Com a urgente e anunciada mudança no Estatuto do Aluno reentra na agenda a questão da retenção por faltas. Por diversas vezes abordei aqui no Atenta Inquietude a questão dos chumbos, por falta de rendimento ou, como se discute agora, por excesso de faltas. Retomemos a matéria com algumas notas telegráficas.
Em primeiro lugar, parece-me de recordar que os estudos comparativos internacionais mostram que Portugal tem ao mesmo tempo, surpreendentemente para alguns, níveis altíssimos de chumbos e absentismo. No mesmo sentido, parece importante sublinhar que vários dos países com mais altas taxas de sucesso escolar não prevêem na organização dos seus sistemas a figura chumbo, sobretudo para alunos mais novos. Não se prova, portanto, a ideia de que reprovar mais produz mais sucesso.
Os estudos internacionais também mostram que os alunos que começam a chumbar, tendem a continuar a chumbar, ou seja, a simples repetição do ano, não é para muitos alunos, suficiente para os devolver ao sucesso. Os franceses utilizam a fórmula “qui redouble, redoublera” quando referem esta questão.
Nesta conformidade, a questão central, do meu ponto de vista, não é o chumba, não chumba e quais os critérios (quantas disciplinas com notas negativas, quantas faltas, a quê e de que tipo, por exemplo). O que me parece essencial é a natureza dos dispositivos de apoio, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores e famílias de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. Julgo que seria fundamental uma mudança na estrutura e conteúdos curriculares. Creio que também andaríamos bem se introduzíssemos mudanças em algumas áreas da organização e funcionamento das escolas.
Finalmente, parece fundamental diversificar percursos de formação, com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional. Pode promover-se qualificação de duração variável e diferenciada mas sempre qualificação. Não se pode carregar a fatalidade do insucesso e do absentismo e esperar o Novas Oportunidades que milagrosamente compõe as estatísticas.
É “só” isto que está em causa.
Excelente ideia!
ResponderEliminarDevia-se aliás generalizar a ideia a outras áreas sociais: porque é que as competições desportivas continuam a apostar em formas de organização em que há atletas que perdem e atletas que ganham? Porque é que continuam a existir concursos de talento, nomeadamente musical, em que há uma seriação?
Trata-se de formas primitivas de organização, que esquecem a possibilidade de as pessoas que ficam pior classificadas poderem ficar traumatizadas. Abaixo os jogos de futebol com vencedores e vencidos! Abaixo os chumbos nas escolas de condução! Abaixo as eleições (pois nestas os cidadãos "chumbam" alguns políticos)! Abaixam os despedimentos por absentismo e mesmo incompetência!
Agora a sério: não vê que não faz sentido fazer a escola funcionar segundo uma lógica completamente diferente do resto da sociedade?
Para perceber os resultados dos estudos que referiu basta analisar o modo como são feitos: não são cientificamente válidos, pois são organizados precisamente para dar os resultados que os investigadores preferem. As Ciências da Educação são uma aldrabice e não têm nada de Ciências.
Ao ler o comentário do Sr. Carlos Pires, reparo que representa a opinião duma grande fatia de professores. Preocupa-me. Ainda temos esta mentalidade mediocre.
ResponderEliminarE dizer que as Ciências da Educação são tudo menos cientificas, demonstra a falta de conhecimento na matéria. Vindo dum professor, é grave, e só vem provar a falta de formação em matérias como pedagogia que os nossos professores têm.
Subscrevo todas as mudanças que o Senhor refere no seu texto. E são urgentes.
Sónia Brás e Silva
Meu caro Carlos Pires,
ResponderEliminarTenho uma certa dificuldade em explicar que futebol, condução (só para citar os seus exemplos) e educação não são a mesma coisa. Posso não saber jogar futebol, ser mesmo um pé de pedra, não aprender nunca a conduzir mas não posso prescindir da educação, a melhor possível e que me leve a uma profissão. Este objectivo, em teoria tem que ser para todos e consegue-se pela escola com diferentes caminhos, conteúdos e com diferentes durações. Cada um que saia com insucesso irá provavelmente contribuir para que o senhor e eu tenhamos mais problemas sociais à nossa volta. Podemos sempre prendê-los ou matá-los mas não me parece fácil. Dá para entender?
Carlos, parece-me que tem uma dificuldade em compreender uma coisa. Não digo tanto compreender mas antes, interiorizar um conceito.
ResponderEliminarNão faz mal. Não é o único. Os altos níveis de analfabetismo, desistências dos estudos e atraso educacional têm vindo a demonstrar o modo como a educação é encarada. Por isso o Carlos, infelizmente, não está sozinho.
O conceito é simples; o sistema educacional é um reflexo da sociedade mas acima de tudo é a base da mesma.
O sistema educacional, a que tão redutoramente se gosta de chamar "a escola", não é um aspecto da sociedade como tantos outros. Daí não se poder nem dever generalizar os afazeres educacionais às outras áreas sociais como propõe na sua comparação extremista. Compreendo a ideia, era fazer um paralelismo porque acha que se em A, B não funciona, sendo C uma letra também do alfabeto também B não funcionaria em lado algum. Posto assim é estúpido não é? Mas foi o que fez. Para alguém que criticou as ciências sociais como não sendo "verdadeiras ciências" digo-lhe que o seu pensamento cientifico deixa muito a desejar. Seria de esperar que alguém que critica um método cientifico, das ciências sociais, não cairia em armadilhas de argumentos falaciosos. Mas seria de esperar muita coisa de muita gente por isso já nada me espanta.
Por isso, até interiorizar que o sistema educacional é a base da sociedade, não apenas mais um aspecto desta, o Carlos e tantos outros assim, continuarão a não compreender e a ter que recorrer a metáforas simplistas, provincianas, e a atacar as ciências sociais sem argumentos para o mesmo.
Mas são muitos assim. A Maria-mal-comportada vai continuar a falar, a ser repreendida porque por algum motivo místico (é estúpida a miúda? Deve ser isso não deve? Raios parta à miúda) gosta de se portar mal. Assim vai para o fundo da sala para não chatear os colegas, depois para fora da sala, depois para o portão da escola, onde aprende outras coisas que a escola não ensina. Depois a Maria-mal-comportada cresce. E o senhor Carlos vai comprar alarmes para por nas portas para se prevenir contra o que a Maria-mal-comportada aprendeu. Ao menos a policia hoje em dia parece ter muitos miúdos, com problemas de auto estima a obedecerem cegamente a ordens e a dispararem à La'Rambo, contra carros que não param em Operações Stop, e contra (se tudo correr bem não é Carlos?) a Maria-mal-comportada. Áh abençoadas elites.
Para finalizar, o Carlos parece não entender como a ciência funciona. Não há cá "social" nem "não social", é ciência. E tem a vantagem de que a Psicologia Educacional pode dar-se ao luxo de olhar para os dados educacionais antes de esta ter uma maior presença, numa altura em que apenas existiam Carlos, e olhar empiricamente, com a ajuda das suas aparentes queridas ciências exactas como a estatística, o estrago e disparate que o métodos educacionais dos Carlos fizeram. Quer mais cientifico do que isto? São números meu amigo, não opiniões. Não é a Psicologia que o Carlos e outros aldeões que pensam que é "para malucos" temem, é a matemática que analisa o estrago feito. Compreende isto?
Vejo mais falcatruas de resultados nas "ciências exactas" do que nas "ciências sociais". Se acha que não, a industria farmacêutica riu-se de si. E eu também.
Uma nota, é um pouco contraditório quando ouvimos os professores a falarem da "vergonha" que alguns alunos têm de dizer "bom dia" nos corredores e que já não existe o fantasma do "professor universitário" de antigamente e leio as aventuras do afável professor Velho...mas falarei muito baixo ou o professor Velho nunca retribuiu sequer com um "O que é??" a uma "bom dia"?