AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

segunda-feira, 30 de junho de 2008

E MAIS UM "KIT" DE SOBREVIVÊNCIA

O CDS-PP apresentou na Assembleia da República a proposta de introduzir no 9º ano de escolaridade formação em primeiros socorros. Pretende-se como objectivo que, a prazo, tenhamos uma parte significativa da população apta a providenciar cuidados de emergência no âmbito do chamado suporte básico de vida. Parece interessante.
No sentido de alargar o impacto da iniciativa e de proporcionar aos alunos, de forma mais imediata, ferramentas úteis, proponho que, conjuntamente com a formação em Primeiros Socorros”, lhes seja fornecido, para além do inevitável computador, um “Kit de sobrevivência”. Nos tempos actuais do sistema educativo, este dispositivo parece-me de uma utilidade extrema. Considerando os dados previsíveis relativos à evolução e o pessimismo que os estudos demonstram, um “kit de sobrevivência” parece, também, constituir uma excelente ferramenta de abordagem ao futuro.

UM HOMEM CHAMADO DO CONTRA

Era uma vez um homem, chamava-se Do Contra. Consideravam-no um tipo estranho. Em qualquer conversa que se envolvesse ou ideia que se discutisse, estava sempre em desacordo com a opinião geral, tanto que a expressão que mais utilizava era, justamente, “não estou de acordo”. Esta atitude, envolvia, quer a análise mais sofisticada, quer a mais simples opinião. Se alguém achava que o tempo estava quente, o Do Contra achava que nem por isso. Se alguém gostava de algo, o Do Contra não apreciava. O Do Contra estava tão habituado a funcionar assim que, por vezes, as pessoas ainda não tinham falado e já ele “não estava de acordo”. Os amigos, alguns e em algumas circunstâncias, suportavam-no porque sempre dava alguma animação às conversas, mas, na maior parte das vezes, detestavam o Do Contra e protestavam.
Um dia foi apreendido. O Do Contra não era normalizado. Quando souberam, as pessoas, de um modo geral, sentiram-se aliviadas e tranquilas. No fundo, o Do Contra só atrapalhava.

domingo, 29 de junho de 2008

BRINCAR

(Foto de Rodrigo Bela Vista)

“Foi para continuar a fazer o que fazíamos em criança – brincar contra a solidão – que vim para o Teatro”. (Luís Miguel Cintra)

A inexistência de equipamentos urbanos adequados e em número razoável, destinados aos miúdos, bem como a sua vandalização e falta de manutenção, constituem, também, uma boa forma de os empurrar para a solidão de um ecrã, qualquer ecrã, onde permanecerão fechados à espera de um futuro triste, porque só.

sábado, 28 de junho de 2008

OS CONSELHOS DA COMISSÁRIA MOREIRA E O DIA DO DIPLOMA

Uma viagem que começou muito cedo, agruras de quem tem que atravessar a Ponte 25 de Abril, e um dia que já vai longo em Aveiro, não permitem grandes divagações. No entanto, uma rápida passagem de olhos pela imprensa, o Público, exige duas breves referências. Em primeiro lugar, sem surpresa, o facto da Comissária Margarida Moreira, Directora Regional de Educação do Norte, ter, ao que parece, “aconselhado” os Conselhos Executivos que “talvez fosse útil excluir de correctores aqueles professores que têm repetidamente classificações muito distantes da média”. Não me apetece comentar mas, tragicamente, já não surpreende.
Uma segunda nota, dirigida à divulgação do calendário escolar para 2008-2009, mais concretamente, à inédita determinação de, a 12 de Setembro, se realizar o Dia do Diploma. As escolas com ensino secundário, deverão, nesse dia, proceder à entrega de diplomas e certificados aos alunos que terminaram o 12º no ano anterior. Depois do assinalável sucesso comercial da importação da comemoração do Halloween, tradição americana, como sabem, bem enraizada na nossa cultura, da extensão das viagens de finalistas, aos alunos dos 3º, 2º e 1º ciclos, bem como às crianças do jardim-de-infância, vamos agora ter aquelas cerimónias, lindíssimas e comoventes, vistas nos filmes americanos, em que os familiares, com os seus melhores fatinhos, se deslocam às escolas e, no meio de umas bolachas, salgadinhos e sumos de “plástico”, vêem os seus rebentos receber o diploma. Muito bonito. Creio, no entanto, que a Senhora Ministra ao determinar que estas cerimónias decorram todas no mesmo dia, complica a agenda do Primeiro-ministro. Como é que ele pode deslocar-se, simultaneamente, a várias escolas, para entregar os computadores e fazer a enésima referência ao estrondoso sucesso do Programa Novas Oportunidades?

sexta-feira, 27 de junho de 2008

HISTÓRIA DO RAPAZ QUE SE CHAMAVA O TAL

Era uma vez um rapaz, tinha 11 anos e chamava-se O Tal. Era o aluno de quem mais se falava na escola, por toda a gente. Cada professor achava que O Tal não aprendia o suficiente na sua disciplina, não tinha o comportamento adequado, não tinha motivação para aprender, não estudava, não gostava de escrever, não gostava de ler, não se interessava pela generalidade dos assuntos abordados nas aulas, não sabia participar numa conversa, não completava uma actividade, não era organizado, não gostava de ser contrariado, não cumpria a generalidade das tarefas, etc.
Um dia, um dos professores que tinha O Tal, falou nele ao Professor Velho, o que estava na biblioteca e falava com os livros. O Professor Velho, depois de ouvir afirmou que não conhecia O Tal. A resposta surpreendeu o professor. “Como não conheces O Tal? É o aluno mais conhecido da escola!”.
Disse o Velho naquele jeito baixinho, “Não, eu acho que O Tal é o aluno mais desconhecido da escola. Repara, só conhecem o que ele não sabe, o que ele não faz, o que não gosta, o que ele não é. Não saberão, portanto, o que ele é, o que ele é capaz de fazer, o que ele sabe, o que ele gosta. Olha que a gente só aprende a partir do que sabe e só cresce a partir do que já é. Era melhor conhecer O Tal”.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

OS (DES)TRATOS DA JUSTIÇA

A situação no sistema de justiça, que nunca foi brilhante, continua a merecer sérias preocupações.
O Dr. Azevedo, condenado em Portugal a pena de prisão, foi obrigado a emigrar e agora, coitado, vítima de um sistema de justiça iníquo e persecutório, vive em Londres nas maiores dificuldades, sendo obrigado a viver, comer e desempenhar o trabalho possível, junto da elite londrina na esperança da sobrevivência. Deu uma entrevista sobre esta triste situação e, certamente por maldade minha, pareceu-me sentir no seu discurso a convicção da impunidade.
Uma rapaziada, que no Tribunal de Sta. Maria da Feira, foi condenada por tráfico de droga, ao que parece, não gostou das penas e, vai daí, resolve bater nos juízes e PSP. Consta que a culpa foi das instalações.
Um pessoal que, tem-se afirmado, praticava a modalidade desportiva da influência de resultados e corrupção de árbitros, assenta a sua defesa, ouvi da boca do advogado de um dos ilustres desportistas, não na prova da sua inocência, mas na impossibilidade de ser acusado pela natureza das provas, ou seja, parece que eles foram escutados a praticarem o desporto da corrupção, mas não podiam ser escutados. Um desses rapazes, a quem chamam Major e passa o tempo a gritar, diz que vai escrever um livro, certamente um best seller, para, provavelmente, aconselhar eventuais adeptos sobre a prática da modalidade a que se dedica, dizem.
Acompanhando os tempos, Euro 2008, apareceu uma bola de futebol no julgamento do caso Casa Pia, (lembram-se?), que, mais uma vez, vai a banhos sem fim à vista.
Parece que quem de direito não percebe o efeito devastador que estas situações têm na qualidade da nossa cidadania. É que crise não é só o aumento dos combustíveis.

ELE HÁ COINCIDÊNCIAS

Depois de uma ida ao Alentejo, Portel, sob uns simpáticos trinta e muitos graus, a disponibilidade para aqui reflectir, a esta hora, não é a maior. No entanto, uma rápida passagem de olhos pela imprensa on-line, mostrou-me algumas referências, cuja ligação aparente, se deverá, seguramente a coincidência, circunstância em que, como sabemos, o mundo é fértil.
Parece que hoje tivemos o dia mais quente do ano. Certamente por coincidência, a Conta Geral do Estado de 2006 foi discutida na Assembleia da República por menos de 46 dos 230 deputados, o mínimo exigido para que a Reunião Plenária possa funcionar.
Estamos a entrar no período crítico pré-eleitoral. Certamente por coincidência, o Governo descobriu uma desconhecida veia negocial, estabelecendo sucessivos acordos com grupos contestatários de políticas sectoriais.
O ministro Jaime Silva esticou-se nas referências às ligações políticas das organizações representativas dos agricultores. Certamente por coincidência, o gabinete do Primeiro-ministro assumiu as negociações do sector.
De há muitos anos que os resultados escolares dos alunos portugueses nas diferentes provas de carácter nacional têm sido desastrosos. Certamente por coincidência, toda a gente fora do inner circle da 5 de Outubro que olha para os exames deste ano, a começar pelos alunos, consideram-nos bem mais fáceis que os anteriores. Ao que parece, sendo difícil mudar os alunos, pois que se mudem os exames.
Este tipo de coisas passa-se no Portugal dos pequeninos. Certamente por coincidência, às vezes, estamos cansados e pessimistas.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

NÃO OUVIRAM O MEU AMIGO MANEL, O OPTIMISTA

Só agora posso comentar a notícia divulgada durante a tarde que, referindo um relatório da Comissão Europeia, coloca os portugueses como os mais pessimistas. Não falaram com o meu amigo Manel. O meu amigo Manel é um optimista, como ninguém. Oiçam-no numa pequena amostra.
Ganhamos pouco. O meu amigo Manel manda-nos olhar para os ordenados na Índia ou na China, “isso é que são ordenados baixos, e não protestam”.
Listas de espera para os cuidados de saúde. O meu amigo Manel acha que temos sorte, esperamos mas vêem, há países em que nem vale a pena esperar.
Insucesso escolar. O meu amigo Manel riposta que toda a gente, agora, quer ser doutora. Há muitos sítios por esse mundo, onde a maioria dos miúdos nem à escola vai.
Governo arrogante, O meu amigo Manel pergunta se já ouvimos falar num tal Mugabe.
Políticos incompetentes. O meu amigo Manel ri-se e pergunta se o pessoal não costuma ver telejornais em que se fala da América do Sul ou de África.
Território desordenado. O meu amigo Manel fala de cidades africanas que já viu nos documentários do Odisseia.
Combustíveis caros. O meu amigo Manel acha que é uma boa oportunidade do pessoal largar o uso do carrinho entre a casa e qualquer destino, mesmo que seja o café ao lado.
Bens alimentares mais caros. O meu amigo Manel diz que o problema é o pessoal ser esquisito, só quer comprar do melhor.
Corrupção. O meu amigo Manel que se não fosse a corrupção o país ainda estava mais atrasado, “o esquemazinho ajuda a coisa a andar”.
Alterações do clima. O meu amigo Manel acha que estamos num oásis, sem os tornados da América e os tufões das Caraíbas, as secas de África ou as cheias na China.
Famílias endividadas. O meu amigo Manel entende que é uma bela maneira do pessoal aprender a fazer contas e não dar passos maiores que as pernas.
E assim vive o meu amigo Manel, fora da estatística, (e à espera de um lugarzinho numa agência de comunicação que trabalhe para o governo).

terça-feira, 24 de junho de 2008

OS INADAPTADOS FUNCIONAIS AGRADECEM

A informação hoje veiculada de que, no processo de revisão do Código do trabalho, o governo poderá recuar, deixando cair a possibilidade de despedimento por “inadaptação funcional” é algo que deve ser registado. Em primeiro lugar, porque, sendo Portugal um país com uma fatia larga de mão-de-obra com baixa qualificação, este conceito de “inadaptação profissional” abriria certamente a porta a uma ultra liberalização desregulada dos despedimentos. Por outro lado, importa também registar o impacto deste recuo em alguns indivíduos ou grupos que correriam sérios riscos de serem considerados “inadaptados funcionais” e veriam, obviamente, o seu posto de trabalho fortemente ameaçado. Vejamos alguns exemplos.
Alguém acredita que o Eng. Mário Lino nasceu para ministro? O homem é, manifestamente, um inadaptado funcional em termos de desempenho.
Consideremos o caso de centenas de gestores de empresas públicas que acumulam processos de gestão ruinosa e deficitária. Certamente serão inadaptados funcionais.
Creio que também entre os autarcas, existe um grupo significativo que tem conseguido, brilhantemente, delapidar património natural, comprometer a qualidade de vida dos seus munícipes, endividar as respectivas autarquias, etc. Este notável desempenho estará certamente ligado a uma inadaptação funcional, mas o partido e a política exigem sacrifícios a que um cidadão responsável não se pode negar. Veja-se os exemplos de Gondomar, Oeiras, Marco, Felgueiras, etc.
E o que aconteceria ao Alberto João, claramente um inadaptado funcional a estas coisas da democracia, que só servem para atrapalhar?
Outra figura ameaçada seria certamente Ricardo, o guarda-redes da selecção do Sr. Scolari, obviamente um inadaptado funcional que dificilmente se manteria em funções.
Por isto tudo, creio que a possibilidade de cair o recurso a “inadaptação funcional” como causa de despedimento, é uma notícia importante.

UM HOMEM FRIO

Era uma vez um homem, chamava-se Frio. Nada acontecia à sua beira que lhe causasse uma pontinha de emoção. A sua cara mantinha-se completamente impassível perante o acontecimento mais dramático, como no meio da mais contagiante alegria. Permanecia impávido. Era, naturalmente, uma pessoa com poucos amigos, ninguém aprecia alguém que não se emociona, nunca. Vivia só, dificilmente alguém partilharia a vida com uma pessoa inexpressiva.
Um dia, o Frio estava no parque a ler o jornal e um miúdo pediu-lhe para o ajudar a arranjar a corrente da bicicleta que tinha saltado. Meio a medo e impassível como sempre, o Frio ajudou o miúdo, que em seguida o desafiou para jogar à bola com os amigos dele. O Frio aceitou, de mansinho primeiro, de forma mais empenhada depois. Acabou por se envolver no jogo com os miúdos, de uma forma como nunca se tinha envolvido em nada na sua vida. Passado algum tempo, no sítio onde estava juntou-se uma poça de água. O Frio tinha finalmente descongelado.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

A VIOLÊNCIA ESCOLAR NÃO É UM CASO DE POLÍCIA

A propósito da realização em Lisboa de um Encontro Internacional, o Público retoma a questão da violência em contexto escolar apresentando uma entrevista com Eric Debarbieux, presidente do Observatório Internacional da Violência Escolar. Do trabalho apresentado, parece-me importante sublinhar algumas ideias.
A violência escolar é um fenómeno fortemente contextualizado, ou seja, é permeável a variáveis de contexto pelo que, qualquer iniciativa ou conjunto de iniciativas que queira, eficazmente, lidar coma a situação terá, necessariamente, de envolver as variáveis particulares de cada comunidade escolar. Dito de outra maneira, a violência escolar não é uma fatalidade, está ligada a aspectos identificados nos diferentes contextos escolares e devem ser esses aspectos os alvos privilegiados da intervenção, mais do que o aumento de dispositivos de repressão.
A segunda nota remete para a formação de professores. A qualidade e gravidade dos comportamentos ligados às diversas formas de violência escolar, mudaram significativamente nos últimos tempos, pelo que as respostas que as escolas habitualmente mobilizavam perderam eficácia. Assim sendo, é imprescindível proceder a ajustamentos significativos na formação de professores, designadamente na área da gestão de conflitos e funcionamento interpessoal. Como costumo dizer, para problemas novos não podemos ter soluções velhas.
Parece-me ainda importante a ideia de que nas escolas existam recursos humanos, para além dos professores, que com qualificação adequada possam funcionar como mediadores nas intervenções específicas nesta matéria.
Finalmente, chamava a atenção para um aspecto fundamental e que no nosso sistema educativo deveria merecer particular atenção. A liderança da escola e a qualidade da sua organização. É sabido que em instituições escolares bem organizadas, exigentes e com liderança clara e eficaz os números relativos à violência escolar baixam significativamente.
Só depois destes aspectos considerados, pensados e transformados em modelos de intervenção ajustados é que a violência escolar poderá passar a caso de polícia e a alvo privilegiado dos media.

AS HISTÓRIAS TÊM QUE SER CONTADAS

(Foto de Mico)

Estou quase a acabar de ler esta história. Li-a toda. Demorei tempo, porque ainda leio devagar. É muito gira. Amanhã vou contá-la aos meus amigos. Eu gosto de contar histórias e também gosto de ouvir. O meu avô contava-me muitas. O Professor Velho, o que está lá na biblioteca e fala com os livros quando está sozinho, disse-me uma vez, que todas as pessoas que conhecem uma história bonita, deviam ser obrigadas a contá-la. Eu acho que ele tem razão. Toda a gente gosta de histórias e se a gente contasse muitas, andávamos mais contentes.

domingo, 22 de junho de 2008

DISCRIMINAR É ILEGAL? É. MAS PODE-SE? PODE.

O DN de hoje, refere que os beneficiários da ADSE, os funcionários públicos, quando procuram aceder a serviços de saúde em estruturas privadas, esperam mais que os particulares ou os detentores de seguros de saúde. Claro que esta situação de discriminação é negada pelas estruturas consultadas. Se bem se lembram, o assunto nem sequer é novo. Estranho sempre a perplexidade e admiração que este tipo de procedimentos parece causar. É o mesmo quando também há algum tempo se noticiou que algumas escolas públicas, bem como privadas, utilizavam critérios de discriminação negativa para negar a matrícula a alguns alunos. É esta a cultura dominante, “és o que tens”, ou seja, quando se tem mais é-se mais pelo que, ao contrário, quem tem menos, é menos e, portanto, baixa significativamente na escala das prioridades porque a ideia de equidade é a utopia.
No entanto e curiosamente, temos sempre discursos a defender a privatização dos serviços de saúde, dizem uns, o mercado, dizem outros, a diminuição do estado, dizem mais alguns, as parcerias público-privado, ainda outros, etc.
De uma vez por todas, o acesso expedito a serviços públicos de, por exemplo, educação e saúde, de qualidade e eficácia é um direito das pessoas e não um privilégio. Sempre que é negado abre-se a porta à discriminação e exclusão.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

UMA CRISE DE LUXO

Pois é, estamos em Portugal. Várias vezes aqui me tenho referido ao facto de Portugal ser um dos países com maior fosso entre ricos e pobres. São aliás recorrentes na comunicação social, as referências ao aumento fortíssimo dos pedidos de ajuda das famílias às instituições de solidariedade social, de que são exemplo os dados publicitados pelos Bancos Alimentares e pela AMI. É também conhecida a subida significativa do nível de endividamento das famílias. Conhecemos as dramáticas taxas de desemprego e precariedade. Não nos esquecemos do impacto pesadíssimo dos aumentos de combustíveis e bens alimentares nos orçamentos de muitas famílias portuguesas. De acordo com o Público o indicador de clima económico voltou a baixar em Maio.
No meio deste cenário, não deixa de ser curioso o trabalho hoje apresentado pelo DN sobre o bom comportamento do mercado do luxo, ou seja, o crescimento significativo da venda de artigos de luxo, designadamente roupa, calçado e acessórios. Sabemos também que na venda de casas e carros topo de gama, os efeitos da “crise” são menos visíveis.
Peço desculpa, e com a vossa licença, a isto chama-se subdesenvolvimento, ético. Numa versão mais popular, parte significativa do desenvolvimento do tal mercado do luxo, deve-se à saloiice da maioria dos “ricos” que acreditam, no fundo como nós mas noutra escala, que são o que têm. Mas muitos são mesmo poucochinho.

SE ELE QUISESSE

Era uma vez um rapaz. Deste, não me lembro bem do nome, mas creio que se chamava Rapaz. Na escola as coisas não corriam muito bem, os resultados eram baixos e o comportamento também não era muito positivo. O curioso é que toda a gente que falava do Rapaz e dos problemas que ele dava, acabava sempre por afirmar, “se ele quisesse”. Todos os professores que o foram conhecendo, invariavelmente, acabavam por achar, “se ele quisesse”. A direcção da escola, sempre que recebia mais uma queixa, lá afirmava “se ele quisesse”. Os funcionários da escola, também já tinham aprendido que, quando se falava do Rapaz, a conclusão era, obviamente, “se ele quisesse”. Até os colegas, parte deles, também já se tinham habituado a pensar o Rapaz a partir do “se ele quisesse”. Um dia, uma das professoras falava com o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, e, claro, a conversa foi ter aos problemas levantados pelo Rapaz e, finalmente, no inevitável “se ele quisesse”.
O Velho pensou e falou naquele jeito baixo. “Quando algum de vocês falar com o Rapaz, experimente perguntar porque é que ele não quer, mas espreitem bem para dentro dos olhos dele. Para sossegar o medo que ele deve sentir, e para que o Rapaz veja nos vossos olhos que vocês querem que ele queira, porque, talvez, ele não saiba isso”.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

O CAFÉ E A FARMÁCIA

De acordo com dados hoje divulgados pela agência europeia Eurostat, os portugueses são os cidadãos europeus que mais gastam em cafés, restaurantes e similares. Nós gastamos cerca de 9.5% do orçamento familiar enquanto a média europeia se fica nos 3.9%, menos de metade. Por outro lado, somos também dos que mais gastamos em médico e farmácia, cerca de 6.1% do orçamento familiar contra 3.4% da média europeia. Estes números, para quem conheça o nível de vida da maioria dos países da Europa, mas não nos conheça, poderão surpreender mas, de facto, são completamente previsíveis. Faz parte da nossa cultura. Logo de manhã o pequeno-almoço fora de casa, podemos lá começar o dia sem uns saudáveis croissants de chocolate ou uns folhados de salsicha acompanhados da meia de leite e uma bicazinha a seguir. É que nem o dia vai correr bem, mas façam as contas e não se esqueçam do bolicau e do Sumol dos miúdos no café ao pé da escola. E como aguentar o resto do dia sem uma bica e uma macieira, ou whisky, a seguir ao almoço, que aliás fizemos naquele restaurante que tem umas “gandas” pataniscas? Façam as contas, mas não se esqueçam de incluir as minis do fim da tarde para conviver um bocado, enquanto os miúdos lancham Coca-Cola. E a noite meus amigos? Em casa? Pode lá ser, vida só há uma e há que aproveitá-la. Pensam que somos alguns totós, como aqueles tipos dos outros países que passam o tempo em casa. Depois andam com aquela cara sempre triste. À pois é, estavam à espera de quê?
Bom, mas o problema vem a seguir. O pessoal não ganha para isto tudo e quando as contas apertam, lá vem a enxaqueca e a dor de barriga e, claro, o resto do orçamento, mesmo à conta descontando o carro e a casa, tem que ir para a farmácia e o médico.
Pá, não se pode ter tudo.
PS - No meio desta coerente informação, até parece estranha a referência da Igreja e de outras instituições, ao aumento exponencial das solicitações de apoio por parte de famílias necessitadas.

O FELIZ

Era uma vez um homem, chamava-se Feliz. Não havia hora ou circunstância em que não tivesse um sorriso no rosto. Mostrava, invariavelmente, um ar de boa disposição. Tornou-se extremamente popular entre as pessoas. Por vezes, quem o conhecia melhor julgava perceber uma sombra de tristeza no olhar. Mas era coisa que rapidamente desaparecia e não chegava para tirar o sorriso da cara do Feliz. É certo que, de quando em quando, algumas pessoas se sentiam incomodadas com aquele ar de permanente felicidade que lhes lembrava, por oposição, os seus momentos de tristeza. Mas a tudo, o Feliz parecia imune e mantinha-se sempre com o seu imperturbável sorriso nos lábios.
Um dia deixou de aparecer sem que alguém soubesse o motivo. Uma das pessoas, sabendo onde ele morava, tentou saber notícias.
Um dos vizinhos informou. Tinham assaltado o Feliz e roubaram-lhe as máscaras. Desde então recusa-se a sair de casa, não sabe como encarar o mundo.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

AFINAL OS ALUNOS TRABALHAM

O Relatório Health Behaviour in School-Aged Children da OMS (link em baixo), foi agora divulgado na sua dimensão global e comparativa, pois há algum tempo que se conheciam os dados referentes a Portugal. Sobre o estudo, bastante extenso e fora do âmbito deste espaço, apenas uma pequena nota que julgo de salientar. Entre as raparigas de 15 anos, 70% sente-se bastante pressionada pelos trabalhos da escola, sendo que nos rapazes o valor é de 60%, os valores mais altos encontrados entre os 41 países considerados. Importa ainda referir que, em Portugal, os alunos têm uma das maiores cargas horárias da União Europeia. São também ainda dramaticamente relevantes os dados relativos ao insucesso escolar. Tudo isto coloca em causa, do meu ponto de vista, o discurso muitas vezes divulgado, nem sempre de forma séria e informada, sustentando que a escola não exige, os alunos não trabalham, etc. Como sempre afirmo, a grande questão não tem a ver com a carga de trabalho, mas com a qualidade do trabalho desenvolvido nas escolas. E esta matéria é mais da responsabilidade de professores, da qualidade de organização e funcionamento do sistema e, portanto, dos seus gestores, técnicos e políticos, que dos alunos.

http://www.euro.who.int/document/E91416.pdf

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terça-feira, 17 de junho de 2008

A FALTA DE MILAGRES E A GESTÃO

De início estranhei, mas a notícia do DN era mesmo, “Bispos portugueses estudam gestão e liderança”. Reunidos em Fátima, os bispos portugueses estão a fazer um curso sobre aquelas temáticas. De acordo com D. António Marto, vice-presidente (ver vice-CEO) da Conferência Episcopal Portuguesa (ver Conselho de Administração da holding das dioceses), pretende-se que, na administração das dioceses, seja possível “conjugar qualidade, eficiência e rentabilidade económica no contexto da organização eclesiástica” e ainda aprender como “promover, numa situação eclesial, os valores da dedicação, do profissionalismo e da criatividade que distinguem uma empresa". É verdade.
Esta iniciativa vem contrariar o discurso de muitos, que entendem que um dos problemas da igreja actual, é a sua atitude resistente à mudança e à inovação. Pois agora que dirão ao ver os senhores bispos a estudar gestão, criatividade, rentabilidade económica, etc? Provavelmente, no combate à crise de vocação e religiosidade, que ainda há poucos dias foi objecto de um trabalho na imprensa, ainda iremos assistir agressivas estratégias de marketing. No fundo, como também disse D. António Marto "a Igreja é produtora de bens e serviços”. E como os milagres também andam em crise, é melhor aprender a fazer contas.

VÉSPERA DE EXAMES

Estou um bocado aflito. Hoje começam os exames nacionais do 12º. Espero que tudo corra bem, mas estou com medo. Se forem difíceis acho que estou tramado. Os do ano passado não pareciam muito difíceis, fizemos os testes nas aulas com os professores e acho que dava para me safar. O meu pai, todos os dias, a toda a hora, me fala dos exames e de ser preciso tirar notas que dêem para entrar na pública. Na privada as propinas são caras e acha que talvez não seja fácil pagá-las, por causa da crise. O problema é se não consigo. Para dizer a verdade, nem estou muito convencido a ir para a Universidade. Por um lado, deve ser giro, mas já começo a estar farto de escola. A minha família iria ficar muito chateada. Sempre me têm dito que gostavam que eu tirasse um curso para ser alguém. No fundo, acho que estão à espera de poder dizer que têm um filho doutor. Se eu lhes dissesse que não me apetece muito continuar a estudar, iria ser uma grande decepção. Acho que não sou capaz.
Também tenho ouvido dizer que, mesmo para quem tem cursos, não é fácil arranjar emprego, mas também é verdade que, só ter jeito e gostar dos computadores, pode não ser suficiente para me safar na vida. Neste último ano até me esforcei um bocado mas não sei se chega. Já falei com o pessoal e acham que não dá para copiar e que os professores também não facilitam. Estou mesmo preocupado. Se a coisa corre mal vai ser um problema.
Rezem por mim.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

EXPLICAÇÕES

Como é habitual, sempre que se aproxima uma nova época de exames, aparecem na imprensa referências ao papel dessa instituição duradoura que é “a explicação”. O DN de hoje apresenta um trabalho interessante sobre a temática e do qual relevam algumas notas.
Em primeiro lugar, a constatação do aumento da procura, elucidativo da necessidade sentida pelos alunos de apoio escolar acrescido à sua normal actividade de estudo. Uma segunda nota sobre a gama extremamente diversa da oferta que se adapta, naturalmente, não só às necessidades dos alunos mas, fundamentalmente às disponibilidades económicas das famílias. É possível obter, desde a explicação individual ao domicílio, até às mais económicas e despersonalizadas sessões de revisões em grupo, desde o curso intensivo à aula temática avulsa, desde o pagamento por hora à compra de pacotes de horas, certamente com algum desconto, etc. Aparece ainda a referência a um estudo da Universidade de Aveiro de 2006, mostrando que, entre as famílias consideradas, se verifica um gasto médio de 250€ em explicações. Estas notas servem-me de pretexto para, mais uma vez e sempre, sublinhar que a melhor forma de não fazer depender o sucesso escolar dos alunos da capacidade económica dos pais é investir na qualidade e exigência da escola pública. Defender como alguns, de forma ignorante da realidade portuguesa, demagoga, ou pouco séria, que a equidade entre os alunos se estabelece pela promoção do acesso ao ensino privado, através de dispositivos como o cheque educação, por exemplo, é a desistência e o desinvestimento na escola pública, cuja qualidade e rigor são a marca de água dos países desenvolvidos.

O INDECISO

Era uma vez um homem, chamava-se Indeciso. Era a pessoa que vivia com mais dúvidas, ou com menos certezas, como quiserem. Tudo começou em pequeno. Sempre havia alguém por perto que decidia pelo Indeciso. De início parecia-lhe bem, ter sempre quem dissesse como deveria viver. Em adolescente, ainda tentou começar a decidir, mas já não foi capaz e, a partir daí, resignou-se. As expressões mais utilizadas por si eram “não sei bem”, “não tenho a certeza”, “que devo fazer?”, etc. O Indeciso cresceu então como alguém decidiu que ele devia crescer. O Indeciso trabalhou naquilo que alguém decidiu que ele devia trabalhar. O Indeciso arranjou a família que alguém decidiu que devia arranjar. Assim corria a sua vida, até que uma manhã, depois de uma noite de dúvidas, desta vez em frente ao espelho, o Indeciso, por uma vez, uma única vez, decidiu-se.
Os que o conheciam comentaram, “quem diria, o Indeciso”.

domingo, 15 de junho de 2008

ESTAVAM LÁ TODOS

Por razões de consumo, tive de me deslocar à grande (mesmo grande) superfície comercial da minha zona, o Almada Fórum. Embora o dia não estivesse particularmente apelativo para a praia, pensei que a visita fosse mais tranquila. Estava cheio e encontrei lá toda a gente. Deixem-me apresentar algumas das pessoas com quem me cruzei.
Uma primeira referência para o Quimzé e a Adélia. Estavam, na altura a comprar uns gelados e ele apressava-a porque ainda queria ir ver o jogo da selecção a casa do irmão que tem um plasma grande. O Quimzé, rapaz com uma barriguinha bem composta, usava uma camisola de Portugal, bem justa, de modo a fazer sobressair os volumosos abdominais e em cima da qual brilhava um fio de ouro com crucifixo, para além do telemóvel. Com um belo bigode, o Quimzé, tinha uns calções vermelhos e havaianas pretas a condizer com a sua bolsa a tiracolo. Já a mulher, a Adélia, com uma linda t-shirt com a bandeira portuguesa, dois números abaixo do necessário, e uma saia de ganga curtinha, passeava um lindo pneu entre o fim da camisola e o princípio da saia. Para além das havaianas brancas, usava o telemóvel ao qual gritava, para uma tal Ivone, que estava a comer um “serivete” de baunilha muito bom. Vi também o Tolicas e o Cajó. De argolas na orelha, com as suas impecáveis t-shirts sem mangas, bem justas, calças brancas e ténis baixinhos pretos, com as chaves do carro penduradas ao pescoço e umas correntes a segurar a carteira, iam a falar do carro que o Beto do tunning tinha transformado, um Punto com vidros fumados, uma ponteira de escape larga e aileron no tejadilho e que ficou cá com um assobio. Vi também o Sr. Silva, homem já reformado que passa o tempo a avivar memórias olhando para as miúdas que ali circulam. Encontrei também aqueles putos de calças a cair e que vão a caminho da Fnac ver a secção dos jogos e lá passar a tarde. Foi também curioso verificar a quantidade de casais que, em frente das montras, parecem fazer planos para uma vida que tarda em arrancar. É engraçado registar a quantidade de gente, velhos e novos, que por ali anda sem parecer ir ou vir de lado algum. Será pela temperatura ambiente? Também me cruzei com alguns daqueles putos negros de calças largas, com o capuz do blusão largo a tapar a cabeça e que, ostensivamente, trazem um segurança atrás. Finalmente, por hoje, uma referência à quantidade de putos pequenos que transformam os corredores do centro num parque infantil. As montras, parecem produzir o mesmo efeito nos pais.

sábado, 14 de junho de 2008

sexta-feira, 13 de junho de 2008

UM EXERCÍCIO DE TUDOLOGIA

Aproveitando a recolha em casa, obrigatória devido ao calor nada brando que está aqui no meu Alentejo, resolvi aproveitar o tempo para estudar. Como já vos tenho dito, existem meia dúzia de figuras em Portugal, os tudólogos, que são capazes de falar sobre tudo, participam em todos os debates sobre não importa o quê e são respeitosamente ouvidos pela generalidade da comunicação social, sempre atenta aos seus achismos banais. Neste contexto, resolvi fazer um pequeno exercício de tudologia, que gostava de submeter à vossa apreciação. Sobre diversos temas, vou tentar alinhar umas palavras que possam disfarçar a ignorância, passar uma ideia de conhecimento (superficial) e animar um debate.
Começando pela Saúde, parece-me importante a defesa do Serviço Nacional de Saúde como garante de equidade no acesso a cuidados de saúde. Importa proceder a uma racionalização de custos, recorrendo, por exemplo, à parceria público/privado.
Em termos de Política Nacional, creio ser imprescindível aprofundar os níveis de participação cívica, visando a qualidade da democracia e fortalecendo a cidadania.
No que concerne à Economia e Finanças, julgo que para além do controlo do défice se justificaria um esforço consistente em termos de investimento produtivo com o objectivo potencial de aumento do nível de exportações, condição para o desejável equilíbrio da balança de pagamentos.
A questão central em matéria de Segurança Social remete para a sustentabilidade a prazo do sistema. Provavelmente, o recurso a mecanismos de diferenciação contributiva será uma via para a sustentabilidade.
A Educação constitui-se o grande desafio do país. A aposta decisiva terá de passar pela qualidade da formação dos recursos humanos. Um eixo importante, parece ser a diversificação dos modelos de formação e desenvolvimento.
Num país cada vez mais dependente das orientações de Bruxelas, a Agricultura, aspecto importante num quadro de desenvolvimento sustentado, solicita com urgência a reorganização e modernização dos ciclos de produção, bem como de formação e actualização profissional.
Considerando os tempos que correm, importa que a política relativa ao Trabalho assente numa via de compatibilização flexibilizada entre o funcionamento do mercado e a protecção dos direitos individuais.
A Justiça, como pilar fundamental das sociedades modernas, exige um conjunto de reformas, quer em termos de estruturas e recursos, quer no âmbito processual, contributivo para modelos de eficácia e celeridade mais ajustados.
Num quadro definido pela nossa integração na UE e na NATO, a política de Defesa deve orientar-se, sobretudo, para um quadro de cooperação internacional, assente num esforço de modernização e operacionalidade.
Finalmente, no que respeita a Obras Públicas, a aposta passará certamente pelo desenvolvimento de modelos sustentáveis de investimento, dando prioridade ao combate às assimetrias regionais e à promoção das acessibilidades.
Gostava então de saber a vossa opinião sobre este pequeno exercício a fim de avaliar da minha preparação para falar sobre não importa o quê, sem dizer nada.

UMA HISTÓRIA NUNCA ACABA

Um dia o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, viu entrar o Manel, um rapaz lá da escola. Estranhou a hora e ficou a olhar. O Manel foi buscar um livro à estante das histórias e sentou-se a ler. O Professor Velho observava, o Manel parecia ler um bocado, parava, ficava como que a pensar, às vezes ria-se, voltava à leitura, voltava a parar um bocado a pensar e assim esteve bastante tempo. Quando estava para sair, o Professor Velho interrogou-o sobre a sua forma de estar na biblioteca. O miúdo, surpreendido com a questão, ouviu-se um bocado e explicou.
“Sabes Velho, as pessoas que escrevem histórias nunca escrevem a história toda. Por isso, eu leio a parte que está escrita e fico a pensar no resto da história que a pessoa não contou. Às vezes, são partes engraçadas e então dá-me vontade de rir.”
“Tens razão Manel, quem conta uma história nunca a conta todinha, para que, quem a ouve também possa entrar na história. Olha lá, porque é que estiveste este tempo todo na biblioteca a esta hora?”
“Estive de castigo, Velho. A Professora diz que estou sempre distraído”.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

SCOLARI E OS CAMIONISTAS

Deverão estar lembrados do episódio ocorrido na SIC, quando Santana Lopes estava a ser entrevistado por Ana Lourenço. A entrevista foi interrompida por um directo da chegada de José Mourinho a Lisboa. O menino guerreiro, na única decisão em que concordei com ele, deu por finda a entrevista e saiu.
Há poucas semanas, num Telejornal da RTP1, uma peça sobre a tragédia do elevado número de órfãos provocado pelo terramoto na China, foi interrompida para, em directo, se assistir à chegada ao aeroporto de um miúdo que é bom de bola mas, parece, mauzinho de cabeça, chamado Cristiano Ronaldo.
Ontem à noite, no meu Alentejo, procurava alguma informação sobre a situação IRRELEVANTE, FREQUENTE, TRANQUILA, DISCRETA E SEM QUALQUER TIPO DE IMPLICAÇÕES PARA A VIDA DAS PESSOAS, decorrente da paragem dos transportes rodoviários de mercadorias. Esperei pelo início do Jornal 2 da RTP2. A primeira peça foi sobre o Sr. Scolari, um rapaz que ganha um balúrdio, zanga-se com os jornalistas, bate em jogadores, fia-se na Nossa Senhora e junta um grupo de amigos para formarem a selecção portuguesa. O senhor vai, disseram, para o Chelsea com um simpático vencimento de 8 milhões de euros, (parece que o banco vai deixar de ser Caixa). Pensei que fosse engano no alinhamento, mas, poucos minutos depois, a jornalista anunciou o regresso à notícia de abertura, Scolari no Chelsea. Era mesmo decisão editorial da RTP2. Pelo meio lá fui sabendo alguma coisa sobre aquele problemazito da crise com os camionistas.
Será que isto tem que ser assim? Não podemos fazer nada para obrigar esta gente a perceber a verdadeira dimensão das questões? Serviço público? Uma treta. Mais uma do Portugal dos pequeninos.

A HISTÓRIA DE UM HOMEM CALMO

Era uma vez um homem, chamavam-lhe o Calmo. Todas as pessoas o achavam a pessoa mais tranquila que já tinham conhecido. Nunca ninguém tinha visto aquele homem, o Calmo, perder o controlo de si. Nada parecia fazê-lo descontrolar-se. Sempre impassível, com o mesmo ar sereno na maior das alegrias ou na mais profunda das tristezas. Estivesse na mais intensa das discussões ou no mais envolvido dos convívios, o Calmo nunca se alterava. Muitos dos seus colegas e amigos invejavam a sua capacidade de se controlar e de parecer imune aos acontecimentos à sua volta, positivos ou negativos. No fundo, todos desejavam que alguma coisa pudesse acontecer para, finalmente, mostrar que o Calmo também era gente.
Um dia, o Calmo não apareceu. Procuraram-no por todo o lado e, no último local onde fora visto, encontraram a roupa que trazia vestida tombada sobre um montinho de cinza.
O Calmo tinha implodido. Toda a gente respirou de alívio, afinal, ninguém é perfeito.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

UMA ESTRADA PERIGOSA

Estamos a entrar num estrada complicada e perigosa. O primeiro grande sinal foi a mega-manifestação com 100 000 professores realizada a 8 de Março. Como tive oportunidade de escrever, o movimento de contestação da classe docente ficou claramente fora do controlo das estruturas sindicais, tal como surpreendeu e assustou o ME. Como consequência óbvia, estabeleceu-se um “entendimento” dentro da habitual fórmula “ganhámos todos” mas que permitiu, sobretudo, reconduzir a contestação do sector para o controlo institucional, os sindicatos e, assim, tornar-se gerível pelo Ministério.
Em seguida tivemos a pesca. Curiosamente, a contestação é liderada basicamente pelos armadores, a entidade patronal. Mais um acordo estabelecido.
Agora temos os transportes rodoviários. Mais estranho ainda, enquanto a estrutura representativa dos empresários do sector, a ANTRAM, está em negociação com o governo, são outros empresários que lideram a contestação e paralisam o país, servindo-se dos trabalhadores, os camionistas, que, devido às particularidades deste segmento, são também frequentemente trabalhadores/patrões. Este movimento está, obviamente fora de controlo e, por isso, de contornos e consequências imprevisíveis. Já tivemos oportunidade de assistir em directo a ameaças à integridade de camionistas que recusam parar, bem como a ameaças à segurança dos veículos e mercadorias transportadas. É um caminho perigoso e perto da delinquência.
É nestas alturas que se exige liderança e capacidade política. Negociar o que é negociável, apoiar o que pode e deve ser apoiado sem colocar em causa o interesse comum e, aspecto fundamental, firmeza e autoridade na defesa dos direitos, liberdades e garantias. Se assim não for, o futuro sair-nos-á ainda mais caro.

MIÚDOS CALADOS

Era uma vez uma Professora que andava com umas dúvidas sérias. Ela achava que os seus alunos trabalhavam melhor e sentiam-se também melhor quando, por períodos grandes, falavam nas aulas. Tinha lido umas coisas sobre estas matérias, organizava debates e muitos trabalhos realizados em grupo e com grandes discussões entre os alunos. Esta ideia não ia muito ao encontro da sua experiência de pequena e de muita da formação que lhe deram. Por outro lado, parte significativa dos seus colegas criticavam porque, diziam, fomentava maus hábitos nos alunos e levava a que os alunos deles lhes levantassem problemas porque queriam falar. Além disso, na comunicação social, apareciam uns opinantes a afirmar que, na escola, o trabalho dos meninos é ouvir o professor e estudar. É assim que se aprende, dizem essas pessoas. Tudo isto lhe causava dúvidas sobre o que estava fazer.
Um dia, na biblioteca, encontrou o Professor Velho, o que fala com os livros, e, em jeito de desabafo, comentou as sua inquietações e a dificuldade em explicar a ideia que acreditava ser certa. O Professor Velho riu-se e falou daquele modo baixinho, “Professora, que ouvimos nós da maioria dos pais quando percebem os seus filhos muito tempo quietos e calados?”. “Ó Velho não brinques. Os pais costumam dizer que, ou estão doentes, ou estão a fazer asneira, ou já fizeram asneira”.
“Pois é Professora, pergunta aos teus colegas se querem os alunos doentes ou a fazer asneira”.
“Obrigada Velho, eu estou certa, vou falar com os alunos sobre isto”.

terça-feira, 10 de junho de 2008

CARTA A PORTUGAL

Meu caro Portugal,

Neste 10 de Junho, dia em que te comemoras, resolvi escrever-te. Como sabes, conhecemo-nos há umas décadas. Quando te conheci eras um tipo tristonho, cinzento, com a tua gente calada e com medo de quem em ti mandava. A partir de certa altura, entraste em guerra e a nossa relação complicou-se, assim como a situação de toda a gente. Nesses tempos, o resto do mundo vivia longe e todos nós, que te habitávamos, nos sentíamos distantes de tudo e tudo era difícil de conseguir.
Um dia, tu mudaste. De repente, ficaste a cores, o longe ficou perto, a tristeza ficou alegre, o impossível parecia possível. Foram os tempos da brasa, dizíamos. Tudo era depressa, tudo era ontem, até a guerra. Foi um tempo para descobrir, transgredir, aprender e progredir. Para a democracia, finalmente. Lembras-te? Fizemos as pazes.
Meu caro Portugal, a poeira entretanto começou a assentar e entrámos na chamada normalidade democrática, campanhas, eleições, mudanças de governo, desenvolvimento, etc. Apesar de alguns solavancos fomos mantendo uma relação tranquila. Então, juntaste-te a outros mais desenvolvidos, a União Europeia, e perdeste um bocado a voz que gostávamos de ouvir, por nós. Para um tipo pequeno como tu, pode ter sido boa ideia.
E aqui estamos meu caro, mais velhos e com uma relação como a que os velhos amigos têm. Zangamo-nos, fazemos as pazes, zangamo-nos de novo e, de novo nos entendemos. Quando me afasto de ti sinto saudades, quando estou contigo aborreces-me e vamos andando nisto.
Ultimamente, tenho-te sentido diferente. Pareces-me mais desalentado e com pouca esperança. É certo que a situação à tua volta também não ajuda e contigo as coisas não vão bem, mas é importante que te sintas com futuro. Isso para nós é fundamental, para nos sentirmos bem contigo.
Espero pois, meu caro Portugal, que da próxima vez que falarmos, seja daquelas alturas em que nos estamos a dar bem.
Um abraço amigo.

A PROPÓSITO DO PEDINTE DO METRO

Em todos os tempos nos cruzámos com pessoas que mendigam. Actualmente, por razões óbvias, volta a aumentar o número daqueles que precisam da ajuda de terceiros para sobreviver. Creio que, de uma forma geral, dividimos esse grupo em dois subgrupos. O primeiro é o que podemos chamar dos pedintes antipáticos, onde, provavelmente, se incluem, por exemplo, aqueles arrumadores a quem damos uma moeda convencidos de que se transformará em droga e de que nos riscarão o carro se resistirmos à generosidade. Onde também, provavelmente, se incluirão aqueles indivíduos, por vezes estrangeiros, que nos assediam insistentemente nos semáforos ou nas ruas. Frequentemente, trata-se de mulheres com crianças, sempre uma boa opção.
O outro grande grupo de gente que pede é o que designo de transparente, ou seja, os que preferimos não ver. São pessoas, geralmente, velhos ou desempregados, com dois olhos tão tristes e tão pesados que até dói enfrentar. Assumem uma postura tão despojada e embaraçada que nos deixam mais embaraçados. Muitos deles conseguem, ainda, evidenciar uma dignidade tão estranha que nos intimida e se torna difícil suportar. Este grupo, que, muitas vezes, “recusamos” ver e evitamos cruzar o seu caminho, daí chamar-lhe transparente, é, sobretudo, a face mais visível do falhanço mais estrondoso do mundo actual, a pobreza.
E, como sabemos, não é fácil assumir e encarar os nossos falhanços.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

MAS O PAÍS ESTÁ CONGESTIONADO

Ao que parece, os camionistas, com o seu protesto, pretendiam congestionar o país, dificultar o seu andamento e mobilidade. Segundo o Público, os efeitos não estão a ser muito significativos. Não estou de acordo. O andamento do país está mais do que lento, está mesmo à beira do congestionamento. Alguns exemplos. A velocidade lenta, lenta, lenta a que convergimos (será que não divergimos?) com os outros países. A velocidade lenta do desenvolvimento da economia. A velocidade lentíssima do sistema de justiça. A velocidade lenta a que se escoam as listas de espera do Serviço Nacional de Saúde. A velocidade ultra-lenta a que recuperamos dos níveis dramáticos de insucesso e abandono escolar. A infinidade que Santana Lopes demora a perceber que o tempo dele acabou. O tempo infinito que, muitos dos nossos políticos, demoram a perceber a realidade. O tempo que demora entender uma decisão do ministro Mário Lino. A lentidão esmagadora das respostas da administração devido à teia burocrática. Creio que, para exemplo, chega.
Peço por tudo que mais ninguém se lembre de, como forma de protesto, querer atrasar o funcionamento do país.

domingo, 8 de junho de 2008

HISTÓRIA COM TEMPO

Era uma vez uma Professora. Era ainda nova e uma daquelas professoras que acreditava ter nascido para a profissão. Achava-a a mais bonita de todas. É certo que não gostava de muitas coisas que se passavam na escola e à sua volta, mas, ainda assim, seria a sua vida. Naquele ano as coisas não estavam a correr muito bem. Pela primeira vez, tinha um grupo de meninos que estavam na escola pelo primeiro ano. De início ficou muito contente. Ia começar a ajudar os miúdos a ser gente logo desde o princípio de tudo. Preparou-se o melhor possível, com materiais e ideias, mas as dificuldades apareceram. Os miúdos falavam o tempo todo, não se aquietavam para trabalhar e a sala, invariavelmente, ficava bastante agitada. Sem se dar conta, percebeu depois, começou a gritar com os alunos como nunca tinha feito e, até, a ameaçá-los com castigos, procurando que se envolvessem nas tarefas que tão empenhadamente tinha preparado. Nada parecia mudar e o desconforto aumentava.
Um dia, quando buscava ajuda ou inspiração na biblioteca, encontrou o Professor Velho, o que lá vive e fala com os livros, que a inquiriu sobre o ar desalentado de quem tanto gostava de ser professora. Depois de ouvir a sua história, contada com a cabeça, o coração e os olhos, o Professor Velho falou baixinho.
“Sabes Professora, há um tempo para tudo. Antes do tempo de aprender as coisas da escola, há o tempo de aprender a escola. Os miúdos precisam de um tempo para aprender quem são eles na escola, como é estar na escola. Precisam de te aprender, quem és tu, quem és tu com eles. Precisam de aprender o que é isso da escola, para que serve, como serve, etc. Só depois é que vem o tempo de aprender as coisas da escola, as que tens para lhes mostrar. Nessa altura, já sabem como gostas deles, de os ensinar, mesmo quando gritas e te zangas, e vão devolver-te, mais à frente, o tempo que lhes emprestaste de início. Hoje, queremos que os miúdos andem demasiado depressa, como nós.”
No dia a seguir, a Professora pediu a cada aluno que contasse aos outros a coisa mais bonita que já lhe tinha acontecido. Nunca os tinha visto tão tranquilos. A ouvir-se.

ACABOU A CRISE, O MINISTRO PINHO TINHA RAZÃO

Quando há uns tempos atrás, o ministro Manuel Pinho anunciou o fim da crise, logo o habitual coro de “velhos do Restelo”, pessimistas e contristas (os do contra seja o que for) se insurgiu. Mas o profeta, o visionário, o estratega maior, o Pinho estava certo. Sob a tutela do grande timoneiro Sócrates com a ajuda preciosa dos seus colegas ministros, sempre confiantes, sempre atentos, sempre reformistas, sempre competentes, aguardou com a paciência dos sábios que o tempo lhe desse razão. Aguentou a crise do petróleo, a crise do subprime americano e, mais importante, aguentou estoicamente a histeria de milhares e milhares de portugueses que teimam em não reconhecer as virtudes de tudo o que está a ser feito. Um homem assim, engrandece um governo e não fosse este liderado pela estrela maior da nossa constelação política, o Eng. Sócrates, já de há muito veríamos o Pinho no lugar da cabeceira na mesa de reuniões do Conselho de Ministros. Quero ver agora a reacção daqueles, muitos, que não acreditaram e atacaram o profeta Pinho, sim, que dirão agora que, finalmente, a crise acabou.
O Euro 2008 começou e Portugal ganhou 2-0 a essa potência do mundo futebolístico que bate à porta da UE, chamada Turquia. Obrigado, ministro Pinho.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

APOIOS EDUCATIVOS, O DESPUDOR DO DR. LEMOS

Tinha decidido que não voltaria a este assunto neste espaço, mas não pode deixar de ser. Refiro-me à política de apoio educativo para crianças com necessidades educativas especiais. Em mais uma ignorante e despudorada intervenção, o Dr. Lemos vem afirmar que, de acordo com um relatório da responsabilidade do comissário Capucha, estão apoiadas 49 877 crianças, das quais 27000, estão erradamente consideradas como tendo necessidades permanentes, as mais graves. Com a teimosa e ignorante utilização da Classificação Internacional de Funcionalidade para eleger as crianças que terão apoio, o Dr. Lemos, de forma delinquente, para além de considerar que estando aqueles 27 000 mal classificados, não deveriam ter apoio, ainda continua a negar a existência de miúdos que, precisando de apoio, não passam na malha da CIF e, portanto, ficam abandonados à boa vontade das escolas que, no seu conjunto, ainda lidam com 11% de insucesso escolar no Ensino Básico. Sabendo-se também que, no mínimo, as taxas de prevalência internacionalmente aceites para necessidades educativas especiais são sempre acima de 10%, afirmando o Dr. Lemos que estão em apoio 3.9 %, é de perguntar onde estão e o que está a acontecer aos outros 6%. O Dr. Lemos, num exercício de negação da realidade, sustenta que não existem alunos com dificuldades de aprendizagem que fiquem sem apoio e até, ignorância absoluta, explica no DN que, para os problemas de aprendizagem existem respostas como “currículos alternativos, cursos de educação formação ou territórios educativos de intervenção prioritária”. Para dificuldades de aprendizagem, currículos alternativos? Cursos de educação formação?
A Fenprof denuncia hoje esta situação afirmando a disponibilidade de queixa à UNESCO e refere a posição da Sociedade Portuguesa de Neuropediatria contrária à utilização da CIF.
O discurso deste homem, o Dr. Lemos, começa cada vez mais a ser um caso de polícia e não um problema de política educativa.

O RAPAZ QUE NÃO GOSTAVA DE REGRAS

Era uma vez um Rapaz. Era ainda pequeno, e não havia naquela escola rapaz mais avesso às regras. Nas mais das vezes, não lhes ligava. Os professores, vá lá saber-se porquê, não apreciavam particularmente o estilo. O Rapaz divertia-se. Um dia, um dos professores contou o Rapaz ao Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros. O Professor Velho pediu para o Rapaz ir falar com ele. Quando chegou, o Professor Velho, dizendo que uma biblioteca serve para estudar e para brincar, convidou-o para brincar, o que deixou o Rapaz mais descansado. Mostrou-lhe quatro jogos, para ele escolher o que mais gostava e melhor sabia jogar. Preparavam-se para começar a jogar, “Rapaz, sabes mesmo como se joga este jogo?”, “Claro que sei e bem, posso começar?”, “Podes, mas vamos jogar de outra maneira, mexemos no jogo como queremos, não é preciso esperar pela vez e fazemos no jogo o que nos passa pela cabeça”, “Ó Velho, mas assim não se pode jogar!”.
“Pois não Rapaz. Todos os jogos que a gente joga têm regras. De umas gostamos, de outras, dá ideia que o jogo até ficaria mais giro sem elas, de outras ainda, não gostamos, mas não há maneira de jogar sem regras. Agora, vai para a sala e vê lá como é que jogas”.
“Tenho que saber as regras”.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

A ASAE INCONSTITUCIONAL? QUEM ME INDEMNIZA?

Só faltava esta. Então agora a ASAE é inconstitucional. Deram-se ao trabalho de, em operações de belíssima coreografia cinematográfica, me impedir de comprar uns pólos Lacoste muito jeitosos a 5 € e umas jeans muito bonitas Diesel ao mesmo preço e que me ficariam tão bem com os Ray Ban que ia comprar por 8 €. Boicotaram o meu acesso a bens de cultura, pois não me deixaram aceder a uns DVDs de filmes do Clint Eastwood e do Manoel de Oliveira que estavam a uns preços muito interessantes, 6 €. Num país em que a cultura é um bem com uma distribuição escassa, a ASAE não me deixou adquirir música portuguesa do Tony Carreira, que até apoia a selecção e eu sabia de um sítio onde tinham os discos dele bem em conta. A propósito de selecção, estava a pensar comprar um equipamento Nike por 5 € para usar com o cachecol nos dias do jogos e a ASAE também não me deixou.
E os comes, sim os comes. Tive que deixar de comer uns couratos nas roulottes, umas linguiças fritas que vinham dum porco que a família de um amigo meu matava lá na terra, queijinhos caseiros, a cabidela duma tasca que eu conhecia, uns doces que a Ti Maria fazia e vendia na feira lá ao pé de casa, etc. etc.
Então depois deste prejuízo todo vêm-me dizer que a ASAE é inconstitucional. Andam a brincar com o cidadão. Não vêem a crise que está aí. Exijo ser indemnizado por danos patrimoniais.

EU SOU ...

Era uma vez um Rapaz. Nasceu numa família que gostava tanto dele, era tão preocupada e tão atenta que, desde início, sabia sempre o que ele precisava, quando precisava e decidia o que o Rapaz devia fazer, ou não, quando fazer e como fazer. Ele foi-se habituando a viver assim. Não era necessário pedir algo ou mostrar vontade de aceder a alguma coisa, que a família não antecipasse e determinasse desejos e, ou, necessidades.
Ao entrar na escola, deparou-se com professores tão atentos e preocupados como os pais. Tudo lhe era providenciado sem necessidade de pedir ou desejar. Todos os professores, todos os adultos, de tão atentos e preocupados que eram, sabiam sempre o que dizer, fazer ou definir o que o Rapaz, também ele, deveria pensar, saber, gostar, fazer, etc.
Um dia, já adolescente, viu uma Rapariga muito bonita e quis aproximar-se dela.
Ficou perplexo e atrapalhado, não sabia dizer quem era.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

OS DONOS DA ESQUERDA

Temos então aberto um novo espaço de discussão na política portuguesa. Afinal, quem é, ou quem são, os donos da esquerda?
De facto, à direita, o CDS-PP está quase a entrar para o táxi conduzido pelo Dr. Portas, o Paulo, e o PPD-PSD vai ficar em banho-maria até ao Congresso no qual, pela enésima vez, o menino guerreiro, Santana Lopes, apresentará o seu projecto (?) para salvar Portugal, que, ao que parece, não quer ser salvo por ele.
À esquerda, os partidos parecem interiormente arrumados. O PS não (se) discute, diz que sim ao chefe, é claro que não se pode comprometer a posição no poder, embora o poeta Alegre dê um ar da sua graça, legitimando o discurso sobre democracia interna. O PC e o BE, por razões diferentes, não evidenciam nenhuma especial animação interior. Como se verifica um crescente clima de contestação e turbulência fora dos partidos, emerge então um problema, quem é que cavalga essa onda, ou de outra maneira, a esquerda é de quem?
O PS diz que a esquerda é dele e, por isso, nem percebe como é que os outros partidos se atrevem a atacá-lo, sendo de esquerda, melhor, sendo A esquerda. O Poeta diz que a esquerda é dele, pois o PS está a fazer políticas de direita e ameaça com os votos das presidenciais de que é dono, acha. O PCP diz exactamente a mesma coisa, isto é, executando o PS políticas de direita, fica obviamente, o PC como esquerda, donde, dizem, nunca saíram. O Bloco, com um discurso, mais sofisticado, com menos lastro social e histórico, diz que, sendo de direita as políticas do PS, e sendo o PC a esquerda antiga, resta a esquerda moderna, actual, a do Bloco, como verdadeira esquerda.
É certo que se aproximam as férias, mas estou curioso de ver quem sai vencedor desta OPA sobre a esquerda.

DISCURSO

(Foto de Alvaro Dias)
Creio que um modelo de desenvolvimento assente numa quase obsessão pelo controlo do défice, tem custos ao nível da redefinição das grandes linhas estratégicas contributivas para a recuperação económica. Parece-me importante a definição de uma fortíssima opção reformista que reorganizasse os grandes eixos de desenvolvimento e que passaria, no meu entendimento e em primeiro lugar, pela reforma do estado e dos seus custos de funcionamento. Em segundo lugar, seria fundamental a assumpção de uma política macroeconómica assente no investimento produtivo. Por outro lado, torna-se necessário proceder a uma avaliação ajustada do impacto da crise do subprime americano na nossa economia, bem como, antecipar de forma eficaz as oscilações do preço do petróleo, ligadas, quer a movimentos de natureza especulativa, quer a desajustamentos entre a oferta e a procura. Finalmente, parece-me também essencial a estabilização geopolítica de áreas vulneráveis, que induzissem dispositivos de acalmia imprescindíveis a um movimento de globalização compatível com o bom funcionamento dos mercados mundiais.
Será que ficou clara a minha ideia?

terça-feira, 3 de junho de 2008

AS CRIANÇAS E O MERCADO

Um estudo hoje divulgado pelo DN, realizado pela Consumer Insight OMG, envolvendo crianças entre os 5 e os 12 anos em Portugal, revela dados verdadeiramente interessantes e a suscitar reflexão. Consideremos apenas alguns desses dados. Segundo o estudo, 80 % das marcas de produtos adquiridos pelos pais é influenciada pelas crianças. Na compra do automóvel, a influência chega a 67%. Uma em cada criança nesta idade, dos 5 aos 12, tem telemóvel. Finalmente, dos que acedem regularmente à Net, 71% fazem-no sós.
Estes dados, para além de outros, são bons indicadores do contexto em que as crianças se movem actualmente e como o mercado, que não dorme em serviço, as usa no estímulo ao consumo e escolhas por parte dos pais. Por outro lado, acentua o grau de isolamento em que muitas crianças se encontram, acabando por ficar dependentes do ecrã que têm à mão, com os riscos que daí podem advir.
Parece pois importante que, nos contextos educativos, escola e família, se dê a maior das atenções ao comportamento de consumidor e à sua formação e que a comunidade encontre cada vez melhores formas de evitar a longa e isolada exposição das crianças àquilo que, sem qualquer regulação, entra pela casa dentro.

NEM ASSIM, NEM ASSADO

Era uma vez um Homem. Não era assim, nem era assado, ou seja. Não era velho, mas também não era novo. Não era alto, mas também não era baixo. Não era gordo, mas também não era magro. Não era inteligente, mas também não era parvo. Não era bonito, mas também não era feio. Não era falador, mas também não era calado. Não era rico, mas também não era pobre. Não era trabalhador, mas também não era preguiçoso. Não era simpático, mas também não era antipático. Não era bom, mas também não era mau. Não era desejado, mas também não era rejeitado. Não era alegre, mas também não era triste. Não era feliz, mas também não era infeliz.
Chamava-se Cinzento.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

EM NOME DO INTERESSE NACIONAL

O Correio da Manhã informa que 115 dos 230 deputados exercem outras funções cumulativamente. Estas funções são desempenhadas em empresas, escritórios de advocacia, câmaras, universidades, etc. Está certo. Para gente empreendedora e activa, o trabalho realizado por grande parte dos deputados deve deixar imenso tempo que alguns tratam de aproveitar enriquecendo o seu curriculum, e não só.
Por outro lado, o Público cita o facto do estado ter pago 485.5 milhões de euros pelo sistema de comunicações para o Ministério da Administração Interna. A questão é o que o negócio, adjudicado à Sociedade Lusa de Negócios, poderia ter custado um quinto daquela verba se a opção fosse por outro modelo técnico e financeiro. Na altura, foi levantado um inquérito que acabou, obviamente, arquivado. Foi também elaborado um relatório por parte de um grupo de trabalho que, por coincidência, entrou também numa zona de penumbra da qual saiu agora pela voz de Almiro de Oliveira o presidente desse grupo.
Estas notícias, que creio profundamente associadas, mostram o que está por fazer em termos de transparência e qualidade ética da nossa democracia. É por isso que cansam os discursos assentes em falsa moralidade e hipocrisia sobre o “bem comum” e o “interesse dos portugueses”. De alguns, claro.

A CARTA

Meu amigo José,

Em primeiro lugar desejo que esta te vá encontrar de boa saúde, assim como todos os teus e que, de resto, estejam bem. Os teus netos já devem estar crescidos. Da última vez que me escreveste estavas muito contente porque era verão e ias passear com eles para o parque. Ainda continuas a fazer aquela voltinha de todos os dias, com sol ou com chuva, com frio ou com calor? Ainda me lembro. O jornal na papelaria do Jacinto, dois dedos sobre futebol com o Manel da farmácia, grande fanático do Sporting, a bica no Central e a conversa com a rapaziada do nosso tempo. Depois ainda começaste a ir buscar os netos à escola. Gostava também de saber se tens visto a Maria e se ela está bem. Há muito tempo que não sei dela e, como sabes, sempre lhe tive um fraquinho. Quando me escreveste, disseste que ias passar uns dias com a tua filha Sara que está no estrangeiro, na Inglaterra, se bem me lembro. Sempre foste? E gostaste?
Olha José, se por acaso vieres para estes lados, vem fazer-me uma visita. Bom, já fico contente quando me escreves.
Sabes José, sobre a minha vida, para além de perceberes que ainda estou vivo, não tenho muito a dizer-te. Desde que fiquei só e velho e me trouxeram para este lar, a minha vida é coisa nenhuma, uns dias encadeados nos outros. À espera.
Recebe um abraço deste teu amigo de sempre,
João
PS – José, se vires alguém dos meus, diz-lhes que estou muito feliz, não os quero incomodar.

domingo, 1 de junho de 2008

SÓ PARA NOS ARRELIAR

Não está certo. O Dia da Criança é para mostrar os desenhos que as felizes criancinhas fazem a propósito. O Dia da Criança é para dar tempo de antena à habitual retórica sobre os problemas das criancinhas que passam mal lá para aqueles países de longe, da África e da América do Sul. O Dia Mundial da Criança é para mostrar alguns pais babados a passear os rebentos num dos pouco jardins que temos e que, de forma ternurenta, nos mostram a sua competência parental.
O Público, em vez de reforçar esta liturgia vem referir um estudo, a divulgar sob a forma de livro na próxima semana, realizado por elementos do Instituto Superior de Economia e Gestão e do Instituto de Apoio à Criança de que retiro alguns indicadores. Quase metade das crianças inquiridas (total de 5161 de 7 concelhos da Grande Lisboa) sente que a família tem dificuldades financeiras. Apenas 12 % consome uma refeição completa ao jantar e só 40 % vai ao médico por rotina.
Este tipo de informação estraga, naturalmente, a paz e a alegria que se devem sentir no Dia Mundial da Criança, num estado europeu em que o governo começa a parecer vagamente preocupado e ligeiramente ciente das dificuldades que alguns, certamente muito poucos, atravessam. Há crianças muito criativas e já da oposição quando inquiridas.

SOU O MANEL E TENHO 6 ANOS

Olá, sou o Manel, tenho seis anos e ando no 1º ano numa escola nova. Não sei ainda escrever muito bem e pedi ajuda para dizer isto. Quando andava no Jardim de Infância que se chamava O Paraíso da Criança, a educadora Tita e a outra ai… a Beca diziam que esta escola ia ser boa e ia aprender muita coisa, até a ler e a fazer contas e problemas. Também disseram que podia brincar à mesma mas eu não acreditei porque o meu pai disse que umas pessoas que escrevem no jornal dizem que não se pode brincar na escola. Tem que se trabalhar a sério e se calhar ainda mais que os grandes porque os jornais também dizem que eles, os grandes, não têm ai…isso, produtividade. Mas vim para a escola e até estava animado. Havia uns meninos e umas meninas que eu já conhecia. Outras não, mas são fixes. A professora Maria também é fixe. Às vezes zanga-se e grita. É melhor porque a gente assim ouve-a. Umas vezes fala com as outras professoras e ficam zangadas com uma senhora que se chama Ministra. Dizem que essa senhora é que devia estar a ensinar a gente. Não sei bem porquê mas eu não quero outra professora. Gosto da minha. Ela também gosta de mim. Ela disse-me e eu acredito. O que eu não gosto muito é da escola ser tão comprida. Muito comprida. Só para saberem vou dizer como é a segunda-feira.

Levanto-me às sete e meia e a minha mãe primeiro larga o meu irmão no Jardim de Infância e depois deixa-me na escola quase às nove. O meu amigo João já está à minha espera porque ele chega às 8 aos Tempos Livres e o dia da gente é assim:

Das 9 às 9 e 45 temos Matemática. Fazemos umas fichas do livro e professora explica coisas. Às vezes não percebo e ela diz que já vem mas os outros também não percebem e temos que esperar. Não se pode falar mas a gente fala e é quando a professora grita.

Das 9 e 45 às 10 e 30 é a mesma coisa mas com mais barulho.

Das 10 e 30 às 11 temos um intervalo para brincarmos à bola e ao wrestling.

Das 11 às 12 temos Língua Portuguesa. É o que eu gosto mais e já quase sei ler mas também temos barulho. Eu não me importo com isso porque quero aprender a escrever histórias e a ler livros. O meu avô não sabe ler e fica triste quando diz que não sabe. E ele fica contente quando leio coisas que já sei. Eu também fico.

Depois de almoçar no refeitório da escola com os alunos todos e com mais barulho ainda, vamos ter Estudo do Meio das 13 e 15 às 14. A Professora disse que a gente ia estudar o que estava à nossa volta mas ainda não saímos da escola. Se calhar temos que estudar primeiro para depois ir ao Meio.

Das 14 às 15 e 15 temos Expressões. Também é giro. O que eu gosto mais é de pintar mas a Professora diz que eu nunca escolho bem as cores e os desenhos ficam feios. Mas eu gosto deles e a Rita que é minha amiga, também.

Às 15 e 30 e até às 16 e 15 temos Educação Física. Também gosto mas fico muito cansado de correr e jogar e fico transpirado.

Às 16 e 30 vamos para Inglês. A professora está sempre aborrecida, diz que não percebe miúdos pequenos. Diz que não estamos calados e quietos a fazer as fichas como uns alunos que ela tem noutra escola e que já andam no 12º ano. O inglês é giro mas só aprendi os números e as cores. Não sei falar inglês e ainda fico mais cansado.

Das 17 e 15 às 18 temos Música. O professor é engraçado bué, tem um piercing e o cabelo atado. Toca um violino e anda numa escola chamada Conservatório e só estuda música. Ele gosta. Mas acho que não gosta muito de estar com a gente. Diz que precisa de ganhar dinheiro e que lhe pagam pouco e que a gente não tem jeito para a música. Eu gostava de experimentar o violino mas a gente só tem pífaros.

O meu pai vem buscar-me às 18 e 30 e vou para casa e aproveito para brincar um bocadinho com o meu irmão. Às vezes digo que estou cansado mas a minha mãe diz que é para eu aprender como é a vida dos grandes. Eu acho que eles têm uma vida grande porque são grandes e eu… EU SOU PEQUENO. AINDA NÃO PERCEBERAM?
PS - Este texto já aqui foi publicado. No dia em que a agenda nos manda pensar nos putos e enquanto se justificar ele aqui voltará.

MANIFESTO

Companheiros e companheiras em idade escolar,
No mundo inteiro celebra-se hoje, 1 de Maio, o Dia do Trabalhador. Muitos de vós não saberão que o dia 1 de Maio foi escolhido para homenagear os trabalhadores de Chicago que, em 1886, começaram a reivindicar o dia trabalho com oito horas o que veio a ser constituído como regra na maior parte dos países.
Mas não para nós, companheiros e companheiras. Nós que andamos nas escolas temos cargas horárias que podem ir até às onze horas, se juntarmos as horas no Atelier de Tempos Livres, as horas curriculares, as actividades de enriquecimento curricular e a componente de apoio à família. Não podemos aceitar esta situação. Dizem os adultos que, fora da escola, não há quem tome conta de nós quando estão a trabalhar. Mudem a organização do trabalho e a gestão dos horários deles. Não sendo nossa a responsabilidade pela situação profissional dos adultos, não temos que sofrer nós as consequências. Muitos de nós, companheiros e companheiras, acabamos por estabelecer péssimas relações com os nossos locais de trabalho, as escolas, com tanto tempo lá vivido. Os adultos lutaram por mudanças na natureza do trabalho, com preocupações de ergonomia e criatividade nas tarefas. E nós? O equipamento é, frequentemente, de má qualidade, tarefas muitas vezes repetitivas, horas e horas sentados em mobiliário desconfortável. Ninguém pensa no risco de desenvolvermos doenças profissionais e nas consequências ao nível da motivação para progredirmos nas nossas carreiras. Os adultos sempre cuidaram primeiro de si e dos seus direitos e só depois, de nós e dos nossos direitos. Não podemos esperar, companheiros e companheiras. É chegada a hora de nos ouvirem. Assim, proclamamos e exigimos:
“As crianças e jovens em idade escolar exigem que lhes seja reconhecido e estabelecido o direito a que o seu dia de trabalho não ultrapasse as sete horas, como já acontece para muitos adultos”.
Portugal, 1 de Maio de 2008
PS - Pela primeira vez coloco um texto já publicado. No dia em que, socialmente, nos sentimos "obrigados" a pensar nos mais pequenos, aqui fica de novo, e sempre, enquanto se justificar.

NUNCA MAIS ME SAI O EUROMILHÕES

Em muitos lares portugueses, e não só, e hoje mais do que nunca, uma das frases mais ouvidas é “nunca mais me sai o euromilhões, para deixar de trabalhar”. Cada um de nós já ouviu, pensou ou disse esta expressão alguma vez ou vezes. Creio também que não é usada apenas pelos cidadãos com maiores dificuldades. Acho curiosa a sua utilização. Entendo, naturalmente, a ideia subjacente à primeira parte. Um prémio de valor substantivo representaria seguramente a hipótese de acesso a um patamar superior de bem-estar económico desejado, naturalmente, por toda a gente. O que de facto me parece mais interessante é o complemento “para deixar de trabalhar”. É certo que nem todas as expressões devem ser entendidas no seu valor “facial”, mas é também verdade que a recorrente afirmação deste desejo acaba por ilustrar a relação que muitos de nós estabelecemos com o lado profissional da nossa vida, isto é, “quero livrar-me dele o mais depressa possível”. Não será grave, mas é um indicador que permite várias leituras.
Sabem qual é a minha inquietação? É se os miúdos, considerando a agitação que vai pelo seu mundo “laboral”, desatam a pedir um aumento da mesada que lhes permita apostar no euromilhões para … deixar de ir à escola. Já estivemos mais longe.