Em sondagem hoje divulgada na imprensa, para além
dos dados que se referem à apreciação do governo, figuras partidárias ou
intenção de voto, parece-me relevante o facto de 87% dos inquiridos se
revelarem desiludidos com a democracia". Embora não seja surpreendente,
creio, esta constatação é verdadeiramente preocupante e não pode, não deve, ser
encarada sem um sobressalto.
Relembro que em Janeiro deste ano foi divulgado
um estudo, "A Qualidade da Democracia em Portugal: a Perspectiva dos
Cidadãos" realizado pelo Instituto de Ciências Sociais no qual 56% dos inquiridos entendiam que a democracia
é o melhor sistema, 65% se mostravam pouco ou nada satisfeitos com a democracia
e de 70,4% entendiam que a crise veio afectar a qualidade da democracia.
Estes dados vão na mesma linha dos dados do
Índice da Democracia 2011 do Economist Intelligence Unit, segundo os quais,
Portugal passou da situação democracia plena para uma democracia com falhas, o
que segundo a análise realizada se deve sobretudo à erosão da soberania
associada à crise da zona euro.
Embora me pareça essencial considerar os efeitos
que do ponto de vista da soberania assumem as decisões altamente restritivas no
âmbito do Programa que nos foi imposto, creio que a soberania já estava sob
ameaça pelo actual cenário económico e político. Parece-me no entanto claro,
que a degradação da qualidade de vida das pessoas, relembro que a União
Europeia alertou para que as medidas de austeridade em Portugal estão aumentar
as assimetrias sociais, não pode deixar de influencia a percepção das pessoas
sobre a qualidade da democracia.
Por outro lado, creio que a degradação da
qualidade da nossa democracia assenta em três questões fundamentais que
telegraficamente refiro retomando algumas notas já aqui afirmadas.
Em primeiro lugar, a nossa organização política
tem vindo a transformar a democracia política numa partidocracia. A
participação cívica e política dos cidadãos depende quase exclusivamente do
controlo dos aparelhos partidários. Este controlo, assente no quadro legal e na
administração dos interesses pessoais, tem vindo a afastar franjas
significativas da população da intervenção cívica e política como atestam os
crescentes e elevados níveis de abstenção.
Em segundo lugar, existe uma área do nosso
funcionamento cujo mau desempenho contribui decisivamente para a degradação da
qualidade da vida cívica. Refiro-me à justiça. De um modo geral o sistema de
justiça é percebido como moroso, ineficaz, cheio de manhas e alçapões que
acabam por beneficiar os mais poderosos e criar um trágico sentimento de
impunidade e desconfiança.
O terceiro aspecto prende-se com os efeitos dos
modelos de desenvolvimento económico e político que, apesar de enquadrados numa
democracia política, comprometem seriamente uma ideia de democracia económica
na medida em que produzem exclusão e pobreza que afecta e ameaça muitos
portugueses e que actual situação veio expor de forma dramática.
Sintetizando, do meu ponto de vista, para além de
questões de soberania, as verdadeiras causas da degradação da qualidade da
nossa democracia remetem para os efeitos da partidocracia, do sistema de
justiça e das questões decorrentes da pobreza e exclusão.
Neste quadro, a "desilusão" com a democracia
parece-me na verdade algo de preocupante, instalando de mansinho um caldo de
cultura favorável à emergência de derivas de natureza não democrática de
contornos populistas e demagógicos, produtos altamente perigosos e inflamáveis.
Bons motivos para nos inquietarmos.
4 comentários:
Nestes momentos tristes e revoltantes não consigo ter discernimento para, com análise calma e objectiva, escrever e transmitir a quem me lê um comentário/análise correctíssima como aquele que aqui descreve. Transcendo-me pela violência, o que é mau. Isto tudo para lhe dizer que gostei muito do seu post. No fundo é assim que penso.
A questão é como conseguir alterar.
Para além do título do Público, não explicado pelo miolo da notícia, não encontrei qualquer fundamento para essa afirmação. A jornalista do Público diz que a sondagem "sugere" essa desilusão, sem mais pormenores.
Não tive acesso à própria sondagem mas o JN colocou em 1ª página exactamente o mesmo dado pelo creio não ser inferência do Público
http://www.jn.pt/edicaoimpressa/capa.aspx
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