Paulo Guinote tem hoje no Público um texto que merece leitura e reflexão, “O triunfo da indiferença?” No artigo, Paulo Guinote fala de um estado genérico de indiferença com origem diferenciada que poderá estar a afectar boa parte dos professores.
Julgo claras e pertinentes a generalidade das questões colocadas. No entanto, para além ou associado ao que o Paulo Guinote descreve como indiferença, creio que é possível falar de mal-estar, de cansaço, e nesse sentido algumas notas.
Recordo um trabalho divulgado em Março realizado pela rede Eurydice, “Teachers in Europe - Careers, Development andWell-being” no qual encontramos um retrato dos professores portugueses do 3º ciclo que merece a maior atenção e que deveria fazer entrar os responsáveis pelas políticas públicas do sector em alerta vermelho até porque a situação não será diferente noutros grupos de docentes.
O extenso volume de informação respeitante aos 27 países da UE e a mais 13 países europeus contempla o período de 2018 a 2020 e recorre a dados da rede Eurydice e do TALIS (Teaching and Learning International Survey).
Os docentes portugueses revelam o nível mais elevado de stresse, 90% seguidos dos docentes britânicos e húngaros, embora com uma expressão mais baixa, 70%.
Mais de metade dos docentes portugueses referem efeitos negativos a nível psicológico e físico resultantes do trabalho em valor superior à média europeia.
A percepção das fontes de mal-estar por parte dos docentes mostra que o trabalho com os alunos não é a maior fonte de stresse, só surge em 5º lugar, mas a carga de trabalho administrativo, a responsabilidade pelo sucesso dos alunos, exigências vindas de superiores, o excesso de avaliações feitas aos alunos e só em 5º lugar a a gestão do comportamento dos alunos.
É relevante considerar os docentes que revelam níveis de stresse mais baixo são os que referem climas de escola mais “colaborativos” e se sentem com mais autonomia. O clima das escolas é também uma dimensão bem clara no texto do Paulo Guinote.
Como “curiosidade” e olhando em concreto para Portugal, a burocracia e a dificuldade em acompanhar as sucessivas mudanças de regras e procedimentos definidas por superiores e pela tutela são percebidas como dificuldades para dois terços dos docentes.
Uma referência ainda à questão da carreira, a precariedade ainda que em níveis mais baixos na generalidade dos países afecta docentes mais novos, em Portugal, 41% dos professores entre os 35 e os 49 anos encontram-se nessa situação de indefinição laboral com todas as implicações associadas.
Finalmente, uma referência breve a uma questão crítica, o envelhecimento da classe docente que é um problema em muitos sistemas educativos e particularmente preocupante em Portugal. Os dados mostram que 40% dos docentes do 3.º ciclo têm mais de 50 anos, e apenas 20% estão abaixo dos 35.
Na verdade, os dados só podem surpreender quem não conhece o universo das escolas, como acontece com boa parte dos opinadores que pululam pela comunicação social perorando sobre educação e sobre os professores.
Também se sabe que as oscilações da demografia discente não explicam a saída de milhares de professores do sistema, novos e velhos, como também não explicam a escassíssima renovação, contratação de docentes novos. Sem estranheza, no universo do ensino privado é bastante superior a presença de docentes mais jovens.
Não esqueçamos ainda a deriva política a que o universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas, criando instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio que potencie o trabalho de alunos, pais e professores. Acresce que sucessivas equipas ministeriais têm empreendido um empenhado processo de desvalorização dos professores com impacto evidente no clima das escolas e nas relações que a comunidade estabelece com estes profissionais.
Sabemos que os velhos não sabem tudo e os novos nem sempre trazem novidade. Mas também sabemos que qualquer grupo profissional exige renovação pelas mais variadas razões incluindo emocionais, de suporte, partilha de experiência ou pela diversidade.
Provavelmente a pergunta mais frequente formulada entre elementos de uma classe envelhecida, cansada, que se sente desvalorizada, pouco apoiada será, "Quanto tempo é que te falta?"
Na verdade, ser professor é uma das funções mais bonitas do mundo, ver e ajudar os miúdos a ser gente, mas é seguramente uma das mais difíceis e que mais respeito e apoio deveria merecer. Do seu trabalho depende o nosso futuro, tudo passa pela educação e pela escola.
E a verdade é que conforme os estudos internacionais de natureza comparativa mostram o trabalho de professores e alunos, tem revelado progressos importantes nos últimos anos desencadeando, aliás, uma curiosa luta pela paternidade desse sucesso que, obviamente, pertence a professores e alunos.
Os sistemas educativos com melhores resultados são, justamente, sistemas em que os professores são mais valorizados, apoiados e reconhecidos.
O que é que de tudo isto não se percebe?
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