AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

AS MULHERES SÃO MAIS ECONÓMICAS

Segundo o Relatório Igualdade de Género em Portugal 2011 da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, “a remuneração média mensal de base recebida pelas mulheres em 2010 foi de 801,81 euros e a dos homens 977,56”, ou seja uma diferença média de 175,75 € que em grupos específicos pode ser bastante mais elevada.
Um Relatório da Comissão Europeia, Análise Trimestral do Emprego e da Situação Social na União Europeia, divulgado em Janeiro, referia que a disparidade salarial entre homens e mulheres. considerando o período de 2008 a 2010 baixou, o que aparentemente é um passo no caminho da não discriminação de género. No entanto, este abaixamento não resulta de melhorias nas condições do mercado de trabalho, mas, pelo contrário, na degradação das condições e na qualidade do trabalho em sectores com mão-de-obra predominantemente masculina, ou seja, é uma situação conjuntural e não estrutural como refere, aliás, a Comissão.
Em Portugal contrariamente a esta tendência a disparidade nos salários por género têm aumentado. Na verdade penso que existe um longo caminho a percorrer em matéria de discriminação de género que, creio, a actual situação económica tenderá a agravar.
Parece-me também significativo que de acordo com o Relatório Society at a Glance 2011, da OCDE, Portugal é o quarto país dos 29 considerados com maior diferença entre homens e mulheres, no que se refere a trabalho não pago, sobretudo a tão portuguesa “lida da casa”, cozinhar, limpar, cuidar dos filhos, etc. Entre nós a diferença é de quase quatro horas.
No mesmo sentido, um trabalho também realizado pela CGTP com dados do INE e do Ministério do Trabalho, informava que as mulheres portuguesas trabalham em média 39 horas semanais e realizam mais 16 horas de trabalho não remunerado relacionado com a família e um trabalho internacional revelava que as mulheres portuguesas são das que mais tempo trabalham fora de casa. Existem ainda indicadores sustentando que as mulheres portuguesas são, de entre as europeias, as que mais valorizam a carreira profissional e a família, a maternidade.
Para além dos baixos salários e da discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo, também a regulação da legislação laboral e a sua “flexibilização”as deixam mais desprotegidas. Regista-se um aumento do recurso à prostituição para sobreviver a condições económicas muito complicadas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc. Pode também referir-se que apesar das alterações legislativas o uso partilhado da licença por nascimento de filhos ainda é significativamente baixo.
Importa, evidentemente, combater a discriminação salarial e de condições de trabalho através de qualificação e fiscalização adequadas.
Na verdade, a metade do céu, que as mulheres representam, carrega um fardo pesado.

NOVOS PRODUTOS, NOVOS ESQUEMAS, NOVOS PROBLEMAS

Desde Camões que sabemos que o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades, umas mais simpáticas que outras, deve dizer-se.
Num relatório hoje divulgado da responsabilidade da Europol e do Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência, Mercados de Drogas na UE – Análise Estratégica , referem-se mudanças significativas na produção, compra e venda de drogas ilícitas por recurso às novas tecnologias.
Nesta matéria, recordo um relatório de Novembro de 2012, também do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência que referia o aparecimento em 2011 de 49 novas drogas que são basicamente comercializadas através das smartshops, ao abrigo do modelo “alternativas lícitas às drogas ilícitas” assente em algumas ambiguidades legais. O mesmo relatório afirma que em 2012 já estão identificadas 50 novas drogas. Como é conhecido, espera-se legislação sobre esta actividade que leva a incidentes de saúde severos como aconteceu há dias em Beja.
Por outro lado, é ainda de salientar a tendência crescente, como o relatório agora conhecido evidencia, da utilização da net e das redes sociais como suporte à venda de drogas ou medicamentos. Nada de surpreendente, poderíamos mesmo dizer, sinais dos tempos. Se as redes sociais podem assumir papéis significativos em movimentos sociais e políticos, porque não no tráfico de droga, uma das mais lucrativas actividades dos nossos dias.
Este cenário, não só pelas suas consequências, mas pela “facilidade” de funcionamento e da dificuldade do combate, necessita de uma política séria de prevenção e tratamento para além do combate ao tráfico que possa, tanto quanto possível, contar com os recursos adequados.
A questão preocupante e que tem sido motivo regular de alerta por parte de especialistas, é que os cortes e ajustamentos nos recursos humanos e materiais disponíveis possam criar sérios constrangimentos na prevenção e combate do consumo e ao tráfico.
Como muitas vezes tenho escrito, existem áreas de problemas que afectam as comunidades em que os custos da intervenção são claramente sustentados pelas consequências da não intervenção, ou seja, não intervir ou intervir mal é sempre bastante mais caro que a intervenção correcta em tempo oportuno. A toxicodependência e o consumo do álcool são exemplos dessas áreas.
Quadros de dependência não tratados desenvolvem-se habitualmente, embora possam verificar-se excepções, numa espiral de consumo que exigem cada vez mais meios e promove mais dependência. Este trajecto potencia comportamentos de delinquência, alimenta o tráfico, reflecte-se nas estruturas familiares e de vizinhança, inibe desempenho profissional, promove exclusão e “guetização”. Este cenário implica por sua vez custos sociais altíssimos, persistentes e difíceis de contabilizar.
Costumo dizer em muitas ocasiões que se cuidar é caro, façam as contas aos resultados do descuidar.

SAÚDE MENTAL, PARENTE POBRE DAS POLÍTICAS DE SAÚDE

A imprensa divulga hoje alguma informação sobre o Plano de Prevenção do Suicídio que será apresentado em Março.
Do que se conhece, releva a proposta de aumento do preço das bebidas alcoólicas, o aumento dos programas de apoio ao emprego e dos apoios disponíveis para famílias atingidas pelo desemprego. Estas propostas radicam no papel, sustentado por alguns especialistas, do consumo do álcool, da crise e o desemprego como gatilho para comportamentos suicidas. Não vou neste espaço discutir este entendimento, que merece discussão, mas algumas notas de carácter genérico.
Na verdade e para além do suicídio, muitos especialistas têm vindo a alertar para o acréscimo de casos de perturbação da saúde mental relacionados com as situações sociais graves em que muitas pessoas são envolvidas no âmbito da crise profunda que atravessamos, designadamente em casos de desemprego e insuficiência de recursos que sustentem a vida e, mais importante, a dignidade.
É também sabido que Portugal tem uma das mais altas taxas de consumo de psicofármacos bem como da prevalência de alguns quadros clínicos nesta área, o que é um indicador importante sobre a qualidade da nossa saúde mental e bem-estar.
Por outro lado, também de acordo com os especialistas, a falta de meios e recursos transforma o Plano Nacional de Saúde Mental num enunciado bem intencionado, mas inconsequente e desajustado às necessidades.
A doença mental é algo que, obviamente, não constitui uma preocupação significativa em matéria de saúde em Portugal.
Eu gostava de ser optimista  e acreditar que as propostas possa merecer acolhimento mas a experiência tem mostrado que a doença mental é, nas mais das vezes, um parente pobre no universo das políticas de saúde. No que respeita ao preço das bebidas alcoólicas até pode acontecer que se veja nisso uma hipótese de aumento das receitas do estado e por essa via seja aceite. No entanto, as práticas recentes e os discursos sobre a reforma do Estado e as "orientações" do FMI duvido fortemente  no aumento dos apoios para as política de emprego e, sobretudo, dos apoios sociais às famílias.
Quando a pobreza das pessoas aumenta e a pobreza dos meios e recursos também aumenta, o quadro é ainda mais grave.

MIÚDOS E PAIS EM SOFRIMENTO

De acordo com o I e segundo dados do Ministério da Justiça, os casos de regulação do poder paternal demoram cerca de um ano, em média, a ser decididos pelos Tribunais. Parece dispensável sublinhar o quanto inaceitável e potenciador de riscos esta situação se torna para todos os envolvidos, designadamente as crianças e o seu superior interesse, o princípio fundador da lei, apenas da lei. As recentes tragédias apenas confirmam os enormes riscos decorrentes destes atrasos.
Com o actual quadro legislativo, compete ao Instituto de Segurança Social a intervenção nos casos de regulação parental decorrentes da separação das famílias. Para 2012 esperavam-se cerca de 37 000 casos para os quais o Instituto tem 154 técnicos, dados de meados de 2012, sendo ainda que alguns acumulam outras funções, por exemplo, nas Comissões de Protecção de Menores.
Neste cenário verificam-se atrasos de 8 a 12 meses nas respostas e falhas absolutamente deploráveis no acompanhamento às situações advindas dos tribunais de família, com as previsíveis consequências paras as crianças, mas também, naturalmente para os adultos que, apesar da separação, não perdem a condição de pais e desejam vê-la regulada. Este facto assume especial relevância em casos de maior litígio ou até na controversa situação designada por alienação parental.
O princípio fundador do nosso quadro normativo, o Superior Interesse da Criança, tantas vezes lembrado e tantas vezes esquecido, exige, obviamente, que esta situação seja com a rapidez possível minimizada.
Os estudos na área da sociologia familiar têm vindo a evidenciar um aumento do número de divórcios que parece ligado, entre outras razões, a alterações na percepção social da separação, menos “punitiva” e “culpabilizante” para os envolvidos. Estará a criar-se assim uma situação mais favorável, até do ponto de vista legal, à facilidade do processo de divórcio o que poderá levar a decisões, cuja bondade não avalio, que podem ser apressadas, por decisão não assumida por ambos e não antecipando a necessidade de minimizar eventuais impactos, sobretudo quando existem filhos.
Neste quadro, podem emergir nos adultos, ou num deles, situações de sofrimento, dor e/ou raiva, que “exigem” reparação e ajuda. Muitos pais lidam sós com estes sentimentos pelo que os filhos surgem frequentemente como “tudo o que ficou” e o que “não posso e tenho medo de também perder”. Poderemos assistir então a comportamentos de diabolização da figura do outro progenitor, manipulação das crianças tentando comprá-las (o seu afecto), ou, mais pesado, a utilização dos filhos como forma de agredir o outro o que torna necessária a intervenção reguladora de estruturas ou serviços que se deseja oportuna no tempo e eficaz na ajuda. Esta situação pode atingir limites sem retorno como temos vindo a assitir.
É obviamente imprescindível proteger o bem-estar das crianças mas não devemos esquecer que, em muitos casos, existem também adultos em enorme sofrimento e que a sua eventual condenação, sem mais, não será seguramente a melhor forma de os ajudar. Ajudando-os, os miúdos serão ajudados. Quero ainda sublinhar que, por princípio, prefiro uma boa separação a uma má família.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

OS TEMPOS DO CINEMA AMBULANTE VÃO VOLTAR

A comunicação social falava hoje do encerramento de mais umas dezenas de salas comerciais de cinema por todo o país. A lei inexorável dos mercados, sempre os mercados, vai levando a que cidades, distritos, Castelo Branco,  ou mesmo regiões, como os Açores, fiquem sem salas comerciais de cinema e dependentes de iniciativas ou ciclos cuja organização também vai sofrendo e muito com a austeridade. Filmes, tal como música, livros, teatro, visitas a museus, museus ou outros produtos desta natureza são bens supérfluos que sofrem as consequências das condições de vida que criámos e nos criaram.
Esta vida é a luta pela sobrevivência onde não cabem bens como o cinema, luxo inacessível, mesmo o chamado cinema comercial eventuamente mais atractivo para um maior número de pessoas. 
A lida é dura e ou se trabalha desalmadamente para ver o rendimento diminuir ou se procura um emprego que teima em não aparecer. Para muita gente, o que têm não sobra para luxos como cinema e não havendo procura, os mercados encarregam-se do resto, o fechamento das salas.
Temo que possamos voltar aos meus tempos de miúdo com a projecção ambulante, com um gerador e um ecrã que viajavam numa carrinha que parava no largo e passava uma "fita", era uma festa em muitas aldeias.
Já não temos a vida nas aldeias como há décadas tínhamos, mas este caminho de deserto transformará cidades e regiões em aldeias que esperam pelo cinema ambulante.
Virá?

CLARIFICAÇÃO EM POLITIQUÊS

O politiquês é um línguagem complicada em que muitas palavras conhecidas são utilizadas com significados outros. Tratar-se-á, provavelmente, de uma leitura enviesada do que Almada Negreiros dizia sobre a não necessidade de inventar palavras novas, mas de novas utilizações para as palavras já inventadas.
Vem esta introdução a propósito da "clarificação" verificada na turbulência vivida pelo PS. Ao que parece, Seguro continua inseguro, Costa continua a pensar disputar a liderança, continuará a contagem de espingardas entre os pesos pesados e entre os pesos mais leves que querem ser pesados, continuarão as conspirações e jogos de bastidores com profunda e calculista definição de cenários e estratégias mas, é isto que é interessante, a situação foi clarificada, bastante clarificada.
Como é evidente, tal processo de clarificação não é um exclusivo do PS. Atente-se nos exemplos de clarificação em volta da candidatura de Dr. Menezes à Câmara do Porto e na sua sucessão em Gaia ou na clarificação da posição do CDS-PP relativa aos apoios a candidaturas de autarcas que já cumpriram três mandatos. A posição está a ser clarificada, apoio a Fernando Seara em Lisboa e não apoio a Luís Filipe Menezes no Porto.
Os exemplos sobre processos de clarificação assim entendidos são mais do que muitos e creio que em politiquês, clarificação deverá ser interpretada como um tempo, normalmente curto, de interregno, em que os actores, todos os actores, se preparam para novos episódios da narrativa que vão cumprindo e que, obviamente, solicitarão novas clarificações.
Destes processos de clarificação, assim entendidos, vai resultando o desgaste e um empobrecimento da vida política e do envolvimento cívico de boa parte dos cidadãos que se vão cansando destes exercícios de clarificação que retiram transparência e seriedade ao nosso quotidiano político.

REMODELAÇÃO? NÃO, ALTERNATIVAS

Não me quero intrometer no novo ofício de politólogo, os profissionais que estudam e analisam a ciência política, mas na qualidade de cidadão minimamente atento ao que nos rodeia, umas notas sobre um fenómeno que me parece interessante e curioso, as remodelações.
Sempre que os governos, independentemente da sua natureza partidária, começam a sofrer alguma contestação, natural, devida, por um lado às opções políticas demonstradas e por outro lado à incessante luta entre quem tem o poder e quem a ele aspira, surgem referências e cenários sobre remodelação, numa espécie de relação mágica, se as caras mudarem a realidade também muda. Sempre assim foi, sempre assim será, se não se alterarem os modelos e culturas de organização política, sendo que os efeitos são habitualmente pouco consistentes porque o acessório raramente substitui o essencial.
Os tempos que atravessamos não fogem a este processo. Têm sido insistentes as vozes, mesmo de entre os partidos integrantes da coligação, que reclamam pela remodelação com a curiosidade semântica de alguns lhe chamarem "refrescamento", o que não deixa de ser interessante. Aliás, os discursos já se direccionam mais para o calendário e oportunidade da remodelação que para a sua inevitabilidade que é dada por adquirida.
No entanto, creio que os últimos tempos nos obrigam a pensar e a exigir mais do que uma remodelação, um refrescamento que parece agora ir acontecer. A questão de fundo não é a composição o Governo, é a mudança nas suas políticas.
O Governo tem feito, todos o fazem, a defesa das suas opções políticas, com a única alternativa possível e séria. A utilização deste argumento, intimidatório, é velha, tem uma longa tradição, ou é assim ou é o caos. Pretende criar e induzir o medo e a convicção de que não existe qualquer outro rumo que não o por si traçado.
Como bem escrevia há tempos no Público o insuspeito Pacheco Pereira, no início do seu mandato o Governo, dadas as circunstâncias em que o país estava, encontrou um clima adequado para que as suas políticas fossem entendidas como o único caminho. Muitos dos portugueses interiorizaram a necessidade de sacrifícios e austeridade, numa perspectiva transitória e que devolvesse o equilíbrio perdido. O que tem acontecido é conhecido, têm vindo a ser produzidos sucessivos pacotes de austeridade e sacrifício que resultam em desemprego, exclusão, recessão, cortes fortíssimos em áreas chave com saúde, educação e segurança social e com uma percepção cada vez mais nítida e indesmentível de que são pacotes profundamente injustos, desiguais, massacrando sobretudo rendimentos do trabalho ou de pensões e reformas, o consumo, que penaliza os mais baixos rendimentos e deixando de fora rendimentos muito altos de outra natureza, aceitando incompreensíveis e sucessivas excepções aos sacrifícios e mantendo mordomias e despesa pública inaceitáveis.
Neste quadro de sofrimento e descontentamento ao Governo já não lhe basta remodelar, refrescar caras e ideias, como lhe chamou o incontornável Marques Mendes, o Governo tem mesmo de encarar as alternativas, ou seja, outras caras, com outras palavras para realizar as mesmas obras é o fim, ou melhor, o princípio do fim.
Existem alternativas, sabemos todos que existem alternativas, que são exequíveis, que são respeitadoras dos compromissos internacionais e da necessidade de equilíbrios orçamentais mas sobretudo, é essa a questão essencial, respeitadoras da dignidade das pessoas.
Não acredito que o Governo, este Governo, considere eventuais alternativas, o seu discurso e praxis não autorizam que se pense em mudança significativa, pelo que uma "simples" remodelação será, como já referi, o princípio do fim, do Governo ou da nossa capacidade de aceitação do inaceitável.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

O MEU MAIL CHEGOU PRIMEIRO. Continuo professor

O MEC confirma que acontece o que não podia acontecer. Professores sem horário lectivo atribuído, os insultuosos "horários zero", que respondam procurando uma colocação noutras instituições serão escolhidos por ordem de chegada da sua resposta por e-mail.
Quando pensávamos que o que de pior que poderia acontecer no processo de colocação de professores, com avanços e recuos, contradições, erros, incompetências e falhas que produziram situações que são conhecidas de injustiça, de colocações incompreensíveis e a instalação de um clima insuportável nas escolas, já tinha acontecido surge um surpreendente "critério" de selecção e colocação, a ordem de chegada do e-mail. Julgo que será dispensável alguma consideração sobre as razões que tornariam "proibido" este critério para ordenar e colocar professores.
O que não me parece dispensável é acentuar a forma ligeira e incompetente com que uma política desenvolvida em nome do rigor, qualidade e excelência trata de processos desta natureza.

A ETERNA COMPANHIA PROIBIDA

Acho que não se faz.
A diligente ASAE apreendeu numa agência funerária de Peniche uma urna com o símbolo do meu Glorioso, o Benfica.
O clube considerou que se trataria de um crime de usurpação de marca e apresentou queixa o que motivou a intervenção da ASAE.
A urna terá sido encomendada pela viúva de um devoto benfiquista.
Num tempo tão carregado de problemas, numa vida que provavelmente não terá sido fácil, não entendo este excesso de zelo que privará um cidadão da companhia eterna do seu bem amado Benfica.
Esta prova de amor sobrevivente à morte deveria merecer o respeito das autoridades e do próprio clube.
Não gostei, o sócio deveria poder descansar em paz na companhia do símbolo do glorioso com quem, certamente, terá partilhado muitas alegrias e, também e lamentavelmente, algumas tristezas.
Não havia necessidade.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

"REFERENCIADOS", "SINALIZADOS", MAS ... PARTIRAM

Estarão certamente lembrados da tragédia que vitimou duas crianças em Alenquer há poucas semanas. Agora um novo drama em Oeiras com a morte de outras duas crianças e da mãe. Embora em averiguação, o cenário parece apontar para que a mãe tenha terminado com a vida dos três.
Como na altura escrevi, estas tragédias mostram o muito que ainda temos de fazer em matéria  de protecção a menores em risco.
Ao que parece e tal como em Alenquer, também estas crianças estavam sinalizadas por parte da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens da área mas os pais recusaram apoios ou intervenção. Dado que a Comissão não pode intervir sem consentimento, sendo eles eventualmente responsáveis pelos riscos que as crianças enfrentam, o processo é enviado para Tribunal e … ficamos à espera. A decisão pode vir em tempo útil a uma intervenção que de facto proteja os menores ou, como foi o caso, acontece mais uma tragédia.
De há muito e a propósito de várias questões, que afirmo que em Portugal, apesar de existirem vários dispositivos de apoio e protecção às crianças e jovens e de existir legislação no mesmo sentido, sempre assente no incontornável “supremo interesse da criança, não existe o que me parece mais importante, uma cultura sólida de protecção das crianças e jovens. Poderíamos citar a insuficiência e falta de formação de juízes que se verifica nos tribunais de Família, as frequentemente incompreensíveis decisões em casos de regulação do poder parental, etc.
Temos também em funcionamento as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer um trabalho eficaz mas em difíceis circunstâncias, para além da falta de agilidade processual na articulação das múltiplas entidades envolvidas como também é frequente entre nós e terá acontecido nestas duas situações dramáticas.
É verdade que existem situações que se desenvolvem, por vezes, de forma extremamente rápida e imprevisível, em ambos os casos parece existir nas mães alguma perturbação do foro da saúde mental o que torna tudo ainda mais difícil, mas também exige maior celeridade e atenção.
No entanto, boa parte das Comissões têm responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta. A parte mais operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, tem muitos técnicos a tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as integram.
Este cenário permite que ocorram situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que, sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não tiveram, o apoio e os procedimentos necessários. Ouve-se então uma das expressões que me deixam mais incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada” o que foi insuficiente para a adequada intervenção. Em Portugal sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver os problemas referenciados ou sinalizados.
Por isso, sendo importante registar a menor tolerância da comunidade aos maus tratos aos miúdos, também será importância que desenvolva a sua intolerância face à ausência de respostas e surgimento de tragédias como a de Alenquer ou agora a de Oeiras. 

RATING DAS AGÊNCIAS DE RATING: LIXO

Tal como a Standard & Poor’s na semana passada, a Moody's, outro dos abutres que integra as grandes agências de rating, decidiu manter Portugal no nível "lixo", uma designação simpática e que traduz bem o quadro de valores dos nervosos e endeusados mercados.
Bem pode o Governo português acentuar a importância do "mágico" regresso ao mercados, com a emissão de dívida a juros mais baixos é certo, mas ainda assim insustentáveis.
Para estes abutres continuamos lixo. Estas entidades, enquanto cabeças de um polvo, os mercados, que as alimenta e que delas se alimenta, transformam países em lixo, empresas em lixo, bancos em lixo com critérios que, frequentemente, nem os especialistas entendem mas que a alguém irão certamente servir.
Talvez seja de recordar que a Standard & Poor's notou com o máximo, AAA, o Lehman Brothers dias antes do seu colapso em 2008 com as consequências que bem conhecemos. Naturalmente que para a agência que promoveu tão rigorosa avaliação não aconteceu nada.
Nós, portugueses, também já somos e continuamos lixo, os nossos bancos são lixo, as nossas empresas são lixo, enfim, vamos continuar a esperar pela reciclagem de que os abutres ditam as regras e com a qual continuarão a sacar.

SEMPRE LIGADO, SEMPRE ON-LINE

Embora há poucos dias aqui me tenha referido a esta matéria, julgo que vale a pena retornar.
No JN é referido que segundo dados do projecto europeu EuKids Online, o uso continuado da Internet repercute-se em 45% das crianças portuguesas com um dos seguintes sintomas: não dormir, não comer, falhar nos trabalhos de casa, deixar de socializar, tentar passar menos tempo online. Em termos europeus apenas a Estónia tem um número superior, 49%. 17 % dos inquiridos revelaram a presença de dois sinais, ter deixado de comer ou dormir para estar ao computador.
Há uns dias tina abordado esta problemática a propósito das implicações do uso excessivo das novas tecnologias no desenvolvimento de crianças e adolescentes, designadamente nos hábitos e saúde do sono.
Um estudo recente realizado nos EUA acompanhando durante seis anos 11 000 crianças encontrou fortes indícios de relação entre perturbações do sono e o desenvolvimento de problemas de natureza diferenciada no comportamento e funcionamento das crianças.
Esta questão, os padrões e hábitos de sono das crianças, é algo de importante que nem sempre parece devidamente considerada. Também entre nós, vários estudos sobre os hábitos e padrões de sono em crianças e adolescentes têm sido desenvolvidos, designadamente pela Professora Teresa Paiva. Citando alguns desses estudos é de referir que mais de metade dos adolescentes inquiridos apresentam quadros de sonolência excessiva e evidenciam hábitos de sono pouco saudáveis. Esta constatação vai no mesmo sentido de outros trabalhos com crianças mais novas. A falta de qualidade do sono e do tempo necessário acaba, naturalmente, por comprometer a qualidade de vida das crianças e adolescentes.
Várias investigações sugerem que parte das alterações verificadas nos padrões e hábito relativos ao sono remetem para questões ligadas a stress familiar e sublinham o aumento das queixas relativas a sonolência e alterações comportamentais durante o dia.
Acresce, como os dados do EuKids Online evidenciam, um conjunto de outros riscos decorrentes da utilização menos regulada das novas tecnologias o que solicita alguma reflexão sobre estilos e hábitos de vida. Segundo alguns estudos, perto de 50% das crianças até aos 15 anos terão computador ou televisor no quarto, além do telemóvel.
Acontece que durante o período de sono e sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes estarão diante de um ecrã, pc, tv ou telemóvel. Com é óbvio, este comportamento não pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida.
Creio que, com alguma frequência, os comportamentos dos miúdos, sobretudo nos mais novos, que são de uma forma aligeirada remetidos para o saco sem fundo da hiperactividade e problemas de atenção, estarão associados aos seus hábitos e padrões de sono como, aliás, os estudos parecem sugerir.
Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos, são problemas novos para muitos pais, eles próprios com níveis baixos de alfabetização informática. Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível e útil seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes.
A experiência mostra-me que muitos pais desejam e mostram necessidade de alguma ajuda ou orientação nestas matérias.

O MISTÉRIO DOS TROPEÇÕES

No mundo dos miúdos e dos graúdos e das relações que estabelecem entre si, acontecem situações que, por vezes, me parecem inexplicáveis. Na tentativa de encontrar junto de vós ajuda para entender tais situações, apresento-vos uma delas.
Quando em nossas casas, nos contextos familiares, os miúdos pequenos mostram e fazem as suas tentativas de se desenvolverem, por exemplo, quando estão a aprender a andar ou falar, observam-se alguns tropeções e embaraços com os sons e as palavras. De uma forma geral, os adultos por perto brincam, ajudam na correcção e riem-se com estes incidentes, os miúdos também, e, tranquilamente, continuam a tentar fazer melhor o que, obviamente, acabam por conseguir. Tudo bem.
Uns tempinhos mais tarde, os miúdos vão para a escola e começam a aprender as coisas que a escola tem guardadas para lhes ensinar, por exemplo, a ler e a escrever. Como é de prever, as tentativas dos miúdos para ler e escrever não resultam logo, verificam-se alguns enganos e tropeções. É aqui que justamente surge o mistério.
É que, contrariamente à situação anterior, muitos dos adultos da escola não brincam e não riem com os miúdos a propósito destes enganos e tropeções. Põem um ar muito sério e sublinham “está errado”. Existem miúdos que se assustam quando, repetidamente, lhes dizem de cara séria, “erraste”. Devagarinho, deixam de querer experimentar fazer, não querem correr o risco de “errar”. Não experimentando, não vão aprender, passam a preguiçosos e desmotivados. Alguns até acedem ao estatuto de alunos com dificuldades.
Têm alguma explicação que me ajude a entender esta diferença de atitudes?

domingo, 27 de janeiro de 2013

AFINAL A CRISE NÃO ACABOU

Em declarações produzidas no Chile, o Primeiro-ministro afirmou "é preciso afastar a ideia de que a crise acabou". Devo confessar que fiquei decepcionadíssimo. Estava mesmo convencido de que a crise tinha acabado, aliás, como várias vezes tem sido afirmado ou sugerido.
Depois da retumbante vitória de Portugal sobre os Mercados graças a uma colossal exibição do nosso avançado, o genial VG7, que contrariou todas as previsões quanto ao resultado do encontro, creio que a generalidade dos portugueses ficou convencida de que a crise tinha acabado.
Mais de um milhão de portugueses desempregados preparavam-se para amanhã cedinho se apresentarem nos postos de trabalho que ocupavam, a crise tinha acabado.
Milhares e milhares de pensionistas e reformados preparavam-se para se dirigirem às dependências bancárias para terem de volta os cortes nos rendimentos, alguns, ou para verem os aumentos nas miseráveis pensões que têm, muitos outros. A crise tinha acabado.
Muitos milhares de pequenos empresários que viram os seus pequenos negócios e empresa falirem preparavam-se amanhã para abrir portas para recomeçar a produzir, bens ou serviços, ou a vender os produtos de sempre. A crise tinha acabado.
Muitos milhares de portugueses, sobretudo jovens qualificados, que se viram obrigados a emigrar em busca de um futuro que não parecia morar aqui estava a deitar os pés ao caminho para o regresso à terra. A crise tinha acabado.
Mas não, nada disto  e muito mais que a crise nos trouxe vai acontecer. A esmagadora maioria dos portugueses sabe muito bem, sente, que a crise não acabou.
Ainda assim, devemos a agradecer a Passos Coelho a preocupação com a informação.
 

sábado, 26 de janeiro de 2013

ALGUNS DOS PROBLEMAS DOS PROFESSORES SÃO TAMBÉM PROBLEMAS NOSSOS

Os professores manifestam-se hoje contra alguns aspectos da PEC- Política Educativa em Curso. Do meu ponto de vista, alguns dos motivos que estão na base do protesto, para além das consequências na questão profissional dos docentes, são preocupantes numa perspectiva mais alargada da qualidade da educação e de defesa da escola pública de qualidade. Algumas notas sobre a profissão docente, a sua importância e a forma como muitas vezes são olhados.
Um estudo desenvolvido pelo ISEG-UTL conclui que as variáveis exteriores à escola, (nível de escolaridade dos pais, por exemplo) explicam apenas 30% do sucesso dos alunos no ensino secundário, ou seja, 70% é explicada pelo trabalho das escolas, dos professores. Numa conferência realizada em Lisboa, o Professor Erik Hanushek sublinhou o factor "qualidade do trabalho do professor" como a chave do sucesso na educação, mesmo no sentido de contrariar desigualdades sociais de origem nos alunos. Cito com frequência uma afirmação de 2000 do Council for Exceptional Children, "o factor individual mais contributivo para a qualidade da educação é a existência de um professor qualificado e empenhado".
Neste quadro, parece-me sempre importante sublinhar algo que de tão óbvio por vezes se esquece, a importância essencial e a responsabilidade que o trabalho dos professores assume na construção do futuro. Tudo passa pela escola e pela educação. Assim sendo, as mudanças na educação só podem ocorrer e ser bem sucedidas com o envolvimento dos professores.
Alguns dos discursos que de forma ligeira e muitas vezes ignorante ocupam tempo de antena na imprensa parecem esquecer a importância deste trabalho e das circunstâncias em que se desenvolve.
Pensemos no que é ser professor hoje, em algumas escolas que décadas de incompetência na gestão urbanística e consequente guetização social produziram.
Pensemos em como os valores, padrões e estilos e vida das famílias se alteraram fazendo derivar para a escola, para os professores, parte do papel que compete à família.
Pensemos na forma como milhares de professores cumprem a sua carreira de poiso, em poiso, sem poiso e sem condições de pensar num projecto de vida familiar com estabilidade. E não nos esqueçamos também da imprescindível necessidade de que o seu trabalho seja avaliado através de dispositivos sólidos, eficazes e justos de forma a proteger a própria classe, os miúdos e as famílias.
Pensemos nos professores que nos ajudaram a chegar ao que hoje cada um de nós é, aqueles que carregamos bem guardadinhos na memória, pelas coisas boas, mas também pelas más, tudo contribuiu para sermos o que somos.
Pensemos na deriva política a que o universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas, criando instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio que potencie o trabalho de alunos, pais e professores. Assume especial actualidade, o aumento de alunos por turma, o corte de recursos, a dispensa de professores obviamente necessários, etc.
Pensemos em como os professores são injustiçados na apreciações de muita gente que no minuto a seguir à afirmação de uma qualquer ignorante barbaridade, vai, numa espécie de exercício sadomasoquista, entregar os filhos nas mãos daqueles que destrata, depreendendo-se assim que, ou quer mal aos filhos ou desconhece os professores e os seus problemas.
Pensemos como é imprescindível que a educação e os problemas dos professores não sejam objecto de luta política baixa e desrespeitadora dos interesses dos miúdos, mesmo por parte dos que se assumem como seus representantes.
Pensemos em como a forma como os miúdos, pequenos e maiores, vêem e se relacionam com os professores está directamente ligada à forma como os adultos os vêem e os discursos que fazem.
Pensemos, finalmente, como ser professor deve ser uma das funções mais bonitas do mundo, ver e ajudar os miúdos a ser gente.
Esperemos, pois, pelas mudanças necessárias que defendam a qualidade da escola e as condições para que o trabalho de professores, alunos e pais tenha o melhor resultado possível.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

SE SÃO LEGAIS, NÃO FAZEM MAL. Pois não?

Enquanto se aguarda pela anunciada iniciativa legislativa de as criminalizar, continua a comercialização das designadas drogas legais nas chamadas “smartshops” ao abrigo de uma ambiguidade legal que tem graves consequências. João Goulão, presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência tem vindo a alertar para o aumento do consumo e para a crescente gravidade e número de problemas de saúde daí decorrentes. Hoje, em Beja, três adolescentes foram hospitalizadas por esse motivo.
Uma das razões que alguns estudos identificam para o consumo deste tipo de substâncias é justamente o facto de serem “legais”, ou seja, se são legais é porque “não fazem mal”, como alguns jovens consumidores afirmam.
A “smartshop” de Beja onde as adolescentes terão adquirido as substâncias já tinha sido encerrada pela ASAE e encontrava-se de novo em funcionamento.
Existem algumas matérias que por variadíssimas razões sempre deverão estar na agenda das preocupações, a questão da droga e dos vários tipos de consumo, incluindo o álcool, é uma dessas matérias.
Nos últimos dias foi também notícia o aumento do consumo e das reincidências atribuíveis ao quadro de dificuldades que atravessamos e à fragilização pessoal e social que essas dificuldades possam induzir.
Todo este quadro torna verdadeiramente necessária uma política de prevenção, tratamento e combate ao tráfico eficaz e, tanto quanto possível, com os recursos adequados.
Há algum tempo foi noticiado que em virtude dos limites orçamentais o Instituto da Droga e da Toxicodependência iria prescindir dos serviços de algumas centenas de técnicos, psicólogos e assistentes sociais, que integravam as unidades de tratamento de proximidade com resultados conhecidos. O IDT procederá ainda ao encerramento de unidades de atendimento ao nível concelhio em vários locais do país levando os especialistas a referir as consequências negativas de tal decisão.
Existem áreas de problemas que afectam as comunidades em que os custos da intervenção são claramente sustentados pelas consequências da não intervenção, ou seja, não intervir ou intervir mal é sempre bastante mais caro que a intervenção correcta em tempo oportuno. A toxicodependência e o consumo do álcool são exemplos dessas áreas.
Quadros de dependência não tratados desenvolvem-se habitualmente, embora possam verificar-se excepções, numa espiral de consumo que exigem cada vez mais meios e promove mais dependência. Este trajecto potencia comportamentos de delinquência, alimenta o tráfico, reflecte-se nas estruturas familiares e de vizinhança, inibe desempenho profissional, promove exclusão e “guetização”. Este cenário implica por sua vez custos sociais altíssimos, persistentes e difíceis de contabilizar.
Os consumos, de diferentes substâncias, designadamente por parte dos adolescentes e jovens podem relacionar-se com alguma negligência paternal mas, na maioria dos casos, trata-se de pais, que sabem o que se passa, “apenas fingem” não perceber, desejando que o tempo “cure” porque se sentem tremendamente assustados, sem saber muito bem o que fazer e como lidar com a questão. De fora parece fácil produzir discursos sobre soluções, mas para os pais que estão “por dentro” a situação é muitas vezes sentida como maior que eles, justificando-se a criação de programas destinados a pais e aos adolescentes que minimizem o risco do consumo excessivo.
Costumo dizer em muitas ocasiões que se cuidar é caro, façam as contas aos resultados do descuidar.

POLÍTICAS DE APOIO À FAMÍLIA

O Secretário de Estado da Administração Local, Paulo Júlio, numa louvável expressão de solidariedade, terá favorecido um primo num concurso para um lugar de chefia quando ocupava as funções de Presidente da Câmara de Penela.
Certamente pela competência demonstrada, Paulo Júlio foi nomeado Secretário de Estado. Tal como nas autarquias, os amigos são para as ocasiões.
Até aqui, nada de novo. O problema é que a má imprensa, porque há imprensa amiga, resolveu trazer este caso de solidariedade familiar para a ribalta e o Secretário de Estado demitiu-se.
Certamente aparecerão os discursos laudatórios sobre a decisão corajosa e exemplar do Dr. Paulo Júlio que, aliás, bem poderia servir de exemplo para o seu Ministro, o “Dr.” Relvas, que, no entanto, não será capaz de ver nenhuma “equivalência” na situação embora seja especialista em equivalências.
Parece-me claro que a demissão em situações desta natureza é o mínimo que se pode esperar, mas a ética e a seriedade não podem ser assumidos numa espécie de serviços mínimos agora tanto na agenda.
São conhecidos de toda a gente os múltiplos exemplos de amiguismo e favorecimento a gente próxima, da família pessoal ou da família política, no mundo das autarquias e da administração central. Estas situações são banais e despudoramente assumidas. Trata-se de uma questão estrutural e não conjuntural susceptível de mudar pela decisão de se demitir tomada por Paulo Júlio.
Só para citar um exemplo de outra “família” lembram-se certamente das notícias sobre os vários familiares dos Presidentes das Câmaras de Loures ou de Grândola. Recordo que o autarca de Loures afirmou ao Expresso, “Admito que possa parecer mal mas não me pesa nada na consciência”.
Na verdade, ele tem razão, a consciência só pesa quando existe.
Por outro lado, é bem verdade que as políticas de apoio à família são sempre importantes.

O DIREITO À MATERNIDADE, O DIREITO DA COMUNIDADE E O SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA, (take 2)

Dado que continua na agenda, retomo o caso da decisão do Tribunal de Sintra de retirar a uma família sete dos dez filhos no sentido de que possam entrar em processo de adopção.
A decisão do tribunal foi sustentada pelas dificuldades económicas da família e pelo não cumprimento de algumas das medidas previstas no processo de protecção de menores que envolve esta família.
Parece relevante acentuar que não existem relatos de maus tratos e que uma das medidas impostas no acordo e não cumpridas pela família, seria a prova por parte da mãe de que estaria em apoio hospitalar para laqueação das trompas. O tribunal sublinha que a mulher persiste na rejeição de tal intervenção.
Como é evidente e creio que deve ser sublinhado, a comunidade, através das diferentes entidades e instituições que intervêm neste universo, tem a obrigação de proteger as crianças de negligência e maus tratos, nenhuma dúvida sobre isso, trata-se do superior interesse da criança, tantas vezes esquecido. Quero dizer com isto que não discuto, não tenho informação suficiente, a bondade da retirada das crianças à família, embora entenda, como a generalidade das pessoas, que esta deva ser sempre uma medida de fim de linha a que se recorre depois do insucesso de outras abordagens.
O que me parece absolutamente inaceitável é a aparente imposição da esterilização da mãe. Confesso que muitos dos comentários entretanto produzidos sobre esta situação me deixaram perplexo e preocupado, mais preocupado.
Do meu ponto de vista seria aceitável um processo de aconselhamento no sentido de evitar novas gravidezes dadas as difíceis circunstâncias de vida da família. Julgo que a parentalidade é de uma enorme responsabilidade e, portanto, ser objecto de decisões também elas responsáveis, no entanto, a comunidade não pode ultrapassar limites éticos e morais mesmo que pretenda um objectivo aceitável, não pode valer tudo. Neste sentido, registo a posição do presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida que considerou a  decisão do Tribunal um “absurdo impensável”.
Não sei se a aparente imposição da laqueação das trompas poderá ter implicações legais, mas num plano ético e moral parece-me, na verdade, absolutamente inaceitável e atentatório de direitos individuais.
Como disse, há alguns anos atrás confrontei-me com uma situação semelhante, em que uma mulher a quem se aconselhava a laqueação das trompas por fazer gravidezes sucessivas de crianças com deficiência a ter recusado por razões de natureza cultural. Foi muito difícil encontrar um equilíbrio numa situação complexa e que protegesse os interesses das pessoas envolvidas ou que poderiam vir a estar envolvidas com novas gravidezes.
Não são situações fáceis, são mesmo muito complexas, entendo que devemos ter alguma cautela nos juízos de valor sobre todas as pessoas que de alguma forma estão comprometidas com a situação agora conhecida, mas à comunidade é exigido o respeito por um conjunto de princípios que regule procedimentos.
Sendo a comunidade a hipotecar princípios éticos entramos numa arriscada deriva discricionária que pode ter efeitos imprevisíveis.

O FUTURO NÃO MORA AQUI

O Secretário de Estado das Comunidades afirmou hoje que nos últimos dois anos terão emigrado cerca de 200 000 portugueses estimando que em 2013 os números sejam da mesma ordem de grandeza. Estes dados, já referidos, contrariam informação do INE, segundo a qual em 2011 seriam 44 000 mil os portugueses que emigraram.
Apesar de já aqui ter escrito sobre esta questão, julgo que se justificam umas notas.
A par da Irlanda, somos o país de onde sai gente com maior qualificação o que exige ainda maior reflexão pelas consequências previsíveis.
Somos um país de emigrantes de há séculos pelo que este movimento de partida, só por si, não será de estranhar. No entanto, creio que é preocupante constatarmos que durante muitos anos a emigração se realizava na busca de melhores condições de vida, a agora a emigração realiza-se à procura da própria vida, muita gente, sobretudo jovens não tem condições de vida, tem nada e parte à procura, não de melhor, mas de qualquer coisa.
Este vazio que aqui se sente é angustiante, sobretudo para quem está começar, se sente qualificado e com o desejo de construção de um projecto de vida viável e bem sucedido.
Alguns inquéritos junto de estudantes universitários mostram como muitos, a maioria, admite emigrar em busca de melhores condições de realização pessoal e profissional apesar de muitos afirmarem que pretendem voltar.
Lembramo-nos ainda da intervenções de incentivo à emigração qualificada, vergonhosamente negadas há dias, por Passos Coelho e do Ministro Miguel Relvas, que certamente não precisaria de emigrar, tem o seu futuro garantido dentro de portas por efeitos do alpinismo partidário, ao afirmar, dirigindo-se a jovens qualificados, "ide procurar fora de portas o vosso futuro”.
Parece-me relativamente claro que a questão central nesta matéria não é o movimento que desde há muito os portugueses realizam de procurar trabalho fora do país, trata-se também da construção de um projecto de vida auto-determinado. Sabemos, aliás, que é desejável em diferentes perspectivas, que estes fluxos se realizem.
O que me parece fortemente significativo é o que representa de descrença de tanta gente, de que seja possível desenvolver um projecto de vida viável e com potencial de realização pessoal e profissional no nosso país.
Nesto contexto, como tenho referido, as declarações dos responsáveis políticos assumem particular importância. Não podem assumir que a solução para os problemas das pessoas, por exemplo o desemprego, é abandonar o país, particularmente um país, Portugal, com sérias necessidades de mão-de-obra qualificada, um dos mais baixos níveis de qualificação da Europa e um dos grandes obstáculos ao nosso desenvolvimento, não pode acenar com a “sugestão” de emigração exactamente para a franja mais qualificada da nossa população. Trata-se uma visão absolutamente inaceitável.
Muita desta gente parte com amargura de uma terra, a sua, onde sentem que não cabem e o futuro … é um sonho impossível.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

PAIS, FILHOS, PROFESSORES E ESCOLA EM REDE

As redes de comunicação, de todas as naturezas, são parte integrante do nosso quotidiano e desempenham um papel fundamental. No entanto, o espaço e o suporte de muitas destas redes, vizinhança, social, profissional tem vindo a ser ocupado, sinais dos tempos por suportes virtuais que agilizam alargam essa comunicação.
O Público refere a rede Weduc, já em utilização em Portugal há algum tempo, que procura criar uma rede de comunicação mais eficaz e operacional entre os pais e a escola permitindo a troca de saberes e informação em tempo real sobre muitíssimos aspectos da vida escolar dos miúdos e ainda para além de outras funcionalidades, o contacto, em rede claro, com outros pais.
Como muitas vezes aqui tenho afirmado qualquer dispositivo ou suporte que incremente a qualidade e o nível de envolvimento e participação dos pais na vida escolar dos filhos é, por princípio, positivo pois essa é uma necessidade e dificuldade sentida por pais e professores.
No entanto, gostava de deixar umas notas sobre estes dispositivos.
A relação dos pais com a escola e a sua participação e envolvimento na vida escolar dos miúdos não se esgota na relação presencial ou virtual com os professores ou outros elementos da escola. Do meu ponto de vista, uma parte muito importante deste envolvimento passa pela relação directa, sem mediação, com os miúdos.
Nesta perpectiva, importa estar atento a que alguns pais, devido aos estilos de vida e a um tempo que sempre escasseia, possam, mesmo que de forma menos consciente, sentir que estando em permanente e fácil contacto com a escola, com os professores, pode ser "diminuído" o seu tempo o tempo com os miúdos a propósito da vida escolar.
Os miúdos precisam de sentir que os pais se interessam pelo seu "trabalho", pelo incidentes do dia-a-dia, pelas suas brincadeiras, dificuldades, amigos sucessos, etc., enfim pelo seu mundo. Acontece que este diálogo deve, tanto quanto possível e por vezes não é fácil, ser presencial e regular, ou seja, os aspectos muito positivos que a rede Weduc envolve não podem servir de suporte, paradoxal, a um maior afastamento dos pais face aos miúdos porque "já sabem tudo" sobre a escola.
Poderão, de facto, saber bastante mais sobre a escola mas poderão correr o risco de ir sabendo menos sobre os filhos. Os miúdos mais do que alunos, continuam filhos.

VITÓRIA SENSACIONAL SOBRE OS MERCADOS. O génio de VG7

Nunca será demais referir a enorme espectacular vitória no desafio disputado ontem entre a briosa equipa de Portugal e a equipa dos Mercados em que nós obtivemos uma esmagadora vitória. Na exibição extraordinária da equipa lusitana deve salientar-se o nosso ponta de lança, VG7, Vítor Gaspar, um verdadeiro Cristiano Ronaldo das finanças, e do capitão Passos Coelho, um potencial "special one".
Boa notícia, com esta vitória voltámos a ser atractivos para os mercados, ou seja, lucrativos graças aos nossos valorosos atletas que, como sempre, estão à altura das dificuldades. Trata-se do sangue lusitano que nos corre nas veias e da herança dos nossos antepassados.
É ainda importante acentuar o contributo para esta retumbante vitória que a todos enche de orgulho que adveio do apoio inexcedível e entusiasta de milhares e milhares de portugueses que por esse país fora se dispuseram a empobrecer, a ficar sem emprego e até mesmo a aceitar que os seus filhos passassem também por dificuldades para num hercúleo e abnegado esforço que agora permitiu esta extraordinária vitórias das nossas cores.
Espera-se que a nação reconheça o mérito e recompense os nossos briosos atletas.

A SECRETÁRIA EXCEPCIONAL E OS PRESIDENTES REFORMADOS

Duas referências rápidas a notícias não relativas à crise e à espectacular vitória de ontem no desafio de Portugal contra os Mercados em que nós obtivemos uma esmagadora vitória. Na exibição extraordinária da equipa lusitana deve salientar-se o ponta de lança VG7, Vítor Gaspar, um verdadeiro Cristiano Ronaldo das finanças, e do capitão Passos Coelho, um potencial "special one".
A primeira referência para a informação sobre uma situação que a acidente ferroviário na linha do Norte veio mostrar. O Gabinete de Investigação de Segurança e de Acidentes Ferroviários, organismo independente ao qual compete investigar acidentes ferroviários, está inativo desde 2011, apenas tem uma secretária. Num país como o nosso, em que múltiplas estruturas e gabinetes se atropelas nas competências e absorvem recursos sem fim, um gabinete a quem compete "investigar os acidentes, incidentes e ocorrências relacionados com a segurança dos transportes ferroviários", funcionar apenas com uma secretária é uma prova de confiança extraordinária, primeiro na infalibilidade do sistema e, segundo, na competência da secretária.
A segunda referência para a notícia do DN segundo a qual, 161 presidentes de Câmara exercerem o seu mandato na situação de reformados. É verdade, mais de metade dos Presidentes estão reformados e em exercício do cargo.
Acho que devemos todos um enorme agradecimento por tal espírito de missão e entrega ao bem comum por parte destes homens e mulheres.

A CADEIRA DE RODAS NÃO PASSA. Tenha paciência

Em poucos dias é a segunda vez que surge publicamente uma intervenção do Provedor de Justiça sobre matérias respeitantes à vida das pessoas com deficiência. Hoje é divulgada a solicitação ao Metropolitano de Lisboa e à Câmara para que procedam no sentido de garantir a acessibilidade de pessoas com mobilidade reduzida a estações e carruagens, bem como assegurar a possibilidade real de evacuação em situação de emergência.
Fico satisfeito com as sucessivas tomadas de posição do Provedor de Justiça que, assim, justifica a sua existência.
Esta questão da acessibilidade ao Metropolitano é apenas mais um exemplo do muito que ainda temos que mudar, a vários níveis, na forma como encaramos e nos comportamos como comunidade face aos problemas que afligem minorias, nesta caso as pessoas com deficiência. Sobre esta matéria, algumas notas retiradas de textos já aqui enunciados.
Em primeiro lugar deve dizer-se que, como acontece em outras áreas, a legislação portuguesa é positiva e promotora dos direitos das pessoas com deficiência, mas a sua falta de eficácia e operacionalização é bem evidenciada na tremenda dificuldade que milhares de pessoas experimentam no dia-a-dia que decorre, frequentemente, da falta de fiscalização relativa às questões das acessibilidades e barreiras nos edifícios.
Existem ainda muitos serviços públicos e outro tipo de equipamentos de prestação de serviços com barreiras arquitectónicas intransponíveis, a que os cidadãos com deficiência só podem aceder com ajuda de terceiros e, mesmo assim, com dificuldade.
Os transportes públicos de diferente natureza também colocam enormes problemas na acessibilidade por parte de pessoas com mobilidade reduzida.
As normas de construção não são respeitadas, mantendo-se em edifícios novos a ausência de rampas ou a sua existência com desníveis superiores ao estabelecido, constituindo, assim, um risco sério de queda.
Para além deste quadro, suficientemente complicado, ainda há que contar com a prestimosa colaboração de muitos de nós que estacionamos o belo carrinho em cima dos passeios, complicando ou proibindo, naturalmente, a circulação de cadeiras de rodas. Os passeios, nem sempre com as medidas determinadas por lei, são, por vezes e quase na totalidade, ocupados com esplanadas que, claro, são só mais uma dificuldade para muita gente. Há ainda que considerar conforma notícia de hoje as dificuldades que por negligência ou insensibilidade criamos aos outros.
A vida de muitas pessoas com deficiência é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, que ampliam de forma inaceitável a limitação na mobilidade que a sua condição, só por si, pode implicar.
Como é evidente, existem muitas outras áreas de dificuldades colocadas às pessoas com deficiência, designadamente, educação e emprego em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são enormes.
Termino com uma afirmação que recorrentemente subscrevo, os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como lidam com as minorias e as suas problemáticas.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

OS PEDINTES E OS POBRES

A propósito do devastador temporal do último fim de semana e das reportagens que se seguiram e repetiram, fiquei a pensar como tão facilmente de há umas décadas para cá qualquer coisa que aconteça em Portugal ou mesmo qualquer coisa que não aconteça, logo faz emergir um grupo de pedintes, de pessoas que pedem apoios ou subsídios.
É óbvio que compreendo o drama que se abate de forma inesperada sobre muitas pessoas e famílias e entendo que surjam imediatamente os pedidos de apoio, algumas vezes justificados.
A questão é a excessiva dependência criada e alimentada desses apoios e subsídios e que sustentam os pedintes de todas as naturezas e escalas. Reparem.
Logo no início da actual crise surgiu um inesperado grupo de pedintes, os banqueiros, que pediram ajudas e apoios de modo a fortalecer o sistema financeiro e a resistir aos testes de stresse. Claro que estes pedintes obtiveram as ajudas necessárias, o último caso foi o do Banif que recebeu uma ajudazinha na recapitalização.
No entanto e na verdade os pedintes são mesmo de todas as condições, escalas e justificações.
Se chove aparecem os pedintes por causa da água a mais, se não chove surgem os pedintes por causa da seca. Se faz vento temos pedintes por causa das consequências do vento.
Os inquilinos são pedintes por causa das rendas, mas os proprietários são também pedintes e pelas mesmas razões.
Pedimos apoios e subsídios para tudo e mais alguma coisa. Provavelmente não existirão actividades que não abriguem pedintes.
Creio mesmo que dificilmente algum de nós não integrará um grupo de pedintes.
Por outro lado, a mesma vida que produz os pedintes, também tem produzido os pobres, muitos pobres e muito pobres.
A diferença é que muitos dos pedintes não são pobres e muitos dos pobres não pedem, não são pedintes. A dignidade que ainda mantêm não lhes permite.

FOGO DE VISTA

Estranhando-se o tempo que demorou, embora saibamos que se trata da justiça em Portugal, o Departamento Central de Investigação e Acção Penal abriu um inquérito sobre a adjudicação das iluminações de Natal de 2011 na Madeira, pois considera que terá sido um mau negócio para as finanças públicas e, naturalmente, um excelente negócio para a empresa.
Tal como aconteceu nesse ano também em 2012 o Dr. Alberto João Jardim vai gastar uma verba elevadíssima, cerca de 1,2 milhões de euros em iluminações no Natal e festas de fim de ano e cerca de 750 000 em fogo de artifício. Como indicador comparativo, as cidades de Lisboa e Porto gastaram no seu conjunto cerca de 370 000 euros neste tipo de iniciativas.
Também como em 2011 o Governo Regional socorreu-se de habilidades e manhas orçamentais distribuindo parte dos encargos para o orçamento de 2013.
Ainda e tal como em 2011 o processo de adjudicação destes negócios parece tudo menos transparente. A montagem das iluminações decorativas de Natal e fim do ano, é desde 1996 sempre adjudicada à empresa do grupo SIRAM, do antigo deputado do PSD, Sílvio Santos, procedimento já condenado pelo Tribunal de Contas.
Nada de novo, portanto, neste processo, apenas um inquérito agora decidido e que, muito me enganarei se assim não for, será inconsequente, não passando de mais uma peça de fogo de vista.
Na verdade, o que continua a surpreender-me, é a complacência cobarde, interesseira e indesculpável com que estas manobras e manhas são toleradas pelos responsáveis nacionais, designadamente, o Governo, todos os Governos de há décadas.
Por cima deste quadro reina a figura tutelar de Alberto João Jardim que entre impropérios, boçalidade e ameaças veladas de independência se ri de uma classe dirigente que se ri dele, o bobo tonto e inimputável que vai jogando um jogo conhecido, uns fingem que governam o território nacional "esquecendo" o que se passa na Madeira, outros, poucos, ganham muito com tudo isso e a grande maioria de nós, madeirenses incluídos obviamente, vai pagando.
Até quando?

O DIREITO À MATERNIDADE, O DIREITO DA COMUNIDADE E O SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA

O Tribunal de Sintra retirou a uma família sete dos dez filhos no sentido de que possam entrar em processo de adopção.
A decisão do tribunal é sustentada pelas dificuldades económicas da família e pelo não cumprimento de algumas das medidas previstas no processo de protecção de menores que envolve esta família.
Não existem relatos de maus tratos e uma das medidas impostas no acordo e não cumpridas pela família, seria a prova por parte da mãe de que estaria em apoio hospitalar para laqueação das trompas. O tribunal sublinha que a mulher persiste na rejeição de tal intervenção.
Como é evidente, a comunidade, através das diferentes entidades que intervêm neste universo, tem a obrigação de proteger as crianças de negligência e maus tratos, nenhuma dúvida sobre isso, trata-se do superior interesse da criança, tantas vezes esquecido. Quero dizer com isto que não discuto, não tenho informação suficiente, a bondade da retirada das crianças à família, embora entenda, como a generalidade das pessoas, que esta deva ser sempre uma medida de fim de linha a que se recorre depois do insucesso de outras abordagens.
O que me parece absolutamente inaceitável é a aparente imposição da esterilização da mãe. Do meu ponto de vista seria aceitável um processo de aconselhamento no sentido de evitar novas gravidezes dadas as difíceis circunstâncias de vida da família. Julgo que a parentalidade é de uma enorme responsabilidade e, portanto, ser objecto de decisões também elas responsáveis, no entanto, a comunidade não pode ultrapassar limites éticos e morais mesmo que pretenda um objectivo aceitável, não pode valer tudo.
Não sei se a aparente imposição da laqueação das trompas poderá ter implicações legais, mas num plano ético e moral parece-me, na verdade, absolutamente inaceitável e atentatório de direitos individuais.
Há alguns anos atrás confrontei-me com uma situação semelhante, em que uma mulher a quem se aconselhava a laqueação das trompas por fazer gravidezes sucessivas de crianças com deficiência a ter recusado por razões de natureza cultural. Foi muito difícil encontrar um equilíbrio numa situação complexa e que protegesse os interesses das pessoas envolvidas ou que poderiam vir a estar envolvidas com novas gravidezes.
Não são situações fáceis, devemos ter alguma cautela nos juízos de valor sobre todas as pessoas na situação agora conhecida, mas à comunidade é exigido o respeito por um conjunto de princípios que regule procedimentos.

MERCADOS, CÁ ESTAMOS! Invistam.

"Procura para emissão de dívida portuguesa chega aos 10.000 milhões". A procura foi, portanto, bem acima da oferta de 2 000 milhões, o objectivo do Governo.
Boa notícia, voltámos a ser atractivos para os mercados, ou seja, lucrativos.
E as pessoas?
Bom, as pessoas, vão ter que esperar. Não se pode fazer tudo de uma vez.
Para já empobrecem e pagam.

TRANSPARÊNCIA ORÇAMENTAL E REFORMA DO ESTADO

"O processo orçamental em Portugal é agora mais transparente do que há dois anos, mas, entre os 13 países da União Europeia analisados num estudo feito à escala global, apenas existem três que apresentaram resultados mais fracos que o português." lê-se o Público com base no Relatório de uma entidade internacional, International Budget Partnership, que analisa a forma como são elaborados os orçamentos do Estado em todo o Mundo e como são apresentados e explicados aos cidadãos. Desse trabalho de análise resulta um Índice de Transparência Orçamental.
No âmbito da discussão necessária e em cima da mesa sobre as funções do estado e o seu financiamento a transparência orçamental é uma peça essencial para a qualidade dessa discussão.
Nesta perspectiva, apesar de se registar evolução no nível de transparência do orçamento, o que se saúda, importa aprofundar essa transparência de modo a permitir informação suficiente e a eliminar alguma opacidade que ainda se verifica na organização e execução orçamental e na sua divulgação clara.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

AS ASNEIRAS DA COMISSÁRIA E O PAGAMENTO PELOS DO COSTUME

A ver se percebo. A ex-Directora Regional de Educação do Norte, a Comissária Margarida Moreira desencadeou em 2007 um processo disciplinar a um professor em serviço na DREN porque ele terá produzido “um insulto no interior do serviço em horário de trabalho” tendo como alvo o Eng. José Sócrates.
Na sequência do processo e rapidamente, a diligente funcionária, como todos os caninos seguidores do chefe (este é um comentário um bocadinho insultuoso, o meu cão não fazia tudo o que lhe dizia) pediu e conseguiu o afastamento do funcionário.
Este protestou, o Ministério da Educação viria a arquivar o processo, mas entretanto já tinha sido afastado. O processo entrou nos tribunais, os recursos, como é habitual, sucederam-se e agora o Tribunal Central Administrativo do Norte condena o Estado ao pagamento de uma indemnização ao professor afastado pela Comissária Margarida Moreira.
Acho que percebi quase tudo. Apenas tenho alguma dificuldade em entender porque é que a Comissária Margarida Moreira, na sua diligente função de "His Master's Voice", procede a um saneamento político indevido e lesivo do funcionário e é o Estado, nós, que paga. Trata-se de uma delinquência individual de natureza política, ética e criminalmente responsabilizada pelos Tribunais pelo que, creio, deveria ser a Comissária Margarida Moreira a pagar, porquê nós?
O quê? ... Sim, é verdade, esqueci-me, somos sempre nós que pagamos.

RATING: LIXO. Que se lixem as pessoas

Não queria repetir-me, mas a decisão hoje conhecida de umas das agências de rating, a Standard & Poor’s, que decidiu manter o “rating” de Portugal em BB, segunda nota já considerada como "lixo", assim o obriga. Pedindo, pois, desculpa pela insistência aqui fica a reflexão sobre o papel destas agências.
Durante muito tempo as referências a lixo decorriam sobretudo dos nossos bons hábitos de cidadania ao transformar cada recanto de estrada numa lixeira e cada pedaço de jardim urbano numa mini-lixeira.
Com o tempo, as referências a lixo foram-se ligando de forma cada vez mais significativa ao discurso eco-preocupado. Passámos a entender que se deve produzir menos lixo reaproveitando o que é possível, que se deve combater e eliminar as lixeiras e que o lixo deve ser separado e reciclado a bem do desenvolvimento sustentado e sustentável que melhora a nossa qualidade de vida.
À excepção de uma parte da nossa classe política e liderança económica que tem insistido na produção de lixo e na poluição do nosso clima social e económico deixando uma pegada ética de assinalável dimensão, a coisa parecia estar a caminhar no bom sentido.
Eis senão quando emergem uns abutres sem alma que gerem um deus chamado mercado e que desatam a transformar em lixo quem muito bem entendem à luz dos seus objectivos de saque imoral e escandaloso, criando milhões de pobres, esses sim assumindo a condição de lixo.
Refiro-me a essa coisa chamada "agências de rating" que enquanto cabeças de um polvo, os mercados, que as alimenta e que delas se alimenta, transforma países em lixo, empresas em lixo, bancos em lixo com critérios que, frequentemente, nem os especialistas entendem mas que a alguém irão certamente servir.
Nós, portugueses, também já somos lixo, os nossos bancos são lixo, as nossas empresas são lixo, enfim, esperamos agora pela reciclagem de que os abutres ditam as regras e com a qual continuarão a sacar.
Como diz o povo, só à vassourada, mas não é só no lixo, é nos abutres que nos transformam e tratam como lixo.
Uma última nota para acrescentar que o lixo vai regressar aos mercados. Certamente uma boa notícia que deixará extremamente satisfeitos, pelo menos, um milhão e meio de desempregados, três milhões de pobres e 100 000 que emigraram.

VIDAS ADIADAS

De acordo com dados do EUROSTAT, lê-se no I, Portugal é o quinto país europeu, dos 21 considerados, em que mais jovens entre os 25 e os 24 vivem com os pais, 46 %. Para comparação, Dinamarca, Suécia e Finlândia têm percentagens inferiores a 5 %.
Para além das questões de natureza cultural que importa considerar, as actuais circunstâncias de vida dos jovens sustentam este cenário que, provavelmente, se agravará. Algumas notas sobre este universo.
Na verdade e em termos gerais os mais jovens estão numa situação particularmente difícil. Segundo um Relatório da Comissão Europeia, há dias divulgado, Portugal terá cerca de 260 000 jovens entre os 15 e 29 anos que não estudam, não trabalham e nem estão a receber formação, a designada situação “nem, nem”. No entanto, dados de há meses do INE referiam 314 000 jovens nesta situação. Este cenário não é mais grave porque 100 000 jovens, sobretudo qualificados, estão a sair do país, emigrando para outras paragens e tem um custo brutal, cerca de 2 700 milhões de euros, 1,57 % do PIB. A emigração parece assim constituir-se como via quase exclusiva para aceder a um futuro onde caiba um projecto de vida positivo e viável como tem vindo a verificar-se.
Acresce que de acordo com um Relatório da Organização Internacional do Trabalho em 2011, 56 % dos jovens portugueses com trabalho têm contratos a prazo. Há algum tempo uma informação do Banco de Portugal referia que em cada dez empregos novos para jovens, nove são precários. Por outro lado, a taxa de desemprego entre os mais novos ronda os 36 %, a terceira taxa mais alta da UE.
Segundo um estudo da CGTP, 51% dos jovens com menos de 25 anos ganha menos de 500 € e 24,5% dos jovens entre os 25 e os 35 recebe também menos de 500 €. Este cenário evidencia a enorme precariedade do trabalho e baixa qualificação do mesmo.
A precariedade nas relações laborais quase duplicou na última década. Portugal é o segundo país da Europa, a seguir à Polónia, com maior nível de contratos a prazo. Por outro lado, as políticas de emprego em curso incluem maior flexibilização das relações laborais o que, naturalmente, é coerente com os ventos neo-liberais e o endeusamento do mercado que tudo permite, incluindo roubar a dignidade às pessoas e promover exclusão.
Deste cenário e dos números do desemprego, resulta que os mais novos à entrada no mercado de trabalho são os mais vulneráveis ao desemprego e à precariedade quando, apesar das dificuldades, acedem a algum emprego.
Esta situação complexa e de difícil ultrapassagem tem, obviamente, sérias repercussões nos projectos de vida das gerações que estão a bater à porta da vida activa. Entre outras, contar-se-ão, os dados hoje conhecidos mostram-no, o retardar da saída de casa dos pais por dificuldade no acesso a condições de aquisição ou aluguer de habitação própria ou o adiar de projectos de paternidade e maternidade que por sua vez se repercutem no inverno demográfico que atravessamos e que é uma forte preocupação no que respeita à sustentabilidade dos sistemas sociais. As gerações mais novas que experimentam enormes dificuldades na entrada sustentada na vida activa, vão também, muito provavelmente, conhecer sérias dificuldades no fim da sua carreira profissional.
No entanto, um efeito muito significativo mas menos tangível desta precariedade no emprego, é a promoção de uma dimensão psicológica de precariedade face à própria vida no seu todo e que, com alguma frequência, os discursos das lideranças políticas acentuam. Dito de outra maneira, pode instalar-se, está a instalar-se, uma desesperança que desmotiva e faz desistir da luta por um projecto de vida de que se não vislumbra saída motivadora e que recompense.
Este problema que não é um exclusivo português, longe disso, exige uma visão e um conjunto de políticas que não se vislumbram e cuja ausência compromete a construção sustentável do futuro.
Podemos estar perante a tragédia das gerações perdidas de que há algum tempo se falava.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

MAIS TRABALHO OU MELHOR TRABALHO. A proletarização da economia

Depois de uma tentativa falhada com a ideia de há alguns meses aumentar em meia hora o horário de trabalho, o governo em sintonia e sob as ordens, perdão, orientações das entidades que em nome dos mercados gerem os nossos destinos, vêm defendendo de novo o aumento dos horários de trabalho em nome da tão desejada produtividade.
Como um trabalho há algum tempo divulgado mostrava, na verdade e de forma informal muita gente começa a trabalhar mais que as quarenta horas legalmente definidas.
A razão para que tal aconteça, decorre da pressão, por assim dizer, sobre os trabalhadores que mantêm ou conseguem trabalho, "obrigando-os" a mais tempo de trabalho e, simultaneamente, a um abaixamento da massa salarial. Este proletarização da economia assenta num enorme equívoco, sobretudo na ligação estabelecida com a produtividade, cujo incremento é necessário.
Já aqui afirmei a este propósito, que tenho a convicção de que o problema da produtividade é, fundamentalmente uma questão de melhor trabalho e não de mais trabalho. Aliás, algumas opiniões ouvem-se neste sentido e podemos reparar o que se passa noutros países com cargas de horário laboral semelhantes à nossa.
Há algum tempo foi divulgado um relatório sobre este universo na União Europeia cuja leitura permite perceber que, contrariamente a alguns entendimentos, a duração do trabalho em Portugal é a terceira mais elevada da Europa, repito, a terceira mais elevada da Europa, embora a competitividade e produtividade sejam das mais baixas. Dados citados no Público de um relatório da Comissão Europeia distribuído hoje aos representantes sindicais analisa a média de horas de trabalho na UE e conclui que “não existe uma relação consistente entre o número de horas trabalhadas e a produtividade”. Aliás, como exemplo, a média de horas trabalhadas em Portugal é de 39,1, com uma produtividade de 65,4% que representa pouco mais de metade da produtividade da Alemanha, cuja média é de 35,6 horas por semana e afirma "O número de horas trabalhadas é apenas uma variável em todo o processo produtivo”.
Parece assim claro que a produtividade não decorre fundamentalmente do tempo de trabalho. Existem factores menos considerados que desempenham um papel fundamental, a qualificação profissional, a organização do trabalho, a qualidade dos modelos de organização e funcionamento, no fundo, a qualidade das lideranças nos contextos profissionais. O nível de desperdício no esforço, nos meios e nos processos em alguns contextos laborais é extraordinariamente elevado incluindo a administração pública. Relembro ainda que os empregadores portugueses, sobretudo nas médias, pequenas e micro empresas, as que asseguram a grande fatia dos postos de trabalho, possuem um baixíssimo nível de qualificação em termos europeus, excepção feita, evidentemente, a alguns nichos.
Neste cenário, o aumento do horário de trabalho, a redução de feriados ou dias de férias, não parecem ser, só por si, as soluções milagrosas de incremento da produtividade.
Parece-me bem mais potente um esforço concertado e consistente de apoio à modernização e formação dos empregadores e quadros do tecido empresarial do que baixar custos do trabalho pelo recurso simplista e “fácil” ao aumento da carga horária.
O nosso desenvolvimento e crescimento não irá nunca assentar no empobrecimento de quem trabalha, pagando menos por mais tempo de trabalho e, muito menos, na tolerância a situações de chantagem em que as pessoas, para manter o emprego e assegurar um mínimo para a sobrevivência, se sentem obrigadas a aceitar situações degradantes e humilhantes que configuram uma nova escravatura. Esta situação afecta tanto a mão de obra menos diferenciada, o trabalho em limpeza por exemplo em que se "oferecem" 2 € por hora, como a mão de obra mais especializada com a "oferta" do salário mínimo ou nem isso a gente com formação superior como é recorrentemente noticiado.
Eu sei que os tempos vão de maneira a que muitas pessoas preferem umas migalhas, custe o que custar, ao desemprego, mas não podemos aceitar que vale tudo na forma mais selvagem de funcionamento dos mercados.

MUNDO DE REMENDOS

Pais "remendam escola dos filhos", diz o Público, a propósito da iniciativa de um grupo de pais cujos miúdos frequentam uma escola degradada que, aliás e ao que parece, será demolida.
Tempos de remendos, já se vê.
Os pais remendam a escola. A escola sente que tem de remendar o trabalho de alguns pais. Alguns pais procuram fora da escola remendo para os filhos.
Os filhos andam mal remendados por uma escola que o MEC remenda mal. Alguns miúdos, ao que dizem, não têm remendo.
Os pais, muitos, também experimentam vidas sentidas como sem remendo. Muitos professores desanimam-se com o sem remendo que sentem no que estão a fazer com a escola, remendos atrás de remendos.
Alguns miúdos, esperamos que poucos, terão vidas, por assim dizer, sem remendo.
Mundo de remendos, este em que vivemos.

O MAL-ESTAR COMO SEMENTE

Embora a escrita que vou deixando no Atenta Inquietude sempre remeta para a realidade nacional, alguns episódios ocorridos fora de portas têm merecido referência esporádica pelas suas implicações, mesmo para nós.
É noticiada hoje uma nova tragédia nos Estados Unidos em que um adolescente terá assassinado dois adultos e três crianças. Este novo episódio de uma longa lista ocorre pouco tempo depois do drama ocorrido numa escola primária nos EUA em que um indivíduo de 20 anos, aumenta a perplexidade, assassinou dezenas de pessoas na maioria crianças.
Estaremos ainda todos bem lembrados de uma outra tragédia em Oslo, um indivíduo, jovem, aparentemente discreto, matou friamente umas dezenas de jovens participantes num encontro partidário. Na altura, para além do sentimento de dor e perda, creio que perplexidade terá sido o que melhor caracterizou a sociedade norueguesa, aliás, patente nos testemunhos ouvidos na imprensa. Porquê? Porquê na Noruega, comunidade aberta, tolerante e segura? Porquê um norueguês e não um terrorista associado a redes conhecidas? Porquê? Porquê? As mesmas perguntas colocadas pelos habitantes da cidade de Newtown há semanas ou de Albuquerque hoje, embora no caso particular dos EUA seja de considerar a estreita e cultural relação com as armas e a extrema acessibilidade agora e discusssão.
A dificuldade de responder a estas questões é da mesma ordem da dificuldade de encontrar meios seguros de evitar tragédias deste tipo. O episódio, com contornos semelhantes ao protagonizado por Timothy McVeigh que em Oklaoma, em 1995, causou 180 mortos e mais de 600 feridos, assumido por uma só pessoa, inteligente, socialmente integrada, numa sociedade aberta é, de facto, muito difícil de prevenir.
Lembram-se também dos distúrbios graves ocorridos no ano passado em Inglaterra protagonizados fundamentalmente por jovens, que também deixou a sociedade surpreendida e sem saber muito bem como reagir ou intervir perante o envolvimento de crianças e adolescentes em comportamentos surpreendentes pelo grau de destruição e pela ausência de controlo. Os comportamentos observados assemelham-se grotescamente a um videojogo violento com personagens reais.
Também em França têm ocorrido episódios de extrema violência num dos quais um jovem de 24 anos executou várias pessoas, algumas das quais crianças.
Em Portugal têm ocorrido vários casos de violência extrema envolvendo jovens levando-nos questionar os nossos valores, códigos e leis pela perplexidade que nos causam.
A questão que me leva a estas notas é mais no sentido de tentarmos perceber um processo que designo como "incubação do mal" que se instala nas pessoas, muitas vezes logo na adolescência, a partir de situações de mal-estar que podem passar relativamente despercebidas mas que, devagarinho, insidiosamente, começam interiormente a ganhar contornos que identificam os alvos, por vezes difusos, sentidos com os causadores desse mal-estar.
A fase seguinte pode passar por duas vias, uma mais optimista em que alguma actividade, socialmente positiva, possa drenar esse mal-estar, nessa altura já ódio e agressividade, ou, a outra via, aumenta exponencialmente o risco de um pico que pode ser um tiroteio numa escola, a bomba meticulosamente e obsessivamente preparada ou o ataque a uma concentração de jovens de um partido que representa o "mal" ou a vinda para a rua numa espiral de violência cheia de "adrenalina", em nome de coisa nenhuma a não ser de um "mal-estar" que destrói valores e gente.
Por mais policiada que seja uma sociedade é extraordinariamente difícil prevenir processos desta natureza em que o mal se vai incubando e em que as ferramentas de acção são acessíveis. Provavelmente, a questão não é abdicar da abertura e da tolerância que caracteriza a nossa sociedade elevando o policiamento das comunidades a níveis asfixiantes. A questão, este tipo de questões, a iniciativa individual de natureza violenta ou terrorista, ou os movimentos grupais descontrolados e reactivos, passará sobretudo por uma permanente atenção às pessoas, ao seu bem-estar, tentando detectar, tanto quanto possível, sinais que indiciem o risco de enveredar por um caminho que se percebe como começa, mas nunca se sabe como acaba.
Na Noruega, na Inglaterra, nos Estados Unidos, em França ou em Portugal.