sábado, 12 de julho de 2025

DA APRENDIZAGEM E DA ENSINAGEM

 Para fugir a uma agenda que é um mundo de inquietações volto ao meu refúgio de bem-estar, os dias do Alentejo.

Estes últimos dias têm sido particularmente animados com os netos aqui no monte.

Ontem ao jantar e ainda a propósito dos doze anos do Simão completados há dias, a conversa foi uma espécie de regresso ao passado, as histórias deles quando eram mais pequenos.

Uma das que voltou da memória para o presente aconteceu nos quatros anos do Simão e foi assim:

E isto, sabes o que é?

Sei, é um farol.

É mesmo, boa, aprendeste na escola?

Não, descobri. Ensinei-me.

Na verdade, é também assim que os miúdos aprendem, a ensinar-se.

Se tiverem tempo e circunstância é claro.

sexta-feira, 11 de julho de 2025

PROIBIR NÃO SERÁ SUFICIENTE

Foi confirmada a anunciada proibição da utilização de telemóveis no 1.º e 2.º ciclos e algum condicionamento na utilização no 3.ºciclo.

Face às questões levantadas com a utilização pelos mais novos (e não só) bem como o movimento no mesmo sentido que se verifica noutros sistemas educativos era uma decisão esperada assente nos riscos para a nome da saúde e bem-estar de crianças e adolescentes.

Apesar de conhecermos avaliações positivas de experiência de interdição do uso de telemóveis em algumas escolas e que se registam, não creio que a “simples” proibição do telemóvel na escola sustentará só por si que, terminado o período de proibição, se mantenha uma relação continuada diferente com os ecrãs. Basta atentar à nossa volta.

Muitas vezes aqui tenho tratado esta questão e recupero a referência a um trabalho publicado pela The Lancet relativo a uma investigação realizada pela Universidade de Birmingham envolvendo mais de mil alunos de 30 escolas secundárias. O estudo teve como objectivo avaliar o impacto da proibição de utilização de telemóveis nas escolas no comportamento dos estudantes, na saúde mental e no desempenho escolar.

Os resultados “sugerem que as políticas escolares restritivas actuais não influenciam significativamente a utilização do telemóvel e das redes sociais nem se traduzem em melhores resultados ao nível dos domínios mentais, físicos e cognitivos”. 

Verifica-se ainda que não diminui o tempo de exposição a ecrãs, boa parte dos alunos “compensam” a restrição da escola com mais tempo em casa.

Também abordei esta questão em muitas sessões de trabalho com pais com filhos de diferentes idades e tenho sustentado que, ainda que se possam compreender as razões que sustentam as proibições, o uso excessivo e desregulado, as decisões de proibição não me parecem consensuais. Aliás, também não tenho a convicção de que uma estratégia de proibição, só por si, devolva crianças e adolescentes à interacção pessoal e a outros hábitos comportamentais mais interessantes embora, obviamente, seja imprescindível a regulação do seu uso o que não significará, necessariamente, uma “lei seca” para telemóveis que não garante que, libertos da proibição, os bons hábitos de utilização se mantenham.

A que também não é rara a utilização de telemóveis associada a actividades de aprendizagem e sustentada pelo quadro legal que ainda vigora.

Neste contexto, creio que importa também colocar a questão a questão a montante, a utilização que todos damos a estes dispositivos. Seria muito interessante e desejável que se discutisse a sério (incluindo crianças e jovens) nas comunidades educativas a regulação dos comportamentos e definição de regras e limites, sem “superpais”, sem “superfilhos” ou “superprofessores”. No entanto, esta discussão tem de ser acompanhada pela nossa, adultos, pais e/ou profissionais, regulação da sua utilização. Se olharmos para muitas famílias em “convívio” ou para muitos contextos profissionais em “reunião” verificaremos os ecrãs que muitos terão à sua frente e perceberemos o que está por fazer, comportamento gera comportamento. A sobreutilização por parte dos adultos parece-me ser uma variável crítica desta equação e se não conseguirmos todos esta regulação não podemos pedir à escola que o faça com sucesso e de forma continuada no tempo.

Como também tenho referido, creio que este movimento deve ser enquadrado na mudança que felizmente também parece estar a emergir, a não utilização dos manuais digitais no 1.º ciclo também agora decidida refreando o deslumbramento pela “transição digital” que, como ontem escrevi, enquadrando de forma ajustada a inevitabilidade de incorporar estas ferramentas nos processos educativos, também volta a defender a importância de abordagens metodológicas ou didácticas “antigas”, “conservadoras”, tais como escrever à mão, desenhar, brincar na rua, ler em suporte papel, interagir presencialmente ou promover relações afectivas literalmente mais próximas, tudo ferramentas importantes de desenvolvimento e aprendizagem.

A ver vamos com a coisa evoluirá por cá, mas não me parece que a proibição de telemóveis nas escolas venha a ter o efeito regulador que todos desejamos. A regulação do uso por parte dos adultos, pais em particular, poderia ter um efeito potenciador mais positivo minimizando a tentação dos mais novos de “compensar” em casa a “companhia” do telemóvel que não têm na escola ou a sobreutilização depois de terminada a proibição.

quinta-feira, 10 de julho de 2025

IDEOLOGIA E EDUCAÇÃO

 Foi aprovada pelo MECI a anunciada a reformulação da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, a primeira mudança da “reforma curricular” que também estará em curso a partir do próximo ano lectivo.

Segundo o primeiro-ministro pretende-se “reforçar o cultivo dos valores constitucionais" e garantir que seja liberta “das amarras de projectos ideológicos ou de facção”.

Do que já se sabe, são criados oito domínios, direitos humanos, democracia e instituições políticas, desenvolvimento sustentável, literacia financeira e empreendedorismo, saúde, media, risco e segurança rodoviária, pluralismo e diversidade cultural.

Estes oito domínios que serão operacionalizados através da definição de aprendizagens essenciais substituem os dezassete temas actualmente definidos para a disciplina, como Direitos Humanos; Igualdade de Género; Interculturalidade; Desenvolvimento Sustentável; Educação Ambiental; Saúde; Sexualidade; Media; Instituições e Participação Democrática; Literacia Financeira e Educação para o Consumo; Segurança Rodoviária; Risco, Empreendedorismo; Mundo do Trabalho, Segurança defesa e paz, Bem-estar animal e Voluntariado.

Aguardemos pela definição das aprendizagens essenciais que serão definidas.

Até lá umas notas de reflexão global.

Sabemos como os estilos de vida actuais têm colocado graves dificuldades às famílias para assegurarem a guarda das crianças em horários não escolares. A resposta tem sido prolongar a estadia dos miúdos nas instituições escolares alimentando o que considero um dos vários equívocos no universo da educação, a afirmação de uma visão de “Escola a Tempo Inteiro” em vez de “Educação a Tempo Inteiro”. O modelo é bem recebido por muitos pais e tolerado por muitos outros por falta de alternativas.

Importa relembrar que para os alunos mais novos e de acordo com o que está definido legalmente, considerando o horário curricular, as Actividades de Enriquecimento Curricular e a Componente de Apoio à Família, a estadia dos alunos na escola pode atingir bem mais de 40 horas semanais se os pais necessitarem. Muitos alunos estão mesmo nas escolas 50h ou mais por semana.

Importa também acentuar que fora dos contextos escolares, o padrão relacional entre adultos, de todas as condições, exprime também com demasiada frequência descontrolo e conflitualidade. O comportamento agressivo, verbal, físico, psicológico, etc., tornou-se quase, um novo normal em múltiplos contextos.

Sabemos também que a ideia de que a “família educa e a escola instrói” já não colhe e espera-se que a escola não forme “apenas” técnicos, mas cidadãos, pessoas, com qualificações ao nível dos conhecimentos em múltiplas áreas.

Um sistema público de educação com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. Uma educação global de qualidade é de uma importância crítica para minimizar o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis que, evidentemente, não constituem as famílias que ficaram muito inquietas com a abordagem realizada em algumas escolas no âmbito da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, embora, naturalmente, muitos aspectos possam ser discutidos.

Não é possível que a leitura regular da imprensa escrita, sobretudo nos últimos tempos e no que respeita à educação tenha na terminologia de boa parte dos trabalhos publicados e sem qualquer ordenação de frequência ou preocupação, alunos desmotivados, agressões a professores, agressões a alunos, agressões a funcionários, “bullying”, violência escolar, humilhações, falta de autoridade dos professores, imagem social degradada dos professores, professores desmotivados, famílias incompetentes, pais negligentes, demissão familiar, indisciplina, recusa, contestação, insucesso, facilitismo, burocracia, currículos desajustados, insegurança, medo, receio, etc. São ainda preocupantes os indicadores relativos a violência nas relações de namoro entre jovens, sendo que muitos a entendem como “normal”, tal como inquietam os padrões de consumo de álcool ou droga.

Neste contexto parece-me claro a que a abordagem de matérias actualmente definidas ou, na versão agora anunciada, contemplando oito domínios acima referidos são fundamentais ao longo do processo de formação de crianças, jovens e adultos.

No entanto e como já tenho referido também entendo que a abordagem a estas matérias não tem necessariamente de ser “disciplinarizada”, mas esta é ainda uma outra questão.

Nas sociedades contemporâneas um sistema público de educação com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. É através de uma educação global de qualidade que se minimiza o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis.

Dito isto deixem-me olhar para a fonte do mal, a “ideologia”.

Acho sempre curiosas as discussões em torno das “questões ideológicas” designadamente no universo da educação. Tenho para mim que não existem políticas públicas de educação, ou de outra área, que sejam neutras, assépticas, imunes, etc. em matéria de valores sociais ou ideologia, seja tudo isto o que for.

Ao defender, por exemplo, princípios de educação inclusiva, já me tem acontecido ser “acusado” de produzir um discurso ideológico. Muito provavelmente, os meus interlocutores esperariam que me procurasse “defender” através da evidência científica. No entanto, a minha resposta começa habitualmente com algo como, “ainda bem que fui claro, o meu discurso corresponde a uma visão de sociedade, de educação e de escola. Agora vamos à evidência científica que a sustenta". Provavelmente, nas mais das vezes, ficamos na mesma, cada qual com a sua visão ideológica, pois claro.

Acontece ainda que, com frequência se confunde ideologia com partidarismo. Como já afirmei, tenho uma visão ideológica do mundo que me rodeia, mas não consigo encaixar-me numa visão partidária o que, naturalmente, será uma limitação da minha parte.

A verdade é que já cansa a forma habilidosa como muitas questões são abordadas em função da “ideologia”.

Boa parte das pessoas que contestam o que afirmam constituir uma visão ideológica entende que o que defendem não tem carga ideológica, é asséptico, sendo que as ideias contrárias, essas sim, são sustentadas pela ideologia e devem ser combatidas.

Tantas e tantas vezes tropeço com este entendimento que envolve uma outra dimensão menos explicitada, a ética. Tantos interlocutores me dizem com a maior tranquilidade que quando os estudos ou a experiência não vão ao encontro das suas ideias, certas e pragmáticas, os estudos são mal feios e contaminados pela ideologia ou que a experiência não serve de argumento. Quando discordo, o meu discurso é ideológico e o do interlocutor é correcto, asséptico do ponto de vista ideológico, obviamente, suportado com a evidência científica que ao meu é negado porque os estudos … são ideológicos. Sim, como disse, o que penso tem uma carga ideológica, é assim que entendo o mundo.

Na verdade, não acredito em visões de sociedade sem arquitectura ideológica, ética ou moral. Isso não existe, só por desonestidade intelectual se pode afirmar tal.

Como disse e reafirmo, há décadas que não tenho qualquer espécie de filiação partidária, não me orgulho nem me queixo, é assim que penso. No entanto, tenho posições que são de natureza ideológica sobre o que me rodeia e o que respeita à vida da gente.

Não as entendo como únicas, imutáveis ou exclusivas, aliás, gosto mais de discutir e aprender com alguém que também assim se posiciona, sem manha, sem a falsidade do “não tenho ideologia” como se isso fosse uma fonte de autoridade.

quarta-feira, 9 de julho de 2025

UMA DECISÃO NO BOM CAMINHO

 O MECI confirmou que no 1.º ciclo não serão utilizados manuais digitais e a partir do 2.º ciclo as escolas poderão decidir pela sua utilização mediante justificação.

A decisão tomou em consideração a avaliação da experiência do projecto-piloto em curso desde 20/21 e também considerando as experiências de outros países.

Anda bem o Ministério ao assumir esta decisão. Repetindo-me, continuo cada vez mais convencido da necessidade de inflexão relativa à utilização precoce de manuais digitais. Um Relatório da Unesco divulgado em 2023, “Technology in education: A tool on whose terms?” é um bom contributo para sustentar esta decisão assim como o que vai conhecendo de iniciativas e análises em diferentes sistemas educativos que pretendem repensar ou já ajustaram a utilização dos recursos digitais, casos da Noruega e Suécia.

Na verdade e felizmente, parece em perda o inquietante “deslumbramento digital”. Alguma evidência robusta sugere a maior prudência relativa à “transição digital” que, enquadrando de forma ajustada a inevitabilidade de incorporar estas ferramentas nos processos educativos, também sustenta a importância de abordagens metodológicas ou didácticas “antigas”, “conservadoras”, tais como escrever à mão, desenhar, brincar na rua, ler em suporte papel, interagir presencialmente ou promover relações afectivas literalmente mais próximas, tudo ferramentas importantes de desenvolvimento e aprendizagem.

Apesar do seu enorme potencial as ferramentas digitais não são a poção mágica para o ensino e aprendizagem. Os computadores ou tablets na sala de aula, os smart boards, não promovem sucesso só pela sua existência. A forma como são utilizados por professores e alunos é que pode potenciar a qualidade e os resultados desse trabalho. Aliás, o mesmo se pode dizer de qualquer outro recurso ou actividade no âmbito dos processos de aprendizagem.

É certo que múltiplos estudos e experiências valorizam estes recursos nos processos de ensino e aprendizagem pelo que é importante garantir o acesso pela generalidade dos alunos, mas, não podem passar a ser o tudo no trabalho escolar.

Neste contexto e como já tenho afirmado, com base no que se sabe em matéria de desenvolvimento das crianças e adolescentes, dos processos de ensino e aprendizagem e da sua complexa teia de variáveis, das experiências e dos estudos neste universo, mesmo quando aparentemente contraditórios parece de considerar:

1 – O contacto precoce com as tecnologias digitais é, por princípio, uma experiência positiva para os alunos, para todos os alunos, se considerarmos o mundo em que vivemos e no qual eles se estão a preparar para viver. Nós adultos ainda estamos a pagar um preço elevado pela iliteracia, os nossos miúdos não devem correr o risco da iliteracia informática. Os tempos da pandemia mostraram isso mesmo.

2 – O computador/tablet, kits robóticos, smart boards, etc., na sala de aula são mais uma ferramenta, não são A ferramenta, não substituem a escrita manual e a leitura em papel, não substituem a aprendizagem do cálculo, não substituem coisa nenhuma, são “apenas” mais um meio, muito potente sem dúvida, ao dispor de alunos e professores para ensinar e aprender e agilizar o acesso a informação e conhecimento. Reafirmo a importância atribuída à leitura em papel e à escrita manual em termos de desenvolvimento e aprendizagem.

3 - O que dá qualidade e eficácia aos materiais e instrumentos que se utilizam na sala de aula não é a tanto a sua natureza, mas, sobretudo, a sua utilização, ou seja, incontornavelmente, o trabalho dos professores é uma variável determinante. Posso ter um computador para fazer todos os dias a mesma tarefa, da mesma maneira, sobre o mesmo tema, etc. Rapidamente se atinge a desmotivação e ineficácia, é a utilização adequada que potencia o efeito as capacidades dos materiais e dispositivos.

4 - Para alguns alunos com necessidades especiais o computador pode ser mesmo a sua mais eficiente ferramenta e apoio para acesso ao currículo.

5 – Para além de garantir o acesso dos miúdos aos materiais é obviamente imprescindível promover o acesso a formação e apoio ajustados aos professores sem os quais se compromete a qualidade do trabalho a desenvolver bem como, evidentemente, assegurar as condições exigidas para que o material possa ser rentabilizado. São por demais conhecidas as dificuldades sentidas nas escolas com os recursos e acessibilidade.

6 – Finalmente, como em todo o trabalho educativo, são essenciais os dispositivos de regulação e avaliação do trabalho de alunos, professores e escolas. Estes dispositivos devem incluir avaliação externa.

Como referi acima, não existem poções mágicas em educação por mais desejável que possa parecer a sua existência. Não deixemos que o fascínio deslumbrado pelo que se julga que serão as "salas de aula do futuro" faça esquecer os problemas das salas de aula do presente.

terça-feira, 8 de julho de 2025

VEMOS, OUVIMOS E LEMOS

 A rotina diária de leitura da imprensa deixa-me sempre num estado ambivalente.

Por um lado, sinto-me "obrigado" a estar atento ao que se vai passando, por outro lado, inquieta-me o que vou sabendo sobre o estado do mundo, o enorme sofrimento em que tanta gente (sobre)vive e a impotência face à incapacidade de mudança e de aprendizagem com a história.

E amanhã, no dia depois de amanhã e no dia depois do dia depois de amanhã, vamos, de novo ler as mesmas notícias, com as mesmas consequências, os mesmos protagonistas medíocres, sem escrúpulos nem valores, numa estranha forma de habituação acomodada.

Entretanto, lembrei-me da Cantata da Paz, da Sophia de Melo Breyner, “Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”.

Mas, como sabem, os poetas não sabem das coisas da vida, são uns fingidores. Nós, vemos, ouvimos e lemos e sempre, sempre, vamos ignorar.

Para não ignorarmos merece leitura e reflexão, “Numa escola em França: José Manuel. Maria de Fátima. Américo. Ana Maria. Felicidade” de Marine Santos. É evidente que os protagonistas do episódio terrorista que motivou este texto continuarão a ignorar, é sua condição, ignorantes e sem valores.

segunda-feira, 7 de julho de 2025

DA INDIGNIDADE

 Bateu no fundo a indignidade de uma bancada de arruaceiros ignorantes chefiada por um "troca-tintas" sem escrúpulos.

Não sabem o que significa Direitos e, muito menos, o que significa Humanos.

FAZER AS COISAS CERTAS, FAZER CERTAS AS COISAS

 De acordo com a imprensa o MECI definiu novas orientações para regulação da mobilidade estatutária de docentes que possibilitarão a diminuição de cerca de 35% das situações existentes.

Esta iniciativa pretende combater escassez de professores nos grupos de recrutamento, quadros de zona pedagógica e escolas deficitárias” e “permitirão o regresso às escolas públicas de centenas de professores no próximo ano letivo”.

Dada a latitude das possibilidades de mobilidade estatutária parece positivo um ajustamento nessas possibilidades.

Por outro lado e por razões óbvias, parece também que entre as modificações introduzidas seria desejável que estivesse inscrita a publicitação das situações de mobilidade.

A ver vamos, para além de fazer as coisas certas, importa fazer certas as coisas.

domingo, 6 de julho de 2025

UMA BOA NOTÍCIA

 Nos tempos que correm não é fácil encontrar boas notícias no mundo da educação e do desenvolvimento das comunidades, tal como se passa com várias outras dimensões. O mundo anda feio, muito feio.

Leio no Expresso que em Vila Velha de Ródão, o concelho mais envelhecido do país durante mais de 25 anos, o número de crianças desceu até 172, cerca de 5% da população.

Acontece que de há seis anos para cá a população aumentou estando registadas 355 crianças que representam 10% da população.  O ensino secundário reabriu este ano e uma escola do 1º ciclo encerrada desde o princípio do século vai reabri com creche e, um dado curioso, o minibus que assegurava a vinda à escola das crianças das aldeias do concelho será substituído por um autocarro maior.

A peça mostra com clareza um caminho de desenvolvimento que poderia servir de modelo para muitas comunidades do país apostando nos apoios à habitação, na existência de respostas de educação e de natureza social e na criação e manutenção de emprego. Fiquei particularmente satisfeito pois a minha querida e sempre lembrada avó Leonor era de Vila Velha de Ródão, nasceu numa aldeia, o Alvaiade, onde estive muitas vezes.

Contrariamente à irresponsabilidade e ignorância dos discursos de arruaceiros xenófobos, os modelos de desenvolvimento actual assentam na diversidade das populações. A diversidade e a inclusão constituem uma riqueza, não um obstáculo.

sábado, 5 de julho de 2025

EDUCAÇÃO INCLUSIVA - LADO B

 Vão-se repetindo as referências às enormes dificuldades sentidas por pais e escolas na resposta adequada a alunos com necessidades especiais, desculpem a insistência na terminologia, não me dou muito bem com a inclusiva arrumação de alunos nas gavetas das medidas “universais”, “selectivas” ou “universais”.

No JN surge mais um trabalho elucidativo destas dificuldades referindo-se situações dramáticas vividas pelas famílias.

Como há algum tempo a propósito do pedido de escusa de responsabilidade de um grupo de professores de educação especial de uma escola em Almada, os ventos não vão de feição para os mais vulneráveis.

Reconheço e conheço, aliás, como sempre conheci, excelentes e inspiradores trabalhos de professores, técnicos, pais, escolas ou instituições ao longo destas quase cinco décadas de paradigmas diferentes. No entanto, também importa reconhecer, veja-se os testemunhos da peça acima e outros, por exemplo de relatórios da IGEC, que propagandear discursos sobre inclusão assentes em “wishful thinking” ou torturar a realidade para que se mostre diferente não é assim muito eficaz. Não, muitos alunos não estão incluídos nem sequer integrados, estão “entregados” com as consequências que professores, técnicos e pais bem conhecem.

Desculpar-me-ão a heresia ou descrença, mas uma escola inclusiva é algo que não existe e, provavelmente, não existirá nos tempos mais próximos. Os modelos e estilos de vida actuais, económicos, políticos, sociais, culturais, as assimetrias brutais que se mantêm não são compatíveis com “uma escola inclusiva”, de todo, são brutalmente inquietantes os tempos que vivemos. Existem escolas, isso sim, que desenvolvem excelente trabalho com alguns alunos, o que é diferente de “uma escola inclusiva”.

Eu sei e gosto de acreditar que a escola é, também, uma alavanca de mudança, mas a verdade é que a escola, de uma forma ou de outra, é sobretudo um reflexo da sociedade que serve no tempo histórico em que vive.

No entanto, em nome dos meus netos que serão o futuro e das minhas convicções, e como disse acima, acredito numa escola que possa, quanto possível, tentar promover educação, a relação diária entre quem está na escola, assente em princípios de educação inclusiva. E neste sentido em todas escolas existirá educação inclusiva, há sempre quem a promova mesmo em contextos menos favoráveis.

Finalizo voltando ao início, as políticas públicas são onerosas, a política pública de educação é onerosa, a suficiência de recursos será sempre uma questão problemática, mas é, também, por aqui que se avaliam a competência e adequação das… políticas públicas.

E, fazendo bem as contas, a exclusão tem custo bem mais elevados.

Muitos pais, muitos alunos, muitos professores, muitos técnicos, não são “abandonados pelo sistema de ensino", estão abandonados na incompetência das políticas públicas e na retórica em matéria de educação inclusiva, seja lá isso o que for.

sexta-feira, 4 de julho de 2025

OS DIAS DA AVOZICE

 Em 4 de Julho de 2013 escrevi aqui no Atenta Inquietude:

Hoje, entrei no mundo encantado da avozice, nasceu o meu neto. Esta mudança de geração é um momento mágico que nada hoje conseguirá perturbar. Assim se cumpre a narrativa de um homem de sorte.

O tempo voa, já lá vão 12 anos de magia e aprendizagem neste mundo mágico no qual entrei com a abençoada chegada do Simão há doze anos e do Tomás há nove. Acho que ainda não consegui acomodar os sentimentos e a magia de acompanhar de perto, tão de perto quanto possível, mas sem o excesso da intrusão inibidora de autonomia, o crescimento destes gaiatos que têm uma geração pelo meio.

Tem sido um divertimento, uma descoberta permanente viver também os sobressaltos do crescimento e a percepção de um outro sentido para uma vida que já vai comprida e também, desculpem a imodesta confissão, cumprida.

quinta-feira, 3 de julho de 2025

O MUNDIAL DE MATRAQUILHOS E UMA VIAGEM NO TEMPO

 Num tempo estranho e duro tropeço com uma notícia no Record que me deixou surpreendido e, simultaneamente, me levou numa viagem no tempo que, como sabem, é uma tentação frequente dos mais velhos.

Há poucos dias disputou-se em Zaragoza o Campeonato Mundial de Matraquilhos em que na final se defrontaram Portugal e Espanha que venceu. Desconhecia a existência desta modalidade enquanto tal e o desempenho notável de muitos praticantes neste campeonato que aqui se regista e felicita..

Por outro lado, andei muito para trás no tempo, a entrada na adolescência quando jogar matraquilhos era uma actividade muito comum para muitos de nós.

Não tínhamos telemóveis, computadores e mesmo os brinquedos mais sofisticados estavam longe das bolsas de muitos pais, incluindo os meus.

Os matraquilhos eram uma tentação, mas também era preciso ter a moedinha. Muitas vezes fazíamos viagens a pé de casa para Almada ou volta para poder jogar aos “matrecos”.

Lembro-me de em Almada jogar no café Ver Cruz e ter a sorte de ter um parceiro, o Zé Miguel, cigano, que era uma máquina a jogar à frente e eu desenrascava-me na defesa. Muitos lanches tivemos à conta da habilidade ofensiva do Zé Miguel e, claro, da minha solidez defensiva.

Também na minha terra, Feijó, nome muito referido diariamente nas rádios de devido às filas de trânsito para a ponte 25 de Abril que estão muitas vezes perto das pontes do Feijó, jogávamos matraquilhos na Tasca do Manel.

Recordo ainda os matraquilhos porque, ainda miúdo, conseguíamos tirar, por assim dizer, uma bola para, imaginem, jogar hóquei em patins, modalidade em alta naquele tempo.

Claro que ninguém de nós tinha patins nem sticks. Recorríamos a uns talos de couve com uma curva que pudesse fazer de stick ou construíamos em madeira, solução mais frágil.

Eram tempos outros. Quando conto estas histórias aos meus netos fico com a sensação de que estão a ouvir (imaginar) ficção científica ao contrário.

De novo, as felicitações aos intervenientes pelo desempenho no Campeonato Mundial.

quarta-feira, 2 de julho de 2025

DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - MAIS UMA VEZ

 Desculpem a insistência, mas existem matérias que não podem, não devem, sair da agenda de preocupações em termos de cidadania e, obviamente, das prioridades das políticas públicas. A violência doméstica é uma dessas questões.

O número de mortes em contextos familiares aumentou 42% nos primeiros seis meses de 2025 face a 2024.

Para além de sabermos o que a violência doméstica está habitualmente no topo das participações acresce que este mundo é bem mais denso e grave do que a realidade que conhecemos, ou seja, aquilo que se conhece, apesar de recorrentemente termos notícias de casos extremos, é "apenas" a parte que fica visível de um mundo escuro que esconde muitas mais situações que diariamente ocorrem numa casa perto de nós.

Por outro lado, para além da gravidade e frequência com que continuam a acontecer episódios trágicos de violência doméstica e como recorrentemente aqui refiro, é ainda inquietante o facto de que alguns estudos realizados em Portugal evidenciam um elevado índice de violência presente nas relações amorosas entre gente mais nova mesmo quando mais qualificada. Muitos dos intervenientes remetem para um perturbador entendimento de normalidade o recurso a comportamentos que claramente configuram agressividade e abuso ou mesmo violência.

Importa ainda combater de forma mais eficaz o sentimento de impunidade instalado, as condenações são bastante menos que os casos reportados e comprovados, bem como alguma “resignação” ou “tolerância” das vítimas face à situação de dependência que sentem relativamente ao parceiro, à percepção de eventual vazio de alternativas à separação ou a uma falsa ideia de protecção dos filhos que as mantém num espaço de tortura e sofrimento. Felizmente este cenário parece estar em mudança, mas demasiado lentamente. Os sistemas de valores pessoais alteram-se a um ritmo bem mais lento do que desejamos e estão, também e obviamente, ligados aos valores sociais presentes em cada época.

Torna-se criticamente necessário que nos processos de educação e formação dos mais novos possamos desenvolver esforços que ajustem quadros de valores, de cultura e de comportamentos nas relações interpessoais que minimizem o cenário negro de violência doméstica em que vivemos. A educação, a cidadania e o desenvolvimento que sustentam constituem a ferramenta de mudança mais potente de que dispomos.

É uma aposta que urge e tão importante como os conhecimentos curriculares. Percebe-se, também por estas questões, a importância da abordagem do universo da “Cidadania e Desenvolvimento” na educação escolar e para todos os alunos. Seria ainda desejável que a ignorância, o pré-conceito e, também, o preconceito não inquinassem a discussão.

Entretanto, torna-se fundamental a existência de dispositivos de avaliação de risco e de apoio como instituições de acolhimento suficientes e acessíveis para casos mais graves, um sistema de protecção e apoio eficiente aos menores envolvidos ou testemunhas destes episódios, e, naturalmente, um sistema de justiça eficaz e célere.

A omissão ou desvalorização destas mudanças é a alimentação de um sistema de valores que ainda “legitima” a violência nas relações amorosas, que a entende como “normal”. Tudo isto tem como efeito a continuidade dos graves episódios de violência que regularmente se conhecem, muitos deles com fim trágico.

Apesar da natureza estranha e complexa dos dias que vivemos, é fundamental não esquecer questões como estas que devastam o quotidiano ou a vida de muita gente. Pode estar a acontecer numa casa ao lado.

Neste contexto, é também de registar a iniciativa há tempo divulgada de criar um primeiro instrumento legal de âmbito europeu para combater a violência doméstica e contra as mulheres.

terça-feira, 1 de julho de 2025

O DIREITO A UM ABRIGO

 O dramático problema de habitação, evidencia um direito que não assiste a muitos milhares de pessoas. Políticas públicas, nacionais, regionais e autárquicas sustentaram o drama de quem não tem casa ou vive em situações indignas. O mercado desregulado e sempre insatisfeito completa e aproveita, sem surpresa, evidentemente.

É um direito por cumprir mais de 50 anos da data que nos devolveu a esperança, 25 de Abril de 1974, o 25 de Abril.

Desse tempo, alguns recordarão um tema de Sérgio Godinho do álbum “À queima roupa” que se chamava “Liberdade” e que se transformou numa bandeira.

Dizia o Sérgio Godinho que:

(…)

Só há liberdade a sério quando houver

A paz, o pão

habitação

saúde, educação

(…)

Muito caminhámos desde esses tempos, passámos por muitas mudanças, alcançámos o que não julgávamos poder alcançar por mais que agora muita gente queira esquecer ou torcer a história.

Mas muito caminho está por fazer. As situações que se passam no universo da habitação, mas não só, são um atropelo a um direito, um atropelo à dignidade.

A impossibilidade de aceder a um tecto, a um abrigo, deveria ser reconhecida como uma prioridade absoluta em matéria de políticas públicas.

Sem jogos, sem manhosices e com uma regulação que minimize obscenidades económicas que atropelam muita gente e com benefício de muito poucos.

A história não vos absolverá.

segunda-feira, 30 de junho de 2025

A SÉRIO?!!

 É, por assim dizer, uma história estranha, ou não. A consultora KPMG contratada pelo MECI começou a realizar em Novembro de 2024 uma auditoria com o objectivo, entre outros, de apurar o número de alunos que não tiveram professor a todas as disciplinas. A auditoria constituiu um encargo de 52750€ e deveria produzir alguma informação até final do ano lectivo.

Terminada a auditoria, ficámos a saber que não saberemos o que deveríamos ficar a saber, embora, ao que parece, se tenham produzido umas ideias sobre como ficarmos a saber o que deveríamos saber após a realização da auditoria.

Talvez valha pena recordar que o MECI tem como estruturas: Secretaria-Geral, Inspecção-Geral da Educação e Ciência, Direcção-Geral da Administração Escolar, Direcção-Geral da Educação, Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, Instituto de Avaliação Educativa, Instituto de Gestão Financeira da Educação, I. P.

Será que nenhuma destas tem capacidade de resposta para esta questão tão fácil de enunciar, “Quantos alunos não têm professor a todas as disciplinas?”

Como também já aqui escrevi, talvez por ignorância minha, seria expectável que as direcções de escolas e agrupamentos tenham dados seguros sobre a falta de docentes para os seus alunos.

Nem me parece que para agregar estes dados seja necessário um sistema altamente sofisticado.

Enfim, uma história típica desta terra onde acontecem coisas.

domingo, 29 de junho de 2025

DAR O SALTO

 Estamos em plena época de exames finais do secundário. Dentro de pouco tempo milhares de jovens irão tomar decisões com impacto no seu futuro. Lembrei-me de uma história.

Era uma vez um Rapaz que vivia numa família curiosa. Desde pequeno o Rapaz começou a ouvir os pais a dizer e a esperar, que tudo o que o Rapaz fizesse deveria ser sempre muito bem feito. Era preciso dar o salto, diziam eles, querendo significar que o Rapaz não podia ser como os outros, tinha de ser melhor, sempre.

Quando entrou na escola o Rapaz ia cumprindo de forma positiva a tarefa de aprender, mas todos os dias os pais lhe lembravam que ele tinha de ser mais perfeito, de preferência o melhor, ou seja, tinha de dar o salto.

O Rapaz, como quase todos os rapazes, ia tentando corresponder e esforçava-se para melhorar o seu desempenho na generalidade das tarefas, mas no fim, lá está, ouvia que podia fazer melhor, era preciso dar o salto.

Ao chegar à adolescência e ao tempo das escolhas, para dentro e para fora, o Rapaz começou a pensar na narrativa que o levaria ao futuro. Desde logo foi ouvindo dos pais que aquela escolha, aquelas escolhas, eram a escolha dos medíocres, dos que não chegariam a lado nenhum, dos que, claro, não davam nem nunca dariam o salto.

A situação não ficou fácil, de um lado, o seu, o Rapaz sentia a pressão de escolher o caminho que queria percorrer, do outro, uma pressão cada vez mais pesada no sentido de dar o salto, a grande e contínua exigência dos pais.

Um dia, o Rapaz decidiu-se. Deu o salto, um enorme e definitivo salto.

sexta-feira, 27 de junho de 2025

ABANDONO ESCOLAR E ENSINO SUPERIOR

 A Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência divulgou través do portal Inforcursos alguma informação sobre o trajecto dos alunos do ensino superior.

Uma primeira abordagem para a questão preocupante da subida do abandono dos estudantes no final do primeiro ano de frequência do ensino superior que continua a subir e do tempo que os alunos demoram a concluir os seus cursos.

Em 23/24, nos cursos técnicos superiores profissionais, CTeSP, 28.1% dos alunos não estavam a frequentar o ensino um ano depois de iniciarem o curso e nas licenciaturas a taxa de abandono é de 11,2%, também superior aos anos anteriores.

No que respeita à conclusão dos cursos, nas licenciaturas de três anos, apenas 45,6% acaba no tempo esperado. 

A estes indicadores não serão certamente alheios os custos da frequência do ensino superior ou o “desencanto” com a escolha.

Como tantas vezes tenho afirmado, a qualificação é um bem de primeira necessidade e um forte contributo para projectos de vida bem-sucedidos pelo que o elevado abandono é uma questão crítica.

Nos últimos tempos tem-se verificado um aumento do número de candidatos a bolsa, tal como em aumentado o número de estudantes que entra no ensino superior. Também é reconhecido que em muitas famílias se tem verificado uma perda de rendimento.

No entanto, apesar destas dimensões poderem constituir alguma justificação creio que importa não esquecer uma questão de natureza estrutural, estudar no ensino superior é muito caro em Portugal. Também a mais recente alteração do regulamento de atribuição de bolsas não minimizou esta situação.

Algumas notas começando por alguns dados que já aqui tenho citado.

De acordo com Relatório do CNE, "Estado da Educação 2019", a percentagem de alunos que em Portugal acede a bolsas de estudo para o 1º ciclo do superior está no segundo escalão mais baixo da análise, entre 10 e 24,9%. Para comparação, Irlanda, Países Baixos estão no intervalo entre 25% e 49,9% e a Suécia no superior a 75%. Países como Espanha, França, Reino Unido e muitos outros têm percentagens de alunos com apoio superiores a nós e, sem estranheza, também maior nível de qualificação.

Em 2018 foi divulgado um estudo já aqui citado, “O Custo dos Estudantes no Ensino Superior Português” da responsabilidade do Instituto de Educação da U. de Lisboa, relativo ao ano lectivo de 2015/2016 mostrando que cada estudante universitário gastou em média 6445€ em despesas como propinas, material escolar, alojamento ou alimentação. Os alunos de instituições universitárias privadas têm uma despesa perto dos 10000€ e nos politécnicos privados o custo será de 8296€. De facto, sendo a qualificação superior um bem de primeira necessidade para os cidadãos e para o país, é um bem muito caro, demasiado caro para muitas famílias e indivíduos.

Estudos comparativos internacionais, “Social and Economic Conditions of Student Life in Europe”, por exemplo, também mostram que as famílias portuguesas são das que suportam uma fatia maior dos custos de frequência do superior sendo que ainda se verifica uma forte associação entre a frequência do ensino superior e nível de escolarização e estatuto económico das famílias.

Apesar de um abaixamento do valor as propinas no ensino público, as dificuldades sentidas por muitos estudantes do ensino superior e respectivas famílias, quer no sistema público, quer no sistema privado com valores bem mais altos de propinas, são frequentemente considerads, do meu ponto de vista, de forma ligeira ou mesmo desvalorizadas. Tal entendimento parece assentar na ideia de que a formação de nível superior é um luxo, um bem supérfluo pelo que ... quem não tem dinheiro não tem vícios.

Não é particularmente animador o que a actual Secretária de Estado do Ensino Superior, Cláudia Sarrico, tenha referi em 2022 que, “as propinas de licenciatura são baixíssimas — muito menos do que se paga pelo infantário dos miúdos”, e que o “ensino superior gratuito, ou quase, tem um efeito regressivo”.

A questão é que a qualificação é a melhor forma de promover desenvolvimento e cidadania de qualidade pelo que apesar de ser um bem caro é imprescindível.

quinta-feira, 26 de junho de 2025

ENVELHECIMENTO E MAL-ESTAR DOCENTE

 O recentemente divulgado o “Balanço Anual da Educação 2025” produzido pelo think tank EDULOG, da Fundação Belmiro de Azevedo que contém um conjunto de dados verdadeiramente "surpreendente". Vejamos alguns indicadores.

Entre 18/19 e 22/23 e considerando os diferentes níveis de ensino aumentou o número de docentes com mais de 50 anos.

Em 22/23, cerca de 60% dos docentes do 2.º e 3.º ciclo bem como os do secundário tinham 50 anos ou mais. No 1.º ciclo seriam 44.5% e no pré-escolar, 56.1%.

Um outro dado relevante, continua a verificar-se um número muito significativo de professores com contrato a termo, 18% no 1.º ciclo e 24% no 3.º ciclo e secundário sustentando uma situação de instabilidade pouco amigável para o desempenho e para atractividade da profissão.

Mais a sério, para além destes dados talvez seja oportuno recordar alguns dados do estudo que já aqui citei realizado pelo Observatório da Saúde Psicológica e do Bem-Estar, da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência relativo a 2024, coordenado pela Professora Margarida Gaspar de Matos, que envolveu 6112 alunos, do pré-escolar ao secundário. Teve também a participação de mais de 900 elementos adultos das comunidades escolares, professores, psicólogos, assistentes técnicos e operacionais ou encarregados de educação.

Vejamos alguns dados ainda que com prudência dada a dimensão da amostra, 390 professores. Numa escala de 1 a 10, 62% dos docentes referem portam uma satisfação com a vida igual ou superior a sete. No entanto, metade afirma sentir-se nervoso, 50,4%, triste, 48,4%, irritado ou de mau humor, 49,2%, pelo menos uma vez por semana. É ainda de considerar que 18,3% refere frequentemente está tão triste que parece não aguentar.

Como sinais de mal-estar, 45,6% refere dificuldades em adormecer, dois terços dizem que recentemente sentiram agitação, dificuldade em relaxar, assumindo ter reagido excessivamente a determinadas situações e sentido irritabilidade.

A propósito, recordo um trabalho divulgado em Agosto de 2024 realizado pela FNE com a participação de 3750 docentes.

Em termos globais, quase 90% entendem que a profissão não é socialmente reconhecida, 53,1% afirmam gostar muito de ser professor, mas apenas 12% se sentem valorizados. Dos inquiridos, 89% identificam como dimensões críticas, as pouco ou nada atractivas perspectivas de carreira que 95% consideram não estar ao nível das competências e qualificações que lhes são exigidas.

É ainda referido por 86% o excesso de trabalho e a carga burocrática. A avaliação de desempenho constitui uma preocupação para dois terços dos respondentes e três em cada quatro afirmam-se preocupados ou muito preocupados com a progressão na carreira.

Como tantas vezes aqui tenho abordado e recuperando notas já escritas, os problemas que envolvem a classe docente e as suas consequências a curto e médio prazo, sendo conhecidos de há muito, são agora claramente reconhecidos apesar de algumas tentativas de torcer a realidade. Nos últimos anos têm sido recorrentes as referências, relatórios e estudos evidenciando a preocupante falta de professores, o envelhecimento da classe, os níveis de cansaço e de exaustão emocional, a baixa atracção dos mais jovens pela profissão associada a modelos de carreira, contratação e valorização pouco motivadores e justos. Os professores passam por dispositivos de avaliação pouco transparentes e competentes que desmotivam, causam mal-estar e climas institucionais pouco amigáveis, para ser simpático na adjectivação.

O modelo de governança das escolas é também apontado com frequência como motivo de mal-estar e desmotivação.

No entanto, também é de registar que de uma forma geral continuam a merecer a confiança das comunidades.

Este quadro, de um mal-estar reconhecido, não pode deixar de ter impacto. Como muitas vezes afirmo, crianças, enquanto grupo social, e professores, enquanto grupo profissional, constituem dois grupos nucleares nas sociedades contemporâneas. Os mais novos porque são o futuro e os professores porque, naturalmente, o preparam, tudo (quase) passa pela escola e pela educação. Entre nós, este entendimento ainda me parece mais justificado porque, devido a ajustamentos na organização social e familiar e, é minha convicção, devido a políticas públicas sociais e educativas inadequadas, os miúdos passam tempo excessivo na escola, alterando a dinâmica educativa familiar o que sobrevaloriza o papel da escola através dos professores.

Raramente a profissão professor tem estado tanto em foco como nos últimos anos bem como a necessidade de defender a qualidade da escola pública. Os tempos que vivemos sublinham uma questão e outra de forma crítica.

Múltiplas acções e decisões políticas, bem como alguma imprensa e "opinion makers" têm contribuído para degradar a sua função, fragilizar a sua imagem social e comprometer o clima e a qualidade do trabalho desenvolvido nas escolas apesar dos professores continuarem a ser uma das classes profissionais em que os portugueses mais confiam.

A atenção que tem estado centrada nos professores advém de boas e más razões. Não cabe aqui um balanço, e entendo que, tal como os miúdos, os professores não têm sempre razão, os discursos dos seus representantes são, por vezes parte do problema e não parte da solução e também sei que existem alguns professores que o não deviam ser. No entanto, a verdade é que a esmagadora maioria dos docentes são ... Professores, muito bons Professores.

A valorização social e profissional dos professores em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade. A valorização e reconhecimento passam também pela necessidade de ajustamentos na formação, de modelos de carreira e de avaliação justos e transparentes que sustentem, reconheçam e promovam competência, empenho e atracção pela profissão.

Estamos num novo ciclo que precisa de ser um ciclo novo. Urge o ajustamento nas políticas públicas de educação, e não só. Este caminho está a esgotar-se e o futuro parece comprometido, atentemos nos resultados mais recentes da avaliação externa do desempenho dos alunos e no cenário retratado acima relativo aos docentes. Não vale a pena negar a realidade que parece constituir uma tempestade perfeita.

E o futuro não pode esperar e não perdoará.

quarta-feira, 25 de junho de 2025

DO BULLYING, É PRECISO INSISTIR

 Considerando os níveis de sofrimento envolvido, a dificuldade de prevenir, intervir e conhecer com rigor o volume de situações verificadas, o bullying é sempre uma matéria que está na agenda.

No JN encontra-se uma peça sobre o bullying e são referidas situações impressionantes de mal-estar e sublinhado o impacto do impacto que causa.

São citados dados do relatório “Bullying e Ciber-bullying em Contexto Escolar” produzido pelo Grupo de Trabalho criado pela Ministério da Juventude e Modernização com o objectivo de combater e prevenir o bullying que já aqui citei. O trabalho foi coordenado por Manuela Veríssimo do ISPA – Instituto Universitário, a minha casa de formação e de trabalho nas últimas décadas.

Em inquérito que envolveu 31133 participantes entre os 11 e os 18 anos, 5,9%, 1837, referiram já ter sido vítimas de bullying. Também sem surpresa, a maioria das vítimas são raparigas e a maioria dos agressores são rapazes

Importa considerar que uma parte significativa de episódios desta natureza não são reportados tornando, naturalmente, mais difícil a intervenção.

Relativamente ao fenómeno do bullying e em particular do cyberbullying, não há muito de novo a dizer, continua a ser fonte de sofrimento para muitas crianças e jovens e, naturalmente, uma fonte de preocupação para famílias, professores e técnicos. Recordo que no ano lectivo 22/23 a GNR registou 140 crimes de bullying e cyberbullying no ano lectivo 22/23. No entanto, esta será apenas uma parte pequena do volume de episódios, muitos dos quais sem divulgação.

Importa insistir nesta questão e retomo algumas notas.

Um relatório da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia divulgado em Maio de 2024 afirmava que cerca de 66% dos alunos portugueses da comunidade LGBTIQ sofreram bullying ou foram humilhados na escola algo que também é perceptível nos dados agora conhecidos.

Um trabalho que aqui referi, “Global estimates of violence against children with disabilities: an updated systematic review and meta-analysis”, divulgado em 2022 na The Lancet Child & Adolescent Health, mostrou com indicadores alarmantes, mas, lamentavelmente, não surpreendentes. Cerca de uma em cada três crianças ou adolescentes com deficiência é vítima de algum tipo de violência, física, emocional, sexual ou negligência. No caso mais particular do bullying verifica-se um significativo nível de vitimização, cerca de 40% das crianças com deficiência terá sido alvo deste tipo de comportamento. O bullying presencial, violência física, verbal ou social como bater, pontapear, insultar, ameaçar ou excluir é mais comum, 37%, do que o cyberbullying (23%) que está a aumentar com a presença esmagadora do digital.

O estudo recorreu a dados relativos a mais de 16 milhões de crianças de 25 países, recorrendo ao tratamento de 98 estudos, realizados entre 1990 e 2020, de que 75 respeitam a países de mais elevados rendimentos e 23 relativos a sete países de baixo ou médio rendimento.

Os dados conhecidos no que respeita ao bullying e considerando que não correspondem ao universo de ocorrências, mostram a necessidade de uma séria reflexão e intervenção nos contextos educativos que chegue a todos os alunos e que promova a qualidade das relações interpessoais, a empatia, solidariedade e inteligência emocional, etc.

O cyberbullying parece ser actualmente a variante de bullying mais preocupante. Contrariamente ao bullying presencial o cyberbullying não tem “intervalos”, normalmente os fins-de-semana, pois ocorrem predominantemente nos espaços escolares. Não sendo presencial o(s) agressor(es) não tem, ou não têm, uma percepção clara do nível de sofrimento infringido o que em algumas circunstâncias pode funcionar como “travão” e inibir o comportamento agressivo. Esta situação é potenciada quando se junta a um menor nível de empatia pelo outro o que ficou muito claro no primeiro trabalho citado acima e que merece leitura.

Também por estas razões é fundamental uma atitude ajustada face a este tipo de comportamentos.

Em termos globais e como já referi, a ocorrência de situações de bullying é bem superior ao número de casos que são relatados. Uma das características do fenómeno, nas suas diferentes formas, incluindo o cyberbullying, é justamente o medo e a ameaça de represálias a vítimas e assistentes que, evidentemente, inibem a queixa pelo que ainda mais se justifica a atenção proactiva e preventiva de adultos, pais, professores, técnicos ou funcionários.

Este cenário determinaria, só por si, um empenhado investimento em recursos e dispositivos que procurassem minimizar o volume de incidências, algumas das quais de gravidade severa.

Neste contexto e dada a gravidade e frequência com que ocorrem estes episódios, é imprescindível que lhes dediquemos atenção ajustada a sinais dados por crianças e adolescentes, nem sobrevalorizando, nem tudo é bullying, o que promove insegurança e ansiedade, nem desvalorizando, o que pode negligenciar riscos e sofrimento.

Neste universo e mais uma vez importa considerar dois eixos fundamentais de intervenção por demais conhecidos, a prevenção e a intervenção depois dos problemas ocorrerem. Esta intervenção pode, por sua vez e de forma simplista, assumir uma componente mais de apoio e correcção ou repressão e punição, sendo que podem coexistir. Com alguma demagogia e ligeireza a propósito do bullying, as vozes a clamar por castigo têm do meu ponto de vista falado mais alto que as vozes que reclamam por dispositivos de prevenção, intervenção e apoio para além da óbvia punição, quando for caso disso.Esta utilização mostra a necessidade de dispositivos de apoio e orientação absolutamente fundamentais para que pais, professores e alunos possam obter informação e suporte. Entretanto estão criados vários portais e estão disponíveis alguns canais de denúncia e procura de orientação e suporte dirigido a pais, professores, técnicos e, naturalmente, alunos.

Lamentavelmente, parte significativa das entidades e iniciativas de apoio e suporte é exterior às escolas e ilustra a falta de resposta estruturada e global do sistema educativo, para além das insuficiências de recursos e na formação de técnicos e de professores sobre esta complexa questão, desde logo para o seu reconhecimento e identificação.

A existência de dispositivos de apoio sediados nas escolas, com recursos qualificados e suficientes, designadamente no que respeita aos assistentes operacionais com funções de supervisão dos espaços escolares, é uma tarefa urgente.

Do meu ponto de vista, o argumento custos não é aceitável porque as consequências de não mudar ou não fazer são incomparavelmente mais caras. Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa, mas é necessário. Muitas crianças e adolescentes evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar e sofrimento a que, por vezes, não damos ou não conseguimos dar atenção, seja em casa, ou na escola.

Estes sinais não devem ser ignorados ou desvalorizados. O resultado pode ser trágico.

Esperemos que o Grupo de Trabalho referido acima seja mais um contributo para percorrer o caminho adequado, minimizar o risco de sofrimento para muitas crianças, adolescentes e jovens.

terça-feira, 24 de junho de 2025

À SOMBRA DA LEI DE MURPHY

 Parece estarmos a atravessar no mundo da educação um período informado pela conhecida lei de Murphy que se pode traduzir em algo como “o que pode correr mal, está mesmo a correr mal”. Numa versão mais portuguesa podemos recordar a muito conhecida “cada cavadela, cada minhoca”.

Para além das dificuldades que se registaram na realização em formato digital, surge agora a questão da divulgação das questões colocadas nos exames associada ao risco da realização em dois turnos horários. Recordo a ideia de criar em cada exame um conjunto de questões âncora que permitissem a comparação de resultados durante vários anos.

Esperemos que um emergente movimento no sentido de repensar o papel crítico, sublinhe-se, dos recursos digitais possa contribuir para um maior equilíbrio e, naturalmente, assegurar a garantia de equipamentos suficientes e adequados para a sua ajustada utilização ao longo da escolaridade.

O sistema educativo precisa urgentemente de alguma serenidade, previsibilidade e competência.

 

segunda-feira, 23 de junho de 2025

SÍNDROME PÓS-MINISTERIAL

 Há dias no DN e de acordo com um representante dos directores escolares no ano lectivo 24/25 refere-se que se verificou uma média semanal de 35000 docentes em falta. Entretanto, ainda não se sabe o resultado da há meses anunciada auditoria externa à consultora KPMG para encontrar o mágico número de alunos sem docente a todas as disciplinas. 

Há algum tempo, talvez por ignorância minha, escrevi que seria expectável que as direcções de escolas e agrupamentos tivessem dados seguros sobre a falta de docentes para os seus alunos. Nem me parece que para agregar estes dados fosse necessário um sistema altamente sofisticado.

A falta de docentes estava escrita nas estrelas e sucessivas equipas ministeriais, para além de más políticas públicas que afastaram milhares de professores das escolas negavam a evidência, ouvia-se o mantra dos “professores a mais”.

Apesar de não acompanhar suficientemente de perto a situação noutros países para ter uma perspectiva comparativa, em Portugal parece existir uma espécie de síndrome que afecta a classe política com experiência de poder. Esta síndrome, a que poderemos chamar "pós-ministerial" ou, dito de outra maneira, “sei muito bem o que deveria ser feito, mas quando fui ministro(a) não soube ou não foi possível”, é patente em muitíssimos ex-governantes oriundos dos partidos que já assumiram responsabilidades de governo em diferentes áreas.

O que me parece curioso nestas circunstâncias é que diferentes protagonistas com responsabilidade pelas políticas educativas apresentam sempre uma visão clara sobre os males e constrangimentos da área sectorial em que exerceram funções políticas, no caso a educação, bem como, propostas de desenvolvimento e correcção visando a desejável qualidade e o progresso, depois de terem passado por funções ministeriais nesse mesmo sector.

A pergunta, certamente estúpida e demasiado óbvia, que me ocorre face a este tipo de discursos é “então porque não fez, porque não defendeu assertivamente as ideias agora expressas, muitas a merecer concordância, quando teve poder para tal?” Podemos, com alguma habilidade, tentar encontrar respostas e acabaremos, creio, por colocar duas hipóteses básicas, não puderam ou não souberam, qual delas a mais animadora.

Na primeira, não puderam, implica questionar qual o poder que efectivamente o ministro detém relativamente às políticas do sector que tutela, ou seja, qual o verdadeiro nível de responsabilidade de quem assume o poder e as dificuldades para ultrapassar e gerir as corporações de interesses ameaçadas por eventuais mudanças. Na segunda, não souberam, sugere que a competência não abundará o que não me parece menos inquietante.

Em todo o caso, algum pudor e a humildade de nos explicarem porque não executaram as políticas que posteriormente aparecem a defender seriam esclarecedoras e um bom serviço prestado à causa pública.

A questão é que muitos destes discursos que se apresentam como parte da solução, na verdade, são, foram, parte do problema.

domingo, 22 de junho de 2025

A HISTÓRIA DO PUTO DOS DESATINOS

 Num tempo de desatino a história do Puto dos Desatinos.

Era uma vez um rapaz, pequenino, daqueles que agora "inventaram" que parece só fazer o que quer, quando quer e onde quer. Como é natural, os pais, volta e meia, ficavam embaraçados com os desatinos do menino. Em casa ainda vá que não vá, estavam sós e ninguém reparava, mas fora de casa o rapaz parecia que fazia de propósito arranjando confusão e fazendo disparates nas situações mais inconvenientes.

Um dia, estava a mãe a passear com o rapaz no jardim e ele, como de costume, corria atrás dos pombos, interrompia brincadeiras doutros miúdos, atirava pedras aos patos do lago e o mais que a sua imaginação sugeria. A mãe, envergonhada, assistia discretamente e, apesar da inutilidade, de vez em quando chamava-o.

Um velho que passava, reparou na cena e dirigiu-se à mãe, “menino traquinas o seu, não é?”. “Nem me fale, não faço nada dele”. O velho ficou mais uns minutos a pensar e a ler o rapaz e disse à mãe que, querendo ela, no dia a seguir lhe daria algo que talvez ajudasse. A mãe, apesar de desconfiada, disse que viria.

Quando chegou, o velho deu-lhe uma caixa e disse-lhe para que, sempre que o rapaz fosse começar uma das suas travessuras, ela lhe desse a mão com muita força, lhe oferecesse uma daquelas coisas que estava na caixa e lhe contasse uma história. Quando a mãe abriu a caixa apenas encontrou folhas de papel que tinham escrito com uma letra muito bonita “Gosto muito de ti, mas NÃO PERMITO que faças isso, agora vou contar-te uma história”.

Às vezes, demasiadas vezes, esquecemo-nos que o “não”, tal como o “sim”, é um bem de primeira necessidade na vida dos miúdos.

sábado, 21 de junho de 2025

UM NOVO NORMAL

 Foi divulgado o estudo “Ecossistemas de Aprendizagem Saudáveis nas Instituições de Ensino Superior em Portugal” desenvolvido pelo Observatório dos Ambientes de Aprendizagem Saudáveis e Participação Juvenil. O trabalho envolveu O trabalho envolveu 2339 estudantes entre os 17 e os 35 anos. Alguns indicadores. Registaram-se níveis elevados de risco psicossocial para a saúde mental, 61,6% dos estudantes afirmaram que no último mês se sentiram fisicamente exaustos, 46,2% a registar irritação e 41,6% a sensação de tristeza.

65,5%, afirmam sentir-se incapazes de controlar dimensões que são importantes na sua vida, 61,5% referem falta de confiança na sua capacidade para lidar com os seus problemas e 59,4% sente-se impotente face a dificuldades sentidas. Parece ainda relevante que 40% dos estudantes académicos refere o recurso a psicotrópicos –

Também 13% dos inquiridos refere ter sido alvo de ameaças ou outra forma de abuso físico ou psicológico, insultos ou assédio sexual.

O trabalho revelou ainda o desconforto de muitos alunos que se sentem desmotivados referindo metodologias de ensino pouco estimulantes.

Os dados não são surpreendentes, estão em linha com outros estudos, nacionais ou internacionais como o que hoje refiro, mas são preocupantes, muito preocupantes, trata-se de uma população nova a viver uma etapa muito relevante no seu percurso de vida.

Partindo do princípio de que a maioria frequentará cursos escolhidos que sustentarão a construção dos seus projectos de vida, seria de esperar, numa perspectiva optimista, que podendo ser uma etapa dura e com obstáculos pudesse criar uma imagem de futuro que motivasse e alimentasse um quotidiano de trabalho exigente, certamente, mas vivido com alguma motivação.

No entanto, também a minha relação até há pouco com alunos do superior foi mostrando há já algum tempo sinais deste mal-estar.

O que me parece verdadeiramente inquietante é não conseguir vislumbrar como poderemos em tempo útil reverter esta situação e promover ajustamentos, e que ajustamentos, nos cenários de vida destes jovens que são o nosso futuro.

Os recursos disponíveis para apoio são claramente insuficientes e os custos de um apoio com recursos familiares é demasiado oneroso num contexto em que a própria frequência do ensino superior é por si própria um encargo económico muito significativo.

O mal-estar, em todas as faixas etárias, parece ser um novo normal. Que raio de mundo é este?

sexta-feira, 20 de junho de 2025

VAI CORRER BEM

 Realiza-se hoje em dois turnos o exame final de Matemática do 9.º ano, seguir-se-á o de Português dia 25.

A avaliação externa é uma ferramenta imprescindível de regulação dos sistemas educativos em diversos patamares.

No entanto e como tenho escrito, parece-me crítica a decisão de realização do exame em formato digital, fruto do “deslumbramento digital”, perdão, da transição digital.

Nas provas ensaio realizadas foram detectados problemas e dificuldades que a tutela afirma estarem solucionadas. Esperemos que se realize o “mantra” que herdámos dos tempos da pandemia, “vai correr bem”.

Na verdade, tinha alguma esperança de que o bom senso e a reflexão sobre o que se passa noutros sistemas educativos que desencadearam uma reflexão e tomadas de decisão relativamente à introdução em termos excessivos dos recursos digitais, pudesse contribuir para um maior equilíbrio e prudência na utilização destes recursos, designadamente nos primeiros anos de escolaridade. Sabemos também que se prepara uma restrição mais exigente relativa aos telemóveis nas escolas e, global e felizmente, se está a reconsiderar a forma de utilização dos recursos digitais.

Por outro lado, continuam a ser conhecidas com demasiada frequência queixas relativas ao acesso a equipamentos por parte dos alunos, à qualidade dos equipamentos, que, de acordo com os directores de escolas e agrupamentos, a insuficiência dos recursos necessários à adequada utilização dos equipamentos, nas escolas, mas em particular nas salas de aulas, infra-estruturas eléctricas e rede de net eficientes, por exemplo. Acontece ainda que existe uma enorme diversidade na literacia digital dos alunos.

Deste cenário, apesar do esforço que vai ser realizado recorrendo ao apoio dos docentes de informática, podem decorrer situações sérias de desigualdade entre escolas e entre alunos e todos conhecemos múltiplas situações que evidenciam a enorme disparidade de recursos e da sua utilização. A proficiência da escrita e realização em formato digital será na esmagadora maioria dos alunos de natureza e nível diferente o que pode contaminar os resultados.

Voltando ao início, sei que nem sempre é fácil “fazer as coisas certas e fazer certas as coisas”, mas neste caso não me parecia muito difícil.

Foi mesmo uma opção, uma má opção.

quinta-feira, 19 de junho de 2025

A DANÇAS DAS COBRAS

 Não é muito habitual colocar duas publicações no mesmo dia, mas hoje assim será.

Há pouco escrevi sobre a tarefa que estava a realizar aqui no monte num dia de abafura. Na continuação dei com uma surpresa que partilho. Com muita frequência aqui "tropeçamos" com cobras, os meus netos adoram ver e pegar quando conseguimos agarrar alguma.

Mas encontrar duas cobras grandes em plena dança ainda não me tinha acontecido nestas décadas de lida nesta terra encantada.

Acho que as cobras gostaram de mostrar a sua capacidade, não fugiram nem se perturbaram. Fica o registo.

São assim os dias do Alentejo.



DIAS DE ABAFURA

 Dia estranho o de hoje aqui neste canto do Alentejo. Um dia quente, muito quente, de abafura como por aqui se fala, céu carregado de nuvens, a trovada a ouvir-se ao longe. Ainda caíram por pouco tempo umas pingas grossas que libertaram o perfume inconfundível que a terra nos oferece quando depois um tempo de secura recebe água vinda lá do céu.

Regressei à tarefa de hoje, juntar num moitão a palha que ficou no pasto depois da passagem da enfardadeira. No fim do Inverno teremos um composto que enriquecerá a terra da horta.

Também está bonito o Alentejo com as cores que o Verão traz. Não adianta pintá-lo de verde com as culturas superintensivas de olival ou amendoal que irresponsavelmente e criminosamente vão aumentando, a terra por baixo vai morrendo e a seguir irá morrer por cima.

Se não atalharmos caminho, ainda estamos a tempo assim queiram os homens, vamos ficar com o deserto, com uma terra nua por cada vez mais tempo. E nessa altura que terão os nossos netos?

Desculpem lá o desabafo pouco optimista, se calhar foi por causa do calor, mas … o Alentejo é sempre lindo, também com o amarelo e castanho do tempo do calor.

Não quero imaginá-lo um deserto

quarta-feira, 18 de junho de 2025

EXAMES FÁCEIS? EXAMES DIFÍCEIS? EXAMES ADEQUADOS? EXAMES DESADEQUADOS? DEIXEM LÁ VER

 Por estes dias e em matéria de educação é difícil fugir ao tema exames, estamos em plena época alta.

Como sempre, uma das grandes questões em apreço será a maior ou menor dificuldade ou adequação dos exames.

Como é reconhecido, o presidente do Conselho Científico do Instituto de Avaliação Educativa admitiu em tempos numa entrevista que os exames têm sido uma arma privilegiada na gestão política do sistema educativo. Daí a necessidade de que a avaliação externa fosse da responsabilidade de uma estrutura verdadeiramente independente do poder político.

Neste contexto, através da "modulação", por assim dizer, da sua dificuldade, poder-se-á influenciar os resultados no sentido esperado e mais favorável a interesses de circunstância. Este entendimento minimiza o impacto das análises comparativas. Veja-se, por exemplo, a discussão recorrente e raramente consensual sobre o grau de dificuldade e adequação dos exames. Esta discrepância acontece, sem estranheza, até na apreciação do mesmo exame como repetidamente tem acontecido com os exames de Matemática ou de Português, já está a acontecer no deste ano, registando-se diferentes opiniões entre Associações de Professores, ou nas redes sociais em que o universo de especialistas alarga e diversifica a discussão.

Parece claro que resultados escolares mais positivos sustentam o entendimento de venham mostrar que “alunos e professores corresponderam com o seu trabalho” o que contribui para ratificar a “bondade das políticas educativas”, mas os resultados menos positivos alimentam apreciações mais diferenciadas, políticas publicas, aspectos curriculares, tipologia do exame, etc.

Estes discursos aparecerão, evidentemente, sempre embrulhados em referências a rigor e a exigência.

Como dizia o meu estimado Mestre Marrafa aqui no Alentejo, “Deixe lá ver”. Vamos ver como se segue a época de exames.

Em princípio, nada de novo, tudo de velho.

terça-feira, 17 de junho de 2025

AOS ALUNOS E ALUNAS DO SECUNDÁRIO

 Caros alunos e alunas,

 Tinham de chegar. Com a disciplina de Português inicia-se hoje a época de exames nacionais do secundário e durante algum tempo o vosso programa está assegurado, exames, um caderno de encargos bem preenchido.

O trabalho realizado durante os últimos anos vai ser testado. Alguns de vós sentir-se-ão relativamente tranquilos enquanto outros, a maioria, vão começar a sentir a ansiedade a subir. É normal, afinal trata-se de realizar um exame e alguma ansiedade ajuda-nos a estar mais atentos.

Os resultados serão importantes pois permitirão aceder ao ensino superior e na escola e curso que vos interessam, e, desculpem o atrevimento, mas tomaram a decisão correcta, continuar a estudar. A qualificação superior é uma boa ferramenta para a construção de um projecto de vida mais sustentado e com maior potencial de realização. Os tempos não estão fáceis, mas estudar ainda compensa, acreditem.

Alguns de vós vão sentir-se pressionados para a obtenção de muito bons resultados, porque as médias de acesso nos cursos que desejam frequentar são habitualmente elevadas ou porque vos dizem que para se ser gente tem que se ser excelente. Irão perceber que, felizmente, tal não é verdade, é fundamental tentar fazer o melhor possível, mas não é essencial ser o melhor. Acresce ainda que, muitas vezes, essa pressão não ajuda, antes pelo contrário, atrapalha, … há que ter calma.

Muita gente, pais, professores, psicólogos, psiquiatras, nutricionistas, especialistas em “coaching” em múltiplas áreas, colegas, vos dá conselhos nesta altura, “estuda mais”, “descansa um pouco”, “devias fazer assim”, “era melhor desta maneira”, “não te esqueças de nada”, “toma atenção”, “começa pelas mais fáceis”, “revê no fim”, “cautela com a alimentação”, “é bom espairecer um pouco”, etc., etc. É normal e importa alguma tranquilidade. A presença nas redes sociais e a partilha da experiência com colegas vai certamente ajudar a dissipar o stresse, dividido por muitos pode dar menos para cada um.

A verdade é que não existem receitas infalíveis para o sucesso que não passem por trabalho sério, organização do tempo e das tarefas, percepção das dificuldades e da forma de as minimizar, partilhar dúvidas e pedir ajuda a professores ou colegas, entre outros aspectos que saberão identificar. Cada um de vós encontrará um caminho para lidar com os exames, é normal, somos diferentes.

Como é de prever, alguns acharão os exames mais fáceis e outros mais difíceis, depende sempre do que cada um sabe e dos conteúdos do exame, aquela história clássica de “ainda bem que saiu isto, sabia bem” ou, pior, “logo havia de sair isto que não estava bem preparado”, nada a fazer, são as circunstâncias e em toda a nossa vida iremos deparar com situações mais favoráveis ou menos favoráveis. Todos sabemos que a vossa tarefa não é fácil, mas estou convencido que para muitos de vós as coisas vão correr bem. O vosso trabalho e dos professores e o apoio dos pais merecem.

Como já disse, os próximos exames serão a última etapa antes do ensino superior, mas isso é uma outra narrativa. Um dia destes falaremos disso, cada coisa de sua vez.

Boa sorte e divirtam-se, se possível.

segunda-feira, 16 de junho de 2025

OS TRATOS DOS VELHOS

 Ontem o calendário das consciências assinalou o Dia Internacional de Sensibilização para a Prevenção da Violência Contra as Pessoas Idosas. 

Foi divulgado o estudo realizado pela APAV, “Estatísticas APAV | Pessoas idosas vítimas de crime e violência 2021-2024”, e os indicadores, lamentavelmente, são preocupantes.

A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima disponibilizou apoio a 136 idosos por mês, 5 por dia, totalizando 6523 em quatro anos. As situações de apoio envolvem violência de diferente tipologia, psicológica, física, sexual, financeira, negligência ou abandono.

Diferenciando, 9462 sofreram violência doméstica, 78.2%, 468 foram alvo de ameaça ou coacção, 3.9%, 388 de difamação ou injúria 3.2%, 386 de ofensas à integridade física, 3.2%, 227 de burla, 1.9% e 1175 foram vítimas de outros crimes e formas de violência, 9,6%.

É um cenário inquietante.

Quer no seio das famílias, quer em instituições para onde alguns velhos são enviados compulsivamente como tem sido denunciado pela APAV, algumas encerradas por determinação legal, tal é a gravidade das situações, multiplicam-se as referências à forma inaceitável como os velhos estão a ser tratados.

Começam por ser desconsiderados pelo sistema de segurança social que com pensões miseráveis, transforma os velhos em pobres, dependentes e envolvidos numa luta diária pela sobrevivência.

Continua com um sistema de saúde que deixa muitos milhares de velhos dependentes de medicação e apoio sem médico de família.

Em muitas circunstâncias, as famílias, seja pelos valores, seja pelas suas próprias dificuldades ou alterações nos estilos de vida, não se constituem como um porto de abrigo, sendo parte significativa do problema e não da solução. As situações muito complicadas em que milhares de famílias estão envolvidas com o retornar de várias gerações à mesma casa e a tentação de aproveitar os baixos rendimentos dos velhos potenciam o risco de maus tratos.

Finalmente, as instituições, muitas delas, subordinam-se ao lucro e escudam-se numa insuficiente fiscalização além de que, com frequência, os equipamentos de qualidade são inacessíveis aos rendimentos de boa parte dos nossos velhos.

Lamentavelmente, boa parte dos velhos, sofreu para chegar a velho e sofre a velhice.

Não é um fim bonito para nenhuma narrativa, entende o velho que escreve estas letras.

domingo, 15 de junho de 2025

DOS CONTINGENTES ESPECIAIS NO ACESSO AO ENSINO SUPERIOR

 No âmbito do Programa do Governo está contemplada a possibilidade de alargamento do contingente especial previsto no acesso ao ensino superior para alunos de famílias com carências económicas.

Actualmente, o contingente, definido no ano de 23/24, é de 2% das vagas e destina-se a alunos beneficiários do escalão A dos Apoios Sociais.

Um trabalho, “Avaliação de Impacto do Contingente Prioritário para Beneficiários de Acção Social Escolar (ASE-A)", do Edulog, Fundação Belmiro de Azevedo, refere que em 2023 41% dos alunos do escalão A não teriam conseguido o acesso pois a sua nota de candidatura era inferior à nota mínima de entrada através do regime geral de acesso.

No entanto, considerando os 3367 candidatos elegíveis, apenas 43% optaram por se candidatar através do contingente especial.

Como já aqui tenho escrito, é habitual considerar-se recorrer a quotas ou contingentes especiais para minimizar exclusão ou desigualdade, não sendo o ideal, pode ajudar a minimizar os problemas. A título de exemplo e atentando num outro grupo com contingente definido e considerando dados de 2017/2018, frequentaram o ensino superior 1644 alunos com necessidades especiais, 0,5% do total dos matriculados no ensino superior, sendo que apenas 14% das vagas do contingente especial para estes estudantes foram ocupadas.

Neste contexto, levanta-se uma questão crítica, o caminho só por aqui é demasiado estreito.

Importa sublinhar que o combate à desigualdade e a promoção de igualdade de oportunidades se exige desde a educação pré-escolar e em todo o trajecto escolar com a existência de dispositivos de apoio suficientes e competentes.

A decisão de continuar para o ensino superior é construída durante todo o trajecto do básico e secundário. Percursos com mais sucesso promovem expectativas mais elevadas de alunos e famílias, valorizam o conhecimento e a qualificação e, portanto, são mais potenciadores da intenção de continuar a estudar. Donde, é imprescindível um forte investimento em recursos e dispositivos de apoio que sustentem mais sucesso para todos os alunos de todas as escolas.

Com maior frequência que noutros grupos demográficos, as famílias mais vulneráveis expressam também expectativas mais baixas ou nulas sobre o sucesso escolar dos seus filhos e sobre a importância de estudar.

Neste contexto seria desejável trabalho de mediação com recursos competentes e adequados no trabalho com as famílias no sentido de reajustar expectativas e reconstruir a atribuição importância ao estudo e à qualificação. As pessoas com baixas expectativas acomodam mais facilmente o insucesso, é o “destino”, aprendem a viver com essa “fatalidade” o que lhes tranquiliza a forma como olham para si e para os seus filhos.

As famílias portuguesas enfrentam um dos mais caros sistemas de ensino superior da UE e da OCDE apesar do abaixamento das propinas. Donde, é crítica a questão dos apoios à frequência, tipologia, número de bolsas e critérios de acesso a essas bolsas, para lá da existência ou não de contingentes ou quotas.

Embora já seja feito em muitas escolas, sobretudo no final e durante o pós-básico, seria desejável que os dispositivos de orientação vocacional tivessem os recursos necessários para de forma alargada providenciarem informação clara sobre a natureza da oferta formativa, das suas características e solicitações, a que áreas de desempenho permitem aceder no mundo profissional, etc. Por outro lado, esse apoio também envolve o trabalho com os alunos no sentido de ajudar a um processo de tomada de decisão que seja base para procurar qualificação, de natureza diversa, no ensino superior.

Já no ensino superior e para todos os alunos é importante que existam dispositivos de apoio institucionais e também formas de mentoria desenvolvidas já por alunos a frequentar os estabelecimentos que contribuam para melhores e mais rápidos processos de adaptação a novas rotinas, métodos de trabalho, dificuldades de adaptação, etc. O nível de desistência da frequência é alto e mais alto nas populações mais vulneráveis.

Uma nota final para o óbvio, as mudanças mais estruturais requerem investimentos e os recursos são finitos, nenhuma dúvida. No entanto, as políticas públicas exigem opções e, também por isso, são avaliadas.

sábado, 14 de junho de 2025

PROIBIÇÃO DE TELEMÓVEIS NA ESCOLA (1.º E 2.º CICLO)

 Lê-se na imprensa que no Programa do Governo entregue hoje na Assembleia da República se contempla a proibição de telemóveis no 1.º e 2.º ciclo e no 3.º ciclo define um uso limitado.

Face à sua utilização desregulada pelos mais novos (mas não só) desde muito cedo e que importa contrariar em nome da saúde e bem-estar, a proibição é tentadora, mas pode não ser a decisão mais adequada.

Muitas vezes aqui tenho tratado esta questão e recupero a referência a um trabalho publicado pela The Lancet relativo a uma investigação realizada pela Universidade de Birmingham envolvendo mais de mil alunos de 30 escolas secundárias. O estudo teve como objectivo avaliar o impacto da proibição de utilização de telemóveis nas escolas no comportamento dos estudantes, na saúde mental e no desempenho escolar.

Os resultados “sugerem que as políticas escolares restritivas actuais não influenciam significativamente a utilização do telemóvel e das redes sociais nem se traduzem em melhores resultados ao nível dos domínios mentais, físicos e cognitivos”,

Verifica-se ainda que não diminui o tempo de exposição a ecrãs, boa parte dos alunos “compensam” a restrição da escola com mais tempo em casa.

Também abordei esta questão em muitas sessões de trabalho com pais com filhos de diferentes idades e tenho sustentado que, ainda que se possam compreender as razões que sustentam as proibições, o uso excessivo e desregulado, as decisões de proibição não me parecem consensuais. Aliás, também não tenho a convicção de que uma estratégia de proibição, só por si, devolva crianças e adolescentes à interacção pessoal e a outros hábitos comportamentais mais interessantes embora, obviamente, seja imprescindível a regulação do seu uso o que não significará, necessariamente, uma “lei seca” para telemóveis.

Por outro lado, também não é rara a utilização de telemóveis associada a actividades de aprendizagem.

Do meu ponto de vista seria importante também colocar a questão a montante, a utilização que todos damos a estes dispositivos. Seria muito interessante e desejável que se discutisse a sério (incluindo crianças e jovens) nas comunidades educativas a regulação dos comportamentos e definição de regras e limites, sem “superpais”, sem “superfilhos” ou “superprofessores”. No entanto, esta discussão tem de ser acompanhada pela nossa, adultos, pais e/ou profissionais, regulação da sua utilização. Se olharmos para muitas famílias em “convívio” ou para muitos contextos profissionais em “reunião” verificaremos os ecrãs que muitos terão à sua frente e perceberemos o que está por fazer, comportamento gera comportamento. A sobreutilização por parte dos adultos parece-me ser uma variável crítica desta equação.

Como também tenho referido, creio que este movimento deve ser enquadrado na mudança que felizmente também parece estar a emergir refreando o deslumbramento pela “transição digital” que, enquadrando de forma ajustada a inevitabilidade de incorporar estas ferramentas nos processos educativos, também volta a defender a importância de abordagens metodológicas ou didácticas “antigas”, “conservadoras”, tais como escrever à mão, desenhar, brincar na rua, ler em suporte papel, interagir presencialmente ou promover relações afectivas literalmente mais próximas, tudo ferramentas importantes de desenvolvimento e aprendizagem.

A ver vamos com a coisa evoluirá por cá, mas não me parece que a proibição de telemóveis nas escolas venha a ter o efeito regulador que todos desejamos. A regulação do uso por parte dos adultos, pais em particular, poderia ter um efeito mais positivo minimizando a tentação dos mais novos de “compensar” em casa a “companhia” do telemóvel que não têm na escola.