segunda-feira, 16 de setembro de 2024

ROTINAS

 A partir de hoje todos os alunos deveriam estar com aulas. Lamentavelmente, muitos não terão professores que leccionem todas as disciplinas. É incómodo continuar a ouvir gente com responsabilidades neste cenário enjeitá-las sem um sobressalto. Como diria a minha Avó Leonor, é gente sem espinha.

Bom, falemos então do que deveria ser normal, o regresso às aulas e o iniciar ou retomar de rotinas. Algumas notas a propósito de rotinas e comportamentos que muitas vezes abordei no trabalho com pais e professores.

Como muitas vezes aqui tenho referido preocupa-me que em muitos contextos familiares as crianças cresçam com alguma dificuldade de regulação e, sobretudo, auto-regulação dos seus comportamentos. Esta situação traduz-se na forma como se comportam nos diferentes espaços nos quais passam os dias, sobretudo em casa e na escola.

Como também já tenho partilhado, em muitos diálogos com pais transparece alguma dificuldade, por várias razões, na definição de regras e limites que com bom senso e flexibilidade são imprescindíveis como organizadores do comportamento dos miúdos.

Para além disso, de há uns tempos para cá começou a registar-se em muitos pais um discurso crítico das rotinas que, naturalmente, é decorrente da forma como olham para a sua vida e das suas crenças e representações. Começaram a ouvir-se afirmações no sentido de combater a instalação de rotinas por oposição à importância da criatividade, da inovação, da não repetição sistemática de comportamentos ou procedimentos, etc.

A questão é que, do meu ponto de vista este entendimento, assenta no enorme equívoco de entender que dimensões que estes pais e, creio, a maioria de nós, considera importantes como criatividade e inovação, por exemplo, seriam incompatíveis com a instalação de rotinas, elas próprias também essenciais ao desenvolvimento e funcionamento das crianças devido, fundamentalmente, à sua função reguladora e organizativa. O resultado em muitas circunstâncias e contextos educativos, familiares ou mais formais era, é, um funcionamento desregulado, desorganizado e sem regras.

Entre os adultos o equívoco está ainda presente de forma mais nítida. Ouve-se com alguma frequência a afirmação de se ser contra as rotinas como forma de emancipação intelectual e social pelo que, “detestam rotinas”.

Para todos e em particular para os mais novos, as rotinas cumprem funções fundamentais na nossa organização e funcionamento. A sua existência organiza-nos e, curiosamente, até acontece com frequência que é sua existência que nos permite “libertar” disponibilidade para outras direcções. Como é óbvio, nada desta conversa contraria a importância que na nossa vida tem o lado do imprevisto, da mudança, da criatividade ou da quebra das rotinas. Também não tem a ver com a defesa de um funcionamento obsessivamente estruturado, que corre o sério risco de se desorganizar quando algum pormenor de rotina se altera.

Mas é preciso insistir, as crianças precisam de ter o seu dia a dia com rotinas estabilizadas e reguladoras como, sono, refeições, banho, comunicação/relação com os pais, tarefas de natureza escolar ou outras, etc.

São um bem de primeira necessidade.

domingo, 15 de setembro de 2024

A TERRA GRETADA

 


Os tempos vão ásperos para os homens e para a natureza. A terra anseia pela água regeneradora que a rejuvenesça e permita ser fabricada. Está seca, gretada e dura.

Por aqui, os antigos diziam que não chovendo pela festa de Ferreira certamente chove pela Feira D’Aires que se realiza no próximo fim-de-semana. A ver vamos.

Era bom que chegasse, não dá para mexer na terra, seria gastar combustível e o ferro das alfaias. Começa a ser tempo de colocar umas couves, as chamadas couves do Natal, alho francês e o mais que é próprio do Outono e Inverno.

E são assim os dias ainda quentes do Alentejo.


sábado, 14 de setembro de 2024

E SE SIMPLIFICAR FOSSE UMA ORIENTAÇÃO?

 Para além da situação crítica relativa à falta de docentes que, entretanto, e sem estranheza, já origina uma guerra de números entre a anterior e a actual equipa do Ministério, têm sido conhecidas algumas medidas ou intenções que em termos de princípio me parecem no sentido certo ainda que com alguns aspectos a carecer de ajustamento, caso das provas de MoDa que substituem as provas de aferição e “não contam para nada” o que julgo de alterar.

Dessas medidas destaco os apoios a alunos migrantes com ajustamento na disciplina Português Língua Não Materna, tutorias pedagógicas de natureza preventiva para alunos em início de escolaridade ou o reforço do combate ao abandono escolar precoce. Ainda uma referência ao terminar do projecto MAIA e da sua pesada carga burocrática e o anúncio da promoção da análise da velocidade de leitura dos alunos dos primeiros anos.

Estas medidas de que se espera mais conhecimento levantam uma pequeníssima dúvida, de que forma e com que recursos, professores e técnicos, serão operacionalizadas?  O recurso a profissionais aposentados ou, pelo contrário, em formação, não é uma opção sustentável.

Por outro lado, julgo que se torna indispensável caminhar no sentido de diminuir a burocracia asfixiante que obriga as escolas, professores e directores, a uma espécie de "agitação improdutiva" consumindo esforço e recursos que, basicamente, apenas alimenta o cansaço e a ineficácia promovendo mais problemas que contributos para soluções.

A experiência mostrará certamente o impacto que medidas neste sentido terão na realidade escolar, mas qualquer passo no sentido de devolver tempo e tranquilidade aos professores e de economizar processos será positivo.

O quotidiano das escolas, dos professores está mergulhado numa complexa teia de procedimentos, situações, medidas, iniciativas, designações, acções, preenchimentos, actividades, relatórios, grelhas, indicadores, etc., na qual se enredam os processos educativos, a essência do trabalho que envolve alunos, professore e técnicos.

A esta dimensão do trabalho das escolas e agrupamentos acresce a gama sem fim de Planos, Projectos, Programas, Iniciativas, as combinações são múltiplas, destinados a tudo e mais alguma coisa, certamente relevantes e, sobretudo, inovadores.

Assim, em linha com o que por aqui já por aqui tenho sugerido, desejado, que alguma vez e de forma bem vincada, a tutela estabeleça a simplificação como orientação central nas diferentes dimensões das políticas públicas de educação.

Seria desejável e necessário que o trabalho a desenvolver, os conteúdos envolvidos, os dispositivos em utilização, a organização de tempos e rotinas, etc., tivessem como preocupação a simplificação, professores, técnicos, alunos e famílias ganhariam. Esta simplificação deve incluir a avaliação e registos. Seria positivo que, tanto quanto possível, se aliviasse a pressão “grelhadora” e a carga burocrática a que habitualmente escolas e professores estão sujeitos e que agora parece ser objecto de “emagrecimento”.

Como é evidente, este apelo à simplificação não tem a ver com menos rigor, qualidade, intencionalidade educativa ou não proporcionar tempo de efectiva aprendizagem para todos. Antes pelo contrário, se conseguirmos simplificar processos e recursos, alunos, professores e famílias beneficiarão mais do esforço enorme que todos têm de realizar e estão a realizar.

Sempre que falo desta questão recordo-me do Mestre João dos Santos, a quem tarda uma homenagem com significado nacional, quando dizia, cito de memória pelo privilégio de ainda o ter conhecido e ouvido, que em educação o difícil é trabalhar de forma simples, é mais fácil complicar, mas, obviamente, menos eficaz, menos produtivo e muito mais desgastante.

Talvez valesse a pena tentarmos esta via de mais simplificação. As circunstâncias já são suficientemente complicadas.

Como por aqui se diz, deixem lá ver.

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

ESCOLA A TEMPO INTEIRO OU EDUCAÇÃO A TEMPO INTEIRO

 No Expresso encontra-se uma peça dedicada ao tempo que as crianças passam na escola para a qual me foi solicitado um pequeno contributo. A propósito retomo algumas notas em linha com o que de há muito venho a afirmar.

De acordo com o Relatório da OCDE “Education at a Glance, 2023” que a peça refere os alunos portugueses entre o 1.º e o 6.º ano têm um número médio de horas lectivas um pouco mais alto que a média da UE, 874 horas obrigatórias face a 738 na média da EU.

No entanto, considerando o horário curricular, as Actividades de Enriquecimento Curricular e a Componente de Apoio à Família, a estadia dos alunos na escola pode atingir bem mais de 40 horas semanais se os pais necessitarem. Muitos alunos estão mesmo nas escolas 50h ou mais por semana.

Este cenário inscreve-se no âmbito de uma iniciativa, a “Escola a Tempo Inteiro”.

Sabemos como os estilos e modelos da vida actual, a organização do trabalho, colocam graves dificuldades às famílias para assegurarem a guarda das crianças em horários não escolares. A resposta tem sido prolongar a estadia dos miúdos nas instituições escolares alimentando o que considero um dos vários equívocos no universo da educação, a afirmação de uma visão de “Escola a Tempo Inteiro” em vez de “Educação a Tempo Inteiro”. O modelo é bem recebido por muitos pais e tolerado por muitos outros por falta de alternativas. No entanto e tal como o faço desde 2006, algumas notas a pensar, sobretudo, nos miúdos e nas respostas.

Para além da reflexão sobre o que acontece nesse tempo de permanência na escola e tal como se verifica noutros países, seria imperioso que se alterassem aspectos como a organização do trabalho, verificada em muitos países, que minimizassem as reais dificuldades das famílias recorrendo, por exemplo e quando possível, a teletrabalho ou à diferenciação nos horários de trabalho que em alguns sectores e profissões é possível.

É preciso um esforço enorme, equipamentos e recursos humanos suficientes e qualificados para que não se corra o risco de transformar a escola numa “overdose” pouco amigável para muitos miúdos. As dúvidas relativamente a esta questão são muitas.

É verdade que existem boas práticas neste universo, mas também todos conhecemos situações em que existe a dificuldade óbvia e esperada de encontrar recursos humanos com experiência e formação em trabalho não curricular. Acresce que boa parte das escolas, como é natural, têm os seus espaços estruturados (e por vezes saturados) sobretudo para salas de aula. Espaços para prática de actividades desportivas ou de ar livre, expressivas, biblioteca, auditórios, etc., etc., a existirem, dificilmente poderão ser suficientes para uma ocupação da população escolar alternativa à sala de aula.

Esta questão é também relevante no que respeita à qualidade e adequação da resposta a alunos com necessidades especiais.

Este obstáculo acaba por resultar com demasiada frequência na réplica de actividades de natureza escolar com baixo ou nulo benefício e um risco a prazo de desmotivação, no mínimo.

Por outro lado, tanto quanto o tempo excessivo de estadia na escola merece reflexão o risco e as implicações da natureza muitas vezes “disciplinarizada” desse trabalho, ou seja, organizado por tempos, de forma rígida próxima do currículo escolar.

A enorme latitude de práticas que se encontra actualmente, desde o muito bom ao muito mau, sustenta que também neste aspecto os dispositivos de regulação devam ser robustos e eficientes. Recordo que em muitas circunstâncias as AEC são desenvolvidas por entidades externas à escola pelo que importa assegurar a competência e responsabilidade da escola bem como a sua autonomia.

Na verdade, embora compreendendo a necessidade da resposta seria desejável que, tanto quanto possível se minimizasse o risco de em vez de tentarmos estruturar um espaço que seja educativo a tempo inteiro com qualidade, preenchido na escola ou em espaços e equipamentos da comunidade, e aqui sim, importante o envolvimento das autarquias, assistirmos à definição de uma pesada agenda de actividades que pode motivar situações de relação turbulenta e reactiva com a escola.

Ao escrever estas notas lembrei-me que em 2007 participei num debate sobre as AEC na Vidigueira em que uma professora presente referiu um episódio elucidativo. Nesse ano e na sua escola tinha sido preparado um espaço para as crianças jogarem futebol. Um dos seus alunos fez a seguinte observação. “Quando eu tinha tempo para brincar não tinha um campo. Agora tenho um campo e não tenho tempo para jogar”.

Os miúdos andavam mal-habituados é o que é. Então a escola é sítio para jogar à bola mesmo havendo campo? Não, a escola é para trabalhar.

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

AOS VOSSOS LUGARES

 Entre hoje e a próxima segunda-feira iniciam-se as aulas embora não todas. Vivemos uma espécie de novo normal, por negligência ou incompetência das políticas públicas, faltarão professores para algumas disciplinas o que condicionará a actividade escolar para muitos alunos.

Já era tempo termos um ano lectivo que se iniciasse e decorresse com alguma serenidade. Ainda não será este, o universo da educação parece estar condenado ao sobressalto, os discursos não se centram no trabalho em sala de aula de alunos e professores, mas noutras dimensões da “escola” cujo relevo quase faz esquecer o que é central, aprender e ensinar num clima positivo e tranquilo.

Tanto está a ser dito, tanto deveria ser decidido que dificilmente serei capaz de acrescentar algo que não seja reforçar um apelo à serenidade e à competência.

Assim e pensando sobretudo pensar nos que estão ou vão iniciar a o seu percurso na escolaridade obrigatória, umas notas recorrentes relativas ao que se espera e deseja que aconteça nos próximos tempos, o trabalho de professores e alunos em sala de aula, as aulas, o que menos me parece ser objecto de reflexão.

Para a maioria das crianças e apesar da sua experiência na educação pré-escolar, a "entrada" na escola, ou melhor, o processo de início da escolaridade obrigatória, continua a ser uma experiência fundamental para o lançamento de um percurso educativo e formativo com sucesso.

Em muitíssimas circunstâncias da nossa vida, quando alguma coisa não correu bem, é possível recomeçar e tentar de novo esperando ser mais bem-sucedido. Todos experimentámos episódios deste tipo.

Pois bem, o processo de início da escolaridade envolve na verdade um conjunto de circunstâncias irreversíveis, ou seja, quando corre mal já não é possível voltar atrás e recomeçar com a esperança de que a situação vá correr melhor. Por isso se torna imprescindível que o começo seja positivo. Para isso, importa que seja pensado e orientado, que crie as rotinas, a adaptação e a confiança em miúdos e em pais indispensáveis à aprendizagem e ao desenvolvimento bem-sucedidos.

Os tempos actuais tornam bastante mais difícil que assim seja, mas esse é o nosso grande desafio.

É fundamental não esquecer que por variadas razões, os miúdos à "entrada" na escola não estão todos nas mesmas condições, ambiente, experiências e recursos familiares, percurso anterior, características individuais, etc. o que exige desde o início uma atenção diferenciada que combata a cultura de que devem ser todos tratados da mesma maneira, normalizando o diferente, que alguma opinião publicada e ignorante defende. Muitas vezes os lugares da escola não conseguem acomodar a diversidade dos alunos, a escola ainda não chega a todos com a mesma qualidade.

Antes de, com voluntarismo e empenho, se tentar ensinar aos miúdos as coisas da escola é preciso, como sempre afirmo, dar tempo, oportunidade e espaço para que os miúdos aprendam a escola. Depois de aprenderem a escola estarão mais disponíveis para então aprender as coisas da escola.

Vai começar o tempo do trabalho "a sério" e muitas crianças irão rapidamente sentir-se pressionados para a excelência, o mundo não é para gente sem sucesso. Vão ter que adquirir competências, muitas competências, em variadíssimas áreas, porque é preciso ser bom em tudo e é preciso preparar para o futuro, curiosamente, descuidando, por vezes, o presente.

E vão também começar a perceber como anda confusa a cabeça dos adultos, como estamos sem perceber o nosso próprio presente e com dificuldade em antecipar o futuro, que será o presente deles.

Bom ano e bom trabalho para todos que fazem da escola os seus dias.

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

OS CUSTOS DA EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR

 

Foi divulgado o relatório Educationat a Glance 2024, da OCDE que, como habitualmente, merece leitura.

Por agora umas notas sobre a educação pré-escolar considerando os países que disponibilizaram informação sobre esta área.  

Dada a resposta muito significativa de natureza privada, o Estado suporta 67% da despesa, menos 19 pontos que a média da OCDE em que o Estado suporta 86 e as famílias 33% o valor mais alto OCDE.

Apesar deste cenário, Portugal é um dos países com taxas mais elevadas de crianças a frequentar a educação pré-escolar, obviamente, com um esforço enorme das famílias. Ainda de acordo com o Education at a Glance 2024, em Portugal, à semelhança da maioria dos países da OCDE, as famílias com menor rendimento experimentam maior dificuldade no acesso a educação de infância no período até aos 2 anos. A diferença para as famílias com maior rendimento é de 25%, de 45 para 70%. Também esta diferença é superior à média que é de 19%.

A garantia do acesso à educação pré-escolar em Portugal é aos 3 anos, uma posição intermédia no contexto europeu. No entanto, a escolaridade obrigatória inicia-se aos seis anos tal como na maioria dos países europeus e como sabemos existem fortes dificuldades e assimetrias na resposta pública na educação pré-escolar o que explica os custos elevadíssimos suportados pelas famílias.

Sou dos tenho alguma reserva face à obrigatoriedade da frequência do jardim-de-infância aos três anos, mas defendo a universalidade do acesso. Dito de outra maneira, nenhuma criança com três anos deve ser obrigada frequentar jardim-de-infância, mas qualquer família que precise de aceder a esta resposta deve ter acesso e em condições acessíveis e com qualidade.

Assim, mais do que discutir sobre o alargamento da escolaridade obrigatória a partir dos três anos importa, isso sim, assegurar, a universalidade e acessibilidade da resposta o que ainda está longe de ser conseguido.

Sabemos que existem listas de espera de creches e jardins-de-infância no chamado sector social em que as mensalidades são indexadas aos rendimentos familiares. Esta situação afecta sobretudo zonas mais urbanas e a alternativa da resposta privada é inacessível para muitas famílias.

Acresce que para além da dificuldade de encontrar respostas os custos elevados do acesso aos equipamentos, boa parte privada ou da rede social, são dos mais altos no contexto europeu de acordo com o relatório "Starting Strong 2017" da OCDE e agora reforçados com o Education at a Glance 2024. Aliás esta questão é contributiva para a baixa natalidade tal como vários outros aspectos das políticas públicas, designadamente as políticas de família.

Reafirmo as dúvidas sobre a obrigatoriedade da frequência, mas tenho a maior convicção na necessidade de garantir a universalidade do acesso à educação pré-escolar aos três anos criando uma rede de oferta com respostas de qualidade, acessíveis, logística e economicamente.

Sabemos todos como o desenvolvimento e crescimento equilibrado e positivo dos miúdos é fortemente influenciado pela qualidade das experiências educativas familiares e institucionais nos primeiros anos de vida, de pequenino é que ...

Assim, existem áreas na vida das pessoas que exigem uma resposta e uma atenção que sendo insuficiente ou não existindo, se tornam uma ameaça muito séria ao futuro, a educação de qualidade universalmente acessível para os mais pequenos é uma delas.

No entanto e mais uma vez, a educação pré-escolar é bastante mais que a “preparação” para a escola, não deve ser entendida como uma etapa na qual os meninos se preparam para entrar na escola embora se saiba do impacto positivo que assume no seu trajecto escolar.

terça-feira, 10 de setembro de 2024

DELINQUÊNCIA EM CONTEXTOS ESCOLARES, O DIREITO AO OPTIMISMO

 De acordo com dados divulgados pela PSP relativos ao Programa Escola Segura, no último ano lectivo foram registadas 4044 ocorrências, mais 5,5% que no ano anterior, sendo que 2915 são de natureza criminal e 1129 não criminais. A subida está em linha com o aumento registado em 22/23, 9%.

A maioria dos casos reportados, 2873, ocorreram no interior do espaço escolar e maioritariamente fora da sala de aula.

Mantém-se o perfil já verificado em anos anteriores em termos de maior prevalência, ofensas à integridade física (1332), injúrias/ameaças (937) e furtos (468).

Retomo algumas notas que há pouco aqui deixei sobre esta questão que sendo, talvez, mais um sinal dos tempos que vivemos é preocupante.

Uma primeira nota para registar que também noutros países se verifica um trajecto da mesma natureza. No final de Janeiro, o Expresso referia a problemática crescente de violência e delinquência entre jovens associada às novas tecnologias que se verifica em Espanha. Fala-se de novos padrões de delinquência e dimensões como bullying, violência sexual ou mal-estar psicológico são grandes áreas de preocupação.

Como também aqui escrevi, no início de Fevereiro o Instituto de Apoio à Criança propôs a criação de um Plano Nacional de Prevenção e Combate a Violência nas escolas.

De facto, trata-se de uma questão que merece séria reflexão e intervenção e recupero outros indicadores.

A UTAD realizou um trabalho relativo à violência escolar divulgado em 2023, desenvolvido entre 2018 e 2022 que envolveu 7139 alunos(as) dos 12 aos 18 anos, de 61 estabelecimentos do 2.º e 3.º ciclo do ensino básico e secundário do Continente e Açores.

Considerando alguns divulgados, 68% dos alunos (4837) revelaram ter sido vítima de algum comportamento de agressão. Num outro olhar, 64%, (4634) assume afirma já ter praticado alguma forma de violência para com um colega.

Deixem-me insistir em duas ou três questões que retomo de reflexões anteriores. Os estilos de vida, as exigências de qualificação têm tornado gradualmente a escola mais presente e durante mais tempo na vida de crianças e adolescentes e, consequentemente, com reflexos na educação em contexto familiar.

Importa também acentuar que fora dos contextos escolares, o padrão relacional entre adultos, de todas as condições, exprime também com demasiada frequência violência e descontrolo de diferente natureza e efeito. O comportamento agressivo, verbal, físico, psicológico, etc., tornou-se quase, um novo normal em múltiplos contextos.

Sabemos também que a ideia de que a “família educa e a escola instrói” já não colhe e espera-se que a escola não forme “apenas” técnicos, mas cidadãos, pessoas, com qualificações ao nível dos conhecimentos em múltiplas áreas.

Um sistema público de educação com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. Uma educação global de qualidade é de uma importância crítica para minimizar o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis.

Para além dos dados referidos são também preocupantes indicadores relativos à violência nas relações de namoro entre jovens, sendo que muitos a entendem como “normal”, tal como inquietam o volume de episódios de bullying, ou os consumos de álcool ou droga.

Parece-me importante que as matérias integradas na "Educação para a Cidadania" façam parte do trabalho desenvolvido na educação em contexto escolar o que é também abordado pelo IAC ainda que não tenham que ser “disciplinarizadas”. Com o mesmo objectivo será importante o desenvolvimento de programas de natureza comunitária envolvendo diferentes áreas das políticas públicas. Como tenho referido, precisamos e devemos discutir sempre como fazer, com que recursos e objectivos e promover a autonomia das escolas, também nestas questões. Por outro lado, insisto, não acredito na “disciplinarização” destas matérias, julgo mais interessantes iniciativas integradas, simplificadas e desburocratizadas em matéria de organização e operacionalização.

Sabemos que a prevenção e programas de natureza comunitária, socioeducativa, têm custos, mas importa ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da pobreza, exclusão, delinquência continuada e da insegurança.

Esta é a grande responsabilidade das políticas públicas e os resultados mostram alguma falência que nos custa caro.

Não é possível que a leitura regular da imprensa escrita, sobretudo nos últimos tempos e no que respeita à educação tenha na terminologia de boa parte dos trabalhos publicados e sem qualquer ordenação de frequência ou preocupação, alunos desmotivados, agressões a professores, agressões a alunos, agressões a funcionários, “bullying”, violência escolar, humilhações, falta de autoridade dos professores, imagem social degradada dos professores, professores desmotivados, famílias incompetentes, pais negligentes, demissão familiar, indisciplina, recusa, contestação, insucesso, facilitismo, burocracia, currículos desajustados, insegurança, medo, receio, etc.

Intencionalmente não referi a onda de informação relativa à situação vivida pelos professores que, também, não pode ser dissociada de todo o universo da educação.

No entanto, apesar de reconhecer a gravidade de muitas situações insisto na necessidade de uma palavra de optimismo.

A verdade é que, apesar de todos os constrangimentos e dificuldades bem conhecidas e nem sempre reconhecidas, do que ainda está por fazer e dos incidentes que se registam, o trabalho desenvolvido por professores, técnicos, funcionários e alunos é bem-sucedido na maioria das situações e em termos globais, apesar dos incidentes que se registam e isso deve ser sublinhado. Na sua esmagadora maioria, professores, técnicos, funcionários e alunos fazem a sua parte.

Uma comunidade não pode conviver com o medo diário de deixar os seus filhos sair de casa para a escola, tal como não pode conviver com o mal-estar persistente dos profissionais. Mantendo um realismo lúcido, é preciso que se aborde e converse sobre o tudo da escola e não apenas sobre o mau da escola. A insistência exclusiva neste discurso terá um efeito devastador na confiança e expectativas de alunos, famílias e professores face ao presente e ao futuro.

Sim, não é tudo, mas os miúdos precisam de se sentir seguros.

Tal como os pais.

Tal como os professores.

Tal como os técnicos.

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

DOS PROFESSORES

 A propósito de uma peça no Público, “Duas professoras com 30 anos de diferença: “A escola é o melhor sítio do mundo, não é?...” umas notas.

Aproxima-se o início das aulas e, sinais dos tempos e consequência da negligência ou incompetência das políticas públicas, falamos fundamentalmente das aulas que os alunos não vão ter e, naturalmente, da falta de professores que as ministrem.

A verdade é que não me lembro de nos últimos anos a classe docente estar tão presente na agenda como nos dias que vivemos. Os seus problemas e as consequências a curto e médio prazo, sendo conhecidos de há muito, são agora claramente reconhecidos apesar de algumas tentativas de torcer a realidade. São recorrentes as referências à preocupante falta de professores, ao envelhecimento da classe, os níveis de cansaço e de exaustão emocional, a menor atracção dos mais jovens pela profissão associada a modelos de carreira, contratação e valorização pouco motivadores e justos. Os professores passam por dispositivos de avaliação pouco transparentes e competentes que desmotivam, causam mal-estar e climas institucionais pouco amigáveis, para ser simpático na adjectivação.

Também é de registar que de uma forma geral continuam a merecer a confiança das comunidades.

Este quadro, de um mal-estar reconhecido, não pode deixar de ter impacto. Como muitas vezes afirmo, crianças, enquanto grupo social, e professores, enquanto grupo profissional, constituem dois grupos nucleares nas sociedades contemporâneas. Os mais novos porque são o futuro e os professores porque, naturalmente, o preparam, tudo (quase) passa pela escola e pela educação. Entre nós, este entendimento ainda me parece mais justificado porque, devido a ajustamentos na organização social e familiar e, é minha convicção, devido a políticas públicas sociais e educativas inadequadas, os miúdos passam tempo excessivo na escola, alterando a dinâmica educativa familiar o que sobrevaloriza o papel da escola através dos professores.

Múltiplas acções e decisões políticas, bem como alguma imprensa e "opinion makers" têm contribuído para degradar a sua função, fragilizar a sua imagem social e comprometer o clima e a qualidade do trabalho desenvolvido nas escolas apesar dos professores continuarem a ser uma das classes profissionais em que os portugueses mais confiam.

A atenção que tem estado centrada nos professores advém de boas e más razões. Não cabe aqui um balanço, e entendo que, tal como os miúdos, os professores não têm sempre razão, os discursos dos seus representantes são, por vezes parte do problema e não parte da solução e também sei que existem alguns professores que o não deviam ser. No entanto, a verdade é que a esmagadora maioria dos docentes são ... Professores, muito bons Professores.

Ser professor no ensino básico e secundário por razões conhecidas e por vezes esquecidas, é hoje uma tarefa de extrema dificuldade e exigência que social e politicamente justifica um reconhecimento e valorização frequentemente negligenciados. Acresce que é uma tarefa desempenhada por uma classe extremamente envelhecida e cansada como tem sido amplamente estudado e divulgado.

Por um momento, pensemos no que é ser professor em algumas escolas que décadas de incompetência na gestão urbanística, nas políticas sociais e consequente guetização social produziram.

Pensemos ainda na forma como milhares de professores cumprem a sua carreira, muitos deles sem a possibilidade de desenharem projectos de vida para si quando são os principais responsáveis por lançar projectos de vida para os miúdos com quem trabalham. Aliás, nos últimos anos, milhares de professores, de bons professores e professores necessários, foram constrangidos à reforma e muitos ao desemprego por uma política de contabilidade inimiga da educação pública e da qualidade. Curiosamente, tenta-se que retornem a um lugar onde podem ter sido felizes e tinham esperança e de onde muitos saíram cansados e decepcionados.

Pensemos em como os professores são injustiçados nas apreciações de muita gente que no minuto a seguir a dizer uma qualquer ignorante barbaridade, vai numa espécie de exercício sadomasoquista entregar os filhos nas mãos daqueles que destrata, depreendendo-se assim que, ou quer mal aos filhos ou desconhece os professores e os seus problemas.

Pensemos como é imprescindível que a educação e os problemas dos professores não sejam objecto de luta política baixa e desrespeitadora dos interesses dos miúdos, mesmo por parte dos que se assumem como seus representantes.

Pensemos que a forma como os miúdos, pequenos e maiores, vêem e se relacionam com os professores está directamente ligada à forma como os adultos os vêem e os discursos que fazem.

Pensemos finalmente nos professores que nos ajudaram a chegar ao que hoje cada um de nós é, aqueles que carregamos bem guardadinhos na memória, pelas coisas boas, mas também pelas más, tudo contribuiu para sermos o que somos.

A valorização social e profissional dos professores em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade. A valorização e reconhecimento passam também pela necessidade de modelos de avaliação justos e transparentes que sustentem, reconheçam e promovam competência, empenho e atracção pela profissão.

Gostava ainda de deixar uma ideia do enorme João dos Santos, “O Professor João, foi meu professor porque foi meu amigo” e uma convicção pessoal que a idade cada vez mais cimenta, qualquer professor ou educador, tanto ou mais do que aquilo que sabe, ensina aquilo que é. É da relação que tudo nasce numa sala de aula, qualquer que seja a configuração.

A verdade é que de todos os professores que connosco se cruzaram, os que mais nos marcaram positivamente foi sobretudo pelo que eram e menos pelo que nos ensinaram, por mais importante que seja.

Estamos a entrar num novo ano que começa tão velho como o que terminou. Não vale a pena negar a realidade.

domingo, 8 de setembro de 2024

DO FECHAMENTO DAS ESCOLAS

 Nos tempos que correm não é fácil encontrar boas notícias no mundo da educação, aliás, no mundo.

No JN li que, contrariamente previsto na carta educativa do concelho, já não encerrarão três estabelecimentos de ensino do 1º ciclo na área de Leiria. O aumento da população em idade escolar nesta zona geográfica assim o determinou.

Tal como me entristeceu e questionei o movimento de encerramento de escolas iniciado há uns anos, também me alegro com esta reabertura. Não será significativa para o país, mas é essencial para a comunidade.

Retomo umas notas sobre esta questão do encerramento de escolas que também está associado à criação de mega-agrupamentos que, muitos deles, se transformam em mega-problemas, mas esta é uma outra matéria.

Muitas das questões que se colocam em educação, como noutras áreas, independentemente da reflexão actual, solicitam algum enquadramento que nos ajudem a melhor entender o quadro temos no momento.

Como já tenho escrito a este propósito, durante décadas de Estado Novo, tivemos um país ruralizado e subdesenvolvido. Em termos educativos e com a escolaridade obrigatória a ideia foi “levar uma escola onde houvesse uma criança”. Tal entendimento minimizava a mobilidade e a abertura de espírito algo a evitar. No entanto, como é sabido, os movimentos migratórios e emigratórios explodiram e o interior entrou em processo de desertificação o que, em conjunto com a decisão de política educativa referida acima, criou um universo de milhares de escolas, sobretudo no 1º ciclo, com pouquíssimos alunos. Como se torna evidente e nem discutindo os custos de funcionamento e manutenção de um sistema que admite escolas com 2, 3 ou 5 alunos, deve colocar-se a questão se tal sistema favorece a função e papel social e formativo da escola. Creio que não e a experiência e os estudos revelam isso mesmo.

Parece, pois, ajustada a decisão de em muitas comunidades proceder a uma reorganização da rede.

É também verdade que muitas vezes se afirma que a “morte da escola é a morte da aldeia”. No entanto, creio que será, pelo menos de considerar, que os modelos de desenvolvimento económico e social promovem a litoralização e desertificação do interior. Apostas políticas erradas não contrariam este processo, antes pelo contrário, promovem-no fechando os equipamentos sociais, incluindo as escolas, uma das formas evidentes de fixação das pessoas. Cria-se assim um ciclo sem fim, as pessoas partem, fecham-se equipamentos, as pessoas não voltam ou continuam a partir. E este processo de definhamento vai-se alastrando. Talvez a manutenção das escolas em funcionamento ajude a fixar e atrair famílias.

Torna-se fundamental e urgente a coragem e a visão para outros caminhos.

Por outro lado, como referia acima, a concentração excessiva de alunos em centros educativos ou mega-agrupamentos não ocorre sem riscos, tornam-se mega-problemas. Para além de aspectos como distância a percorrer, tipo de percurso e apoio logístico, importa não esquecer que escolas demasiado grandes são mais permeáveis a insucesso escolar e exclusão, absentismo, problemas de indisciplina e outros problemas de natureza comportamental como bullying.

Neste cenário, a decisão de encerrar escolas não deve ser vista exclusivamente do ponto de vista administrativo e económico, não pode assentar em critérios generalizados esquecendo particularidades contextuais e, sobretudo, não servir como tudo parece servir em educação, para o jogo político.

sábado, 7 de setembro de 2024

A MATEMÁTICA É UMA COISA MUITO DIFÍCIL

 De acordo com relatório divulgado pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, a Matemática continua a ser a disciplina com mais negativas em todos os anos do 2.º e 3.º ciclos sendo que continuam a subir.

Em 22/23, 11% dos alunos do 5.º ano tiveram negativa a Matemática e 6% a Português. No 7.º ano os valores foram 21% e 11% e no 9.º ano a diferença foi de 29% e 6%.

Como é natural e considerando a Matemática, o domínio com mais escrutínio, surgem sempre algumas leituras. No Público encontra-se a análise da Sociedade Portuguesa de Matemática e da Associação dos Professores de Matemática que, mais uma vez, divergem no discurso produzido.

A SPM sobrevaloriza a questão da alteração curricular, a passagem das “metas curriculares” para as “aprendizagens essenciais” e a APM considera os resultados são ainda consequência das “metas curriculares” e as “aprendizagens essenciais” terão um efeito positivo alertando para risco de agravamento no curto prazo com, por exemplo, os efeitos da falta de docentes.

Não sou especialista em questões curriculares, mas parece-me curioso que a Sociedade Portuguesa de Matemática e a Associação dos Professores de Matemática, não sei com que dimensão representativa dos professores de matemática têm habitualmente entendimentos diferentes com um argumentário que em alguns aspectos que me são mais familiares, o funcionamento dos alunos por exemplo, me levantam dúvidas e, por vezes, me parecem fruto de agendas para além da Matemática.

Lembro-me, por exemplo, de Nuno Crato, de há muito ligado à SPM e sempre com “base na evidência” ter, enquanto ministro, proclamado a existência de professores a mais e a “inevitabilidade da redução”. Sabemos o que se tem verificado.

Continuo a entender que estruturas curriculares demasiado extensas, normativas e prescritivas são pouco amigáveis para o bom desempenho da generalidade dos alunos, pouco amigáveis para acomodar a diversidade.

Por outro lado, e como aqui tenho escrito, o desempenho a Matemática pode ainda ser influenciado, não numa relação de causa-efeito, por múltiplas variáveis como número de alunos por turma, tipologia das turmas e das escolas e dos contextos, dispositivos de apoio às dificuldades de alunos e professores ou questões de natureza didáctica e pedagógica.

Acresce a esta complexidade um conjunto de outras variáveis menos consideradas por vezes, mas que a experiência e a evidência mostram ter também algum impacto.

São variáveis de natureza mais psicológica como a percepção que os alunos têm de si próprios como capazes de ter sucesso associada a contextos familiares de natureza diversa, por exemplo.

É também conhecido e os resultados do PISA sublinham, que os pais com mais qualificação e de mais elevado estatuto económico têm expectativas mais elevadas sobre o desempenho escolar dos filhos o que se repercute na acção educativa e nos resultados escolares e, naturalmente, mais facilmente mobilizam formas de ajuda para eventuais dificuldades, seja nos TPC, seja através de ajuda externa.

Finalmente uma outra variável neste âmbito, a representação sobre a própria Matemática. Creio que ainda hoje existe uma percepção passada nos discursos de muita gente com diferentes níveis de qualificação de que a Matemática é uma “coisa difícil” e ainda de que só os mais “inteligentes” têm “jeito” para a Matemática. Esta ideia é tão presente que não é raro ouvir figuras públicas afirmar sem qualquer sobressalto e até com bonomia que “nunca tiveram jeito para a Matemática, para os números”. É claro que ninguém se atreve a confessar uma eventual “falta de jeito” para a Língua Portuguesa e, por vezes, bem que parece. A mudança deste cenário é uma tarefa para todos nós e não apenas para os professores e seria importante que acontecesse.

De facto, este tipo de discursos não pode deixar de contaminar os alunos logo desde o 1º ciclo convencendo-se alguns que a Matemática vai ser difícil, não vão conseguir ser “bons” e a desmotivar-se.

Não fica fácil a tarefa dos professores, mas no limite e como sempre será a escola o braço operacional da comunidade a fazer a diferença.

Parece ainda claro e é uma questão central claro que para promover mais sucesso e não empurrar os alunos para os anos seguintes sem nenhuma melhoria nas suas competências ou saberes é essencial, como referia acima, criar e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo.

Sabemos também que a escola pode e deve fazer a diferença, em muitas escolas isso acontece. Mas para que isto seja consistente e não localizado também sabemos que o sucesso se constrói identificando e prevenindo dificuldades de forma precoce, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio eficazes, competentes e suficientes a alunos e professores, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, com a valorização do trabalho dos professores, com práticas de diferenciação que não sejam "grelhodependentes", com expectativas positivas face ao trabalho e face aos alunos, com melhores níveis de trabalho cooperativo e tutorial, quer para professores quer para alunos, etc.

Uma nota final para a importância da avaliação externa como forma imprescindível de regulação. No entanto, não entendo que só por existirem e serem muitos, os exames finais, só por si, insisto, só por si, melhorem a qualidade. É como esperar que só por medir muitas vezes a febre irá baixar. A qualidade é promovida considerando o que escrevi em cima e regulada em termos globais pela avaliação externa que permite análises necessárias, nacionais ou internacionais como, por exemplo, o TIMSS.

É com a escola, por dentro da escola e integrado em sólidos projectos de autonomia e responsabilidade e com recursos adequados que o caminho se constrói.

Sabemos tudo isto. Nada é novo. Só falta um pequeno passo.

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

A LER, "OS PROFESSORES CONTINUARÃO A ADOECER"

 Merece leitura e reflexão o texto de Paulo Prudêncio no Público, "Os professores continuarão a adoecer".

Como tantas vezes tenho escrito, é absolutamente necessário que as políticas públicas de educação, mas não só, assumam como um eixo nuclear a valorização da carreira docente, dos professores.


quinta-feira, 5 de setembro de 2024

LIVROS E LEITORES

 No âmbito da realização em Lisboa de um encontro internacional Book 2,0, a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) divulgou os dados de um estudo sobre livros e hábitos de leitura. Alguns indicadores.

Registou-se em 20233 um aumento de 7% de vendas face a 2022. A percentagem de inquiridos que compra livros subiu ligeiramente, de 62% para 65%. De registar que a faixa etária dos 25 aos 34 tornou-se a que mais compra livros, 76%, e os leitores dos 15 aos 24 os que mais aumentaram a compra de livros face a 2022,41% do total de inquiridos.

Apesar de alguns dos dados do inquérito terem revelado alguma mudança no aumento do consumo e hábitos de leitura muito ainda temos de caminhar.

Como já aqui tenho escrito, os livros e a leitura são bens de primeira necessidade para gente de todas as idades donde a insistência. Recordo sempre Marguerite Yourcenar que em “As Memórias de Adriano” escrevia “A palavra escrita ensinou-me a escutar a voz humana.”

São múltiplos os estudos e referências que sublinham o impacto dos livros e da leitura no desenvolvimento e nas competências escolares bem como no trajecto pessoal. Lamentavelmente, são também muitos os trabalhos que mostram que os hábitos de leitura são pouco consistentes entre as crianças, adolescentes e jovens como, sem surpresa, também o são entre a população em geral. Nos últimos tempos parece estar a despertar um maior interesse pelos livros, sobretudo entre os mais novos, associado a um fenómeno das redes sociais, os booktokers que lêem e divulgam livros no TikToK. Esperemos que se mantenha e fortaleça.

Os livros têm uma concorrência fortíssima com outro tipo de materiais, jogos ou consolas por exemplo, e que nem sempre é fácil levar as crianças, jovens ou adultos a outras opções, designadamente aos livros.

Apesar de tudo isto também sabemos que é possível fazer diferente, mesmo que pouco e com mudanças lentas e os dados agora conhecidos parecem indiciar alguma evolução.

Só se aprende a ler lendo e o essencial é criar leitores que, quando o forem, procurarão o que ler, livros por exemplo, em que espaços, biblioteca, casa ou escola e em que suportes, papel ou digital.

Um leitor constrói-se desde o início do processo educativo. Desde logo assume especial importância o ambiente de literacia familiar e o envolvimento das famílias neste tipo de situações, através de actividades que desde a educação pré-escolar e 1º ciclo deveriam ser estimuladas, muitas vezes são, e para as quais poderiam ser disponibilizadas aos pais algumas orientações. 

Apesar dos esforços de muitos docentes, a relação de muitas crianças, adolescentes e jovens com os materiais de leitura e escrita assentará, provavelmente de forma excessiva, nos manuais ou na realização de trabalhos através da milagrosa “net” proliferando o apressado “copy, paste” ou resumos disponíveis das obras que são de leitura obrigatória ou recomendada.

Neste contexto, embora desejasse muito estar enganado, não é fácil construir miúdos ou adolescentes leitores que procurem livros em casa, em bibliotecas escolares ou outras e que usem o "tablet" também para ler e não apenas para uma outra qualquer actividade da oferta sem fim que está disponível. A iniciativa dos booktokers que referi acima pode ser um bom sinal.

Felizmente e apesar das dificuldades também importa sublinhar que se realizam com regularidade experiências muito interessantes em contextos escolares, os professores bibliotecários têm desenvolvido um trabalho essencial, ou em iniciativas mais alargadas a outras entidades como autarquias e instituições culturais.

Precisamos de criar leitores, eles irão à procura dos livros ou da leitura, mesmo quando os tempos parecem menos favoráveis.

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

UM NOVO ANO LECTIVO QUE TALVEZ NÃO SEJA ASSIM TÃO NOVO

 O início de um ano lectivo deveria ser a ocasião de regresso à escola para a grande maioria de professores, funcionários, técnicos e alunos, para além, naturalmente do retorno das rotinas familiares relativas à frequência escolar. Para um infelizmente pequeno número de alunos e professores, será, por assim dizer, a sua estreia” que deveria decorrer apenas com a “ansiedade” de uma estreia.

Lamentavelmente, assim não acontece. A serenidade é um bem de primeira necessidade no trabalho educativo. No entanto, continua a ser um bem escasso.

É tempo demais sem que nada mude substancialmente.

Da gestão das políticas públicas espera-se, exige-se, as decisões que criam as condições de serenidade e normalidade do trabalho de alunos e professores.

Sabemos que ensinar e aprender têm sobressaltos, são naturais nestes processos. No entanto, o que nos preocupa, não parecem ser esses sobressaltos esperados.

Estamos num mundo às avessas.

O que temos são decisões ou falta delas que alimentam problemas e pouco impacto têm nas soluções. Sabemos que muitos problemas não são de fácil ou imediata resolução, cresceram de mais por negligência ou incompetência, mas importa definição de um rumo consistente e sustentado.

O que temos é uma carga de burocracia que promove ineficiência e desgaste sem que o retorno justifique minimamente o esforço e o tempo despendidos.

O que temos em muitas escolas são climas institucionais pouco amigáveis para o trabalho educativo da comunidade escolar.

O que temos em muitas escola e agrupamentos são problemas sérios de governança que alimentam mal-estar e cansaço dos profissionais.

O que temos, aliás, não temos, são professores suficientes para as exigências e necessidades da população discente.

O que temos são discursos patéticos, ardilosos, que “martelam” a realidade desconsiderando o conhecimento e a experiência que tanta gente possui.

O que temos são fingimentos de “soluções” que, mais uma vez, alimentam os problemas.

Não, não está tudo mal, nem vai correr tudo mal.

Os professores, na sua esmagadora maioria vão “dar o litro” sustentados no seu sentido ético, deontológico e competência. Os alunos vão tentar, na sua maioria, fazer o melhor possível e, felizmente, serão bem-sucedidos, esperando que sucesso corresponda, de facto, a aquisição de conhecimentos e competências.

No entanto, a realidade não poderá ser esta, a que vivemos, mesmo que do MECI venham retratos mais simpáticos.

Daí este meu cansaço e desabafo.

E … vai correr bem. Ou não.

terça-feira, 3 de setembro de 2024

TELEMÓVEIS E ESCOLA. OUTRA VEZ

 Leio no Público que o Movimento Menos Ecrãs, Mais Vida foi recebido no MECI com o objectivo de discutir “a regulação do uso de smartphones nas escolas portuguesas e o projecto-piloto dos manuais digitais”.

O Movimento está ligado à petição “Viver o recreio escolar, sem ecrãs de smartphones!", lançada em Maio de 2023 e recolheu 23169 assinaturas.

Temo que esta matéria seja das que dificilmente gerará consensos até pela latitude de uma eventual proibição, designadamente no que respeita a idades e a definição dos espaços escolares ou actividades em que possa ser proibida a utilização, salas de aula, recreios ou na totalidade.

Importa saber que diversos países têm tomado iniciativas neste sentido o que quase parece inevitável dada a forma como os telemóveis e as suas possibilidades evoluíram e rapidamente massificaram a sua utilização, desde os mais novos aos mais velhos, ainda que com níveis de competências e utilização diferenciadas.

Entretanto, também por cá algumas escolas já definiram restrições e a legislação será diferenciada desde a não utilização na escola à restrição em sala de aula incluindo professores e os contactos dos pais.

Ainda me lembro de há alguns anos me interrogar se precisaria de um telemóvel e também me lembro de há algum tempo, numa conversa com pais, uma mãe me perguntar a que idade eu entendia que ela poderia dar um telemóvel à filha. Perguntei a idade, a gaiata tinha 5 anos, mas, disse mãe, já muitas colegas da sala tinham e a filha também queria este novo apêndice das nossas mãos.

Esta “sobreutilização” dos telemóveis, em todos os ambientes, incluindo casa e escola, os riscos de diferente natureza que são conhecidos e reconhecidos, têm vindo de forma cada vez mais insistente a colocar a questão de a minimizar ou mesmo proibir.

Por outro lado, também temos a percepção das potencialidades que estes dispositivos oferecem pelo que, sem surpresa, temos uma questão complexa e, como disse acima, de difícil consenso.

A UNESCO já divulgou algumas orientações no sentido da limitação da utilização dos telemóveis nas escolas. Como referi acima, em alguns países, mas também em Portugal, vão surgindo escolas e agrupamentos que vedam a sua utilização no espaço escolar, incluindo intervalos e sabemos que o ME pediu ao Conselho de Escolas um parecer que foi no sentido de remeter as decisões para a esfera de autonomia de escolas e agrupamentos.

Nesta questão estão envolvidas variáveis como a idade dos alunos, os espaços de utilização ou proibição e as actividades em que poderão, ou não, ser permitida a utilização dos telemóveis o que torna o escrutínio e a decisão mais complexa.

Parece-me particularmente interessante que esta pertinente discussão ocorra em plena época de deslumbramento com a chamada “transição” digital que mantém a decisão da realização das provas de MoDA (Monotorização da Aprendizagem) do 4º e 6º ano em formato digital.

Muitas vezes e desde há muito tempo tenho abordado estas questões nestes espaços, bem como na intervenção profissional, fundamentalmente com pais e nos contextos escolares a propósito dos impactos nas relações sociais e em fenómenos de cyberbullying.

No entanto, ainda que se possam compreender as razões que sustentam as proibições, o uso excessivo e desregulado, as decisões de proibição não parecem ser consensuais. Também não tenho a convicção de que uma estratégia de proibição, só por si, devolva crianças e adolescentes à interacção pessoal e a outros hábitos comportamentais mais interessantes embora, obviamente, seja imprescindível a regulação do seu uso o que não significará, necessariamente, uma “lei seca” para telemóveis.

Por outro lado, também não é rara a utilização de telemóveis associada a actividades de aprendizagem.

Do meu ponto de vista seria importante também colocar a questão a montante, a utilização que todos damos a estes dispositivos. Seria muito interessante e desejável que se discutisse a sério (incluindo crianças e jovens) nas comunidades educativas a regulação dos comportamentos e definição de regras e limites, sem “superpais”, sem “superfilhos” ou “superprofessores”. No entanto, esta discussão tem de ser acompanhada pela nossa, adultos, pais e/ou profissionais, regulação da sua utilização. Se olharmos para muitas famílias em “convívio” ou para muitos contextos profissionais em “reunião” verificaremos os ecrãs que muitos terão à sua frente e perceberemos o que está por fazer, comportamento gera comportamento.

Como já referi, também me parece que este movimento deve ser enquadrado na mudança que felizmente também parece estar a emergir refreando o deslumbramento pela “transição digital” que, enquadrando de forma ajustada a inevitabilidade de incorporar estas ferramentas nos processos educativos, também volta a defender a importância de abordagens metodológicas ou didácticas “antigas”, “conservadoras”, tais como escrever à mão, desenhar, brincar na rua, ler em suporte papel, interagir presencialmente ou promover relações afectivas literalmente mais próximas, tudo ferramentas importantes de desenvolvimento e aprendizagem.

A ver vamos com a coisa evoluirá por cá quando estamos submersos por um tsunami de transição digital e, claro, de inovação e capacitação.

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

OS DISCRETOS CAMPEÕES DE MUITAS PROVAS

 Ontem, nos Jogos Paralímpicos de Paris, Miguel Monteiro ganhou a medalha de ouro atleta português paralímpico, Cristina Gonçalves a medalha de ouro de Boccia BC2 e Diogo Cancela conseguiu a medalha de bronze em natação nos 200 m estilos SM8. Como é óbvio, este resultado merecia um destaque que, provavelmente, não terá.

Nada de novo. A vida de muitas pessoas com deficiência é, na verdade, uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, que ampliam de forma inaceitável a limitação na mobilidade e, ou, na funcionalidade em diferentes áreas que a sua condição, só por si, possa implicar. Existem muitas áreas de dificuldades colocadas às pessoas com deficiência, designadamente, acessibilidades, educação e emprego em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são enormes.

Reafirmo algo que recorrentemente subscrevo, os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como lidam com as minorias e as suas problemáticas.

Como disse, provavelmente o feito desportivo destes atletas não terá o relevo que merecia. As primeiras páginas, também no desporto, não são para estes indivíduos. Mesmo quando vencem, as pessoas com deficiência não têm "glamour", não enchem estádios e não fazem movimentar milhões, não são colunáveis, são apenas, simplesmente, campeões, a sério.

domingo, 1 de setembro de 2024

O FUTURO PASSA POR AQUI

 Com a generalidade do ensino superior em final de férias e preparação do próximo ano lectiva, existe um pequeno nicho de ensino “universitário” que no final do Verão entra em franca actividade e sem aparentes sobressaltos.

Refiro-me às "Universidades de Verão" organizadas pelas diferentes estruturas partidárias que em busca de identidade própria variam nas designações. Hoje terminam a Universidade de Verão do PSD, a Academia Socialista do PS e o Fórum Socialista do Bloco de Esquerda. O CDS-PP terá a sua Escola de Quadros na próxima semana recorrendo a uma terminologia mais moderna e sofisticada.

Estas iniciativas inscrevem-se nessa coisa chamada “rentrée”.

Confesso que fico sempre impressionado com estas realizações e julgo que devem ser olhadas com particular atenção e valorizadas.

Em primeiro lugar porque penso que os estudantes que as frequentam, depois de passarem por sucessivos dispositivos de selecção e exames que certifiquem a qualidade da sua preparação, são certamente de um nível de excelência que autoriza pensar estarmos na presença de uma elite de que o país muito espera e, seguramente, beneficiará.

Por outro lado, é de registar a composição do corpo docente destas Universidades. Para além de figuras reconhecidas do mundo universitário e da, chamada “sociedade civil”, outro termo que muito aprecio, os estudantes têm a possibilidade de ouvir lições de notáveis “aparelhistas” dos respectivos partidos que carregam uma excelente formação, inicial e pós-graduada a que se junta uma enorme experiência em alpinismo social e político, em jogos de bastidores e em gestão de interesses que contribuirão de forma marcante para a formação dos jovens quadros que estão na incubadora, por assim dizer, e seguirão as passadas de figuras brilhantes e incontornáveis de ex-jovens quadros que ocupam as lideranças das diferentes estruturas partidárias e lugares de topo em todas as áreas da comunidade.

Na verdade, estas Universidades de Verão, Academias ou Escola de Quadros, culminam um longo trabalho de formação e qualificação realizado pelas juventudes partidárias e que, finalmente, é certificado com a excelência aqui atingida.

É nestas actividades académicas que se forjam verdadeiramente os líderes de amanhã, é importante segui-las com atenção. O futuro passa por aqui.