No DN encontra-se uma peça que que carrega inquietação. Nos últimos dias foram detidos oito indivíduos por abuso contra menores. Na sua maioria as vítimas são familiares ou com uma relação de proximidade.
Recordando dados do INE relativos
a 2024 registaram-se 1041 participações de abuso sexual de menores sendo que,
de acordo com a PJ, 51% dos casos se verificaram no contexto familiar e
agregando relações de proximidade envolvem 65% das situações de abuso na
maioria sobre meninas
Lamentavelmente, a realidade
mantém-se. De facto, a maioria das situações de abusos sexuais sobre crianças e
adolescentes, envolve familiares, amigos ou conhecidos da criança e também
instituições que lidam com menores. Citando Manuel Coutinho do Instituto de
Apoio à Criança, "A família deve ser o local mais seguro que a criança tem
e por vezes é lá que corre os maiores perigos".
Apesar das mudanças verificadas
em termos legais e processuais, a fragilidade ainda verificada na criação de
uma verdadeira cultura de protecção dos miúdos leva a que muitos estejam
expostos a sistemas de valores familiares que toleram e mascaram abusos com
base num sentimento de posse e usufruto quase medieval.
Muitas crianças em situação de
abuso no universo familiar ou por pessoas conhecidas ainda sentem a culpa da
denúncia das pessoas da família ou amigos, a dificuldade em gerir o facto de
que pessoas que cuidam delas lhes façam mal e a falta de credibilidade eventual
das suas queixas bem como das consequências para si próprias, uma vez que se
sentem quase sempre abandonadas e sem interlocutores em que possam confiar ou
ainda o medo das consequências da denúncia.
A este cenário acrescem os riscos
que as novas tecnologias vieram introduzir, sendo conhecidos cada vez mais
casos em que a internet é a ferramenta utilizada para construir o crime.
Neste quadro, para além da
eficiência do sistema de justiça, continua a ser absolutamente necessário que
as pessoas que lidam com crianças, designadamente na área da saúde e da
educação, sejam capazes de “ler” os miúdos e os sinais que emitem de que algo
de menos positivo se passa com eles. Na verdade, os professores e os técnicos
das escolas, incluindo os auxiliares, são muito frequentemente quem se apercebe
de situações de mal-estar das crianças, “são os olhos do sistema de protecção”.
Esta atitude de permanente,
informada e intencional atenção aos comportamentos e discursos dos miúdos é, do
meu ponto de vista, uma peça chave para minimizar a tragédia dos abusos sobre
as crianças e o enorme sofrimento provocado.
Neste cenário importa ainda ter
em atenção o impacto que manutenção das crianças em casa nos períodos de
confinamento poderá implicar, preocupação expressa por muitos técnicos.
Como é evidente não se trata de
uma situação fácil. Sabe-se que situações de isolamento potenciam o aumento de
casos de violência doméstica como de maus tratos a crianças, a possibilidade de
denúncia diminui, o medo prevalece e a própria situação, só por si, é geradora
de risco.
No entanto, de uma forma alargada
e com a colaboração da comunicação social e com os serviços de proximidade,
autarquias por exemplo, talvez fosse possível promover a atenção das
comunidades próximas, das relações de vizinhança, para o que pode estar a acontecer
na casa ao lado e recorrer aos canais de informação disponíveis.
Sabemos que os riscos são grandes
e a cada dia podem aumentar as situações de sofrimento e negligência que
envolvem milhares de crianças.
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