registar a iniciativa há tempo divulgada de criar um primeiro instrumento legal de âmbito europeu para combater a violência doméstica e contra as mulheres.

terça-feira, 1 de julho de 2025

O DIREITO A UM ABRIGO

 O dramático problema de habitação, evidencia um direito que não assiste a muitos milhares de pessoas. Políticas públicas, nacionais, regionais e autárquicas sustentaram o drama de quem não tem casa ou vive em situações indignas. O mercado desregulado e sempre insatisfeito completa e aproveita, sem surpresa, evidentemente.

É um direito por cumprir mais de 50 anos da data que nos devolveu a esperança, 25 de Abril de 1974, o 25 de Abril.

Desse tempo, alguns recordarão um tema de Sérgio Godinho do álbum “À queima roupa” que se chamava “Liberdade” e que se transformou numa bandeira.

Dizia o Sérgio Godinho que:

(…)

Só há liberdade a sério quando houver

A paz, o pão

habitação

saúde, educação

(…)

Muito caminhámos desde esses tempos, passámos por muitas mudanças, alcançámos o que não julgávamos poder alcançar por mais que agora muita gente queira esquecer ou torcer a história.

Mas muito caminho está por fazer. As situações que se passam no universo da habitação, mas não só, são um atropelo a um direito, um atropelo à dignidade.

A impossibilidade de aceder a um tecto, a um abrigo, deveria ser reconhecida como uma prioridade absoluta em matéria de políticas públicas.

Sem jogos, sem manhosices e com uma regulação que minimize obscenidades económicas que atropelam muita gente e com benefício de muito poucos.

A história não vos absolverá.