quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

MIÚDOS E JOVENS COM SONO

 Ainda umas notas a propósito dos dados divulgados pelo Observatório da Saúde Psicológica e do Bem-Estar, da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência relativo a 2024, coordenado pela Professora Margarida Gaspar de Matos, que envolveu 6112 alunos, do pré-escolar ao secundário.

Um aspecto preocupante e associado aos estilos de vida actuais é os hábitos de sono, dos mais novos, mas não só.

Perto de metade dos alunos dormem menos de oito horas por dia durante a semana ainda que ao fim-de-semana 76,9% afirme dormir oito ou mais. Sabemos que as crianças e jovens necessitam de entre oito e nove horas de sono de qualidade e dormir mais ao fim-de-semana não compensa. Como afirma Margarida Gaspar de Matos, “Quando há uma diferença de mais de três horas entre as horas de sono à semana e ao fim-de-semana, consideramos que a criança ou o adulto está em privação de sono. E está muito ligado ao insucesso escolar, ao desinteresse pela escola, ao consumo de substâncias, à violência, às dores de cabeça.”

Também é reconhecido que o número de horas de sono está fortemente associado ao tempo de ecrã que constitui um outro problema com impacto para além da privação de sono. O meu neto, com onze anos, fala-me de colegas que passam algum tempo durante a noite a jogar no telemóvel, certamente sem controlo parental.

Umas notas mais centradas na questão do sono, um problema sério associado ao bem-estar dos mais novos, que já tenho abordado e muitas vezes objecto de conversas com grupos de pais.

Em 2021 foi publicado na "Sleep Medicine" o estudo, “Home vs. bedroom media devices: socioeconomic disparities and association with childhood screen-and sleep-time”, realizado Centro de Investigação em Antropologia e Saúde da U. de Coimbra.

A investigação envolveu 8.430 crianças, entre os 3 e os 10 anos de escolas públicas e privadas e evidenciou, em linha com o que já se conhece, que a presença de dispositivos electrónicos no quarto das crianças ou a sua utilização diária prolongada provocam uma diminuição significativa no tempo de sono das crianças.

Um dado relevante é que, apesar de serem as famílias com mais elevado estatuto socioeconómico as que detêm mais recursos digitais é nas famílias menos favorecidas que predomina o seu uso no quarto. Uma hipótese explicativa, segundo os autores, remeterá para uma menor literacia digital destas famílias e menor conhecimento dos riscos associados à utilização excessiva.

A qualidade e higiene do sono são, de facto, matérias de grande importância no bem-estar e qualidade de vida das pessoas e em todas as idades. No entanto nem sempre têm a atenção devida, sobretudo no que respeita aos mais novos.

Recordo um estudo, já de 2016, realizado pela Universidade do Minho que sugere que cerca de 72% de mais de quinhentas crianças e adolescentes inquiridos, dos 9 aos 17, dormem menos do que seria recomendável para as suas idades. Aliás, estudos liderados pela Professora Teresa Paiva, uma conhecida especialista nesta área, vão no mesmo sentido tal como os dados agora conhecidos do Obervatório

E, de uma forma geral, para além das questões ligadas aos estilos de vida e às rotinas, uma das causas apontadas é a presença de aparelhos como computadores, tablets ou smartphones no quarto que continua a acentuar-se.

Em 2013, um trabalho da University College of London mostrava o impacto negativo que a ausência de rotinas como deitar à mesma hora podem ter no bem-estar e saúde das crianças afectando, por exemplo, o processamento da aprendizagem.

Esta questão, os padrões e hábitos de sono das crianças e dos adolescentes, é algo de importante que nem sempre parece devidamente considerada como se constata nos discursos e práticas de muitos pais e encarregados de educação.

A falta de qualidade do sono e do tempo necessário acaba, naturalmente, por comprometer a qualidade de vida das crianças e adolescentes, incluindo o rendimento e comportamento escolar. Todos nos cruzamos frequentemente nos Centros Comerciais, por exemplo, com crianças, mais pequenas ou maiores, a horas a que deveriam estar na cama e que, penosa, mas excitadamente, deambulam atreladas aos pais.

Alguma evidência sugere que parte das alterações verificadas nos padrões e hábito relativos ao sono remete para questões ligadas a stresse familiar e sublinha o aumento das queixas relativas a sonolência e alterações comportamentais durante o dia.

As situações de stresse familiar serão importantes, mas parece-me necessário não esquecer alguns aspectos relacionados com os estilos de vida, com as rotinas ou com a utilização nem sempre regulada das novas tecnologias. Muitos trabalhos mostram também que boa parte das crianças e adolescentes que acedem a computador ou smartphone o fazem no quarto.

Assim, acontece que durante o período que seria dedicado ao sono, sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes continuam diante de um ecrã. Como é óbvio, este comportamento não pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida.

Creio que, com alguma frequência, alguns comportamentos e dificuldades escolares dos miúdos, sobretudo nos mais novos que por vezes, sublinho por vezes, são de uma forma aligeirada remetidos para problemas como hiperactividade ou défice de atenção, podem estar associados aos seus estilos de vida ou aos modelos educativos, universo onde se incluem os hábitos e padrões de sono como, aliás, alguns estudos e a experiência de muitos profissionais parecem sugerir.

Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para estas questões e que apesar a utilização imprescindível e útil destes dispositivos seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes.

A experiência diz-me que muitos pais desejam e mostram necessidade de alguma ajuda ou orientação nestas matérias.

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