AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quarta-feira, 31 de março de 2010

E NÃO SE PODE DAR UM JEITINHO?

Há coincidências curiosas. No dia em que no Parlamento João Cravinho afirma que a "corrupção política está à solta" são divulgados na Alemanha alguns dados sobre o chamado negócio dos submarinos que não parecem propriamente um exemplo de lisura política e económica.
Diversas vezes aqui tenho me referido a essa espécie de traço da nossa cultura cívica "a atençãozinha" ou a sua variante "dar um jeito". Trata-se de um fenómeno, um comportamento, profundamente enraizado na nossa cultura e com o qual parecemos ter uma relação ambivalente, uma retórica de condenação, uma pontinha de inveja dos dividendos que se conseguem e a tentação quotidiana de receber ou providenciar uma "atençãozinha", de pedir ou dar um jeito, sempre "desinteressadamente", é claro.
João Cravinho sublinha o óbvio, não existe vontade política de combater a corrupção. A teia de interesses que ao longo de décadas se construiu envolvendo o poder político, a administração pública, central e autárquica, o poder económico, o poder cultural, a área da justiça e segurança, parte substantiva da comunicação social e toda a relação do dia a dia com a "atençãozinha" à recepcionista que nos passa para a frente na lista de espera ou ao funcionário de quem esperamos que possa dar um "jeito", dificulta seriamente um combate eficaz. Este combate passará, naturalmente, por meios e legislação adequada, ainda ontem Maria José Morgado se queixava das enormes dificuldades sentidas nesta área, mas passa sobretudo pela formação cívica que promova uma outra cidadania. Estarão lembrados que há algum tempo atrás foram divulgados estudos evidenciando a nossa atitude tolerante para com a corrupção.
Por tudo isto, prevalece o meu cepticismo face a iniciativas como as comissões de inquérito e, por exemplo, face ao discurso de João Cravinho cujo pacote de combate à corrupção foi chumbado pelo seu próprio partido.
Certamente que poderíamos viver sem a "atençãozinha", mas não era a mesma coisa.

A ESCURIDÃO

Estava em luta com a imaginação para tentar escrever um texto para aqui partilhar quando faltou a energia eléctrica por aqui. A vida moderna e, sobretudo, a bateria do portátil permite continuar a trabalhar, embora com alguma dificuldade de encontrar as letras, pois a máquina entrou em modo de poupança e é melhor que assim fique, não sei o tempo que demorará.
Nesta procura pelas letras lembrei-me da moda do cancioneiro alentejano que diz "é tão triste não saber ler, como é triste não ter pão, quem não conhece uma letra, vive numa escuridão".
De facto, esta escuridão que dificulta o reconhecimento das letras é tão difícil de entender como de ultrapassar. É por isso que não é possível aceitar que alguns miúdos possam passar pela escola e, tendo capacidades para aprender, dela saiam sem "conhecer uma letra", ou seja, sem ferramentas que lhes permitam construir um mundo, o seu mundo, de forma positiva e saudável. Provavelmente, restar-lhes-á a escuridão, para eles, e a sombra que a sua escuridão projecta sobre nós.
O que mais me incomoda, por estranho que possa parecer, não é tanto que alguns miúdos "nasçam e vivam" condenados à escuridão, não somos e não seremos perfeitos, é que alguns de nós achem que isso é normal.
Entretanto voltou a luz, felizmente, já não estou na escuridão.

terça-feira, 30 de março de 2010

À DERIVA

No seu estilo voluntarista sorridente, a Senhora Ministra foi à Assembleia da República anunciar mais um pacote de medidas ou intenções em matéria de política educativa.
Depois de quatros anos de arrogante inflexibilidade fico com a progressiva sensação de que a actual equipa entrou num processo de navegação à vista com muita vontade de "fazer coisas" e, sobretudo, uma enorme preocupação de ir respondendo pela agenda. Pode ser um caminho complicado.
Das várias intenções e medidas a desenvolver hoje divulgadas e que tive acesso, algumas vão, creio, no caminho ajustado. Mudanças na estrutura e conteúdos curriculares, agilização e desburocratização nos procedimentos de natureza disciplinar, reforço da autonomia pedagógica das escolas, por exemplo, são medidas que me parecem acertadas. Por outro lado e também como exemplo, a aplicação de medidas correctivas por parte de funcionários (se bem percebi) e a criminalização do bullying com a ligeireza de que se fala levantam-me sérias reservas.
Esta forma de funcionar parece-me a arriscada. Lembrar-se-ão que depois de anunciar uma desejada e imprescindível mudança curricular, a Ministra veio posteriormente dizer que essa mudança seria apenas um ajuste e agora fala na possibilidade da existência de disciplinas que ocupem metade de um ano lectivo que se organiza em três períodos, o que, no mínimo, levanta dificuldades de gestão. Sugere a prudência que esperemos pelas próximas intervenções que, como nos vamos habituando, corrigirão algo do que agora foi anunciado de forma avulsa e num ímpeto de voluntarismo reactivo.
Parece-me que continuamos numa indesejável situação de dúvida e falta de equilíbrio entre fazer certas as coisas e fazer as coisas certas.

A TENTAÇÃO

Como tenho vindo a referir aqui no Atenta Inquietude, quando a mediatização das questões de interesse para a comunidade decorre de incidentes e, sobretudo de incidentes graves, caso agora do bullying e da violência em espaços escolares, existe um aspecto imediato e de natureza positiva, a visibilidade e a atenção ganha pelos fenómenos, mas também se correm alguns riscos.
Nesta perspectiva e face às tragédias que envolveram a morte do Leandro, um aluno, e do Luís, um professor, as reacções, naturais aliás, podem promover uma deriva perigosa de "policialização" dos espaços educativos. Para além de algumas vozes que defendem apoios, recursos e formação, que envolvam alunos, professores e pais, e entre as quais me incluo, mas que soam baixinho, ouvem-se de forma bastante mais nítida e amplificada por uma comunicação social nem sempre atenta e preparada, as vozes que clamam, quase que exclusivamente, por mais repressão e dispositivos punitivos. É evidente, sublinho para que não restem dúvidas, que é necessário que se punam e responsabilizem comportamentos desadequados, mas tenho a maior das dúvidas de como se criminaliza o bullying proposta, ao que parece, em estudo pelo ME. Tratando-se o bullying de um fenómeno multi-dimensionado e complexo como se escrutina e quem escrutina comportamentos que, dependendo das circunstâncias, dos envolvidos, da regularidade e das consequências, tanto podem configurar bullying como um banal incidente que espelha o crescimento dos miúdos e a cultura e valores do mundo em que vivemos. Estamos a falar de uma decisão, considerar crime ou não, que é de uma enorme responsabilidade e que a experiência de quem conhece o meio mostra que nem sempre é fácil. No entanto, ceder à deriva populista da repressão em busca da autoridade perdida é uma enorme tentação.
Continuo convencido que estruturas de mediação entre a escola e a família, dispositivos de apoio a alunos, pais e professores, modelos mais eficazes de organização e funcionamento das escolas, supervisão dos intervalos por parte de professores por exemplo, formação nestas matérias, etc. para além, naturalmente, de formas eficazes e ágeis de aplicação de sanções, seriam bem mais eficazes.

SOLIDARIEDADE

Como cidadão minimamente atento, tenho acompanhado o processo de reivindicação dos enfermeiros e parece-me relativamente clara a situação de discriminação na administração pública, ou seja, vencimentos diferentes para habilitação semelhante. De resto, desconheço os conteúdos do processo negocial com a tutela.
Também me parece que não pode ser beliscado um direito legalmente consignado, o direito à greve. No caso dos enfermeiros, como noutras classes profissionais, parece-me muito difícil que se possa desencadear uma situação de greve sem que isto implique sérias perturbações para a população, a grande maioria, utentes dos seus serviços. Daí, partir do princípio que a decisão de uma greve é de uma enorme responsabilidade e certamente bem ponderada.
Dito isto, esperava ver por parte dos representantes sindicais dos enfermeiros uma palavra de solidariedade para com os cidadãos afectados pela greve. Estamos a falar de cuidados de saúde. Na RTP ouvi dois representantes da classe, uma senhora enfermeira explicava que no Porto, no Hospital de S. João no Porto e no Instituto Português de Oncologia nenhuma das cirurgias programadas se realizaria. Também em Lisboa o senhor enfermeiro ouvido realçava o sucesso da greve pois os blocos operatórios estavam fechados. Devo confessar que me chocou o tom empregue e a falta de uma palavra dirigida às pessoas que viram adiadas as intervenções cirúrgicas de que necessitam, situação difícil e que os próprios enfermeiros avaliarão melhor do que eu.
Existe um grupo de profissões que pela sua natureza exigem uma solidez ética e deontológica que não podem, não devem, nunca ser descuradas.
Teria sido adequado uma referência de solidariedade e desculpa dirigida às pessoas que esperam meses por uma cirurgia e que vêem traídas as suas expectativas de tratamento. A eventual razão não retira responsabilidades.

MIÚDOS DIFÍCEIS

Mãe, ainda é dia posso ir jogar à bola para a praceta com o Luís, o do andar de baixo?
Já fizeste o trabalho de casa?
Já.
Não. Tiago tu sabes bem que é perigoso, pode aparecer alguém que vos queira roubar a bola.
Então e se for sem ser a jogar à bola, só estar lá em baixo?
Não, bem sabes as histórias que se ouvem, pode sempre surgir alguém que vos queira fazer mal.
Então posso ir a casa da Rita que é no prédio ao lado para brincar um bocado, ver um jogo novo que ela me disse na escola que a tia lhe tinha dado.
Não, a Rita está sozinha, os pais ainda não chegaram e não gosto que vocês fiquem em casa, sós, sem adultos por perto, pode acontecer alguma coisa.
Mãe, posso ir a casa da avó num instante, antes de jantar? É perto.
É claro que não podes, só tens 10 anos e é preciso atravessar duas ruas.
Mas as ruas têm semáforos, eu sei ver se está verde.
Eu sei, mas há gente que não respeita os semáforos e pode acontecer um acidente.
Mãe, posso telefonar ao João para ele vir cá para casa brincar um bocado? Eu sei que a mãe dele deixa-o vir sozinho.
Não acho boa ideia, vocês brigam sempre e arranjam problemas.
Mãe, posso ficar aqui sentado só a olhar para ti?
Não sejas mal educado Tiago. Olha, andaste tanto tempo a pedir para te comprar o computador, porque é que não vais um bocado para o quarto e jogas no computador até à hora de jantar.
E o Tiago lá foi trancar-se no ecrã, só, no quarto, deixando a mãe mais tranquila e a pensar como hoje em dia é tão difícil contentar os miúdos.

segunda-feira, 29 de março de 2010

UM PAÍS DE DESPORTISTAS

Ciclicamente, só para nos arreliar e dar cabo da nossa auto-estima referem-se à nossa pouca apetência pelo desporto e actividade física. Um estudo há algum tempo realizado pela GFK, empresa de estudos de mercado, referia que muitos portugueses, quando não estão nos locais de trabalho, estarão de pijama, sentados num sofá à frente de um ecrã. Os resultados do estudo sobre a ocupação dos tempos livres mostraram que 96% dos portugueses tem como principal actividade ver TV na qual gastam 37% do tempo. Ficamos ainda a saber que 40% gasta 8% do tempo a ver filmes (DVD). Os portugueses usam 22% do seu tempo livre a navegar na Net e 9% de volta dos livros. Somos ainda os que menos recorremos a actividades de ar livre. Alguns comentários.
Em primeiro lugar, os tempos não me parecem nada livres, ou seja, os portugueses estão completamente “agarrados” e tornaram-se teledependentes. Como sabem, os comportamentos aditivos retiram-nos liberdade pelo que deixemos de chamar livres ao tempo que dedicamos compulsivamente ao ecrã. Por outro lado, parece-me que a fatal atracção pode ser explicada pela qualidade da programação, sobretudo dos canais abertos e generalistas, novelas, novelas e, no meio, pérolas como o Preço Certo ou os programas de discussão sobre futebol. E também temos a Dra. Fátima Campos Ferreira a arbitrar intermináveis e estéreis discussões. No cabo temos overdoses de futebol, actividade cultural de que somos especiais consumidores e até faz menos mal, parece, que ver telejornais. Os dados referentes à leitura estarão provavelmente ligados à atitude séria que temos perante a vida, isto é, se estamos em tempos livres, achamos, que é para descansar e ter que estar a pensar no que se lê, bolas, dá cabo do descanso. O facto de não recorrermos a actividades de tempo livre deve-se certamente ao clima adverso e à excelência e conforto das nossas casas. Gostava de ver as pessoas que andam sempre em actividades de ar livre, como as do norte da Europa, a fazerem essas actividades com o nosso clima. Claro que se também tivessem casas confortáveis como as nossas, não quereriam sair delas e estariam de pijama, num sofá, em frente à TV.
Em termos de actividade desportiva propriamente dita, julgo que é de realçar o hábito bem enraizado entre nós de passear de fato de treino a caminho da bica, pelos centros comerciais ou ainda assistir a um evento desportivo na condição tão interessante de "desportista de bancada" onde até se pode participar num concurso de arremesso no âmbito das claques clubistas. É um começo. Convém ainda não esquecer a quantidade vezes que nos referimos no quotidiano, ao que "fazemos por desporto".
No fundo, somos mesmo um país de desportistas.

A NEGAÇÃO DA REALIDADE

Creio que em bom rigor ninguém fica muito surpreendido com as revelações sobre casos de abuso de crianças no interior da Igreja Católica. Durante muito tempo a natureza das instituições, a cultura e valores instalados sobre a infância e os seus direitos, tornavam frequente a realização de abusos que não se confinavam, e confinam, a instituições da responsabilidade ou tuteladas pela Igreja. A menorização dos direitos dos miúdos "legitimavam" socialmente tais práticas, da mesma forma que legitimavam o trabalho infantil. Tal entendimento é patente quando se acede a depoimentos de pessoas vitimizadas que, regularmente utilizam expressões como "era normal", "era frequente". Aliás, este tipo de situações, estendiam-se a todos os países pelo que também Portugal terá, tem, episódios desta natureza, lembremo-nos do caso Casa Pia.
Dito isto e do meu ponto de vista o que fica mais surpreendente é a reacção da hierarquia da Igreja à divulgação das situações.
Desde a defesa da ideia de que se trata de um ataque ou conspiração, à desvalorização das situações, aos reconhecidos casos de cumplicidade e protecção, compra de silêncio através de indemnizações, temos tido de tudo, menos o reconhecimento da gravidade dos problemas e a tomada de medidas que reponham alguma justiça e a punição de responsáveis e cúmplices.
Talvez se lembrem da posição assumida pelo Bispo do Funchal aquando do julgamento do padre Frederico e sobre comprovados casos de abuso sobre jovens. O padre foi aliás condenado em tribunal pelo envolvimento na morte de um adolescente.
Esta posição, negação da realidade, é que me parece inaceitável, tornando algo hipócrita parte do discurso da igreja dirigido aos valores sociais em áreas como família, sexualidade e casamento.

O QUE A GENTE ALCANÇA

Ontem ao fim da tarde no meu Alentejo, num fim de semana sem água que permitiu mandar as batatas para a terra pela qual já ansiavam, assim diziam os grelos já bem visíveis, era tempo das lérias. Já de manhã, enquanto apanhava os espargos para as migas, tinha recebido a visita do meu amigo António, veio ao monte cumprir uma promessa antiga, uma garrafa de um tinto especial, e as promessas são para se cumprir, assim entende o meu amigo António que, por isso, não tem a classe política em grande conta. Ficámos um tempo de conversa e a tentar perceber porque é que este ano, apesar da água, se encontram muitas carrasquinhas mas poucos catacuzes. É pena, porque são uma delícia, experimentem.
Voltando às lérias do fim da tarde com o Velho Marrafa, comentávamos o abalo que a terra tinha sofrido e como achamos que somos tudo e afinal não somos nada, a terra estremece, ouve-se aquele ronco vindo do fundo e tudo fica tão maior que nós.
A conversa andava por aí, o que a gente é capaz de saber e de fazer, até onde somos capazes de chegar, qual o limite ou melhor, os limites. Conversa que, como podem imaginar, tem um fim altamente previsível, isto é, não tem fim. No entanto, as histórias têm que ter um fim, uma história sem fim não é uma história, é assim uma estrada para lado nenhum e o Velho Marrafa mais lúcido que eu encontrou o fim para a nossa narrativa.
Disse ele, que não há longe nem perto, nem comprido nem curto, "o que a gente alcança é o que é curto, é o que está perto, não podemos é parar". De alcançar, digo eu.
O Velho Marrafa tem razão como, quase, sempre. Antes de descobrir o meu Alentejo não sabia o que era um espargueiro e nunca tinha ouvido falar em catacuzes e carrasquinhas que agora estão tão perto, no prato.

domingo, 28 de março de 2010

OUTRA FACE DA CRISE

Tratar-se-á certamente de uma informação de rodapé condenada à discrição. Segundo o DN, nos últimos meses a administração fiscal em vindo a vender em hasta pública cerca de 81 propriedades por dia, sobretudo andares e moradias. Tal acção resulta de penhoras por incumprimento fiscal.
Não tenho dados que ajudem a perceber em que medida este incumprimento fiscal é resultado objectivo da crise económica ou, também, da velha cultura de evasão e manha na relação com o fisco. De qualquer forma não deixa de ser um dado extremamente significativo.
A este cenário devemos juntar o número, também muito elevado, de famílias que em situação de sobreendividamento entram em incumprimento das suas dívidas, sobretudo na área do crédito à habitação. Nos últimos meses a DECO, através dos seu gabinetes de apoio aos consumidores, tem vindo a relatar o número crescente de famílias incapazes de responder às dívidas. Devido à crise que também afecta o mercado imobiliário, a própria banca tem mais interesse em renegociar dívidas que a executar hipotecas. Se assim não fosse, o número de famílias que ficariam sem casa seria certamente maior.
Pode sempre dizer-se, com alguma razão, que o ímpeto e a pressão consumista, induzem alguma irresponsabilidade dos cidadãos gerando posteriormente situações de incumprimento ao menor sobressalto ou desequilíbrio. No entanto, é bom não esquecer a ligeireza negligente com que a banca durante muito tempo facilitava o crédito mesmo quando a taxa de endividamento já era perigosamente ameaçadora do equilíbrio dos orçamentos familiares.
Não é que esteja particularmente optimista, mas pode acontecer que as actuais dificuldades nos obriguem a repensar valores e comportamentos. A banca, que entretanto continua com lucros sólidos, já não tem o dinheiro tão acessível, elevou significativamente os spreads como é sabido e verificável na bastante maior dificuldade de acesso ao crédito. Mas eles são mais cuidadosos que nós.

sábado, 27 de março de 2010

E NÃO SE PODE EXTERMINÁ-LOS

Pois é, de vez em quando lá me lembro de Karl Valentin e da sua peça, “E não se pode exterminá-los” e por várias razões.
Agora decorre da proposta do PSD de expulsão do sistema educativo de alunos em idade de escolaridade obrigatória. Como parece evidente pela reacção de especialistas a proposta será inconstitucional mas a questão, do meu ponto de vista, está para além da eventual inconstitucionalidade, tem a ver com os efeitos e sentido da proposta.
Não está em causa a necessidade de que o quadro legal e os procedimentos a adoptar em termos de punição sejam eficazes e oportunos. No entanto, como sempre refiro, do meu ponto de vista, a questão central é a natureza da oferta educativa para os alunos e os dispositivos de apoio a que alunos, pais e professores poderão ter acesso em caso de dificuldade.
No que respeita à oferta educativa, a aposta que tem vindo a ser feita de há alguns anos para cá deve acentuar-se. É fundamental que todos os alunos possam seguir formas de qualificação, de duração mais longa ou mais curta, mas sempre conducente a formação profissional. Qualquer aluno que não aceda a qualquer tipo de formação profissional é um potencial excluído.
Por outro lado, como ontem referia, a complexidade dos problemas actuais exige também respostas mais complexas, ou seja, é fundamental que se desenhem dispositivos de apoio a alunos, a professores e a pais que minimizem riscos e contribuam para ultrapassar problemas. Estes dispositivos de apoio, de natureza e com recursos variados, não têm todos que estar sediados nas escolas mas sim ao alcance expedito das escolas.
É também necessário, repito-o vezes sem conta, que os discursos de políticos, professores e seus representantes, pais e opinion makers, entendam que a imagem social dos professores deve ser positiva e protegida. Só assim, os alunos, percebem, os seus professores como uma classe respeitada e isso contamina a sua atitude para com eles.
Finalmente e voltando ao início, podemos sempre achar que expulsá-los resolverá alguns problemas embora seja necessário pensar para onde se enviam já que em casa e desocupados certamente causarão problemas. Assim, e já que não se pode exterminá-los, talvez uns campos de concentração e detenção nas zonas desertas do país, possam ser uma solução. A constituição é que atrapalha.

O CAJÓ E O PEC

Há já algum tempo que não encontrava o meu amigo Cajó. Não sei se se lembram dele, é mecânico, tem um Punto todo kitado e é o tuga mais tuga que eu conheço. Passei ao pé da oficina e lá estava o Cajó. Não pude deixar de parar para uns minutos de conversa.
Olhó meu amigo Zé, tem andado zangado aqui com o pessoal ou lá porque o seu Benfica vai à frente não liga à gente.
Tá bom Cajó? Não tem calhado passar. Vai uma bica?
A esta hora já vai um mine. Vamos lá antes q’os gajos as aumentem.
No café ao lado da oficina, o Cajó mostrou que estava em forma.
Ah pois é, estas cenas vão todas aumentar. Dizem que é por causa daquela cena do PEC ou lá o que é. O cacau p’ra gente fica congelado mas os gajos que mandam nas empresas mamam gandes balúrdios e aí eles não mexem. A malta cá de baixo é que se lixa. E parece que os impostos também vão aumentar. O Sócrates dizia que não, mas estes gajos é só tangas e na volta, carregam, anda tudo ó mesmo. O meu cunhado Joca, o irmão da minha Odete, disse-me que lá na empresa dele já o avisaram que aumentam os descontos. Lá nisso aqui tenho sorte, o patrão dá-me algum por fora e parece que assim não aumenta. Também ouvi dizer que iam mexer no subsídio de desemprego. Tá mal, a minha Odete, tem subsídio e faz umas limpezas a umas madames e safa-se bem. Parece q’os gajos vão andar em cima disto. É sempre assim, um gajo tenta governar-se e não deixam. Eu bem os topo, só os gajos é que se querem governar. E você já viu os caldinhos em que os gajos andam todos metidos? Mas não vai dar nada, se fossem gajos pequenos tavam feitos, assim safam-se bem e ficam a gozar o deles. E depois vêm cá com essa tanga do PEC ou lá o que é e ainda nos lixam mais. Noutro dia, até teve um bacano aqui na oficina que me disse que tinham dito na televisão que andavam a ver se fechavam as rulotes, parece q’os gajos das rulotes têm que andar de luvas. Estes gajos tão malucos, você já viu como é q’ um gajo de luvas arranja uns córatos ou um cachorro. Uma vez também apareceram uns fiscais na oficina a mandar vir com o equipamento da gente. Cambada de chulos vão mas é bulir. Por falar em bulir, tenho q’ir mudar pastilhas áquele Corsa, o Zeca tá aí não tarda. Você é q’anda um bocado calado amigo Zé.
É do tempo Cajó, é do tempo.

sexta-feira, 26 de março de 2010

ATENTOS AOS MIÚDOS

Como há algum tempo afirmei aqui no Atenta Inquietude, as tragédias que por vezes nos atingem têm a consequência “positiva”, por assim dizer, de nos obrigar a prestar atenção aos fenómenos que as provocam ou envolvem, foi assim com a questão da pedofilia, desencadeada pelo caso Casa Pia e passa-se o mesmo agora com a questão do bullying e violência escolar após a tragédia que envolveu a morte de uma criança e de um professor. Também na altura referi que depois da poeira mediática começar a assentar e dos discursos reactivos populistas, demagógicos e desinformados se aquietarem será altura de começar seriamente a pensar.
Do meu ponto de vista, como já disse, este fenómeno, o bullying, nas suas diferentes formas exige duas abordagens cruciais e complementares, atenção e dispositivos de resposta.
A primeira e fundamental abordagem é assumir uma atitude estruturada, informada, intencional de estar atento aos comportamentos dos miúdos. Como se refere na peça do Público, os pais podem e devem ser informados sobre um conjunto de sinais nos discursos e comportamentos dos miúdos que podem sugerir o seu envolvimento em situações desta natureza, como vítimas ou como agressores. Muitas vezes, os pais notam diferenças na postura dos filhos mas por medo, desconhecimento ou negligência não percebem esses sinais. Este é um aspecto fundamental. Por outro lado, também nas escolas esses sinais devem ser conhecidos de todos os intervenientes presentes naqueles espaços, designadamente, de funcionários e professores. Sei que não será uma proposta pacífica, mas defendo de há muito que os intervalos nas escolas, circunstância em que maioritariamente emergem incidentes, deveriam ser supervisados por professores, por razões óbvias. Também aqui se torna imprescindível uma atitude de “querer ver”, portanto atenta, mas informada e capaz de entender e escrutinar os sinais transmitidos por vítimas e agressores.
A segunda grande questão, é que para problemas desta complexidade, a resposta tem também de ser mais complexa, ou seja, para além da componente punitiva, importa perceber que dispositivos de apoio deverão estar estruturados nas escolas ou ao alcance rápido e oportuno das escolas para lidarem com este tipo de fenómenos que, como disse e devido à complexidade, estão, por vezes, para além da sua capacidade de resposta imediata. Noutro espaço poderia discutir-se qual a natureza dos recursos e trabalho a desenvolver por estes dispositivos de apoio, a questão aqui a registar é a sua imprescindibilidade.
Finalmente, apenas sublinhar, que qualquer forma de abordagem que se queira eficaz, tem, necessariamente, de assentar numa atitude de atenção e querer ver.

SABER FAZER CONTAS

Também me incluo no grupo alargado de pessoas que se sente preocupado com os resultados genericamente baixos que os nossos alunos evidenciam, designadamente, a matemática. Sabemos todos como os conhecimentos matemáticos são fundamentais na construção dos projectos de vida, independentemente até do percurso que cada um fará. Em Portugal é ainda mais importante este conhecimento.
O povo, quando pensa na organização da vida e no seu bom andamento, utiliza expressões como "deitar contas à vida", "ser de boas contas", "é preciso fazer contas" e até se refere aos que "contam" ou "não contam" para alguma coisa. Como vêem as contas estão bem presentes.
Como dizia, entre nós é particularmente importante esta questão. Vivemos tempos em que é imprescindível saber fazer contas. A complicada situação económica em que muitos portugueses vivem a isso obriga, obviamente.
Mas não se trata só dessas contas. Toda a gente se interroga, "que ganho eu com isso?". Muitos dos nossos discursos e comportamentos perderam genuinidade, obedecem ao que chamamos de calculismo, ou seja, fazemos contas. Há sempre uma conta, um cálculo, por detrás, do que fazemos ou dizemos. Damos e trocamos pouco, vendemos ou compramos tudo, o que queremos e o que não queremos, o que precisamos e não precisamos. Não nos podemos distrair senão, cito outra vez o povo, "as contas saem furadas".
Os miúdos aprendem, mesmo que digam que eles não sabem, a fazer bem as contas. Aprendem como chegar ao que querem, fazem bem as contas. Os adultos, muitos, não se contentam com trocos, só contas com números grandes.
De facto, saber fazer contas, transformou-se numa peça fundamental no kit de sobrevivência com que nos equipamos.
No entanto, lamentavelmente e por várias razões, continua a haver muita gente, miúda, graúda e mais graúda ainda, chamam-lhes velhos, cujas contas dão, quase sempre, mau resultado.

quinta-feira, 25 de março de 2010

GENERICAMENTE

Genericamente temos a percepção de que a produção de serviços e bens se destina a promover o consumo por parte do cidadão, independentemente, das suas condições de vida. A responsabilidade social das empresas é, genericamente, retórica.
Segundo o Público, o recurso sistemático aos tribunais, corriam 140 acções em 2009, por parte das multinacionais farmacêuticas para impedir a utilização dos medicamentos genéricos têm custos enormes para o cidadão, o genérico fica cerca de 35% mais barato e para o estado, uma vez que o valor da comparticipação também seria menor. Tudo junto, a poupança seria na ordem dos 100 milhões de euros, uma ninharia.
Certamente que as multinacionais e os laboratórios ligados à produção de genéricos terão as melhores razões para que tal situação se verifique. Certamente que a economia de mercado e a livre concorrência suportam esta situação que as próprias instituições internacionais ligadas ao sector acham estranha.
A questão que me parece importante é como parece falhar a acção reguladora do estado levando que em plena discussão do PEC com a obrigatória redução da despesa pública, se aceite um acréscimos de custos que penaliza duplamente o cidadão, através da comparticipação do estado, dinheiro dos cidadãos e do custo directo na parte que paga na farmácia.
O cidadão, genericamente habituado, a não ver os seus interesses protegidos, nada dirá, pensando para consigo, "é o costume, eles só pensam no deles". Generalidades.

TRABALHO DE CASA

Depois de um jantar tranquilo, toda a gente a olhar para a televisão, que no seu canto cumpria o papel que lhe estava cometido, evitar que a família fale, o Miguel dirigiu-se ao pai.
Pai, preciso da tua ajuda para um TPC.
O quê Miguel?
Preciso que me ajudes num TPC.
Claro que te ajudo na realização do trabalho de casa. Deixa até que te diga que fico muito satisfeito por, finalmente, te teres lembrado do trabalho de casa sem que fosse necessário que eu pergunte dez vezes se tinhas alguma coisa para fazer. Sabes como isso é muito importante para tu aprenderes e esta conversa também serve para a tua irmã, é bom que façam sempre os trabalhos de casa. Quando andei na escola muito do que aprendia era porque fazia sempre os trabalhos. Estou satisfeito contigo.
Pai, este trabalho não é bem como os outros.
Então?
A professora pediu para fazer um trabalho para mostrar como é a nossa relação com os nossos pais.
Acho muito bonito esse trabalho e ajudo-te a fazer. Já tens alguma ideia Miguel?
Já pai. A professora disse que tinha de ser uma coisa assim normal, para mostrar como é quase sempre a relação. Então lembrei-me de fazer uma birra, assim, tipo, eu quero ir fazer uma coisa, tu não deixas, eu começo a protestar, tu começas a gritar, eu choro assim um bocado para ver se te convenço, tu ainda gritas mais, eu choro mais alto e digo que não gosto de ti e depois tu deixas-me fazer o que eu queria. Pai, podemos começar?
Miguel, estás a brincar?
Não Pai, é a sério.
"Não acredito", disse o pai do Miguel já a gritar. E a cena continuou a desenrolar-se com o guião de sempre.

quarta-feira, 24 de março de 2010

O FADO

Mais um estudo comparativo internacional e lá aparece Portugal em lugar de relevo. Ontem tratava-se do altíssimo nível de problemas na saúde mental, hoje trata-se do pessimismo face aos rendimentos na terceira idade.
Muitos destes estudos tem a vantagem de legitimar e certificar a percepção que temos da realidade e, simultaneamente, demonstrar que a realidade é o que é e não aquilo que nós gostávamos que fosse, como transparece em muitos discursos políticos, que nos querem convencer de que realidade é aquilo que dizem, não o que vemos e sentimos.
Outros estudos na área económica têm demonstrado que Portugal é um país com uma enorme assimetria salarial, ou seja, a diferença entre altos rendimentos e baixos rendimentos do trabalho é das maiores. É sabido e reconhecido. Também sabemos que o cálculo das pensões de reforma é realizado com base nos vencimentos. Assim sendo, não será de todo estranho que aos altos rendimentos salariais, a pequena minoria, irão corresponder as reformas mais elevadas, enquanto aos baixos rendimentos salariais, a grande maioria, corresponderão as pensões de reforma de mais baixo valor.
Quando são interrogadas as pessoas sobre o que esperam do futuro na situação de reforma, as respostas não podem deixar de traduzir este cenário pelo que os seus receios e baixas expectativas emergem. O futuro joga-se no limiar da sobrevivência, corta-se nos medicamentos para chegar para o comer.
Assim, cumpre-se o fado, baixa mobilidade social, nasce-se pobre, vive-se pobre, reforma-se pobre e morre-se pobre.
Para que este fado deixe de ser o destino, por assim dizer, precisamos, creio, de considerar dois eixos fundamentais, a qualificação das pessoas e a dimensão ética da cidadania. Em qualquer destas áreas está muito, mas mesmo muito, por fazer.

TENHO SONO

O JN de hoje aborda a questão da qualidade do sono de crianças e adolescentes. Alguns trabalhos evidenciam sustentam que os mais novos estarão a dormir menos que o desejável e função da idae. A falta de qualidade do sono e do tempo necessário acaba, naturalmente, por comprometer a qualidade de vida das crianças e adolescentes.
Várias investigações sugerem que parte das alterações verificadas nos padrões e hábito relativos ao sono remetem para questões ligadas a stress familiar e sublinham o aumento das queixas relativas a sonolência e alterações comportamentais durante o dia.
É certo que as situações de stress familiar serão importantes mas parece-me necessário não esquecer alguns aspectos relacionados com os estilos de vida. Segundo alguns estudos, perto de 50% das criança até aos 15 anos terão computador ou televisor no quarto, além do telemóvel.
Acontece que durante o período de sono e sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes estarão diante de um ecrã, pc, tv ou telemóvel, o que o estudo hoje referido vem sublinhar. Com é óbvio, este comportamento não pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida. Creio que, com alguma frequência, os comportamentos dos miúdos, sobretudo nos mais novos, que são de uma forma aligeirada remetidos para o saco sem fundo da hiperactividade e problemas de atenção, estarão associados aos seus hábitos e padrões de sono.
Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos, são problemas novos para muitos pais, eles próprios com níveis baixos de alfabetização informática. Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais de forma a que a utilização imprescindível e útil seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes.

O DESFILE DO MUNDO

Parecia que estava a assistir ao desfilar do mundo como se estivesse no centro de um carrossel que girava com imagens, cenas que se repetiam.
Via pessoas, pareciam gente de poder, a dizer qualquer coisa que só eles entendiam assim, para logo a seguir dizerem o contrário sendo, entretanto, contrariados por outros parecidos com eles que numa cacofonia incompreensível gritavam sem se ouvir.
Via gente que passava na rua sem ter um destino mas sem conseguir refrear um passo que agitadamente as levava para lado nenhum.
E corriam miúdos que gritavam sem que ninguém parecesse ouvi-los. Alguns deles envolviam-se em lutas que não pareciam incomodar quem ia passando.
Também desfilavam velhos que, sem dar por isso, já não estavam vivos mas de que ninguém parecia sentir falta ou inquietação.
E via muita gente que parecia procurar desesperadamente algo que tinham perdido ou que lhes tinha sido roubado. Aproximou-se um pouco e percebeu que se tratava da dignidade. Aquela gente tentava, sem sucesso, recuperar o seu bem mais precioso, o sustento da existência, a dignidade.
E as cenas sucediam-se como se se tratasse de um turbilhão enlouquecido, de curtas e trágicas animações com gente real.
Começou a sentir-se mal, cada vez pior. A certa altura, quando a velocidade sôfrega do desfile estava a atingir o limite do suportável e se sentia a explodir, acordou, tenso, assustado. Tinha sido apenas um pesadelo, mas estava na hora.
Levantou-se, sem fazer ruído para não acordar a mulher e os filhos, arrumou-se, da forma possível, por dentro e por fora, e foi apanhar o comboio suburbano que o leva, como todos os dias, às sete da manhã, para o centro da cidade, para aquele escritório onde se esconde de si e do mundo há muitos anos.

OS ATÍPICOS PORTUGUESES

De há muito tempo temos vindo a habituarmo-nos a que os estudos sobre a nossa realidade evidenciem resultados ou padrões distintos dos outros países com que é legítima a comparação.
Agora é o estudo que mostra como a nossa saúde mental anda pelas ruas da amargura. Só mesmo os americanos parecem mais "perturbados" que nós e os espanhóis não atingem sequer metade da nossa taxa de perturbação.
Parece ainda relevante sublinhar que a área de maior prevalência de problemas é a das perturbações da ansiedade o que até não surpreende face ao nosso quotidiano.
Sendo poucos os dados em que nos distinguimos pela positiva, começa a ser preocupante esta conjugação negativa de dados e padrões que nos caracterizam nas mais diversas áreas de funcionamento. Tudo isto representa uma séria ameaça à nossa auto-estima e à confiança que seria importante sentirmos.
Temo que, estando em discussão a versão V do Diagnosis and Statistical Manual of Mental Disorders a publicar em 2013, que ainda possa surgir uma entidade clínica capaz de explicar esta estranha atipicidade dos portugueses e transformar-nos numa espécie de case study para a comunidade científica internacional, em diferentes áreas.
Já faltou mais.

terça-feira, 23 de março de 2010

AS GRANDES SUPERFÍCIES

É um dos termos que entrou na linguagem nos últimos anos e que acho curioso, as grandes superfícies comerciais. As grandes superfícies comerciais vieram ao encontro de vários dos nossos problemas e incompreensivelmente algumas não estavam autorizadas a funcionar durante os sete dias da semana, situação que agora foi regularizada, isto é, permitida. Ainda bem.
Para nós portugueses, um centro comercial não é apenas um espaço, maior ou menor, onde se realizam compras. Aliás, comprar o que quer que seja, está cada vez mais difícil por razões óbvias, daí as lojas com pouca gente e os corredores cheios. Um centro comercial é um espaço de ocupação de tempos livres. Como vários estudos mostram, Portugal tem um baixo consumo de actividades de lazer no exterior, de actividades desportivas e de actividades culturais. É nos centros comerciais que gastamos boa parte dos nossos tempos livres o que os transforma em excelentes ATLs. Para os reformados e, sobretudo, para a população escolar em tempo de férias são uma excelente alternativa para as famílias e com custos relativamente baixos, o hamburger e a cola para o almoço e a miudagem passa lá o dia. Com o fim dos cafés tradicionais, os centros comerciais ocupam também uma boa parte desse espaço de convívio e tertúlia, quando precisamos de nos encontrar com alguém é fácil marcar o encontro para qualquer espaço no centro comercial com a enorme vantagem de ter estacionamento disponível.
Uma outra razão prende-se com a falta de qualidade genérica da construção para habitação em Portugal. As nossas casas estão mal preparadas, quer para o frio, quer para o calor. Assim sendo, que melhor e mais confortável espaço para se passar o tempo que um climatizado centro comercial, com bancos para descanso, palmeiras em plástico, água a correr em fontes, sempre fresquinho no verão e quentinho no inverno.
Felizmente que as autoridades estão atentas e permitem a sua abertura durante os sete dias a semana. Sugiro aliás, que, considerando o número de pessoas que cada vez mais vivem isoladas, a sua abertura durante 24 h seria de considerar.

UM MIÚDO CHAMADO TRISTE

Era uma vez um miúdo chamado Triste. Como sabem, as pessoas que se chamam Tristes não são parecidas com as pessoas que têm outros nomes. Este miúdo, o Triste, também não era assim muito parecido com os outros miúdos lá da escola. Não falava tanto como os colegas, nas aulas estava tranquilo, realizava sem sobressaltos as tarefas que lhe pediam e os resultados ficavam-se pelos mínimos. Não era muito amigo de brincadeiras, no recreio, aconchegava-se a um canto e ficava a observar os outros. Não se percebia muito bem se não se aproximava por não querer, não gostar ou outra qualquer razão.
Mas o que verdadeiramente era diferente no Triste em relação aos outros miúdos era o seu olhar. Só estando perto dele é que se percebia, os seus olhos pareciam ainda mais tristes que o seu nome. Como as pessoas, pequenas ou grandes não se aproximavam muito do Triste não percebiam como tristes eram os seus olhos.
Um dia, o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, aproximou-se devagar e sentou-se ao lado do Triste sem dizer nada. O miúdo olhou-o mas também nada disse.
Alguns minutos depois o Triste disse "Não dizes nada Velho". "Estou a pensar" disse o Velho no seu jeito manso. "Em mim?", perguntou o Triste. "Sim, em ti. Queres falar sobre o que estou a pensar?".
"Não. Não gosto de Tristes. Como toda a gente". Disse o miúdo chamado Triste ao mesmo tempo que se levantava.

segunda-feira, 22 de março de 2010

A QUESTÃO CURRICULAR

O Público de hoje apresenta um trabalho interessante sobre as questões curriculares que justificam o retomar de algumas notas que tenho vindo a referir no Atenta Inquietude.
Quando há algum tempo comentei a intenção do ME de modificar o currículo do 3º ciclo, uma necessidade de há muito, sublinhei o consenso estabelecido sobre esta necessidade de mudança e sublinhei a necessidade de ouvir os parceiros envolvidos. Também referi que as razões que sustentam o quadro actual são complexas pelo que a sua abordagem transcende um espaço desta natureza. No entanto essas razões estão também na base, creio, das reacções que começaram a emergir, ou seja, a maioria das vozes entende a mudança como necessária, designadamente a diminuição do número de disciplinas, desde que isso não afecte a Sua disciplina que, aliás, Deve ser reforçada. Esta reacção, diria de corporativismo científico, na linha do “not in my backyard”, é fruto da quintalização excessiva das áreas de saber que se transformam em disciplinas com Donos diferentes. Esta lógica tem informado o sistema educativo e também o sistema de formação de professores durante demasiado tempo, o que alimenta a esta disciplinarização sem sentido, 14 disciplinas para 25,5 horas de aulas no 3º ciclo.
É curioso, e mostra como esta cultura está enraizada, verificar a frequência com que, a propósito de qualquer saber, se defende a existência de mais uma disciplina. A última proposta que ouvi falava da bizarra necessidade de uma disciplina de “Educação Financeira” para ensinar os meninos a poupar e consumir.
Não creio que a discussão em torno de “a minha disciplina é mais importante que a tua” contribua para necessária mudança. A Lei de Bases do Sistema Educativo define para o Ensino básico um modelo de área científica e não um modelo de disciplina, só presente no Ensino Secundário. Creio que o caminho mais eficaz será estabelecer, ouvindo quem seja de ouvir, as competências científicas e pessoais de que a educação deve ser responsável, por ciclos e por anos, embora me pareça que se deveria modificar o actual quadro de três ciclos, de 4, 2 e 3 anos. Depois deste processo discute-se então qual o desenho curricular mais ajustado aos objectivos a atingir e as formas de avaliação e regulação do trabalho de alunos e professores.
Finalmente, considerando a questões de indisciplina neste momento tão integradas na agenda, parece-me de sublinhar que uma mudança permitiria muitos professores pudessem ter mais tempo com menos alunos o que permitiria criar relações e referências reguladoras dos comportamentos escolares e sociais.
O que me inquieta é que a tutela já anunciou que a mudança será um "mero ajuste".

UMA HISTÓRIA EM CONTRA CORRENTE

Hoje dei por mim a olhar, com pouco tempo mas com preocupação, para o mundo que desfila à nossa frente e fiquei assustado. Bem me parecia que quando paramos para pensar, quase sempre, o resultado não é muito interessante. Mas de mansinho e, devo confessar, sem grande esforço, consegui começar a lembrar-me de algumas coisas em contra corrente com o desfile do mundo. Deixem que partilhe convosco, ao correr do teclado, algumas das minhas descobertas.
Afinal, sei de alguns miúdos que têm vidas tranquilas, são aconchegados pelos pais e têm os tratos que se espera que os pais dêem. Sei mesmo de alguns miúdos que falam com os pais e com outros adultos sobre aspectos que lhes parecem úteis ou necessários e reservam para os amigos e para si aquilo que assim deve ficar. Sei até de alguns miúdos que brincam na rua, tem resultados escolares positivos e também jogam com a PlaySation e computadores, vêm televisão sem se esconderem e ficar fechados num ecrã.
Imaginem que sei de miúdos que têm avós com quem se cruzam e "aprendem" aquilo que os pais não podem ensinar, porque pais e avós cumprem funções diferentes. Também sei de miúdos que crescem no meio dos outros e trocam uns nomes e uns sopapos que ajudam a perceber limites e diferenças sem que se pense que são delinquentes, feitos ou em construção. Sei até de miúdos que gostam de muitos dos professores que têm e que respeitam genericamente as regras de relação com eles.
Sei também de miúdos que nunca foram assaltados e outros que até já foram mas que crescem sem o receio de que cada vez que vão à rua mergulham num mundo que os irá atacar, embora estejam conscientes da prudência necessária.
Sei também de miúdos que fazem e dizem disparates e asneiras que precisam de fazer e dizer para não terem a tentação de mais a tarde as realizar, então com riscos para todos, e sei de pais e outra gente grande que acha que nem todos os miúdos que se mexem um pouco e falam muito são mal educados ou hiperactivos.
Afinal, descobri, em contra corrente, que existem miúdos que, não sabendo eu se são felizes porque não saberei muito bem o que será a felicidade, vivem uma vida na qual se sentem bem. Afinal, ainda não é desta que me convenço de que a nossa estrada desembocou num inferno. Os miúdos, agora falo de todos os miúdos, não deixam que acreditemos que a vida é um inferno. Se assim fosse, não teríamos outra coisa para lhes mostrar e deixar. E temos.

domingo, 21 de março de 2010

OS PROFESSORES E A SUA IMAGEM SOCIAL

Nesta senda de ir tentando reagir de forma avulsa aos problemas, a Senhora Ministra da Educação admite agora que a ofensa grave a professores possa ser considerada crime público e, portanto, não carecer de queixa para que desencadeiem os adequados procedimentos de investigação. Esta proposta da Fenprof retoma, tal como o Público refere, uma ideia subscrita em 2002, sublinho 2002, pelo Conselho Nacional de Educação.
Do meu ponto de vista e não tendo nada a opor à classificação como crime público creio que importa ponderar alguns aspectos.
A imagem social dos professores tem vindo a sofrer uma erosão significativa, alguns estudos e a chamada "opinião pública" reflectem-no. As razões são variadas e dificilmente compatíveis com este espaço mas creio que uma boa parte da política educativa dirigida aos professores nos últimos anos, uma boa parte dos discursos dos lideres sindicais e os discursos ignorantes e irresponsáveis de alguns "opinion makers" têm dado um bom contribuo para que, em termos sociais, a imagem dos professores se desvalorize. Este processo mina de forma muito significativa a relação que pais e alunos têm com os professores, ou seja e sendo deselegante, "uma classe de gente que não trabalha", "que não se interessa pelos alunos", "que não quer ser avaliada", etc., (basta ver muitos dos comentários on-line a notícias que envolvem professores), não é, obviamente uma classe que mereça respeito pelo que se instala de mansinho um clima de reacção, desconfiança e fraqueza que minimizam o exercício da autoridade. Os pais e alunos que agridem e ofendem professores são uma espécie de "braço armado" dessa imagem social induzida.
Por outro lado, a cultura profissional e institucional em boa parte das nossas escolas e agrupamentos é ainda marcada por um excesso de individualismo. Quero dizer com isto que, lamentavelmente, os professores evidenciam níveis de cooperação e partilha profissional abaixo do que seria desejável. As razões serão várias e não cabem aqui, mas creio que justificam, muitas vezes, a não realização de queixas de incidentes, muitas vezes graves, por receio de exposição e demonstração de fragilidades face a colegas e responsáveis, o que uma cultura de maior cooperação atenuaria. Acresce ainda que, por desatenção, incompetência ou negligência muitas direcções de escolas e agrupamentos não vão muito longe na definição de dispositivos de apoio, recorrendo a outros docentes mais experientes ou à presença de dois professores por exemplo, que dariam aos professores apoio e confiança para o trabalho com os seus alunos.
Finalizando e, independentemente, da classificação como crime público das ofensas físicas a professores, urge caminhar no sentido de reconstruir a imagem social dos professores como fonte imprescindível de autoridade, saber e importância e, paralelamente, incentivar a construção nas escolas de dispositivos leves e ágeis de apoio aos professores de forma a que cada um não se sinta entregue a si próprio e com receio de "enfrentar" os alunos e os pais, a pior das situações em que um docente se pode sentir.
Este caminho é da responsabilidade de todos, ministério, sindicatos, direcções de escola pais, professores e alunos.

sábado, 20 de março de 2010

LIMPAR PORTUGAL

Estou entusiasmado. Esta iniciativa, vinda daquela entidade tão curiosamente definida por “sociedade civil”, mobilizará cerca de 100 000 portugueses no sentido de limpar um pouco do muito que Portugal tem para limpar.
Não sei quais serão as prioridades definidas, li que cerca de 13 000 lixeiras poderão ser eliminadas. Se se conseguir será bom e Portugal ficará mais bonito. A iniciativa, que certamente mobilizará muitas crianças que, por sua vez mobilizarão muitos pais, poderá contribuir para alguma mudança nos comportamentos e cultura sobre questões de ambiente.
No entanto, temo que nem mesmo 100 000 pessoas a esforçar-se por limpar Portugal possam ter algum efeito em áreas onde seria imprescindível que o tivessem.
Talvez fosse importante proceder a alguma limpeza nos discursos e comportamentos de boa parte da nossa classe política que, tantas vezes, atingem um estado de degradação e putrefacção ambiental insustentáveis.
Também me parece que algumas ideias que começam a instalar-se necessitavam de alguma limpeza. Estou a referir-me à defesa de políticas altamente musculadas e “policializadas” que apesar de direccionadas para questões sérias e preocupantes nos podem conduzir por caminhos perigosos assentes exclusivamente na repressão.
Creio que poderia ser limpa a facilidade insultuosa com que muitas pessoas se atribuem mordomias e benefícios que insultam o cidadão comum mergulhado numa crise de que se não vislumbra o fim.
Um outro aspecto a carecer de alguma limpeza remete para o lixo presente na vida dos miúdos, na alimentação, nos comportamentos que lhes são dirigidos ou no entretenimento, que poluem cabeças que de tão sós se habituam a tal lixo.
Enfim, apenas alguns dos exemplos que solicitariam, creio, alguma limpeza. No entanto, é preciso começar por alguma lado.

sexta-feira, 19 de março de 2010

DEPRESSA E BEM, NÃO HÁ QUEM

A última equipa que ocupou a 5 de Outubro, estabeleceu como marca de identidade uma arrogante omnisciência, que a impedia de aceitar críticas e entender que vários dos aspectos de política educativa que subscreveu eram absolutamente inaceitáveis além de que dificilmente sustentáveis à luz de qualquer critério que tivesse a ver com ciência. Dois exemplos deste tipo de atitude são algumas das disposições do Estatuto da Carreira Docente e do Estatuto do Aluno.
A entrada de uma nova equipa suscitou legítimas expectativas de que a postura de trabalho fosse diferente e, de facto, algumas das questões relativas à carreira e à avaliação foram mudadas e anunciou-se que nada seria definitivo e inegociável. Anunciaram-se, por exemplo, mudanças nos currículos que entretanto foram definidas como um decepcionante mero ajuste e também uma tão necessária quanto urgente revisão do estatuto do aluno. A tragédia com o Leandro em Mirandela veio dar maior visibilidade à questão e o habitual aproveitamento político das coisas da educação contribui para acelerar o processo.
Neste quadro, a senhora ministra vem anunciar medidas como a possibilidade de suspensão preventiva imediata de alunos que transgridam e, foi hoje divulgado, a alteração no processo de tratamento das faltas dos alunos, justificadas ou injustificadas, que no actual estatuto eram completamente desadequado.
Apesar da necessidade de alterações e da sua urgência, temo que, como diz o povo, "depressa e bem não há quem", ou seja, podemos passar de uma arrogante inflexibilidade para um voluntarismo avulso que funciona em termos reactivos. Parece-me ser necessário abordar as questões de forma integrada e ponderada e introduzir as mudanças necessárias. Entendo que pode ser arriscado a pressa de mudar para corresponder a discursos mais ou menos informados, mais ou menos populistas. As mudanças avulsas e desarticuladas, mesmo em situações em que são necessárias alterações, podem não contribuir para melhorias significativas, podendo, até, inibir uma verdadeira mudança sustentada.

SOLIDARIEDADE, ESTABILIDADE E CRESCIMENTO

Um estudo hoje divulgado e realizado pelo Instituto de Ciências Sociais mostra que cerca de um terço dos inquiridos e com doença crónica não compram os medicamentos necessários por razões económicas. Neste cenário, é ainda de sublinhar que cerca de 28.1% não cuida da saúde oral e 21% de problemas do foro oftalmológico pela mesma razão, falta de recursos económicos.
Curiosamente, estes dados são conhecidos em pela discussão do Plano de Estabilidade e Crescimento que tem levantado fortíssimas críticas na medida em que no documento agora conhecido, o Governo estabelece que da poupança global a atingir, 28,3%, cerca de 3,9 mil milhões de euros, se verificará nas chamadas despesas sociais, segurança social, pensões e saúde e ainda que 9,4% da poupança global advirá da restrição de benefícios e deduções fiscais que atingirão rendimentos salariais superiores a 500 €.
Parece óbvio que importa promover poupança, combate ao desperdício e a à fraude mas este é um caminho perigoso.
Os destinatários das políticas sociais serão, na sua maioria, pessoas e agregados familiares em situação de vulnerabilidade e risco de pobreza, embora saibamos que existem abusos, fraudes e injustiças que urge corrigir.
Quando sabemos que um terço dos doentes crónicos, na sua maioria velhos, não compram os medicamentos de que precisam porque, simplesmente, não têm dinheiro para isso, estamos a alimentar uma sociedade que por este caminho implodirá nos seus valores sociais, promovendo e acentuando mecanismos de exclusão com preços certamente devastadores.
Nessa altura, não haverá estabilidade que resista e crescimento, só dos problemas.

APRENDER O QUÊ

Quando saiu de mais uma reunião a professora Maria encontrou o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, e como o assunto em discussão estava fresco interpelou-o com curiosidade.
Olá Velho, tudo bem contigo?
De volta dos livros na biblioteca e com os miúdos a passar por lá, estou bem.
Estivemos agora a discutir um assunto complicado, os programas, as disciplinas, os conteúdos. Não é nada fácil. De uma maneira geral todos achamos que o miúdos têm muitas disciplinas, e que também é preciso pensar nos conteúdos que se ensinam em cada uma. O problema é que rapidamente todos achamos que a nossa disciplina é a mais importante e que tudo que se ensina em todas faz falta.
Tens razão Maria, não é fácil. Também acho que são disciplinas a mais, que os conteúdos são extensos. Mas por outro lado os miúdos precisam de aprender umas coisas que deixaram de aprender ou que nunca lhes ensinaram.
Velho, não me digas que ainda é preciso mais disciplinas, já são demais.
Não, estou a dizer que os miúdos precisam de menos disciplinas mas que lhes ensinem coisas que precisam de aprender.
Estás a falar de quê?
Assim, de repente, acho que os miúdos precisam de aprender a cair, para saber como se levantar. Precisam de aprender a escutar, para serem ouvidos. Precisam de aprender a brincar, para saber o que é trabalhar. Precisam de aprender a falhar, para saber acertar mais vezes e mais facilmente. Precisam de aprender a arriscar, para perder o medo de aprender. Precisam de aprender a pensar, para saber decidir. Precisam de aprender o não, para saber tomar conta de si. Precisam de aprender a trocar, para saber ter. Precisam de aprender a falar, para saber comunicar. Precisam de aprender o dever e o direito, para poder ser. Maria, acho que aprendem melhor isto se tiverem menos disciplinas e aprendem melhor as coisas das disciplinas se aprenderem isto.
Velho, sei que não simpatizas com o trabalho de casa, mas arranjaste-me um bem inesperado, pensar nisso.

quinta-feira, 18 de março de 2010

O MUNDO DO AVESSO

Ele há dias estranhos como diz o povo. Uma viagem pela imprensa portuguesa, deixando de lado a cena política que continua no mais fino recorte ético-discursivo, evidencia algumas coisas que nos causam alguma estranheza, ou talvez não, sendo apenas curiosidade.
Sem nenhuma preocupação de ordenação ficámos a saber que a PJ, através do seu Departamento Central de Investigação e Acção Penal, procedeu a buscas na PJ, na Unidade Nacional de Combate à Corrupção. A PJ a investigar a PJ?! Certo.
João Cravinho afirma que "até Paulo Portas dá lições de esquerda a Sócrates". Paulo porta dá lições de esquerda a Sócrates?! Diz João Cravinho do PS!!! Mas ...
Trabalhadores da TAP protestam contra greve marcada por trabalhadores da TAP. Percebi bem? Sim, uns trabalhadores protestam contra a greve de outros trabalhadores da mesma empresa!!
A classe médica é a classe profissional com mais alta taxa de suicídio. Os profissionais que nos cuidam da saúde são, portanto, os que mais acabam com a sua própria, certo!!!
A Conferência Episcopal Portuguesa analisa os eventuais abusos de crianças por parte de membros do clero. Afinal a carne é mesmo fraca, até o Sr. prior não resistirá à tentação.
També se pode constatar que os homossexuais podem dar sangue, não podem é dizer que são homossexuais. Mas não é feio mentir?!
Pela primeira vez em 10 anos, os portugueses expressam mais intenção de poupar do que consumir. Vai perder-se o espírito natalício ou trata-se de danos colaterais positivos da crise.
O ex-Procurador-geral da República perdoa três anos de prisão a Vale e Azevedo. Fica-se à espera da indemnização que Vale Azevedo certamente pedirá ao estado português por atentado ao seu bom nome.
Devo confessar que estas notícias me deixam um pouco baralhado. O mundo anda mesmo um bocado do avesso.

POLÍTICAS SOCIAIS

Não há como fugir à questão. O número de desempregados continua a subir e os números de Fevereiro, sendo superiores ao de Janeiro, estão quase 20% acima do valor do ano passado. Conhecemos estes números em plena discussão do Plano de Estabilidade e Crescimento que faz assentar na poupança em despesas sociais, segurança social, pensões e reformas e saúde, a fatia mais significativa da poupança nas despesas públicas.
Causa alguma estranheza esta opção a que já ontem me referi. É óbvio que importa combater desperdício e fraude mas num país em que perto de dois milhões de cidadãos vivem em risco de pobreza, baixar de forma pesada os apoios nas situações de maior fragilidade e vulnerabilidade social parece-me uma via muito arriscada, ainda que fácil.
Não se trata de criar e alimentar um quadro de "subsídiodependência", é um risco verdadeiro, mas de promover formas de justiça social que previnam e contrariem formas de exclusão que são fortemente ameaçadoras do clima social.
Creio que é preciso estar muito atento, fico frequentemente com a ideia de que as elites políticas, confundindo a realidade com os seus desejos e sobrevalorizando os interesses da partidocracia, não têm uma visão realista da enorme dificuldade em que muitos milhares de famílias (sobre)vivem.
Encontrar consensos e políticas ajustadas, designadamente, promovendo justiça e equidade, é mais do que uma opção positiva, é um imperativo de sobrevivência enquanto país.

SER ALGUÉM

Um dia destes estava a Joana, uma miúda com uns oito anos a brincar no pátio da escola e no meio da corrida tropeçou com o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros. A Joana ficou um bocadinho embaraçada de ter chocado com o Velho e ficou a olhar para ele. O Velho riu-se e descansou-a.
Estou bem Joana foi um choque pequenino. E tu? Estás a gostar da escola?
Gosto Velho. Não quero sair dela.
Porque dizes isso, daqui a um ano passas a andar naquela.
Eu sei, é onde está o meu irmão Ricardo, está no oitavo ano. E eu não quero ir para lá.
Porquê? Por causa do teu irmão?
Não Velho. O meu pai e a minha mãe estão todos os dias zangados com o Ricardo porque dizem que ele estuda pouco e que não liga e que não faz os trabalhos e assim. Eu acho que o Ricardo não gosta muito de estudar.
E então Joana? Não estou a perceber muito bem porque não queres ir para aquela escola.
É que o meu pai e a minha mãe dizem que o meu irmão Ricardo tem que estudar e fazer as coisas para ser Alguém e eu não quero.
Não queres o quê?
Não quero ser Alguém. Eu gosto de ser a Joana, não quero ir para aquela escola para estudar e fazer coisas para ser Alguém. Eu já sou a Joana, e pronto.

quarta-feira, 17 de março de 2010

PEC, COESÃO SOCIAL E EQUIDADE

Como cidadão atento embora desconhecedor dos meandros técnicos da economia não posso deixar de olhar para o aguardado e exigido Plano de Estabilidade e Crescimento, a ferramenta que nos deve levar à redução do enorme défice das nossas contas. Não é preciso ser especialista para perceber que equilibrar contas passa, naturalmente, por reduzir despesas e, se possível, aumentar receitas. Isto não tem nada de transcendente a questão é como. Aqui já podemos começar a pensar em diferentes opções. De acordo com o documento agora conhecido, o Governo estabelece que da poupança global a atingir, 28,3%, cerca de 3,9 mil milhões de euros, se verificará nas chamadas despesas sociais, segurança social, pensões e saúde e ainda que 9,4% da poupança global advirá da restrição de benefícios e deduções fiscais que atingirão rendimentos salariais superiores a 500 €.
Sou das pessoas que entendem a necessidade de contenção em questões de salários mas tenho a maior a dificuldades em perceber algumas destas opções. É evidente que em termos operacionais é mais fácil para administração poupar nos gastos sociais do que aumentar o IRC da banca ou aumentar a taxa sobre os lucros de algumas empresas de capitais públicos como a GALP ou a EDP mas que diabo, mexer desta forma nas despesas sociais poderá ter em muitas famílias efeitos brutais, alterar benefícios e deduções fiscais em rendimentos na casa dos 500 € poderá ter implicações severas em famílias já sobreendividadas.
Sabemos todos que, mesmo na áreas da despesas sociais, existe desperdício e fraude que devem ser combatidas o que é diferente de um corte cego e significativo num tempo de fortíssima crise, com um nível recorde de desempregados e, coincidência, em pleno Ano Europeu de Combate à Pobreza e Exclusão Social.
Deve ser certamente por ignorância mas creio que o caminho para o crescimento e estabilidade não têm que necessariamente ser pago pelos mais vulneráveis e desprotegidos, os destinatários das despesas sociais. Acho que isto compromete uma outra questão central em matéria de estabilidade e crescimento, coesão social e equidade.

É ASSIM

Na linguagem corrente vão entrando e saindo termos e expressões que provam, por um lado, o carácter dinâmico da língua e por outro como essas mudanças espelham as mudanças que a outros níveis e noutras dimensões também se fazem sentir.
Uma das fórmulas expressivas mais recorrentemente utilizadas e que, devo confessá-lo, mais me irritam é começar as frases por um assertivo “é assim”. A minha irritação não advém de nenhuma razão estética mas do seu conteúdo habitual.
Como já tenho referido, muitos de nós, na interacção com o outro, com os outros, revelamos pouca disponibilidade para trocar ideias ou pontos de vista sobre o que quer que seja. Quase sempre falamos como quem está a mostrar a única ideia ou ponto de vista ajustado. Falamos para impor, vender, a nossa posição porque ela é, obviamente, a melhor e a única, por uma razão simples, é a nossa.
Por isso, começarmos as frases por um indiscutível e definitivo “é assim”, ou seja, não é possível pensar ou interpretar de outra maneira, “é assim”, mesmo. Se estivermos atentos notaremos a quantidade de vezes que ouvimos tal expressão.
A partir de certa altura, sempre que alguém com quem estou a falar começa pelo inevitável “é assim”, aprendi a introduzir de forma repetida uma dúvida “e se não for assim?”.
Devo dizer que, frequentemente, a conversa acaba. É pena, mas ... é assim.

terça-feira, 16 de março de 2010

ESCRAVOS

Há uns tempos atrás tinha deixado um texto no Atenta Inquietude sobre esta questão à qual volto, a escravatura, sim, a escravatura algo de improvável no séc. XXI em países da Europa Ocidental.
Hoje volta a ser notícia o facto de em cada ano, algumas dezenas de portugueses, de pessoas, serem sequestradas e colocadas a trabalhar em estruturas agrícolas em Espanha. Como em todas as situações desta natureza, as autoridades estimam que os casos conhecidos sejam em número bastante inferior ao que na verdade se verifica. Sabemos de como no mundo inteiro o tráfico de pessoas se constitui como uma das áreas de mercado mais rentáveis, designadamente, no caso de mulheres para o universo da prostituição. Lamentavelmente, esta situação já não causa estranheza e as comunidades acabam por revelar alguma condescendência, pois as conhecidas casas de alterne têm existência bem visível e certamente frequência que as justifique não podendo, pois, desconhecer-se a provável situação de exploração em que muitas mulheres aí presentes estarão sujeitas.
No entanto, a escravatura para trabalho agrícola parece algo “fora do tempo” e de impossível existência nos nossos países. Mas existe, e é sério o problema que, como não podia deixar de ser, atinge os mais vulneráveis.
Independentemente da eficácia dos mecanismos de prevenção e combate a tais situações, a sua existência mostra como são frágeis e relativos os nossos valores sobre o que é desenvolvimento, os nossos discursos sobre a salvaguarda do direitos humanos, discursos que são sólidos sobretudo quando se dirigem a realidades mais longínquas. Custa-me a acreditar que as comunidades onde se passam este tipo de episódios os desconheçam.
É o que costumo designar pelo efeito da transparência, só vemos o que queremos ver, o resto é transparente.

NÃO GOSTO DA ESCOLA, GOSTO MAIS DA PRAIA

Nestes dias em que o sol voltou mostrar-se o Professor Velho, aquele que está na biblioteca e fala com os livros, gosta de se aquecer um pouco ao intervalo da manhã, ao mesmo tempo que vai olhando para a miudagem. É claro que eles também reparam que o Velho está por ali e, de vez em quando, dá para uma conversa, Foi o que aconteceu com o Miguel.
Olá Velho, estás a descansar?
Estou a aquecer-me ao sol como as lagartixas e tu?
Não gosto da escola, estou farto, gosto é da praia.
Não gostas da escola! Explica-me lá uma coisa, o que é a escola?
Estás a brincar, então a escola é ... matérias chatas que não interessam a ninguém e trabalhos difíceis. Não gosto.
Parece-me que estás a esquecer-te de algumas coisas. Tens amigos cá na escola?
Tenho, muitos até.
Isso também é escola e acho que disso gostas. Há algumas das coisas que fazes cá na escola como desporto, brincar, meteres-te com os outros e até alguns dos trabalhos de algumas disciplinas que me parece que gostas, não é verdade?
Sim, de algumas coisas gosto.
Isso também é escola. Gostas de alguns dos professores cá da escola?
Claro, alguns são fixes.
Isso também é escola. Eu trabalho há muitos anos na escola e existem coisas de que gosto, conversar contigo, por exemplo, e outras que são, como vocês dizem, uma seca, por exemplo preencher uma mão cheia de papéis. Tudo junto gosto de cá estar e tu até vais estar cá na escola muito menos tempo que eu. Diz-me outra coisa, então gostas mesmo de praia não é?
É, gosto muito de ir para a praia, porquê?
E do caminho para chegar à praia?
Às vezes é uma seca, engarrafado, cheio de carros, mal se pode andar, demora-se muito tempo, mas não percebo.
A escola, às vezes, é como o caminho para a praia, tem coisas chatas e de que não se gostam, mas é a única maneira de chegar à praia. Só tens que tentar perceber a que praia a escola te leva.

segunda-feira, 15 de março de 2010

DE TANTO CHUMBARES, VAIS APRENDER

Com a urgente e anunciada mudança no Estatuto do Aluno reentra na agenda a questão da retenção por faltas. Por diversas vezes abordei aqui no Atenta Inquietude a questão dos chumbos, por falta de rendimento ou, como se discute agora, por excesso de faltas. Retomemos a matéria com algumas notas telegráficas.
Em primeiro lugar, parece-me de recordar que os estudos comparativos internacionais mostram que Portugal tem ao mesmo tempo, surpreendentemente para alguns, níveis altíssimos de chumbos e absentismo. No mesmo sentido, parece importante sublinhar que vários dos países com mais altas taxas de sucesso escolar não prevêem na organização dos seus sistemas a figura chumbo, sobretudo para alunos mais novos. Não se prova, portanto, a ideia de que reprovar mais produz mais sucesso.
Os estudos internacionais também mostram que os alunos que começam a chumbar, tendem a continuar a chumbar, ou seja, a simples repetição do ano, não é para muitos alunos, suficiente para os devolver ao sucesso. Os franceses utilizam a fórmula “qui redouble, redoublera” quando referem esta questão.
Nesta conformidade, a questão central, do meu ponto de vista, não é o chumba, não chumba e quais os critérios (quantas disciplinas com notas negativas, quantas faltas, a quê e de que tipo, por exemplo). O que me parece essencial é a natureza dos dispositivos de apoio, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores e famílias de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. Julgo que seria fundamental uma mudança na estrutura e conteúdos curriculares. Creio que também andaríamos bem se introduzíssemos mudanças em algumas áreas da organização e funcionamento das escolas.
Finalmente, parece fundamental diversificar percursos de formação, com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional. Pode promover-se qualificação de duração variável e diferenciada mas sempre qualificação. Não se pode carregar a fatalidade do insucesso e do absentismo e esperar o Novas Oportunidades que milagrosamente compõe as estatísticas.
É “só” isto que está em causa.

TENS P'RA TROCA?

Há alguns anos, muitos, era miúdo e recordo-me que muitas das conversas entre mim e os meus amigos começavam por "tens p'ra troca?". É verdade, passávamos uma boa parte do nosso tempo a trocar. Primeiro, porque tínhamos tempo, ainda não tinham inventado a escola a tempo inteiro e os ateliers de tempos livres que prendem o tempo, e depois porque tudo se trocava.
Trocávamos berlindes, cromos de variadíssimas colecções, trocávamos brinquedos, discos, roupa, etc. Tudo se podia trocar, até as ideias e as dúvidas que naquelas idades eram mais que muitas. O que acabávamos de receber parecia novo até trocarmos outra vez. Vivia-se uma espécie de economia global em escala micro.
Os tempos mudaram, naturalmente, e uma das grandes diferenças é que nunca mais ouvi um "tens p'ra troca?". De facto, raramente se encontra alguém interessado em trocar o que quer que seja, toda a gente parece exclusivamente interessada em comprar ou vender. Tudo o que adquirimos, e é muito, é para guardar ou deitar fora, já não se troca, isso é para gente "alternativa" com ar esquisito.
Nas ideias então é mesmo curioso, já não nos dispomos a trocar ideias, falamos como quem está a vender ideias esperando que o outro as compre ou, no mínimo, desista das suas que, obviamente, também não estamos interessados em comprar. Os múltiplos debates a que assistimos, independentemente dos assuntos e dos intervenientes, são bons exemplos.
Parece conversa de velho, mas tenho saudades do"tens p'ra troca?".

domingo, 14 de março de 2010

NEM O LUTO

A morte é sempre uma tragédia. A morte de uma criança é uma tragédia ainda maior. A morte de uma criança nas circunstâncias em que se terá verificado a do Leandro em Mirandela, é algo de devastador que nos deixa a todos, creio, a sensação de que falhámos onde não podíamos, na protecção dos miúdos.
A experiência de vida e os conhecimentos dizem-nos que a morte ainda é mas trágica quando não temos o corpo. Dizem os técnicos que se torna mais difícil fazer o luto. A presença do corpo e o destino que entre nós lhe é dado contribuem para o início de um processo doloroso mas indispensável de reparação, de reconstrução de uma relação que se transforma e assenta em dimensões outras.
Ao que a imprensa nos diz, terminaram as buscas para encontrar o corpo do Leandro. Do ponto de vista dos dispositivos e esforços envolvidos e até, eventualmente, de questões de natureza técnica que não sei se se colocam, mas que certamente desconheço, posso fazer um esforço para entender.
Mas também entendo muito bem a tarefa enorme, de um peso inimaginável, que espera a família e os amigos do Leandro. Nem o corpo dele está presente para que se faça uma despedida e se tente iniciar o processo reparador do luto.
Não acredito no destino e não falo em responsabilidade, mas nem na morte conseguimos encontrar o Leandro. Não o encontrámos quando estava vivo e não conseguimos encontrá-lo depois de morto.
Depois de tudo o que se passou, este era o último texto que queria escrever sobre o Leandro, um Rapaz forte numa terra de gente fraca, como lhe chamei há dias.

sábado, 13 de março de 2010

A MUDANÇA NECESSÁRIA

Os trágicos episódios ocorridos nos últimos tempos no mundo da educação e as repercussões que se registam quer na comunicação social, quer na opinião pública, recordam-me o que se passou na altura em que eclodiu a questão crucial da pedofilia a propósito da situação na Casa Pia. Quero dizer com isto que, de repente, toda gente se espantou com algo que de há muito se verifica e que por negligência ou incompetência não tinha denúncia ou combate.
De facto, quem conhece o universo das escolas sabe, não pode deixar de saber, que as situações que estarão associadas à tragédia do aluno de Mirandela e do professor de Sintra são frequentes.
As tragédias agora conhecidas vêm, por um lado e de forma positiva, contribuir para que não possamos ignorar os problemas, ou seja, aumenta a atenção sobre estas questões. Por outro lado e de forma negativa, algum desconhecimento e muita demagogia podem, como está a acontecer, levar à emergência de alguns discursos perigosos, dirigidos quase que exclusivamente para o que poderemos chamar de “policialização” dos espaços escolares.
De há muito que me parece necessário repensar vários dos aspectos contidos nos modelos de organização e funcionamento das escolas. Sem hierarquizar e a título de exemplo, parece-me importante que o acompanhamento e supervisão dos intervalos fosse da responsabilidade dos professores, que se apostasse na presença regular de dois professores em algumas turmas e em algumas disciplinas, na definição de estruturas de mediação entre escola e famílias que prevenissem e interviessem mais oportuna e eficazmente. Parece-me também necessária a melhoria dos modelos de gestão e autonomia das escolas e agrupamentos, potenciando não só a responsabilidade das estruturas de direcção e coordenação, mas também a sua competência para afectar recursos e promover dispositivos julgados necessários. Parece-me ainda interessante a criação, não necessariamente nas escolas, mas fortemente ligadas a estas, de dispositivos de apoio a alunos e professores que minimizem o abandono e isolamento em que muitos alunos e professores (sobrevivem) afundados em problemas de natureza pessoal sem acolhimento nos actuais modelos.
Finalmente, neste telegrama sobre a mudança necessária, sublinhar a imprescindível mudança nos conteúdos e estrutura curricular. Uma consequência desejável desta alteração seria a tentativa de que muitos dos professores pudessem ter mais tempo com menos alunos o que permitiria criar relações e referências reguladoras dos comportamentos escolares e sociais. A tutela já anunciou que a mudança poderá não passar de um “mero ajuste", o que me inquieta.
Aqui ficam algumas notas, demasiado breves porventura, mas que julgo de interesse considerar.

UM HOMEM DE MUITAS MARÉS

Quando era mais miúdo um amigo do meu pai, já mais velho do que ele usava uma expressão de que nunca mais me esqueci e que hoje, sem perceber exactamente porquê, me veio à memória. Dizia ele de alguém que “era um homem de muitas marés”. Significava com isto que era uma pessoa com capacidade para lidar com os problemas e situações que a vida lhe criava sem parecer excessivamente preocupado ou aflito.
Acho engraçada esta ideia de um homem de muitas marés. Dá para imaginar marés-altas que nos podem deixar sem pé. É possível pensar em marés baixas que levam o mar para tão longe que nem os pés nos molha se não formos atrás da maré. E que dizer das marés vivas que revolvem o mar e quando se conjugam com temporal fazem um mar bravo que até mete medo. E as marés que sobem no escuro da noite e que não percebemos muito bem até onde vão subir. E claro, uma maré vazia numa noite quente de verão com uma lua grande que transforma a praia num aconchego com a alma iluminada.
Já não vou a tempo de dizer isto ao meu pai e ao amigo dele, mas acho que somos todos pessoas de muitas marés. É de estarmos vivos.

sexta-feira, 12 de março de 2010

ABANDONADOS

Em Portugal temos o enraizado hábito de não aproveitar de forma útil a experiência dos outros, seja em termos individuais, institucionais ou até nacionais. Vem isto a propósito das dramáticas situações recentes vividas no universo da educação, o miúdo que se atirou à agua como reacção a comportamentos de outros alunos e do professor que se suicidou por não aguentar o tratamento a que alguns alunos o sujeitaram. Não adianta, no caso do Leandro, concluir se quando se atirou à agua se queria suicidar ou não, questão que no caso do professor nem sequer se coloca, saltou da Ponte 25 de Abril. A questão central é o isolamento e a falta de atenção que leva a que estas duas pessoas, que viviam uma situação conhecida e continuada de problemas, de maior ou menor gravidade mas de problemas, continuem sós, sem que alguém possa aproximar-se, estabelecer uma ponte, um apoio, chamem-lhe o que quiserem e não deixar que se afundem.
A qualidade na educação depende, entre muitas outras coisas, da atenção às pessoas. E falo das pessoas porque um miúdo com a condição de aluno é uma pessoa, não é só um aluno, tal como um professor, é uma pessoa, não é apenas um professor. Nestes casos falhámos porque não conseguimos perceber ou não quisemos perceber como aquelas pessoas se sentiam mal e que, provavelmente, não poderiam continuar abandonados.
Como referia de início, não era necessário que as tragédias acontecessem para entendermos que é necessário mudar muito do que fazemos e organizamos nos espaços escolares para alunos e professores. Existem muitas experiências e conhecimentos que poderiam ajudar a minimizar ou evitar o risco de que os limites fossem ultrapassados, como, tragicamente foram.

ENERGIAS RENOVÁVEIS

Muito se tem falado nos últimos tempos em energias renováveis. Tornaram-se uma necessidade visto ser importante acautelar a qualidade de vida e a sustentabilidade do planeta.
Entre nós, apesar de ainda muito poder ser feito no âmbito do que poderemos chamar de consciência ecológica, quer em termos individuais, quer em termos de comunidade , tem-se incrementado o recurso às energias renováveis, Aliás, o Primeiro-ministro no seu estilo modesto e humilde, considera-nos, porventura justamente, um dos países mais avançados neste domínio particular, a energia renovável. Também de forma modesta concordo em absoluto.
Viver nesta terra requer uma capacidade inesgotável de renovar energia para aguentar a prova. Veja-se a energia necessária para acompanhar um qualquer processo na justiça. Reparem na constante renovação da energia necessária para encontrar formas dignas de sobrevivência no meio de uma crise que deixa dois milhões de portugueses em risco de pobreza. E a quantidade de energia desperdiçada e que se torna imperioso renovar devido ao desgaste provocado no sistema educativo por uma incompetente e arrogante e equipa que provocou alterações climáticas severas, das quais as escolas e os professores ainda não recuperaram. Também não podemos esquecer a energia necessária para sustentar a saúde a centenas de milhares de portugueses sem médico de família, sem a renovação da energia ficarão em maus lençóis. E os velhos, muitos já com a bateria em baixo, que todos os dias têm que renovar a energia que lhes permite sobreviver, sós.
Pense-se na energia renovada a cada dia que passa com que enfrentamos as notícias sobre o lodaçal em que se transformou a vida política do país.
Definitivamente, concordo com o Primeiro-ministro, somos dos melhores no uso de energias renováveis.

quinta-feira, 11 de março de 2010

OS PAIS "MAUS" DOS MIÚDOS "MAUS"

Não vos queria massacrar com minudências tão chatas como o problema dos alunos "maus", que, muitos deles, vão ser adultos maus, mas o que há uns dias eu tinha previsto aí está. O CDS-PP vai propor que os abonos de família das famílias dos rapazes "maus" sejam cortados, pelo menos em parte.
Quando a CONFAP, através do seu presidente Albino Almeida, defendeu a ideia referi que esta seria certamente bem recebida e defendida por alguns sectores.
Mais algumas notas sobre esta questão.
1 - A maioria dos pais não gosta que os seus filhos sejam "maus". A maioria não sabe como fazê-los "bons". Estes precisam de apoio não de multas. Ponto.
2 - Uma minoria, muito pequena, de pais de miúdos "maus" são pais maus não estão interessados ou preocupados em ser bons, nem se preocupam com os filhos, são "negligentes". Nestes casos, o problema é, no limite, retirar a guarda dos filhos, a multa não mexe seguramente com a negligência destes pais. Ponto.
3 - Um miúdo "mau" levanta problemas numa escola, qualquer escola, onde existem umas dezenas largas de especialistas em educação que não conseguem "resolver" os problemas criados por esse miúdo "mau". Será que alguém que conheça estes cenários acredita que os pais serão capazes de resolverão mesmo se lhes retirarem parte do abono de família? Não acredito. Ponto.
Dito isto, se de facto se quiser caminhar no sentido de envolver e responsabilizar a famílias dos miúdos "maus", o percurso será a criação de estruturas de mediação entre a escola e a família que permitam apoiar os pais dos miúdos maus que querem ter miúdos bons e identificar as situações para as quais, a comprovada negligência dos pais exigirá outra colocação para os miúdos.
O resto é demagogia e desconhecimento.

UM RAPAZ CHAMADO DESEJO

Quando aqueles pais pensaram que para se cumprirem precisavam de um filho imaginaram um Desejo. E o Desejo nasceu. Os pais tinham imaginado uma rapariga e o Desejo era um rapaz e tinha uns olhos pequenos e escuros quando os pais sonharam um Desejo com olhos grandes e claros.
O Desejo foi crescendo como todas as outras crianças mas os pais esperavam uma criança que não fosse como as outras crianças, ou seja, mais esperto, mais falador, mais forte, mais tudo.
O Desejo entrou na escola e foi cumprindo sem grandes sobressaltos mas também sem grandes rasgos o que não correspondeu bem ao que os seus pais esperavam, um aluno brilhante. O Desejo enquanto crescia foi percebendo e sentindo como estava longe, cada vez mais longe do Desejo que os seus pais tinham imaginado. Começou por tentar esforçar-se para ser um Desejo parecido com o que os pais esperavam. Depressa percebeu que, por mais que tentasse nunca conseguiria ser o Desejo.
De mansinho começou a mostrar um mal-estar crescente. Cresceu tanto esse mal-estar que ficou maior que o rapaz que, então, além do mal-estar aprendeu o medo.
Um dia, o Desejo não aguentou aquele medo gelado e fugiu, correu pelas ruas até encontrar um grupo de Indesejados como ele.
Não conheço o fim da história.