quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

NOTÍCIAS DA CHAMADA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

 Foi divulgado o mais recente inquérito realizado pela Fenprof direccionado para a resposta aos alunos com necessidades especiais.

Responderam ao inquérito 147 directores de agrupamentos e escolas, 18% do total no continente, e envolveu 9252 turmas, 188 262 alunos e 19 231 docentes, 1 303 de educação especial. Alguns dados.

No conjunto das turmas envolvidas, 15 437 alunos beneficiam de apoio específico, 8,2% do total, sendo que 12 237 são abrangidos por medidas selectivas e 3 200 por medidas adicionais. A estes alunos acrescem   17 132 estudantes, 9%, que recebem "apoio indirecto", sem intervenção directa do professor de educação especial, apenas orienta o professor da turma. que que o docente de educação especial dá orientações ao docente titular da turma sobre como trabalhar com os alunos, mas não trabalha directamente com eles.

De acordo com os directores 47,6% das turmas envolvidas no estudo deveriam ser reduzidas, deveriam ter menos de 20 estudantes e, no máximo, dois alunos com necessidades especiais. Das 9252 turmas examinadas, 27,1% das turmas com alunos com necessidades educativas está sobrelotada, 12,4% tinha mais de 20 alunos, 8% tinha mais de dois alunos com NE e 6,7% tinha mais de 20 alunos e mais de dois alunos com NE considerando a legislação.

No que respeita a recursos humanos, 82,3% dos directores referem "não ter os recursos necessários para aplicar uma educação efectivamente inclusiva, ou seja, o que está previsto" na legislação.

De forma mais fina, 74,3% refere a insuficiência de professores de educação especial suficientes e 71,6% afirmaram ter ficado com horários por preencher sem qualquer candidato. No entanto, 8,1% dos docentes com esta especialização, na sua maioria dos quadros dos agrupamentos, tiveram de assumir turmas.

Acresce que 76,9% dos directores refere a falta de assistente operacionais e 79,6% a insuficiência de técnicos especializados, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, mediadores sociais e culturais ou assistentes sociais.

É um quadro preocupante, mas expectável face ao resultado de anos anteriores e, naturalmente, da situação global do nosso sistema educativo, falta de recursos humanos, professores e técnicos e a questão de fundo, políticas públicas de educação no sentido correcto e com os meios necessários. É notícia no Expresso que ainda existem 133 turmas do 1.º ciclo, cerca de 3300 alunos, sem professor titular o que sustenta um manifesto subscrito por várias associações de pais.

Nada de novo, mas umas notas que espero breves. Muitas vezes aqui tenho abordado esta questão, vou repetir algumas ideias mas esta área foi a minha vida profissional, quase 50 anos. Comecei a trabalhar no universo da educação, em particular da educação para alunos com necessidades especiais, (à época os alunos com deficiência) em 1976 e aposentei-me definitivamente em 2024, sempre nesta área, a educação. Como as pessoas ligadas à educação sabem ou irão saber, de professor e de pai nunca nos reformaremos por mais longa que seja a nossa vida. Também é curioso que a minha companheira de estrada tenha sido professora de educação especial no 1.º ciclo durante a quase totalidade da carreira, achando eu que tive alguma responsabilidade nessa opção.

Dito isto, comecei no tempo das escolas especiais organizadas por deficiência (eu ligado à primeira CERCI que se constituiu, a de Lisboa), trabalhei no tempo da educação especial, no tempo da integração e das equipas de professores de ensino especial e, finalmente, no tempo da inclusão.

Sempre com esperança, acompanhei a mudança de quadro conceptual e legal que enquadrava este trabalho, ah, já me esquecia, também acompanhei as mudanças de paradigma, como sabem as coisas só mudam quando muda o paradigma, passei do paradigma da escola especial, para um paradigma combinado já com salas de ensino especial (salas de apoio) na escola regular, passei depois para o paradigma da integração, os alunos passaram a estar fundamentalmente integrados em turmas de ensino regular com acompanhamento dos professores de educação especial e, finalmente, o paradigma da inclusão, os alunos, todos os alunos, estão incluídos, já não são estigmatizados como alunos com necessidades educativas especiais. Assim, os alunos que revelavam algum tipo de dificuldade passaram a ser objecto de medidas educativas arrumadas em três categorias, as medidas “universais”, as medidas “selectivas” e as medidas “adicionais”. Isto parece que é uma outra forma de categorizar, mas não é. No paradigma da educação inclusiva é assim que se faz.

E pronto, chegámos à educação inclusiva, somos um exemplo para muitos países que se organizam nos velhos paradigmas, ainda não chegaram à educação inclusiva. Esperemos que lá cheguem, mas os ventos não vão de feição para os mais vulneráveis.

No entanto, a maldita realidade nem sempre colabora. Eu reconheço e conheço, sempre conheci, excelentes e inspiradores trabalhos de professores, técnicos, pais, escolas ou instituições ao longo destas quase cinco décadas de paradigmas diferentes. No entanto, também importa reconhecer, veja-se os dados acima e outros, por exemplo de relatórios da IGEC, que propagandear discursos sobre inclusão assentes em “wishful thinking” ou torturar a realidade para que se mostre diferente não é assim muito eficaz. Não, muitos alunos não estão incluídos nem sequer integrados, estão “entregados” com as consequências que professores, técnicos e pais bem conhecem. E importa considerar que não estou apenas a referir-me aos alunos “categorizados” pelas "não categorias", os “Selectivos”, os “Adicionais” ou os “Universais”. De facto, existem ainda muitos outros alunos que, lembrando Sam the Kid, fazem parte de uma percentagem que a sondagem nunca mostra. 

Desculpar-me-ão a heresia ou descrença, mas uma escola inclusiva é algo que não existe e, provavelmente, não existirá nos tempos mais próximos. Os modelos e estilos de vida actuais, económicos, políticos, sociais, culturais, as assimetrias brutais que se mantêm são pouco compatíveis com “uma escola inclusiva”. São brutalmente inquietantes os tempos que vivemos. Existem escolas, isso sim, que desenvolvem excelente trabalho com alguns alunos, o que é diferente de “uma escola inclusiva”.

Eu sei e gosto de acreditar que a escola é, também, uma alavanca de mudança, mas a verdade é que a escola, de uma forma ou de outra, é sobretudo um reflexo da sociedade que serve no tempo histórico em que vive.

No entanto, em nome dos meus netos e de todos os netos que serão o futuro, bem como das minhas convicções e como disse acima, acredito numa escola que possa, quanto possível, promover educação, a relação diária entre quem está na escola, assente em princípios de educação inclusiva. E neste sentido em todas escolas existirá educação inclusiva, há sempre quem a promova mesmo em contextos menos favoráveis.

A designação está tão desgastada que já nem sabemos bem o que significa. No entanto e de uma forma simples, entendo que a inclusão assenta em cinco dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Aprender (tendo sempre por referência os currículos gerais) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade). A estas cinco dimensões acrescem os princípios inalienáveis da autodeterminação, autonomia e independência.

Finalizo voltando ao início, as políticas públicas são onerosas, a política pública de educação é onerosa, a suficiência de recursos será sempre uma questão problemática, mas é, também, por aqui que se avaliam a competência e adequação das… políticas públicas. E, fazendo bem as contas, a exclusão tem custo bem mais elevados.

Reafirmo que não esqueço o que positivo se faz, mas conheço tantas práticas e tantos discursos que alimentam exclusão, mas que são desenvolvidas e enunciados ... em nome da inclusão. Sempre recordo o Mestre Almada Negreiros na "Cena do Ódio" quando falava da "Pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões".

Desculpem a extensão do texto.

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