AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quinta-feira, 31 de maio de 2012

QUE SE MULTEM OS PAIS "MAUS" DOS MIÚDOS "MAUS"

Sem surpresa, era uma intenção anunciada e decalcada do que já vigora nos Açores, o Estatuto do Aluno hoje aprovado em Conselho de Ministros, agora chamado de Estatuto do Aluno e de Ética Escolar, contempla a aplicação de coimas ou a redução de apoios sociais aos pais quando se verifiquem casos graves de absentismo ou mau comportamento escolar. Naturalmente que muitos outros aspectos contemplados merecem reflexão, mas centremo-nos nesta ideia.
Com frequência esta medida agora anunciada, é apoiada pela referência à realidade do Reino Unido sem que seja referida a sua eficácia, baixa, aliás. Na mesma linha poderemos afirmar que nos Estados Unidos existe pena de morte o que não justifica que a introduzamos numa reforma em Portugal onde o nível de criminalidade é até mais baixo.
Embora seja de reflectir sobre qual o entendimento adequado do que será o envolvimento dos pais na educação dos filhos, que variará do pagamento de um colégio interno exclusivo e longe de casa, à presença diária na escola sem que isso signifique o que quer seja em matéria de qualidade no “envolvimento”, nesta circunstância apenas uns enunciados breves.
1 - A maioria dos pais não gosta que os seus filhos sejam "maus". A maioria não sabe como fazê-los "bons". Estes precisam de apoio não de multas ou punições. Ponto.
2 - Uma minoria, muito pequena, de pais de miúdos "maus" são pais maus não estão interessados ou preocupados em ser bons, nem se preocupam com os filhos, são "negligentes". Nestes casos, o problema é, no limite, retirar a guarda dos filhos, a multa não mexe seguramente com a negligência destes pais. Ponto.
3 - Um miúdo "mau" levanta problemas numa escola, qualquer escola, onde existem umas dezenas largas de especialistas em educação que sentem a maior dificuldade em "resolver" os problemas criados por esse miúdo "mau", não conseguindo, com frequência, resultados positivos. Será que alguém que conheça estes cenários acredita que os pais serão capazes de os resolver, por si, mesmo se lhes retirarem parte do abono de família ou de qualquer outra prestação social? Não acredito. Ponto.
Dito isto, se de facto se quiser caminhar no sentido de envolver e responsabilizar a famílias dos miúdos "maus", o percurso será a criação de estruturas de mediação entre a escola e a família, veja-se o trabalho dos GAAFs apoiados pelo IAC ou iniciativas que algumas escolas conseguem desenvolver, que permitam apoiar os pais dos miúdos maus que querem ter miúdos bons e identificar as situações para as quais, a comprovada negligência dos pais exigirá outra colocação para os miúdos.
A alteração desejável dos modelos de organização e funcionamento das escolas e as mudanças curriculares em curso poderiam, é algo de provável, “libertar” professores, para que em escolas mais problemáticas existissem menos alunos por turma ou ainda que se utilizassem os professores em dispositivos de apoio a alunos em dificuldades. Por outro lado, os estudos e as boas práticas mostram que a presença simultânea de dois professores é um excelente contributo para o sucesso na aprendizagem e para a minimização de problemas de comportamento bem como se conhece o efeito do apoio precoce às dificuldades dos alunos.
As dificuldades dos alunos estão com muita frequência na base do absentismo e da indisciplina, os alunos com sucesso, em princípio, não faltam e não apresentam grandes problemas de indisciplina.
O resto, do meu ponto de visa, é populismo, demagogia e desconhecimento que levará a que muita gente, lamentavelmente, aplauda a ideia. Os filhos dos outros são sempre o problema.
Voltaremos a outros aspectos previstos no diploma agora apresentado.

NA FALTA DO PÃO, QUE NÃO FALTE O CIRCO

A realização de mais um megapiquenique do Continente em Lisboa, desta vez no Terreiro do Paço, parece estar a causar algumas inquietações a parte dos vereadores. "Encher o Terreiro do Paço com couves, porcos, vacas e outros animais não é digno", dizem uns, a "Câmara de Lisboa não se deve associar a operações de marketing alugando o Terreiro do Paço ao Continente", dizem outros.
Compreendo e partilho das preocupações dos vereadores sobre a dignidade do Terreiro do Paço e as decisões da Câmara de Lisboa que gostava, aliás, de ver estendida, a outras matérias da vida de Lisboa, mas a questão é outra.
Quando as televisões mostrarem, tal como nas outras edições do megapiquenique, a "participação popular", genuína e empenhada, com muitos milhares de pessoas "felizes" com o dia de festa que lhes foi proporcionado, ainda que pelo Continente, numa operação de marketing, quando nos directos televisivos com entrevistas notáveis "a esta senhora", ou a "este casal com as crianças" se ouvirem palavras de felicidade e contentamento que ajuda a espairecer os tempos difíceis que se vivem, percebe-se porque se realiza o megapiquenique.
Importa ainda não esquecer, a cereja no topo do bolo, que o evento tem como ponto alto um concerto de Tony Carreira que, só por si, levaria muita gente ao Terreiro do Paço, ainda por cima de borla, de borla, repito.
Pois é senhores vereadores do contra, já que o pão está em crise, que não nos falte o circo, isso não. Bem-haja António Costa, bem-haja Belmiro de Azevedo.

OS ADOLESCENTES E OS CONSUMOS

Segundo o European Scholl Survey Project on Alcohol and other Drugs /2011 - ESPAD que considera a prevalência do consumo de tabaco, álcool, drogas, medicamentos e inalantes, os adolescentes portugueses estão  dentro da média europeia. Este trabalho foi tutelado em Portugal pelo Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT) e pelo Ministério da Educação.
No entanto, em Julho passado, dados do Instituto da Droga e da Toxicodependência apontavam no sentido de se verificar um aumento preocupante do consumo de drogas duras por parte dos adolescentes e uma tendência de abaixamento do número de toxicodependentes.
Embora seja de saudar este abaixamento global do número de consumidores é importante estar atento à utilização das drogas duras e das drogas “novas” pelo efeito devastador e, sobretudo, pelo facto do aumento estar a envolver os mais novos. Parece-me importante recordar que os estudos também referem que o consumo de álcool tem vindo a crescer alterando-se os padrões de consumo, beber na rua (é bastante mais barato, e o consumo excessivo e rápido (binge drinking). Este padrão tem vindo a ser sublinhado por diferentes estudos sobre os hábitos dos adolescentes e jovens portugueses, cerca de 80% dos jovens com 15 anos consomem álcool.
Este quadro torna verdadeiramente necessária uma política de prevenção, tratamento e combate ao tráfico eficaz e, tanto quanto possível, com os recursos necessários.
Ao que foi noticiado, em virtude dos limites orçamentais o Instituto da Droga e da Toxicodependência iria prescindir dos serviços de algumas centenas de técnicos, psicólogos e assistentes sociais, que integravam as unidades de tratamento de proximidade com resultados conhecidos. O IDT procederá ainda ao encerramento de unidades de atendimento ao nível concelhio em vários locais do país levando os especialistas a referir as consequências negativas de tal decisão.
No que respeita ao álcool, como é sabido, a venda processa-se com a maior das facilidades e sem qualquer controlo da idade dos compradores. Muitos adolescentes, ouvidos em estudos nesta matéria, referem ainda a ausência de regulação dos pais sobre os gastos, sobre os consumos ou sobre as horas de entrada em casa, que muitas vezes tem que ser discreta e directa ao quarto devido ao “mau estado” do protagonista.
Existem áreas de problemas que afectam as comunidades em que os custos da intervenção são claramente sustentados pelas consequências da não intervenção, ou seja, não intervir ou intervir mal é sempre bastante mais caro que a intervenção correcta em tempo oportuno. A toxicodependência e o consumo do álcool são exemplos dessas áreas.
Quadros de dependência não tratados desenvolvem-se habitualmente, embora possam verificar-se excepções, numa espiral de consumo que exigem cada vez mais meios e promove mais dependência. Este trajecto potencia comportamentos de delinquência, alimenta o tráfico, reflecte-se nas estruturas familiares e de vizinhança, inibe desempenho profissional, promove exclusão e “guetização”. Este cenário implica por sua vez custos sociais altíssimos, persistentes e difíceis de contabilizar.
Face ao consumo de álcool pelos adolescentes, pode haver alguma negligência paternal mas, na maioria dos casos, trata-se de pais, que sabem o que se passa, “apenas fingem” não perceber desejando que o tempo “cure” porque se sentem tremendamente assustados, sem saber muito bem o que fazer e como lidar com a questão. De fora parece fácil produzir discursos sobre soluções, mas para os pais que estão “por dentro” a situação é muitas vezes sentida como maior que eles, justificando-se a criação de programas destinados a pais e aos adolescentes que minimizem o risco do consumo excessivo.
Costumo dizer em muitas ocasiões que se cuidar é caro façam as contas aos resultados do descuidar. Assim sendo, dificilmente se entendem algumas opções.

A ESCOLA DO MEU FILHO. Outro diálogo improvável

Está aborrecida Maria?
Um bocadinho Sra. Dra. É com a escola do meu filho, do meu Mauro.
Felizmente não tenho nenhum problema com a escola do Martim.
Lá na escola do meu Mauro há muitos problemas com os comportamentos dos miúdos.
Felizmente que não existem problemas desses na escola do Martim.
A escola do Mauro tem muitos alunos e os professores vêem-se aflitos, a Directora de Turma disse-me na reunião.
Felizmente que não existem alunos em excesso na escola do Martim.
Pois é, mas na escola do meu Mauro há muitos alunos que não passam, o meu Mauro também já chumbou duas vezes.
Felizmente que na escola do Martim todos os alunos passam sempre e com boas notas.
O Mauro também me diz que lá na escola às vezes faltam coisas que são precisas.
Felizmente que na escola do Martim não lhes falta nada.
Sabe Sra. Dra., agora com estes problemas todos, na escola do meu Mauro há muitos miúdos a passar mal, as coisas estão difíceis.
Felizmente que na escola do Martim não acontecem situações dessas.
Sra. Dra., como é que se chama a escola do menino Martim?
Ora Maria, é a Escola Ideal, claro.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

FUMAR FAZ MAL À SAÚDE. Só o tabaco?

Parece razoavelmente claro que não existem dúvidas sobre os malefícios do tabaco.
Parece razoavelmente claro que se desenvolvam iniciativas que incentivem o comportamento de não fumador.
Parece razoavelmente claro que os não fumadores possam ser protegidos do fumo passivo.
Parece razoavelmente claro que o consumo de tabaco possa ser proibido em alguns espaços públicos.
Parece-me razoavelmente claro que se poderia falar de outros malefícios à saúde das pessoas, como ... as políticas de saúde.
Parece-me razoavelmente claro que a proibição de existência de espaços reservados a fumadores em alguns estabelecimentos públicos a que, obviamente, os não fumadores não terão que aceder, configura uma espécie de fundamentalismo que, considerando tudo o que consumimos ou nos obrigam a consumir, não entendo como aceitável.

A PEGADA ÉTICA

O despertar das consciências para as questões do ambiente e da qualidade de vida colocou na agenda a questão das pegadas, das marcas, que imprimimos no mundo através dos nossos comportamentos. Este novo sentido dado às pegadas tornou secundárias e ultrapassadas as míticas pegadas dos dinossauros e as românticas pegadas que os pares de namorados deixam na areia da praia.
Fomo-nos habituando a ouvir referências às várias pegadas que produzimos com nomes e sentidos mais próximos ou mais distantes mas, sobretudo, tem-se acentuado a grande preocupação com a diminuição do peso, isto é, do impacto das nossas pegadas. Conhecemos a pegada ecológica numa perspectiva mais global ou, em entendimentos mais direccionados, a pegada hídrica, a pegada energética, a pegada verde, a pegada do papel, a pegada do carbono, etc.
Do meu ponto de vista e sempre preocupado com o ambiente, com a qualidade de vida e com a herança que deixaremos a quem nos segue, nunca encontro referências e muito menos inquietações sérias com a pegada ética, isso mesmo, a pegada ética. Os comportamentos e valores que genericamente mobilizamos têm, obviamente, uma consequência na qualidade ética da nossa vida que não é despicienda. Os maus-tratos e negligência que dedicamos aos princípios éticos mais substantivos provocam um empobrecimento e degradação do ambiente e da qualidade de vida das quais cada vez parece mais difícil recuperar.
As lideranças, as várias lideranças de diferentes áreas, hipotecando a sua condição de promotores de mudanças positivas são fortemente responsáveis pelo peso e impacto que esta pegada ética está a assumir.
Vai sendo tempo de incluir a pegada ética no universo da luta pelo ambiente, pela qualidade vida e pelo futuro.
Em termos mais pragmáticos e face aos numerosos incidentes que regularmente surgem, veja-se o sinistro episódio das “secretas”, talvez fosse de considerar a instalação urgente de uma ETAR – Estação de Tratamento do Ambiente da República.
Espero e acredito que ainda estamos a tempo de recuperar o ambiente da República. Haverá ETAR que responda?

PESSOAS A DIAS

No Público de hoje aparece um trabalho importante sobre uma realidade a que habitualmente prestamos pouca atenção, o universo de trabalho das empregadas domésticas, das “criadas”, das “mulheres-a-dias”, das “criadas de servir”.
Este universo, dada a privacidade do seu funcionamento, está particularmente exposto a situações de abuso e desrespeito por normas legais. Acresce a esta situação, já ameaçadora, o facto de boa parte das pessoas que exercem a função ser de origem estrangeira, alguns em situação ilegal, o que mais fragiliza as relações estabelecidas entre empregadores e empregados.
Na peça, relatam-se abusos de diferente natureza dos quais, por várias razões, poucas vezes decorre uma queixa formal, aliás com prova nem sempre fácil face ao desequilíbrio de posições e ao funcionamento do nosso sistema judicial.
No entanto, os tempos que vão correndo e os ventos fortes que sopram para abanar as relações laborais, vão no sentido de que as pessoas, muitas pessoas, se vão tornando, de uma forma ou de outra, pessoas a dias, ou seja, gente descartável, que serve quando é preciso e se deita fora logo que o mercado o exija.
Os ventos fortes sopram no sentido de que face aos números elevadíssimos do desemprego se proponham salários miseráveis e condições laborais sem qualidade pois “ainda tens sorte em ter algum trabalho” e a pressão das dificuldades obriga a que tudo se aceite.
Os ventos fortes sopram no sentido de arrastarem a dignidade, impondo a mão estendida e a aceitação submissa do inaceitável, a troco de uns euros que permitam a sobrevivência.
De mansinho, vamos a caminho do estatuto de pessoas a dias, agradecendo, resignadamente, cada dia que passa.

OS MIÚDOS DE TRAPOS

Eu e, provavelmente, alguns de vós, somos do tempo das bonecas de trapos e das bolas de trapos. Estas bonecas e bolas eram construídas a partir dos trapos velhos, das sobras, e substituíam as bonecas e bolas construídas em materiais mais nobres, bem mais caros,  apenas acessíveis a alguns, a quem tinha, por assim dizer, famílias mais favorecidas,  recorrendo a um termo que sempre achei curioso, tal como o seu contrário, as famílias desfavorecidas. Estas bonecas e estas bolas tinham uma característica notável, eram extraordinariamente resistentes aos tratos, todos os tratos, que lhes dávamos, o que nem sempre acontecia com os materiais mais sofisticados.
Os tempos e as mudanças a vários níveis deixaram fora de uso as bonecas e as bolas de trapos. No entanto, continuam a existir e, dramaticamente em risco de aumentar, os miúdos de trapos.
Estranharão a designação mas, na verdade, existem muitos miúdos, maiores e mais pequenos que se constroem e são construídos a partir de "trapos", de sobras. São feitos com os trapos, as sobras, dos afectos  de famílias que não os desejaram, apenas os suportam e deles não cuidam.
São miúdos, maiores e mais pequenos, que se constroem e são construídos com os trapos, as sobras dos materiais que não chegando para todos, faltam mais aos mais vulneráveis e que menos exigem.
São miúdos, maiores ou mais pequenos, que se constroem e são construídos com os trapos, as sobras, da atenção de uma escola tão carregada, tão pressionada que não chega a todos e repara mais facilmente nos que são construídos com materiais de melhor qualidade.
São miúdos, maiores e mais pequenos, que se constroem e são construídos com trapos, sobras, de políticas que se chamam sociais, educativas, de família,  de justiça, etc., que se esquecem do supremo interesse da criança.
No entanto, curiosamente, estes miúdos de trapos, mantêm, quase todos, a característica notável das bonecas e bolas de trapo, são também resistentes aos tratos, todos os tratos, que lhes damos. Aos miúdos de trapos.

terça-feira, 29 de maio de 2012

A POBREZA DOS MIÚDOS

Poderíamos continuar centrados nos desenvolvimentos da novela protagonizada pelo sinistra figura do Ministro Miguel Relvas, mas na verdade existem questões bem maiores, por mais importantes que estes episódios possam ser. Em Relatório da UNICEF, "Medir a pobreza infantil", a divulgar hoje, Portugal surge em 25º lugar nos 29 considerados. Segundo dados de 2009, situação que se terá agravado, 27% das crianças portuguesas são carenciadas, no subgrupo famílias monoparentais a taxa sobe para 46.5 % e em famílias com ambos os pais desempregados a taxa de crianças carenciadas dispara para 73.6%.  No mesmo Relatório a UNICEF considera que 14,7% das crianças portuguesas vivem abaixo do limiar de pobreza.
Não são dados surpreendentes a não ser no seu volume que é assustador. As dificuldades das famílias e o que dessas dificuldades penaliza e ameaça os mais pequenos, é demasiado importante para que não insistamos nestas questões e deveriam constituir a maior preocupação de uma comunidade que pense no futuro.
Há algum tempo, um estudo do ISEG apontava para que cerca de 40% das crianças e adolescentes vivessem em situação de pobreza, sendo que esse quadro de privação afecta sobretudo os padrões e a qualidade da alimentação. O estudo sublinhava também, entre ouros indicadores, que o grupo etário 0-17 anos é o mais vulnerável ao risco de pobreza tendo ultrapassado o dos mais velhos.
Por outro lado, relembro um estudo de há uns meses realizado pelo I junto das autarquias dos distritos de Lisboa, Porto, Setúbal, Coimbra e Faro que revelou que quase metade dos alunos da educação pré-escolar e do 1º ciclo recebe apoios sociais sendo que em alguns concelhos a percentagem de crianças carenciadas atinge os 65%, número verdadeiramente impressionante. Acresce que em muitos concelhos a maioria das crianças apoiadas integram o escalão A dos apoios, o que se destina aos agregados com rendimentos mas baixos.
Relembro que foi decidido há semanas providenciar pequeno-almoço às crianças nas escolas bem como, e isso tem acontecido em muitas circunstâncias, a abertura das cantinas escolares no período de férias, o alargamento do número de cantinas sociais ou da resposta nas instituições de solidariedade social. A medida peca por tardia, muitas crianças têm como alimentação não muito mais do que aquilo que as escolas lhes providenciam, como bem sabem as pessoas que se movem no universo da educação.
Estes indicadores sobre as dificuldades que afectam a população mais nova são algo de assustador. Esta realidade não pode deixar de colocar um fortíssimo risco no que respeita ao desenvolvimento e sucesso educativo destes miúdos e adolescentes e portanto, à construção de projectos de vida bem sucedidos. Como é óbvio, em situações limite como a carência alimentar, estaremos certamente em presença de outras dimensões de vulnerabilidade que concorrerão para futuros preocupantes.
É por questões desta natureza que a contenção das despesas do estado, imprescindível, como sabemos, deveria ser feita com critérios de natureza sectorial e não de uma forma cega e apressada, naturalmente mais fácil mas que, entre outras consequências, poderá empurrar milhares de crianças para situações de fragilidade e risco com implicações muito sérias.
Miúdos carenciados aprendem pior e vão continuar pobres.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

UNS RESISTEM, OUTROS NÃO

As águas voltam a agitar-se com mais uma referência à Casa Pia e aos seus alunos. De acordo com trabalho da RTP, 500 crianças da instituição foram usadas para testes clínicos sobre as potencias consequências ou riscos decorrentes do uso de mercúrio em amálgamas para os dentes. Segundo alguns testemunhos, algumas das crianças terão sido intervencionadas sem necessidade, tratou-se de um estudo altamente perigoso e foi desenvolvido a partir de 1996 sob a responsabilidade conjunta da Faculdade de Medicina Dentária de Lisboa e da Universidade de Washington, com o conhecimento das autoridades dos respectivos países.
Nada de novo, a vários níveis. Em primeiro lugar são conhecidas variadíssimas experiências deste tipo levadas acabo por grandes multinacionais da indústria farmacêutica lavando a cabo ensaios clínicos em populações pobres de África, América do Sul ou Ásia mas também na Europa. Com a conivência das autoridades ou das instituições, muitos milhares de pessoas viram a sua vida devastada em experiências desta natureza. Raros são os casos em que, conhecendo-se os responsáveis, se conheçam as sanções.
Por outro lado, neste caso mais particular, evidencia-se o lado negro da institucionalização sem regulação de qualidade e responsabilidade. Os miúdos são usados para todo o serviço. Por incompetência ou negligência, a instituição que devia ser cuidadora é, intencionalmente ou não, agenciadora de maus tratos e atentados ao direitos dos miúdos.
Na verdade, muitos destes miúdos apenas vão cumprindo uma narrativa de abandono, de massificação, de gente "que não conta" e que, portanto, pode ficar ao serviço de quem for, seja para o que for.
Esta questão vai estar por algum tempo, pouco, na espuma dos dias e depois, bem depois, será um novo dia em que alguns miúdos continuarão, como estes, a ver testados os seus limites, ao mercúrio ou a outro qualquer trato.
Uns resistem, outros não.

A EQUIDADE SOLIDÁRIA

A imprensa de hoje sublinha o facto da campanha de recolha de alimentos dos Bancos Alimentares ocorrida durante o fim de semana, ter aumentado o volume de alimentos recebidos e o número de voluntários envolvidos.
Estes valores surpreenderam os responsáveis pois, considerando as enormes dificuldades que a generalidade das pessoas atravessa, seria de esperar uma menor adesão.
Considerando os tempos difíceis que a maioria das pessoas atravessa, não pode deixar de merecer registo esta atitude de partilha e ajuda, que os mais variados discursos remetem para a solidariedade dos portugueses que emerge nos tempos mais complicados e que permite minimizar as dificuldades de alguns milhares de famílias. A responsável pelos Bancos Alimentares Isabel Jonet, vê nesta adesão “um sinal de coesão e o melhor sinal de mobilização da sociedade portuguesa” perante as dificuldades colocadas pela crise.
No entanto, convém não esquecer que tudo isto decorre dos modelos de desenvolvimento e sistemas de valores que promovem exclusão e pobreza. Na verdade, muitas vezes a propósito deste tipo de campanhas se argumenta no sentido de que encerram uma dimensão caritativa, assistencialista, que não contraria e, até alimenta, o cenário e as circunstâncias que promovem as dificuldades das pessoas. Ao mesmo tempo, também se argumenta, que a solidariedade das pessoas, acaba por "aliviar" a pressão para que as estruturas responsáveis cumpram com eficácia o seu papel e responsabilidades na área dos apoios sociais.
Sou sensível e concordo de forma genérica com esta argumentação. Sei, no entanto, sabemos todos, que a acção de estruturas como os Bancos Alimentares têm dado um contributo para minorar as dificuldades que muitíssimos agregados familiares atravessam.
Prefiro pensar que o comportamento solidário de muitas pessoas, elas próprias com dificuldades, é um excelente exemplo, este sim, de equidade, a repartição de dificuldades. Estou cansado da retórica sobre a equidade na repartição de sacrifícios e assistir a decisões políticas e a comportamentos de gente muito responsável que contrariam as suas afirmações sobre equidade.

ARTESÃOS SEM ARTE

Uma das raras coisas que conseguem tirar o Velho Marrafa do sério, é quando se torna necessário fazer qualquer coisa daquilo que é a sua arte, o mundo da agricultura no Meu Alentejo, e alguém lhe perguntar se ele saberá fazê-la.
Considera quase ofensiva a pergunta, às vezes ainda o provoco, perguntando se sabe fazer uma qualquer coisa necessária lá no monte, mas ele já percebe que não é a sério. Ele entende que alguém que tem uma arte pode não saber fazer tudo, mas não pode dizer que não sabe, pensa, pergunta aos que sabem mais, experimenta, mas ... faz. Um artesão sabe da sua arte.
O que o Velho Marrafa, homem bom, não compreende é a quantidade de gente que se dedica a artes de que não sabe e que, portanto, não devia fazer. Ele dá-me exemplos de gente que se põe a fazer enxertias, a limpar árvores ou a tirar cortiça sem saber da arte. Fica tudo mal feito, não resulta e é mau trabalho, para todos.
Pois é Mestre Marrafa. O problema é que esses artesãos sem arte andam por todo lado, metem-se em tudo, porque acreditam que sabem e dominam todas as matérias, são uns troca-tintas.
Muitos destes artesãos sem arte chegam a lugares de mando, mercê de outras artes, e percebe-se como mandam, basta olhar. O Velho Marrafa, bem conta que os patrões bons e os mourais bons eram, são, os que sabem mandar, o mando também é uma arte.
Na verdade o panorama não é animador, boa parte do que é importante para todos, está nas mãos, não de artesãos que dominam a arte, mas de uns "artistas" de habilidades e manhas das quais se servem, aí sim, com arte, com muita arte.

domingo, 27 de maio de 2012

DEVIA SER PROIBIDO

Devia ser proibido que políticas irresponsáveis promovam desemprego, pobreza e exclusão.
Devia ser proibido que 35% dos jovens esteja sem emprego o que lhes rouba o futuro.
Devia ser proibido que tenhamos perto de dois milhões de pessoas em risco de pobreza.
Devia ser proibido que aumente exponencialmente e regularmente os casos de famílias com ambos os elementos em situação de desemprego.
Devia ser proibido que na nossa sociedade, mesmo em contexto de austeridade e crise, se verifiquem assimetrias sociais inaceitáveis.
Devia ser proibido que gente sem pudor chegasse ao poder, usando-o para gerir interesses pessoais, partidários ou outros que não o bem comum.
Devia ser proibido o espectáculo deprimente e indecoroso a que estamos a assistir envolvendo a promiscuidade escandalosa entre interesses obscuros protagonizados por figuras sinistras que preenchem o nosso quotidiano e nos governam.
Devia ser proibido que tantos miúdos e jovens vejam ameaçados os seus direitos e o seu futuro, vivendo em instituições, famílias ou escolas que em vez de os proteger e deles cuidar, os maltratam de diferentes formas.
Devia ser proibido a ostentação de mordomias e prorrogativas que nos insultam.
Devia ser proibido ...
Desculpem lá este quadro tão triste e depressivo. Acho que se deve a uma gripe fora de época que me deixa os olhos e a cabeça com um peso de chumbo que se estende à visão do mundo. Devia ser proibido.

BANDIDOS OU HERÓIS

Os tempos estão difíceis e crispados para os adultos, seguramente para boa parte dos adultos, e para os miúdos a estrada também não está fácil de percorrer. Alguns vivem, sobrevivem, em ambientes familiares disfuncionais que comprometem o aconchego do porto de abrigo, afinal o que se espera de uma família. Alguns percebem, sentem, que o mundo deles não parece deste reino, o mundo deles é um bairro insustentável que, conforme as circunstâncias, é o inferno onde vivem ou o paraíso onde se acolhem e se sentem protegidos. Alguns sentem que o amanhã está longe de mais e um projecto para a vida é apenas mantê-la. Alguns convencem-se que a escola não está feita para que nela caibam, uns por uma razão, outros por outra razão. Alguns sentem que podem fazer o que quiserem porque não têm nada a perder e muito menos acreditam no que têm a ganhar.
Alguns destes miúdos vão carregar para a escola a dor de alma que sentem mas não entendem, por vezes.
Não, não tenho nenhuma visão idealizada dos miúdos, nem acho que tudo lhes deve ser permitido ou desculpado e também sei que alguns fazem coisas inaceitáveis e, portanto, não toleráveis. Só estou a dizer que muitas vezes a alma dói tanto que a cabeça e o corpo se perdem e fogem para a frente atrás do nada que se esconde na adrenalina dos limites.
Espreitem a alma dos miúdos, sem medo, com vontade de perceber porque lhes dói e surpreender-se-ão com a fragilidade e vulnerabilidade de alguns que se mascaram de heróis para uns ou bandidos para outros, procurando todos os dias enganar a dor da alma.
Eles não sabem, eu também não, o que é a alma. Um gaiato dizia-me uma vez, “dói-me aqui dentro, não sei onde”.
Serve esta introdução para referir o trabalho impressionante que o Público apresenta sobre o que alguém no próprio trabalho designa por jovens em "fim de linha", jovens que por decisão dos tribunais cumprem penas de internamento em Centros Educativos com obrigatoriedade de se inscreverem em programas de apoio, jovens que estão acompanhados pelas CPCJ, jovens com famílias inexistentes ou completamente disfuncionais. Estes jovens são acompanhados em dois Centros de Desenvolvimento e Inclusão Juvenil, experiência tutelada pelo IAC e articulada com a Direcção Geral de Reinserção Social. Da leitura do trabalho, que se recomenda, releva a extraordinária dificuldade em ser bem sucedido dada a mochila pesadíssima que alguns destes jovens carregam. É óbvio que os esforços e competência das equipas e a eventual motivação de alguns dos jovens poderão dar algum fruto mas a dificuldade é enorme.
Neste cenário, jovens com passado e presente de violência e delinquência, a situação é extremamente complexa. Segundo dados da Direcção Geral de Reinserção, cerca de 40% dos adolescentes internados voltam aos Centros Educativos ou às prisões após os 16 anos. Esta altíssima taxa de reincidência mostra a falência do Projecto Educativo, obrigatoriamente definido para todos os adolescentes internados que assentaria em dois eixos fundamentais, formação pessoal e formação escolar e profissional. É neste âmbito que o trabalho tem que ser optimizado. É imprescindível que os meios humanos e os recursos materiais sejam suficientes para que se minimize até ao possível os riscos de reincidência. Por outro lado as Comissões têm responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta. A parte mais operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, tem muitos técnicos a tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as integram.
Este cenário permite que ocorram situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que, sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não têm, ou não tiveram, o apoio e os procedimentos necessários. Ouve-se então uma das expressões que me deixam mais incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada” o que foi insuficiente para a adequada intervenção. Em Portugal sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver os problemas referenciados ou sinalizados.
A falta de eficácia e de recursos nos processos de intervenção em situações mais precoces tem como consequência a emergência de casos como os abordados no trabalho do Público e que, de acordo com os técnicos, tendem a aumentar. Com custos insustentáveis para os próprios e para as comunidades.

sábado, 26 de maio de 2012

A INCUBAÇÃO DO MAL

Já terá sido identificado e detido o adolescente que, através de um blogue e do Facebook, expressou a intenção de provocar um tiroteio na escola que frequenta o que, naturalmente, gerou algum receio e inquietação. De acordo com uma notícia televisiva, a situação poderá até ter sido uma brincadeira "infeliz", por assim dizer.
No entanto, dados os sucessivos episódios desta natureza sempre com consequências devastadoras, lembremo-nos do que ocorreu na Noruega, ou ainda em Inglaterra, nos Estados Unidos, em França ou na Finlândia ainda ontem, parece-me, como já tenho afirmado, fundamental que estejamos atentos e inquietos.
Esta atenção e inquietação deve dirigir-se e tentar perceber um processo que designo como "incubação do mal", que se instala nas pessoas, muitas vezes logo na adolescência, a partir de situações de mal-estar que podem passar relativamente despercebidas mas que, devagarinho, insidiosamente, começam interiormente a ganhar contornos que identificam os alvos, por vezes difusos, sentidos com os causadores desse mal-estar.
A fase seguinte pode passar por duas vias, uma mais optimista em que alguma actividade, socialmente positiva possa drenar esse mal estar, nessa altura já ódio e agressividade, ou, uma outra via, que aumenta exponencialmente o risco de um pico que pode ser um tiroteio num liceu, a bomba meticulosamente e obsessivamente preparada ou o ataque a uma concentração de jovens de um partido que representa o "mal" ou a vinda para a rua numa espiral de violência cheia de "adrenalina", em nome de coisa nenhuma a não ser de um "mal-estar" que destrói valores e gente.
Por mais policiada que seja uma sociedade é extraordinariamente difícil prevenir processos desta natureza em que o mal se vai incubando e em que as ferramentas de acção são acessíveis. Provavelmente, a questão não é abdicar da abertura e da tolerância que caracteriza a nossa sociedade elevando o policiamento das comunidades a níveis asfixiantes.
A abordagem a esta situação, melhor, a este tipo de situações, a iniciativa individual de natureza violenta ou terrorista, ou os movimentos grupais descontrolados e reactivos, passará sobretudo por uma permanente atenção às pessoas, ao seu bem-estar, tentando detectar, tanto quanto possível, sinais que indiciem o risco de enveredar por um caminho que se percebe como começa, mas nunca se sabe como acaba.
Na Noruega, na Inglaterra, nos Estados Unidos, em França ou em Portugal.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

YA

Olá Francisco, tudo bem?
Ya.
Estás quase de férias não é verdade?
Ya.
A escola correu bem, vais acabar?
Ya.
Continuas a pensar ir estudar Comunicação Social?
Ya.
Para trabalhares como jornalista?
Ya.
Então gostas de comunicar com os outros?
Ya.
Parece que não está muito fácil o emprego nessa área?
Ya.
Mas quando se gosta mesmo, vale a sempre a pena tentar.
Ya.
Vai correr bem.
Ya.

OS EXAMES. O essencial e o acessório

O Público coloca em 1ª página a preocupação de docentes e pais com os resultados dos alunos do 9º ano na prova intermédia de Matemática e o que tal cenário pode significar para a realização do exame nacional em Junho. Embora o GAVE não tenha ainda disponíveis os dados globais, os indicadores ao nível de escola são preocupantes. Quer em escolas privadas, quer em escolas públicas com bons resultados habituais, as notas desceram muito significativamente.
Na altura da realização dos exames, a Associação de Professores de Matemática e a Associação Nacional de Professores manifestaram a sua discordância com o modelo de exame, acentuando a sua desadequação aos conteúdos ministrados em muitas escolas. As organizações representativas dos pais associam-se na preocupação, o GAVE defende a qualidade do exame e o MEC diz que as escolas podem fazer o que entenderem por bem com estes resultados, o que é também curioso. A questão é importante e motivo de preocupação, sem dúvida, mas, do meu ponto de vista, deve ser enquadrada e alargada.
Na linha do que tenho vindo a escrever por aqui, reconhecendo a óbvia importância dos exames, até pela relação mágica que o Professor Nuno Crato tem com a existência de exames, parece-me que esta discussão, ainda que pertinente e necessária, realça o acessório e o essencial não é valorizado. Quero dizer com isto que a questão central da qualidade não é a avaliação, mas os conteúdos e os processos de ensinar e aprender. É nesta matéria que temos, creio, de centrar as atenções, na qualidade na extensão e conteúdos dos programas, na correcta definição dos objectivos a atingir, nas metodologias de trabalho de professores e alunos e, finalmente, na disponibilidade de apoios oportunos e eficazes às dificuldades de alunos e professores.
Os dispositivos de avaliação são uma parte fundamental, imprescindível e integrada de todo este processo e não O fim das aprendizagens como parece ser o entendimento do Ministro Nuno Crato.
É evidente que quando se realizam exames, se espera que eles estejam adequados ao contexto em que se aplicam, mas, a montante dos exames, o essencial deve ser acautelado.

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DA ÉTICA

Se bem estão recordados, em Novembro de 2011, João Duque, o responsável do Grupo de Trabalho nomeado pelo Governo para definir serviço público, defendeu que "a bem da Nação”, a informação emitida pela RTP Internacional deve ser “filtrada” e “trabalhada” pelo Governo, acrescentando que este tratamento “não deve ser questionado”.
Entretanto têm-se sucedido episódios de interferência na imprensa controlando opiniões e notícias.
Recordemos o caso da suspensão do espaço Este Tempo, na Antena 1 da RDP, em que se produziram críticas a Angola por parte do jornalista Pedro Rosa Mendes.
Pelo meio ainda se assistiu ao castigo a João Gobern por revelar a sua simpatia clubista, algo sempre conhecido e, certamente, uma das razões pelas quais estaria naquele programa.
Agora temos um episódio mais pesado envolvendo ameaças de Miguel Relvas a uma jornalista do Público e ao próprio jornal, caso publicasse uma notícia que lhe são seria favorável face à sua patética, por assim dizer, prestação no caso Silva Carvalho. Os desenvolvimentos a que temos vindo a assistir vão mostrando a despudorada promiscuidade de interesses obscuros e o inaceitável comportamento destas sinistras figuras.
A actuação do Ministro Relvas, “his master’s voice”, todos os governos precisam de quem se preste a este despudorado trabalho, parece assentar no entendimento de serviço público de João Duque, em modo Miguel Relvas. Comenta-se o que não se deve e da forma que não se deve, acaba-se com os comentários e com os comentadores. Quer-se noticiar o que se não deve, ameaça-se a jornalista e o jornal. Mais nada, a fórmula velha e em retoma de "a bem da Nação".
É só mais um "pequeno" contributo para percebermos por que razão os estudos nos mostram como a democracia está doente e nós descrentes.
O despudor anda à solta. Cada dia temos algo que nos recorda isto mesmo.

UM HOMEM CHAMADO CANTO

Era uma vez um homem chamado Canto. A sua vida foi um encadeado de cantos e desencantos. Uma família grande, reservou-lhe um canto à mesa e outro canto para dormir. A escola, curta, foi passada ao canto. No tempo de brincar, ficava só, ao canto, desencantado.
Por hábito, trabalhava, claro, no canto da oficina.
Sempre pelos cantos, um olhar de canto trouxe-lhe na volta um sorriso que lhe pareceu um encanto, e, atrás do sorriso, a mulher que, pela companhia, lhe iluminou o canto, encantadamente, por uma vez.
Os filhos preencheram-lhe os cantos à casa e a velhice deixou-o só, de novo, a passear pelos cantos os seus desencantos.
O Sr. Canto repousa agora, discretamente, num canto do cemitério, como sempre.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR, AOS PROFESSORES O QUE É DOS PROFESSORES

Do modelo de Gestão e Autonomia das escolas aprovado em Conselho de Ministros consta, conforme tinha sido anunciado, que o Conselho Pedagógico passa a ser constituído apenas por professores.
Quando a intenção do MEC foi anunciada pareceu-me merecer um acolhimento positivo por parte dos professores e algumas reservas de outros grupos, pais e alunos preocupados com o risco de enfraquecimento da “democracia” nas escolas que tal medida poderia significar.
Como tive oportunidade afirmar, creio que a presença, sobretudo, de alunos e pais, nos Conselhos Pedagógicos das escolas era, alimentada, do meu ponto de vista, por um equívoco estabelecido em torno da ideia fundadora de “gestão democrática das escolas” que sendo um bem implicou, na verdade, alguns equívocos.
As competências genericamente inerentes aos Conselhos Pedagógicos exigem, em muitíssimas dimensões, competências e conhecimentos que, evidentemente, alunos e pais, não têm, nem será de esperar ou exigir que tenham. Neste quadro, a participação destes grupos em alguns processos de tomada de decisão eram, por assim dizer, um fingimento. Por outro lado, em algumas matérias era solicitado e definido que pais e alunos não participassem o que criava situações bizarras e constrangedoras ligas ao, “por favor agora podem sair, para procedermos à discussão deste ponto da OT”. Na qualidade de pai com assento no Conselho Pedagógico, passei por situações deste tipo, algo que me parece pouco ajustado.
Acresce que alunos, pais e funcionários têm assento no Conselho Geral cujas competências me parecem solicitar, de facto, a sua participação e envolvimento face à sua comunidade educativa.
Esta posição não decorre de, ou remete para qualquer postura corporativista mas assenta, simplesmente, no entendimento de que gerir, com níveis desejavelmente mais autónomos, o funcionamento pedagógico de uma escola é tarefa dos profissionais, dos profissionais que a escola, os professores entendam melhor preparados para tal função.
No entanto, é evidente, que o seu desempenho será tanto mais eficaz quanto mais se articule com o trabalho dos pais e com a atenção aos alunos assente em dispositivos de cooperação e diálogo regular, consistente e responsável.
Uma nota final para sublinhar a importância, também na actividade de gestão pedagógica, da existência de processos de avaliação e regulação adequados, sérios e com consequências, não necessariamente punitivas, mas reguladoras da organização, funcionamento e procedimentos.

O CONTROLO POLÍTICO DO SISTEMA

Da divulgação hoje do que terá sido aprovado pelo Conselho de Ministros em matéria de Autonomia e Gestão das escolas, apesar se aguardarem pormenores, parece-me de saudar aspectos como a possibilidade das escolas gerirem os horários das disciplinas e organização dos tempos lectivos ou definir créditos horários e gerir de forma flexível o tempo dos docentes. A ver vamos as orientações.
No entanto, o reforço da função director é um aspecto muito importante e suscita algumas notas.
Creio que continua de pé a ideia de que a avaliação dos directores será da responsabilidade das respectivas Direcções Regionais. Aparentemente nada de estranho pois estão na sua dependência hierárquica directa.
No entanto, do meu ponto de vista, a proposta remete para uma outra questão à qual me tenho referido no Atenta Inquietude, sobretudo no âmbito da fusão de escolas e na criação dos mega-agrupamentos, o controle político do sistema. De facto, estando os Conselhos Gerais das escolas e agrupamentos fortemente envolvidos na definição e eleição dos directores, parece fazer todo o sentido que a respectiva avaliação de desempenho envolva também de forma significativa os Conselhos Gerais embora a própria constituição dos Conselhos Gerais obedeçam em muitas circunstâncias à gestão dos interesses partidários locais.
Além disso, como é sabido e demonstrado regularmente, as Direcções Regionais de Educação são lugares de nomeação política e, como tal, constituem uma base fundamental para o que designo como controle político do sistema. Atribuir exclusivamente às Direcções Regionais a avaliação dos directores é, obviamente, introduzir uma componente política fortíssima neste processo.
Sabemos também que o nosso quadro político é, sobretudo, um jogo de equilíbrios e lutas dos aparelhos partidários. Neste cenário, parece fácil antecipar que derive para as unidades nucleares do sistema, as escolas, a lógica das influências e dos aparelhos, sem que isto implique um pré-juízo sobre a independência dos directores de escola e agrupamentos cujos poderes são reforçados aumentando a pressão para este controlo político do sistema.
Mais uma vez, esperemos para ver.

A PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS

A imprensa de hoje divulga o Relatório de Actividade em 2011 das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens, cuja leitura se aconselha.
Apenas algumas notas para sublinhar um ligeiro abaixamento do número de casos acompanhados pelas Comissões, o facto da negligência ser a situação mais frequente, o aumento do número de crianças retiradas às famílias e ainda que as escolas continuam a ser a entidade que mais reporta casos de risco.
Apesar da situação muito complicada que atravessamos com reflexos na qualidade de vida das famílias os dados divulgados não reflectem um agravamento subtantivo da situações e risco que envolvam crianças e adolescentes.
No entanto, também em 2011, a Linha Criança, existente na Provedoria de Justiça recebeu um total de 740 chamadas sendo 178 relativas a maus tratos e negligência.
Por outro lado, a linha SOS Criança, a funcionar no âmbito do Instituto de Apoio à Criança, procedeu em 2011 ao encaminhamento de 760 crianças em risco, mais 35% do que no ano anterior, com um registo de 565 casos.
Todos estes indicadores talvez possam sugerir que a comunidade estará menos tolerante a eventuais maus tratos aos miúdos o que leva, naturalmente, ao aumento das queixas e ao seu encaminhamento.
A minha questão neste contexto é o que a acontece a seguir nestes processos depois de detectados e encaminhados, alguns.
De há muito e a propósito de várias questões, que afirmo que em Portugal, apesar de existirem vários dispositivos de apoio e protecção às crianças e jovens e de existir legislação no mesmo sentido, sempre assente no incontornável “supremo interesse da criança, não existe o que me parece mais importante, uma cultura sólida de protecção das crianças e jovens de que temos exemplos com regularidade. Poderíamos citar a insuficiência e falta de formação de juízes que se verifica nos tribunais de Família, as frequentemente incompreensíveis decisões em casos de regulação do poder parental ou o silêncio face a situações conhecidas, etc.
Por outro lado, as condições de funcionamento as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer um trabalho eficaz estão longe de ser as mais eficazes e operam em circunstâncias difíceis.
Na sua grande maioria as Comissões têm responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta. A parte mais operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, tem muitos técnicos a tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as integram.
Este cenário permite que ocorram situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que, sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não tiveram, o apoio e os procedimentos necessários. Ouve-se então uma das expressões que me deixam mais incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada” o que foi insuficiente para a adequada intervenção. Em Portugal sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver os problemas referenciados ou sinalizados.
Por isso, sendo importante registar a menor tolerância da comunidade aos maus tratos aos miúdos, também será importância que desenvolva a sua intolerância face à ausência de respostas. 

QUANTO MAIS CEDO MELHOR

Como já tenho referido no Atenta Inquietude, têm vindo a emergir alguns discursos e práticas familiares que induzem nos miúdos uma enorme pressão para a excelência e para a excelência em muitíssimas áreas. Esta pressão começa muito cedo e transforma a vida de muitos miúdos numa agenda, mediante a qual saltam de actividade em actividade, sempre pressionados para um bom desempenho.
Como é previsível, algumas crianças por questões de maturidade ou funcionamento pessoal suportam de forma menos positiva esta pressão dos pais potenciando o risco de disfuncionamento, rejeição escolar e, finalmente, insucesso académico e dificuldades pessoais. Deixo-vos um exemplo recolhido por uma jovem colega e que dá conta de uma estimulante publicidade a mais uma actividade excelente.


quarta-feira, 23 de maio de 2012

TALVEZ RITALINIZADOS E NORMALIZADOS. Será que conseguimos?

Uma criança de 6 anos está impedida de entrar numa escola em Viana do Castelo por ser, ao que parece, hiperactiva.
A criança tem demonstrado problemas de regulação do seu comportamento, segundo o avô que tem a tutela educativa da criança, esta teria algum apoio de um especialista na escola onde os seus problemas parecem mais complicados. Devido à agudização do problema a escola recomendou ao avô que tivesse “paciência” e impede o miúdo de entrar. Alterada a medicação o avô trazia a criança mas não pode deixá-lo. Segundo o Público, não se conhecem comentários da direcção da escola.
Se bem se recordam há poucas semanas por decisão de uma Procuradora-adjunta uma miúda de 13 anos foi “dispensada” de frequentar a escola, agora temos o miúdo de 6, hiperactivo, que causa problemas e que também se vê dispensado aconselhando-se “paciência” à família. Algumas notas.
Em primeiro lugar importa realçar que, apesar de, obviamente, não conhecer o caso, entendo que a criança pode revelar alguns comportamentos que causem enormes dificuldades à escola, que pode até avaliar da sua incapacidade de resposta face à gravidade dos comportamentos do miúdo. Conheci várias situações em que, apesar do enorme esforço e disponibilidade da equipa das escolas, a resposta não se encontrava só na escola e daí, também, as dificuldades.
Lembro que em intervenções e relatórios recentes a Inspecção-Geral da Educação defendeu a necessidade de que os educadores e professores do ensino regular tivessem alguma formação no âmbito das necessidades especiais de forma a melhor acolher as dificuldades das crianças. Sublinhou também a ausência de Serviços de Psicologia e Orientação, previstos na lei, e a dispersão excessiva por várias escolas dos poucos técnicos que existem. Num relatório referente a 2010/2011 referia-se a falta de formação específica para a resposta às necessidades dos miúdos com necessidades especiais, falta de técnicos, designadamente psicólogos, e indefinição ou ausência de estratégias relativas à educação deste grupo de alunos.
Neste cenário não me surpreendem as dificuldades da escola mas a sua decisão deixa-me perplexo, tal como a decisão sobre a miúda de 13 anos que referi acima. Em primeiro lugar, a escolaridade é obrigatória e assegurada nos estabelecimentos de ensino que não podem “dispensar” uma criança do seu direito à educação.
Por outro lado a devolução para uma família em dificuldades dos problemas de uma criança que os “especialistas” da escola não conseguem resolver é, na verdade, ingénua ou negligente. A escola, apesar das dificuldades, não pode demitir-se de uma tentativa de ajuda aos problemas do miúdo. Não pode mandar embora um miúdo de seis anos.
Lamentavelmente é apenas mais um sinal de que os tempos não vão favoráveis aos miúdos que experimentam dificuldades. Já vamos conseguindo ritalinizar os miúdos, mas não vamos nunca conseguir “normalizá-los”. O MEC em comentário adicionado à primeira notícia acredita que sim, os miúdos pode ser ritalinizados e normalizados. A ver por muitos dos comentários que se vão lendo, mais pessoas, para além de alguns "especialistas", entendem que sim, os filhos dos outros, é claro.

A INCOMPREENSÍVEL ANSIEDADE

Os portugueses são um povo apressado e ansioso, stressado, como agora se diz.  Elementos da  Associação de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas e do Conselho das Escolas manifestam uma enorme preocupação com o atraso e a falta de orientação e informação do MEC relativas à preparação do próximo ano lectivo.
É evidente que tais preocupações só podem emergir devido a uma ansiedade não controlada, estamos perfeitamente a tempo de, como diz o MEC, tudo estar devidamente pensado decidido e clarificado para o arranque do ano lectivo, falta imenso tempo.
Estes ansiosos dirigentes referem aspectos como a estabilização da constituição dos mega-agrupamentos ainda em forte discussão em vários locais, legislação que não foi publicada e regula alterações a introduzir, regulamentação referente a horários e constituição de turmas,  a oferta educativa por definir, as necessidades de professores, etc. que são, na verdade, pormenores que têm nula implicação na planificação do ano lectivo.
Estas entidades manifestam esta excessiva e incompreensível ansiedade uma vez que, depois de anos de deriva nas políticas educativas, finalmente se instalou na 5 de Outubro uma equipa com um pensamento claríssimo sobre a educação em Portugal, com um rumo bem definido e assumido na defesa da qualidade da educação, da qualidade do trabalho de alunos, professores e pais, pelo que tudo agora correria bem.
Mas não, afinal, como o povo costuma dizer, a montanha pariu um Crato, e à deriva continuamos.  Mas não desesperem, como sempre, o MEC diz que tudo está bem, tudo está previsto, tudo vai ficar pronto na altura certa. Como sempre, como sempre. Até ao próximo ano.

OS CUSTOS DE UM ENSINO "MANUALIZADO"

Contrariando um tempo marcado por notícias pouco positivas, por assim dizer, lê-se no Público que uma equipa da Universidade de Coimbra vai lançar um manual de Matemática para o 12º ano gratuito, assim mesmo, gratuito. No site deste projecto poderão ainda encontrar-se tarefas de apoio à aprendizagem. Ainda assim, este manual pode ser carregado em PDF com um custo equivalente a metade do preço máximo estabelecido para os manuais.
Eis uma boa notícia que me leva a retomar alguma notas a propósito dos manuais escolares
A Constituição da República estabelece no Artigo 74º que “Compete ao Estado assegurar o Ensino Básico universal, obrigatório e gratuito”.
Segundo a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros os manuais obrigatórios representam um encargo superior a 80 milhões de euros para as famílias de 1,4 milhões de alunos. São conhecidos os ajustamentos nas regras e destinatários dos apoios sociais escolares, temos cerca de dois milhões de portugueses em risco de pobreza e um terço das famílias a viver mesmo encostadas a esse limiar. Acresce ainda que, ao custo com os manuais se deve adicionar o encargo com material escolar e livros de apoio sempre “sugeridos” pelas escolas e que determinam, de acordo com o INE, que as famílias portuguesas gastem mais que a média europeia em educação.
A questão dos manuais escolares é complexa e muito importante, é um nicho de mercado no valor de muitos milhões como referimos. Depois da abolição do execrável livro único de natureza totalitária e da proliferação de manuais aos milhares parece ter-se entrado numa fase de alguma estabilidade, (embora sejam urgentes mudanças na organização e conteúdos curriculares) e, sobretudo, da necessária qualidade, ainda que insuficientemente regulada.
No entanto, do meu ponto de vista, importa questionar não só o papel dos manuais mas, fundamentalmente, da quantidade enorme de outros materiais que os acompanham e que contribuem de forma muito significativa para o aumento da factura dos custos familiares com a educação potenciando injustiça e desigualdade de oportunidades. De facto, para além de imenso material de outra natureza, temos em cada área programática ou disciplina uma enorme gama de cadernos de fichas, cadernos de exercícios, cadernos de actividades, materiais de exploração, etc. etc. que submergem os alunos e oneram as bolsas familiares, até porque muitos destes materiais não são incluídos nos apoios sociais escolares. Em muitas salas de aula verifica-se a tentação de substituir a “ensinagem”, o acto de ensinar, pela “manualização” ou “cadernização” do trabalho dos alunos, ou seja, a acção do professor é, sobretudo, orientar o preenchimento dos diferentes dispositivos que os alunos carregam nas mochilas.
Esta questão, que não me parece suficientemente reflectida nas suas implicações acaba por baixar a qualidade das aprendizagens e apesar de se promover algum controlo da qualidade dos manuais, o mesmo não se verifica com os chamados materiais de apoio o que envolve custos pesados de natureza diversa.
A disponibilização gratuita de manual é, na verdade, uma boa notícia. Resta-me a curiosidade de ver como reage o MEC, o mercado das editoras de livros escolares e a aceitação das escolas a este manual. 

DISCURSOS PARALELOS. Falas que nunca se cruzam

Pois é Maria, é como te digo, não fazem nada, não ligam aos miúdos, só pensam no que ganham e em trabalhar menos. Se uma pessoa diz alguma coisa ainda é pior, nunca mais fui a uma reunião. E sabes o que é pior. Tomaram o meu Mauro de ponta. Qualquer coisa que aconteça na sala, a culpa é sempre dele. Eu sei que ele não é santo nenhum, mas também não tem a culpa de tudo. Olha, o filho da Idália, a cabeleireira, é muito pior que o Mauro, mas não lhe dizem nada, engraçaram com ele e é sempre o Mauro que paga. Nunca lhe dão ajuda nos trabalhos, aos outros fazem tudo e depois dizem que ele não aprende. Olha que não é por ser meu filho, mas o Mauro de parvo não tem nada, não lhe ligam, é o que é. Se lhe explicassem as coisas como explicam aos outros, o Mauro também aprendia. Sabes o que te digo, já ninguém faz nada, fazem o que querem.
Pois é colegas, temos agora o problema do Mauro e as coisas não correm nada bem como já é habitual. O comportamento, conforme alguns de vós me têm referido, está uma lástima, é insolente e desestabiliza permanentemente a turma. De uma forma geral não realiza as tarefas e está desmotivado.
Devo dizer que não me surpreende. A família dele não se interessa minimamente, não me lembro da última reunião a que alguém estivesse presente. Parecem incapazes de lhe dar algumas regras e maneiras de se comportar. Nunca faz os trabalhos de casa e os pais não se incomodam com isso. Não se preocupam se vem a horas, se traz os materiais adequados, com as notas dele. Enfim, uma família como tantas outras. É evidente que nestas circunstâncias não podemos fazer milagres.

terça-feira, 22 de maio de 2012

DE PEQUENINO É QUE SE TORCE O DESTINO

Como muitas vezes aqui tenho referido, a falta de respostas e recursos a preços acessíveis para o acolhimento a crianças dos 0 aos 3 anos é um dos grandes obstáculos a projectos familiares que incluam filhos, levando aos conhecidos e reconhecidos baixos níveis de natalidade entre nós, 30 % das mulheres portuguesas têm apenas um filho.
A alteração dos estilos de vida, a mobilidade e a litoralização do país, levam à dispersão da família alargada de modo a que os jovens casais dependem quase exclusivamente de respostas institucionais que, ou não existem, ou são demasiado caras. Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que é, naturalmente, um forte constrangimento para projectos de vida que envolvam filhos.
É importante referir que alguns estudos revelam que as mulheres portuguesas são, de entre as europeias, as que mais valorizam a carreira profissional e a família, a maternidade e também é sabido que as mulheres portuguesas são das que mais tempo trabalham fora de casa o que dificulta a conciliação que desejam entre profissão e parentalidade.
Serve esta introdução para referir o destaque do DN, com chamada a 1ª página, relativo às dificuldades de muitas famílias em assegurar a permanência dos miúdos nas creches por razões económicas. As Instituições procuram, apesar das dificuldades que elas próprias enfrentam, flexibilizar, até ao limite possível, custos e pagamento tentando evitar a todo o custo que os miúdos deixem de frequentar os estabelecimentos.
Sabemos todos como o desenvolvimento e crescimento equilibrado e positivo dos miúdos é fortemente influenciado pela qualidade das experiências educativas nos primeiros anos de vida, de pequenino é que ...
Assim, existem áreas na vida das pessoas que exigem uma resposta e uma atenção que sendo insuficiente ou não existindo, se tornam uma ameaça muito séria ao futuro, a educação dos mais pequenos é uma delas.

PAÍS DE PIEGAS

Então não é que nós portugueses em estudo realizado pela OCDE, a divulgar hoje, envolvendo 36 países sobre o nível de satisfação com a vida nos coloca entre os mais insatisfeitos?
Considerando os resultados globais ocupamos um pouco entusiasmante 29º lugar mas no item "satisfação com a vida" estamos em penúltimo, isso mesmo, em penúltimo, cambada de calimeros.
Os dados nos 11 aspectos considerados são ainda particularmente negativos no que respeita ao fosso entre os mais ricos e os mais pobres e na distribuição de tarefas domésticas entre homens e mulheres.
Estes dados mostram como de facto o Primeiro-ministro tem razão com a pieguice dos portugueses, lamentam-se pelos cantos, continuam acantonados na sua "zona de conforto", resignados, sem qualquer sobressalto de empreenderorismo e queixam-se a quem passa sobre as agruras da sua vida com um "it's an injustice, it is".
Não vislumbramos como o desemprego pode ser uma oportunidade de vida e queixamo-nos, injustamente é claro, de que os pobres estão mais pobres e os ricos mais ricos.
Somos uma gente tristonha que não entende como pode ser feliz, ser optimista no meio do mar alteroso em que navega.
Um país com gente assim não pode, eventualmente não merece, ser feliz, mas "it's an injustice, it is".

UMA HISTÓRIA COM TEMPEROS

Uma das características da gastronomia do Meu Alentejo, embora não seja um seu exclusivo, é a utilização dos temperos ou, na expressão do Sr. Manuel do Mercado, dos cheirinhos.  Aqui em casa somos fartos consumidores de cheirinhos que quando aplicados de forma ajustada e criativa, permitem que alguns pratos elaborados com produtos, por vezes pobres de sabor, resultem em peças superlativas, gourmet como agora se diz, ou, como eu prefiro, em petiscos que nos fazem agradecer à mãe natureza e ao jeito da mão humana tal dádiva.
Vem esta introdução gastronómica centrada nos temperos e na sua decisiva importância, a propósito do trabalho educativo de professores e pais. Este "a propósito" parecer-vos-á estranho, considerando que me refiro a dois universos tão diferentes, vou tentar explicar. No fim, provavelmente, continuará estranho mas ficou a ideia.
Se bem repararmos e sabendo nós que cada miúdo carrega uma história diferente pelo que nenhum é igual a qualquer outro, os bons professores e os bons pais são aqueles que para confeccionar a acção educativa escolhem e utilizam no dia a dia os temperos de modo a fazer sobressair e progredir as qualidades, as capacidades e os saberes dos miúdos e também usam os temperos ajustados para atenuar fraquezas ou fragilidades que possam comprometer o resultado final.
Quando tudo corre bem, na grande maioria das situações, temos bons resultados finais e resultam projectos de vida positivos e com potencial de realização bem sucedida.
Quando os temperos não são usados da melhor maneira assistimos ao destempero que conhecemos em muitos miúdos, em muitas famílias e em muitas salas de aula.
Lembrem-se do conselho do Sr. Manuel e da gente do Meu Alentejo. É sempre importante ter um bom ramo de cheirinhos à mão, quase de certeza o prato vai sair bem.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

OS GUETOS DA SAÚDE MENTAL

A imprensa refere hoje a preocupação da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental com a situação que neste universo se vive em Portugal.
São referidas as dificuldades de aplicação do Plano Nacional de Saúde Mental que tendo promovido o fechamento das grandes unidades hospitalares psiquiátricas não promoveu o que seria consensual, um princípio de manutenção do doente mental em situação de integração social em situações variáveis desde a unidade residencial de pequena dimensão e funcionamento familiar com várias tipologias dirigida a problemáticas diversas, à unidade sócio-ocupacional, até às equipas de apoio familiar. Na verdade, segundo a SPPSM muitos doentes mentais crónicos são enviados para instituições onde não existe o adequado acompanhamento clínico, psicológico ou social, pelo que o Plano carece de discussão e reavaliação.
A sociedade refere ainda uma situação crescente, a não utilização dos fármacos, imprescindíveis em muitos casos, por dificuldades económicas dos próprios e das famílias. Este quadro não será de estranhar, face ao que tem vindo a ser noticiados sobre os efeitos que as dificuldades e as medidas tomadas pelo Ministério da Saúde, estão assumir no acesso aos serviços de saúde e aos medicamentos por muitas pessoas.
Este cenário descrito pela SPPSM criará sérios obstáculos aos processos de reabilitação e inserção comunitária acentuando ou mantendo os fenómenos de guetização das pessoas com doença mental e respectivas famílias.
Não estranho, os doentes mentais são os mais desprotegidos dos doentes, pior, só os doentes mentais idosos. Os custos familiares e sociais da guetização são enormes e as consequências são também um indicador de desenvolvimento das comunidades.

E DEPOIS DO 9º ANO? Respostas improváveis

Sim Setôra, acho que sei o que vai acontecer. Acabo o 12º aqui no Colégio e vou estudar Direito na Universidade Católica.
O meu pai e os meus tios são advogados, tiraram lá o curso. Eu também quero ser advogado e é lá que vou estudar. Tenho notas altas e vou poder entrar. O meu tio Francisco, trabalha num escritório muito grande,  prometeu-me que se for bom aluno, pode conseguir que eu trabalhe com eles.
É isso que eu vou fazer.
...
Bem Setôra, não sei bem como vai ser. Gostava de acabar o 12º e depois estudar engenharia. Os meus pais também gostavam que eu estudasse engenharia, Na minha família nunca ninguém estudou tanto. O problema, o meu pai já disse, é que ele pode ficar sem emprego. Lá na empresa dele dizem que pode fechar. Ele está com medo porque se não tiver trabalho diz que se calhar eu já não posso estudar, até porque também queriam que a minha irmã estudasse. Ela diz que quer ser enfermeira e era fixe eu estudar e ela também.
Vamos ver como vai ser, mas estou com medo.
...

domingo, 20 de maio de 2012

POLÍTICA "BY THE BOOK"

A imprensa de hoje noticia que a Câmara do Porto gastará em 3 anos cerca de 106 000 euros para assegurar um serviço  de recolha e análise da informação divulgada que envolva a autarquia. Este serviço de recolha, também conhecido por "clipping", é complementado por um trabalho de análise e tratamento da informação que muitas instituições de diferentes áreas o utilizam. Nada de novo, trata-se do mesmo serviço que o homem das Secretas/Ongoing, Silva Carvalho, prestava a Miguel Relvas e a outras instituições tão importantes como o Ministro Relvas. Neste caso não sabemos dos custos, mas serão certamente mais elevados.
Imagino que esta notícia desencadeará algumas reacções mas é apenas um sinal dos tempos.
Na verdade, a época que vivemos evidencia, entre muitíssimos outros aspectos, o papel que a imagem e, mais globalmente, a comunicação assume em todas as áreas do nosso funcionamento e também, como é óbvio, na acção política. Diria até que actualmente, parte importante da acção política assenta na comunicação e na imagem. Não existe serviço ou entidade que não tenha o seu gabinete de imagem e comunicação e respectivos assessores.
Neste contexto, parece claro que as instituições e as lideranças queiram assegurar-se de que a sua imagem e mensagem atinge os objectivos e os destinatários de forma eficaz.
A questão mais importante, independentemente do nível de custos e o seu ajustamento às dificuldades actuais, é a fortíssima pressão, aliás recorrente, que o poder, os diferentes poderes, produzem sobre a comunicação social, como tem sido noticiado.
Só por ingenuidade ou ignorância se pode acreditar que quem estiver no poder resista  à tentação de utilizar a seu favor tudo o que as ciências da comunicação política têm produzido relativamente à eficácia da mensagem.
O Dr. Rui Rio limita-se a fazer política "by the book".

AS PALAVRAS MAL DITAS

Continuam a merecer discussão as afirmações do Primeiro-ministro considerando que o "desemprego pode ser uma oportunidade para mudar de vida" e "não tem de ser visto como negativo". Aliás, o Público dedica hoje um extenso trabalho a esta matéria, ouvindo vários especialistas que divergem, claro, na opinião.
Umas notas breves, de um não especialista, sobre a questão da comunicação, sobretudo da lideranças políticas e que se justificam por sucessivos episódios. A título de exemplo relembro afirmações  sugerindo, aconselhando, a emigração, a necessidade de se sair da "zona de conforto" ou ainda a famosa referência à necessidade de não sermos "piegas".
A primeira questão é exactamente essa, o peso social do mensageiro condiciona o conteúdo da mensagem, ou seja, a mesma frase não tem o mesmo valor afirmada por um cidadão comum ou proferida por uma figura com responsabilidades de decisão sobre a vida das pessoas. Assim sendo, as lideranças políticas assumem maior responsabilidade pelas afirmações que fazem.
Uma segunda nota prende-se com a justificação das afirmações, o seu conteúdo e forma. Todos os dias a imprensa e responsáveis de instituições de solidariedade social nos dão conta de situações de pessoas, milhares de pessoas, que estão a viver abaixo de um limiar que lhes garanta padrões mínimos de qualidade de vida, incluindo dificuldades de alimentação afectando crianças. Conhecemos muitas histórias de inacessibilidade a tratamentos e serviços de saúde por dificuldades económicas. Muitos milhares de famílias têm entregado as suas casas à banca por incumprimento de créditos, etc. Para muitas destas pessoas, afirmações como as que estão em análise são quase insultuosas e, portanto, inaceitáveis. Na verdade, este cenário devastador aumenta  a pressão sobre o discurso dos líderes políticos, exactamente os que são responsabilizados pelos problemas ou, pelo contrário, de quem se espera a minimização desses problemas.
Pode sempre afirmar-se que haverá alguma razão nas afirmações ou que a  intenção não é a de desvalorizar os dramas que afectam muitos milhares de pessoas.
No que respeita à eventual razão, mesmo que em algumas situações pudessem ser entendidas, toda a gente as ouve pelo que não podem deixar de se sentir envolvidas e agredidas. Quanto à intenção, a sua não existência, e acredito que não exista, não colhe. Numa certa altura do desenvolvimento dos miúdos, o seu desenvolvimento moral e intelectual leva-os a considerar que a sua não intenção de realizar algo, desculpa o que aconteceu, tal entendimento traduz-se no frequente "foi sem querer" e como "foi sem querer", não tem problema.
A questão é que os líderes políticos, os que verdadeiramente são líderes, apesar de não possuírem, felizmente, o dom da infalibilidade e da perfeição, não podem, não devem proferir determinadas palavras e persistirem teimosamente na sua afirmação.
São palavras mal ditas.

sábado, 19 de maio de 2012

O DESPUDOR ANDA À SOLTA

Se bem estão recordados, em Novembro de 2011, João Duque, o responsável do Grupo de Trabalho nomeado pelo Governo para definir serviço público, defendeu que "a bem da Nação”, a informação emitida pela RTP Internacional deve ser “filtrada” e “trabalhada” pelo Governo, acrescentando que este tratamento “não deve ser questionado”.
Entretanto têm-se sucedido episódios de interferência na imprensa controlando opiniões e notícias.
Recordemos o caso da suspensão do espaço Este Tempo, na Antena 1 da RDP, em que se produziram críticas a Angola por parte do jornalista Pedro Rosa Mendes.
Pelo meio ainda se assistiu ao castigo a João Gobern por revelar a sua simpatia clubista, algo sempre conhecido e, certamente, uma das razões pelas quais estaria naquele programa.
Agora temos um episódio mais pesado envolvendo a ameaças de Miguel Relvas a uma jornalista do Público e ao próprio jornal, caso publicasse uma notícia que lhe são seria favorável face à sua patética, por assim dizer, prestação no caso Silva Carvalho.
A actuação do Ministro Relvas, “his master’s voice”, todos os governos precisam de quem se preste a este despudorado trabalho, parece assentar no entendimento de serviço público de João Duque, em modo Miguel Relvas. Comenta-se o que não se deve e da forma que não se deve, acaba-se com os comentários e com os comentadores. Quer-se noticiar o que se não deve, ameaça-se a jornalista e o jornal. Mais nada, a fórmula velha e em retoma de "a bem da Nação".
É só mais um "pequeno" contributo para percebermos por que razão os estudos nos mostram como a democracia está doente e nós descrentes.
O despudor anda à solta. Cada dia temos algo que nos recorda isto mesmo.

MEGA-AGRUPAMENTOS, POTENCIAIS MEGA-PROBLEMAS (take 2)

À revelia do entendimento de muitas pessoas conhecedoras do universo da educação em Portugal, por exemplo dos directores de escolas, o MEC prossegue uma das dimensões da PEC – Política Educativa em Curso, a constituição de mega-agrupamentos.
Enquanto estiver na agenda e porque, mais do que euros, está em jogo a qualidade da  educação, retomo notas velhas para um problema presente.
Desde sempre tenho defendido que apesar de ser necessária uma reorganização da rede escolar, porque escolas de reduzidíssima dimensão, para além dos custos, não cumprem a sua função social com qualidade, seria absolutamente desejável que se não enveredasse pela criação de mega-escolas ou mega-agrupamentos. O MEC insiste nesse caminho e não estabelece limites à concentração que para o Governo anterior tinham como média 1700 alunos e como limite 3000, embora ontem tenha ouvido o Ministro Nuno Crato referir este tecto, apesar de há alguns dias se ter proposto a constituição de um mega-agrupamento em Mafra que teria cerca de 9000 alunos.
De há muito que se sabe que entre os factores mais contributivos para o insucesso, absentismo e problemas de disciplina se podem identificar o efectivo de escola e a qualidade e consistência da sua liderança. Não é certamente por acaso, ou por desperdício de recursos, que os melhores sistemas educativos, lá vem a Finlândia outra vez, e, por exemplo, mais recentemente o Reino Unido e os Estados Unidos na luta pela requalificação da sua educação, optam por estabelecimentos educativos que não ultrapassam a dimensão média de 500 alunos. Sabe-se, insisto, de há muito que o efectivo de escola está mais associado aos problemas que o efectivo de turma, ou seja, simplificando, é pior ter escolas muito grandes que turmas muito grandes.
Por outro lado, considerando a desejável e progressiva autonomia das escolas, a qualidade das lideranças emerge cada vez mais como uma variável com peso muito significativo. Estruturar mega-agrupamentos com lideranças diluídas e dispersas não será, certamente, uma boa forma de promover essa qualidade e, por exemplo, a consistência e coesão de práticas e equipas de docentes, técnicos e funcionários.
É fundamental que a comunidade tenha consciência deste universo de modo a tentar travar o movimento de construção de autênticos barris de pólvora e contextos educativos que dificilmente promoverão sucesso e qualidade apesar do esforço de professores, alunos, pais e funcionários.
Não conheço nenhuma justificação de natureza educativa que sustente a existência vantajosa de escolas para crianças e adolescentes com 1500 lugares ou mais. A razão para a sua criação só pode, pois, advir da vontade de controlo político do sistema, a grande tentação de qualquer governo, menos escolas envolvem menos directores ou de questões economicistas que a prazo se revelarão com custos altíssimos pela ineficácia e problemas que se levantarão.
O insucesso sai sempre mais caro que o investimento no sucesso.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

MEDIMOS O QUE VALORIZAMOS, OU VALORIZAMOS O QUE MEDIMOS?

Foi hoje apresentada a avaliação do Programa Novas Oportunidades solicitada pelo MEC a uma equipa do Instituto Superior Técnico.
Em síntese, a dimensão reconhecimento, validação e certificação de competências parece ter um baixíssimo impacto na empregabilidade e um efeito quase nulo nas remunerações dos participantes. Por outro lado, as modalidades com maior componente formativa, Educação e Formação de Adultos apresentam efeitos consideráveis, aumento da empregabilidade de 14 % nos homens e 2 % nas mulheres. Formação de natureza mais curta têm impacto mais baixo, 3 % nos homens e 1 % nas mulheres. No que respeita à remuneração a frequência de um curso EFA parece promover um acréscimo de 4 %. Curiosamente, num programa que se destina nos seus fundamentos a promover qualificação, a avaliação do Programa agora realizada, não contempla a qualidade das competências (qualificações adquiridas). Um bom exemplo, mais um, da manha da PEC – Política Educativa em Curso, aliás, já em voga há muitos anos.
O Público ouviu Luís Capucha, antigo responsável pelo Programa Novas Oportunidades, que contesta a equipa, o modelo e os conteúdos da avaliação realizada pelo IST.
Esta discussão recorda-me uma afirmação notável do professor Gert Biesta da Universidade de Stirling que, a propósito da medida em educação, se questiona, “nós medimos o que valorizamos ou valorizamos o que medimos?”
Se bem estão recordados já tinham sido realizadas avaliações externas ao Programa Novas Oportunidades, sob a responsabilidade, uma delas, do Eng. Roberto Carneiro. Recupero excerto de um texto antigo sobre essas avaliações.
É óbvio que as pessoas envolvidas terão de expressar uma opinião genericamente positiva, acedem a diplomas que lhes certificam competências, acedem a algumas experiências e competências, a equipamentos informáticos, etc. Parece-me aliás, estranho que apenas um terço revelem que o Programa teve pelo menos um aspecto positivo. É interessante que dos 32% que referem um aspecto positivo, apenas 27% refiram o alargamento de competências. Numa outra avaliação referia-se que os participantes aumentaram a sua auto-estima e se sentiam mais envolvidos na escolaridade dos seus filhos. Estas avaliações não referiram se o Programa se repercutia na empregabilidade, na qualificação ou na qualidade do emprego”.
A gestão do Professor Capucha assentou, como muitas vezes, referi na promoção despudorada do equívoco entre certificação e qualificação e a recuperação estatística dos diplomados com o 9º e com o 12º ano foi notável.
A actual Secretária de Estado do Ensino Básico, com base na avaliação agora conhecida, afirma como prioridade o Ensino Recorrente, entretanto quase desaparecido, providenciado por uma rede selecionada de escolas e no redimensionamento da rede de Centro de Novas Oportunidades que passam, num processo de restyling, a Centros para a Qualificação e o Ensino Profissional.
Milhões de euros depois, centenas de profissionais despedidos depois, algumas boas práticas e experiências depois, vai restar o quê? A deriva política da educação em Portugal nas últimas décadas.