Apesar de todas as vozes, incluindo algumas do
seu espectro político, por exemplo do Presidente da República, o Governo
anuncia a persistência num caminho inaceitável de corte no rendimento
disponível das famílias.
Escapa-me, certamente por ignorância, como é que
as medidas anunciadas, mesmo considerando o abaixamento do desconto para a segurança
social por parte das empresas, podem combater o desemprego e promover crescimento e
desenvolvimento.
O caminho que tem vindo a ser trilhado parece de
forma cada vez mais clara levar-nos a um inexorável processo de empobrecimento,
a promover desemprego e recessão. Estamos cada vez mais longe de relançar a
economia, promover crescimento, acentuando-se, aliás, o cenário depressivo que
atravessamos e de que se não vislumbra o fim, apesar do voluntarismo patético
do Primeiro-ministro anunciando para 2013 o retorno a um caminho de crescimento
que as medidas agora anunciadas desmentem, dramaticamente.
A
persistência cega e surda no “custe o que custar", no cumprimento dos
objectivos do negócio com a troika e dos objectivos da sua própria política
"over troika", atingem claramente o limite do suportável afectando
gravemente as condições de vida que muita gente está enfrentar. Estamos a falar
de pessoas, não de políticas, ou melhor estamos a falar do efeito das políticas
na vida das pessoas.
Parece de relembrar que um estudo recente da
insuspeita, nesta matéria, Comissão Europeia que analisou a distribuição dos
efeitos dos programas de austeridade os países que experimentam maiores
dificuldades, Portugal, Grécia, Espanha, Irlanda, Estónia e Reino Unido,
conclui que Portugal "é o único país com uma distribuição claramente
regressiva", traduzindo, os pobres estão a pagar mais do que os ricos
quando se aplica a austeridade. Pode ainda ler-se que nos escalões mais pobres,
o orçamento de uma família com crianças sofreu um corte de 9%, ao passo que uma
família rica nas mesmas condições perdeu 3% do rendimento disponível.
Portugal é ainda de acordo com o estudo o único
país analisado em que "a percentagem do corte (devido às medidas de
austeridade) é maior nos dois escalões mais pobres da sociedade do que nos
restantes". A Grécia, que tem tido repetidos pacotes de austeridade,
apresenta uma maior equidade nos sacrifícios implementados.
Este dado parece-me extremamente relevante para
se perceber o quanto é insustentável a persistência neste caminho e no apregoar
de que existe equidade na repartição dos sacrifícios, entendimento que, creio,
ninguém na sociedade portuguesa consegue honestamente sustentar.
Na verdade, o caminho anunciado, por escolha de
quem decide, irá aumentar assimetrias sociais e certamente produzir mais
exclusão e pobreza. Mais preocupante é a insensibilidade da persistência neste
caminho.
Eu sei, sabemos todos, que a questão da pobreza é
um terreno que se presta a discursos fáceis de natureza populista e ou
demagógica, sem dúvida. Mas também não tenho dúvidas de que os problemas
gravíssimos de pobreza que perto de dois milhões de portugueses conhecem, um
milhão de desempregados, exigem uma recentração de prioridades e políticas que
não se vislumbra, antes pelo contrário, persiste-se na narrativa da austeridade
a qualquer preço.
Para cada vez mais gente, o abismo está mais perto, não está mais longe,
como Passos Coelho sustentava há semanas. A realidade não é a projecção dos
seus desejos, dramaticamente.
2 comentários:
E foi dado ais um empurrãozito em direcção ao abismo!
tenho dúvidas se nós e o nosso Governo estaremos no mesmo País! Estarei a precisar de ir ao oftalmologista? É que assim o que eu vejo é um fosso ENORME!
Bom fim de semana
Este diálogo deve-se a Eça de Queiróz.
Acabava de entrar o ano de 1872. E o ano novo que chegava interrogava o ano velho. "-Fale-me agora do povo", pedia o ano novo. E o velho: "É boi que em Portugal se julga um animal muito livre, porque lhe não montam na anca; e o desgraçado não se lembra da canga! "- Mas esse povo nunca se revolta?, insistia o ano novo, espantado. E respondia o velho: "O povo às vezes tem-se revoltado por conta alheia. Por conta própria nunca". -E uma derradeira questão: "- Em resumo, qual é a sua opinião sobre Portugal?" E a resposta lapidar do ano velho: " Um país geralmente corrompido, em que aqueles que sofrem, indignam-se, mas não têm capacidade de se revoltarem contra quem os faz sofrer.
Há mais de um século também o rei D. Carlos definia-nos assim: " Um país de bananas governado por sacanas.
Moral da história: Não temos capacidade de aprender com as experiências vividas.
Agora digo eu: Levamos porrada e agradecemos.
saudações
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