AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

domingo, 31 de julho de 2022

BOAS NOTÍCIAS

 Numa altura em que decorre o período de candidatura ao ensino superior e os primeiros dados sugerem um aumento do número de candidatos surge uma outra boa notícia. E tão necessárias elas são.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior divulgou a atribuição automática de bolsa de estudo aos alunos que beneficiem de abono de família até ao terceiro escalão e que se candidatem através do concurso nacional ao ensino superior público. Foi também divulgada a atribuição de um novo complemento de 250 € às bolsas de estudo para apoio a estudantes deslocados, a estudar fora da sua área de residência.

Não sei qual o impacto real e o alcance destas medidas, mas parece-me claro que são necessárias. Como tantas vezes aqui tenho escrito, a qualificação é um bem de primeira necessidade no nosso país. Contra o que muitas vezes se ouve, não somos um país de doutores. Não temos qualificação a mais, temos desenvolvimento a menos.

A questão é que também temos um ensino superior caro, com custos elevados para as famílias. O desafio que agora se coloca, sobretudo em tempos tão exigentes e no meio de um período de aumento do custo de vida, é evitar o abandono dos jovens que agora começam a carreira no superior, assim como dos que já o frequentam. Há pouco tempo foi divulgado o aumento deste abandono em 20/21.

Como repetidos estudos nacionais e comparativos internacionalmente evidenciam, Portugal é um dos países da Europa em que as famílias realizam maior esforço para que os filhos frequentem o ensino superior.

A qualificação é a melhor forma de promover desenvolvimento pessoal e das comunidades bem como de sustentar uma cidadania de qualidade, o que, inevitavelmente, exige torná-la acessível para a generalidade das famílias.

sábado, 30 de julho de 2022

A PROPÓSITO DE "QUEM QUER SER PROFESSOR? RAFAEL, MARIA E CAROLINA LEVANTARAM A MÃO"

 Uma nota muito pequena. No Público encontra-se um trabalho com a participação de alunos que frequentam cursos de formação de professores e a sua escolha desta profissão. Sem surpresa os seus discursos balançavam entre a ingenuidade e o desconhecimento do que é a realidade de um professor, no papel de professor, pois conhecem a realidade de professores, mas a partir do seu papel de alunos.

Sem estranheza assumem querer “fazer” numa escola diferente da que tiveram, ou. Reproduzir o que gostaram da escola que tiveram. Também sem estranheza, os seus discursos contêm algum romantismo, a vontade e capacidade de mudar o mundo. No entanto, acredito que certamente poderão mudar o mundo a alguns dos alunos que virão a conhecer.

Uma última estranheza para os muitos comentários que vi a esta peça, alguns vindos de quem já está na escola, a superioridade da “experiência” é sempre afirmada, também caio nesta tentação. Também vi questionada a sua formação que, provavelmente, em muitas situações não será assim tão diferente do que outras gerações tiveram e, obviamente, produziu bons e menos bons profissionais porque, felizmente, … somos diferentes.

Sabemos todos das dificuldades e constrangimentos criados por políticas públicas inadequadas, pela burocracia esmagadora, pela insuficiência de recursos, pela desvalorização dos professores e da sua carreira, entre outras dimensões.

Mas dito isto, deixemos que sonhem, que queiram mudar o mundo, que queiram ser os professores que não tiveram ou como os professores que os inspiraram.

Bom trabalho para eles e para todos os novos "quase" professores e que nos vão dizendo como corre.

sexta-feira, 29 de julho de 2022

O QUARTO ESCURO

 Há muitos anos atrás era frequente ameaçar as criancinhas de que iriam para um quarto escuro se fizessem asneira. Tenho ideia, não sei se correcta, de que a utilização desta, por assim dizer, ferramenta de gestão do comportamento dos meninos caiu em desuso. Provavelmente ter-se-á verificado uma actualização do pensamento dos adultos sobre o que acham que pode assustar os miúdos.

De qualquer forma creio o quarto escuro está ainda presente na vida de muita gente pequena.

Alguns vivem em autênticos buracos negros sem perceber muito bem como lá foram parar e como de lá podem sair, é que não se vê nada. Nada que possa servir de referência, que projecte alguma luz sobre o caminho a seguir ou sobre o que pensar. Alguns destes transportam o quarto escuro dentro de si e cobram isso a quem com eles se cruza. Para fugir do medo causam medo, vivem disso.

Outros miúdos andam pela vida um pouco perdidos à procura de caminho. Se passarem à beira do quarto escuro podem sentir-se tentados a entrar. Será bem mais difícil sair.

Temos ainda um grupo de miúdos que vivem em quartos muito iluminados, mas que, de mansinho, começam a sentir a sombra que antecede o escuro a instalar-se por dentro. Estão sós, ou acompanhados de outros tão sós quanto eles e, aparentemente, tranquilos. É preciso estar atento.

No fundo isto mostra como é fundamental a luz na vida dos miúdos. Não é necessário ameaçá-los com o quarto escuro. É mais importante ajudá-los a sair ou evitar que para lá entrem.

quinta-feira, 28 de julho de 2022

PAIS, FILHOS, SMARTPHONES ... E TEMPO

 No JN tropecei com uma referência a um estudo realizado nos EUA que no âmbito de um estudo sobre a utilização de telemóveis por crianças e adolescentes inquiriu dois mil pais com filhos em idade escolar. Embora não conheça a robustez do trabalho ligado a uma empresa de comunicações móveis, um dos dados divulgados é particularmente interessante  59% dos pais inquiridos envia regularmente mensagens a chamar os filhos para a mesa, não recorrendo à comunicação oral.

De qualquer forma justifica umas notas sobre a comunicação pais e filhos que muitas vezes abordo em conversas com pais e encarregados de educação e que questionam a forma de gerir a utilização de telemóveis e outros dispositivos nos contextos familiares. Curiosamente e com frequência a conversa começa com a dúvida sobre a idade “ideal” para que possam começar a ser disponibilizados aos mais novos.

Recordo um trabalho de 2018 realizado pelo Pew Research Center e alguns indicadores sobre a forma como pais e adolescentes percebem a sua relação com os dispositivos digitais e a forma como cada grupo, pais e filhos, avalia o comportamento do outro neste universo. Apesar de realizado com adolescentes e pais dos EUA, 743 adolescentes de 13 a 17 anos e 1048 pais e já em 2018, os dados são um bom contributo para a reflexão.

Do extenso volume de informação e pela menos frequente abordagem duas referências.

Cerca de 36% dos pais inquiridos entende que gasta demasiado tempo ao telemóvel enquanto 54% dos adolescentes também avalia como tempo excessivo a sua utilização.

Na relação entre si, 72% dos pais considera que os filhos estão mais focados no telemóvel quando tenta dialogar com os filhos e 51% dos filhos que os seus pais estão mais centrados no telemóvel quando tentam estabelecer conversa.

Ainda recordo um trabalho também dos EUA divulgado em 2014 e que envolveu um número significativo de crianças com idades diferentes sobre a sua percepção das relações com os seus pais e das relações destes com dispositivos como telemóveis ou tablets.

O estudo sugeria que as crianças expressam de forma muito clara um aumento da distância, da desatenção e de dificuldades relacionais pois sentem os pais numa sobreutilização daqueles dispositivos em detrimento do contacto consigo e da atenção que lhes dedicam.

Estes estudos são importantes desde logo porque ouvem crianças e adolescentes e vêem ao encontro de outras investigações mais recentes e das experiências que vamos conhecendo em muitas famílias.

A falta de disponibilidade e atenção para os miúdos, mesmo quando estão com eles, também contribuem para que muitíssimas crianças e jovens sintam que vivem à beira de pais para os quais passam completamente despercebidas, são as que eu chamo de crianças transparentes, olhamos para elas, através delas, como se não existissem. Não estando desaparecidas, estão abandonadas. Algumas delas não possuem ferramentas interiores para lidar com tal abandono e desaparecem, mantendo-se à nossa vista, no primeiro buraco que a vida lhes proporcionar, um ecrã onde até encontram outros companheiros tão abandonados quanto eles, o consumo de algo que lhes faça companhia ou a adrenalina de quem nada tem para perder.

Em boa parte das situações pode ficar difícil ir à procura destas crianças e adolescentes e, por vezes, alguns perdem-se de vez.

Como é evidente, estas notas relativas ao uso excessivo de telemóveis ou de tablets e smartphones como “baby sitters” para as crianças, desde muito novas e, frequentemente, sem controlo parental, bem como o também excessivo uso destes dispositivos por parte de adolescentes e adultos contaminando negativamente a sua disponibilidade para os mais novos, não visam diabolizar a sua utilização

Pretendem apenas que essa utilização obedeça tanto quanto possível a regras de bom senso e adequação e que não corra o risco de substituir a mais importante e potente das ferramentas educativas em contexto familiar, a relação, comunicação, entre pais e filhos e o tempo que as permita.

Acresce ainda que os estilos e circunstâncias de vida actuais são poderosos inimigos do tempo disponível para esta relação o que mais sublinha a necessidade de o usar da melhor forma.

quarta-feira, 27 de julho de 2022

DEFICIÊNCIA E DIREITOS

 Alguma imprensa divulgou ontem o “Relatório anual 2021 sobre as práticas de actos discriminatórios em razão da deficiência e do risco de saúde agravado”, produzido anualmente pelo Instituto Nacional de Reabilitação sobre as práticas de actos discriminatórios em razão da deficiência e do risco de saúde agravado.

Verifica-se um aumento de queixas relativo a 2020, de 1013 para 1195, uma média diária de três casos e foram reportadas a diferentes entidades, maioritariamente à provedoria de Justiça.

Lamentavelmente nada de novo, sabendo ainda que as queixas são sempre em número bem menor face ao volume de situações em que os cidadãos com deficiência sentem os seus direitos desprotegidos. Algumas notas.

Em Fevereiro de 2020 foi divulgado um relatório sobre acessibilidades em edifícios públicos elaborado pela Comissão para a Promoção das Acessibilidades e os dados mostraram como, apesar da legislação, são múltiplas as dificuldades no acesso de pessoas com mobilidade reduzida aos edifícios em que funcionam serviços públicos.

Como exemplo, em 45% dos edifícios públicos com mais do que um andar não há elevadores ou plataformas elevatórias, 42% destes edifícios não têm lugar reservado para pessoas com deficiência e apenas 64% têm balcões de atendimento adaptados do ponto de vista da altura.

Em primeiro lugar deve dizer-se que, como acontece em outras áreas, a legislação portuguesa é positiva e promotora dos direitos das pessoas com deficiência, mas a sua falta de eficácia e operacionalização é bem evidenciada na tremenda dificuldade que milhares de pessoas experimentam no dia-a-dia que decorre, frequentemente, da falta de fiscalização relativa às questões das acessibilidades e barreiras nos edifícios. O relatório citado confirma-o.

Os problemas das minorias são, evidentemente, problemas minoritários.

Para além dos edifícios a questão da mobilidade e das acessibilidades que afecta muitos cidadãos com deficiência envolve áreas como vias, transportes, espaços, mobiliário urbano e, sublinhe-se, a atitude e comportamento de muitos de nós.

Boa parte dos nossos espaços urbanos não são amigáveis para os cidadãos com necessidades especiais mesmo em áreas com requalificação recente. Estando atentos identificam-se inúmeros obstáculos.

Quantas passadeiras para peões têm os lancis dos passeios rampeados ou rebaixados ajustados à circulação de pessoas com mobilidade reduzida que recorrem a cadeira de rodas?

Quantas passadeiras possuem sinalização amigável para pessoas com deficiência visual?

Quantos obstáculos criados por mobiliário urbano desadequado?

Quantas dificuldades no acesso às estações e meios de transporte público?

Quantas caixas Multibanco são acessíveis a pessoas com cadeira de rodas?

Quantos passeios estão ocupados pelos nossos carrinhos, com mobiliário urbano erradamente colocado, degradados, criando dificuldades enormes a toda a gente e em particular a pessoas com mobilidade reduzida e inúmeros obstáculos?

Quantos programas televisivos ou serviços públicos disponibilizam Língua Gestual Portuguesa tornando-os acessíveis à população surda?

Quantos Centros de Saúde ou outros espaços da Administração central ou local criam problemas de acessibilidade?

Quantos espaços de lazer ou de cultura mantêm barreiras arquitectónicas?

Quantos …?

Na verdade, apesar do muito que já caminhámos, as crianças, jovens e adultos com necessidades especiais, bem como as suas famílias e técnicos sabem, sentem, que a sua vida é uma árdua e espinhosa prova de obstáculos em múltiplas áreas, acessibilidades, educação, trabalho, saúde (este ano subiram significativamente as queixas nesta área) segurança social, habitação, etc., muitos deles inultrapassáveis.

Lamentavelmente, boa parte dessas dificuldades decorre do que as comunidades e as suas lideranças, políticas ou económicas, por exemplo, entendem ser a geometria variável dos direitos, do bem comum e do bem-estar das pessoas, de todas as pessoas.

terça-feira, 26 de julho de 2022

DOS AVÓS

 Passa discretamente, mas hoje assinala-se o Dia dos Avós. Uma lembrança à minha Avó Leonor, uma Mulher notável com uns olhos claros e uma fala que eram um ninho de aconchego.

A avozice é um mundo mágico no qual entrei há algum tempo com a abençoada chegada do Simão há nove anos e do Tomás há seis. Ainda não consegui acomodar os sentimentos e a magia de acompanhar de perto, tão de perto quanto possível sem o excesso da intrusão inibidora de autonomia, o crescimento destes gaiatos que têm uma geração pelo meio.

Tem sido um divertimento, uma descoberta permanente e a percepção de um outro sentido para uma vida que já vai comprida e também, desculpem a confissão, cumprida.

Neste entendimento e como tem acontecido aqui no Atenta Inquietude a cada 26 de Julho, retomo a minha proposta no sentido de ser legislado o direito aos avós. Isto quer dizer, simplesmente, que todos os miúdos deveriam, obrigatoriamente, ter avós e que todos os velhos deveriam ter netos.

Num tempo em que milhares de miúdos passam muito tempo sós, mesmo quando, por estranho que pareça, têm pessoas à beira, e muitos velhos vão morrendo devagar de sozinhismo, a doença que ataca os que vivem sós, isolados, qualquer partido verdadeiramente interessado nas pessoas, sentir-se ia obrigado a inscrever tal medida no seu programa ou, porque não, inscrevê-la nos direitos fundamentais.

Com tantas crianças abandonadas dentro de casa, institucionalizadas, mergulhadas na escola tempos infindos ou escondidas em ecrãs, ao mesmo tempo que os velhos estão emprateleirados em lares ou também abandonados em casa, isolados de tal forma que morrem sem que ninguém se dê conta, trata-se apenas de os juntar, seria um “dois em um”. Creio que os benefícios para miúdos e velhos seriam extraordinários.

Um avô ou uma avó, de preferência os dois, são bens de primeira necessidade para qualquer miúdo e, deixem-me que vos diga e insista, os avós não estragam os netos até porque gostam deles. Cuidam deles com outro tempo, com outro olhar. O tempo de confinamento mais duro mostrou como a separação é difícil.

Já agora deixo uma história com avô dentro e que aconteceu naquela terra onde acontecem coisas. Como sabem contar histórias é mesmo coisa de avós e às vezes repetem-nas, é o caso desta, já aqui a contei.

De há uns tempos para cá foi-se instalando a ideia de que os miúdos precisam de “actividades”, muitas “actividades”, não precisam de brincar.

A ideia for certamente construída e divulgada por uma gente ignorante de miúdos, obcecada com trabalho e produtividade, mesmo infantil, uns infelizes escravos convencidos de que são livres e que também querem escravizar os outros.

Mas ainda existem uns professores, muitos, naquela terra que não se deixam enganar, sabem ler os miúdos e percebem que eles aprendem porque também brincam e brincam porque também aprendem. Aliás, brincar e aprender são as coisas mais sérias que os miúdos fazem, sorte a deles, a de alguns, felizmente muitos.

Um dia, um desses professores lembrou-se, que sacrilégio, de dizer aos seus alunos para trazerem para a escola o seu brinquedo preferido. A Maria trouxe uma boneca. O João apareceu com a consola nova. A Sara vinha vaidosa com umas bonecas que o pai tinha mandado vir do estrangeiro. A Irina trazia um skate. O Carlos vinha com uns olhos quase tão grandes como a bola de futebol que trazia debaixo do braço. O David, sempre acelerado, trouxe um carro com comando. A Joana não ligava a ninguém com o seu dispositivo com as músicas de que gosta. Enfim, por um dia, toda gente veio para a escola com um brinquedo, o seu preferido.

O último a chegar foi o Manel.

Feliz e sorridente entrou na sala de aula com o avô pela mão.

segunda-feira, 25 de julho de 2022

A MENINA DOS OLHOS DOCES

 Era uma vez uma Menina dos Olhos Doces, mas não se chamava Amélia como a que morava na canção de Carlos Mendes, lembram-se? Até podia chamar-se Amélia que no som parece nome feito para olhos doces, mas na verdade já quase ninguém sabia o nome da Menina dos Olhos Doces.

Conheciam-lhe o ar triste de onde apenas saía um sorriso quando o Professor Velho, aquele que está na biblioteca e fala com os livros, a encontrava num canto do páteo lá da escola e lhe contava histórias malucas que a faziam sorrir, ainda que com medo que alguém não gostasse de a ver rir. Sabem que há pessoas que não gostam de ver os outros a rir, são, quase sempre, pessoas infelizes que não suportam a alegria dos outros.

A Menina dos Olhos Doces, carregava um fardo grande demais para a sua idade, carregava o cuidado que tinha de assegurar ao irmão pequeno que tinha de levar à creche antes de vir para a escola porque a mãe saía muito cedo de casa. Quando voltava à tarde, depois de apanhar o irmão, era ela que preparava com o que havia, se havia, a janta do pai que lhe cobrava no corpo o desagrado com o serviço, e sempre estava desagradado, ele não é mau, mas bebe, dizia a Menina dos Olhos Doces ao Professor Velho.

Na escola tinham combinado que ela ficava mais tempo para poder fazer os trabalhos de casa antes de ir para casa. É curioso que a Menina dos Olhos Doces, a que mais trabalhava em casa, era a única que não levava trabalhos de casa. A Menina dos Olhos Doces também era a única que nunca tinha brincado com uma Playstation, quer dizer uma Playstation sua, e dizia de forma desprendida aos colegas que não gostava de Playstations e também não tinha telemóvel, é verdade, ainda há adolescentes que não têm telemóvel.

Da última vez, antes das férias, que conversou com o Professor Velho disse que não sabia se voltava para a escola, a mãe diz que ela precisa de começar a trabalhar. Já vai sendo tempo. Ela não sabe dessas coisas da escolaridade obrigatória.

Como é de perceber esta Menina dos Olhos Doces não existe, felizmente, a Amélia dos Olhos Doces morava na canção de Carlos Mendes, esta mora nestas linhas.

domingo, 24 de julho de 2022

AGORA NO SUPERIOR, EM QUE CURSO?

 Inicia-se amanhã o processo de candidatura ao ensino superior. Como sempre tenho feito nesta altura deixo umas notas sobre esta questão.

O processo que agora se inicia envolve uma primeira decisão que estará tomada e me parece de sublinhar, aceder a formação de nível superior. É uma decisão importante e positiva. Contrariamente ao que tantas vezes se ouve, não somos “um país de doutores”, antes pelo contrário, no contexto europeu ainda é necessário elevar a média de cidadãos com formação superior.

Coloca-se então a escolha do curso e as dúvidas que podem envolver essa decisão embora muitos dos que se vão candidatar já tenham definido a sua opção.

Para esta escolha a questão mais colocada pode ser assim enunciada, os jovens deverão seguir a sua motivação e interesses ou a escolha deve obedecer ao conhecimento do mercado de trabalho, isto é, nível de empregabilidade, estatuto salarial e saídas profissionais tão abordadas pela imprensa nesta altura?

Para muitos de nós, provavelmente, a resposta será fácil, seja num sentido ou no outro. Alguns dirão que cada jovem deve, obviamente, seguir o seu desejo, o seu gosto, só assim se realizará. Ideia romântica e sem noção da realidade que corre o sério risco de desembocar no desemprego, dirão outros, para os quais a escolha deve ser racional, pragmática, realista, o jovem deve procurar uma formação que lhe garanta, tanto quanto possível, saída profissional e para isso deve "estudar" o mercado e assim proceder à escolha. Os primeiros acharão que este entendimento pode levar a um risco de frustração e desencanto que podem instalar-se em quem "faz o que não gosta".

Na verdade, não será fácil a escolha para muitos jovens a que acresce, frequentemente, a pressão familiar ou de outras pessoas para a "escolha acertada".

Dito isto, sou dos que entendem que cada um de nós deve poder escrever, tanto quanto as circunstâncias o permitirem, a sua narrativa, cumprir o seu sonho. Por outro lado, a vida também nos ensina que é preciso estar atento aos contextos e às condições que os influenciam, sabendo ainda a volatilidade e rapidez com que hoje em dia a vida acontece e a rápida variabilidade dos mercados de trabalho.

Nesta perspectiva, parece-me importante que um jovem, sabendo o que a sua escolha representa, ou pode representar nas actuais, sublinho actuais, condições do mercado de trabalho, a faça assente na motivação ou no projecto de vida que gostava de construir e, então, informar-se sobre as opções, sobre as escolas e respectivos níveis de qualidade a que pode aceder para se qualificar. A plataforma Infocursos, entre várias outras fontes, pode ser uma ajuda.

Finalmente, do meu ponto de vista, boa parte da questão da empregabilidade, mesmo em situações de maior constrangimento, relativiza-se à competência, este é o ponto fulcral.

Na verdade, o que frequentemente me inquieta é a ligeireza com que algumas pessoas parecem encarar a sua formação superior, assumindo logo aqui uma atitude pouco "profissional", cumprem-se os serviços mínimos e depois logo se vê. A formação académica é mais do que um título que se cola ao nome, é um imprescindível conjunto de saberes e competências que sustentam um projecto de vida pessoal e profissional com melhores perspectivas de sucesso.

Mesmo em áreas de mais baixa empregabilidade, ou assim entendida, continuo a acreditar que, apesar dos maus exemplos que todos conhecemos, a competência e a qualidade da formação e preparação para o desempenho profissional, são a melhor ferramenta para entrar nesse "longínquo" mercado de trabalho.

Dito de outra maneira, maus profissionais terão sempre mais dificuldades, esteja o mercado mais aberto ou mais fechado.

Boa sorte e boa viagem para todos os que vão iniciar agora esta fase fundamental nas suas vidas.

sábado, 23 de julho de 2022

PELAS RUAS DA INCLUSÃO (take 2)

 Não vale a pena tentar tapar o sol com uma peneira ou acreditar que a realidade é a projecção dos nossos desejos.

A imprensa divulgou dados do inquérito “EDUCAÇÃO INCLUSIVA QUATRO ANOS APÓS A IMPLEMENTAÇÃO”, promovido pela FENPROF que envolveu cerca de 80 agrupamentos e 89 649 alunos.

Regista-se a existência de 5544 alunos com medidas selectivas e/ou adicionais. Destes alunos, 81,7% estão mais de 60% do tempo lectivo na sala de aula com os seus pares. Destes, em sala de aula, 42,1% beneficiam do apoio directo de docente de Educação Especial; 28,4% beneficiam do apoio de docentes em coadjuvação com o titular de turma (apoio que, em boa parte dos casos, não é especializado) e 19,1% são apoiados por assistente operacional, por norma sem formação adequada para a actividade que desenvolvem, ainda que alguns já tenham adquirido alguma experiência. Aliás, 73,5% referem insuficiência do número destes profissionais, sendo que 65,5% referem a falta de formação específica destes profissionais.

Os directores inquiridos também referem falta de recursos como psicólogos e dos contributos da intervenção de áreas diferenciadas de terapia e saúde.

Numa área sempre sensível, a constituição das turmas face aos critérios estabelecidos, as turmas que integrem alunos com necessidades especiais devem ter um máximo de 20 alunos e não mais do que dois em cada uma, num universo de 6911 turmas, 1647 integram alunos com necessidades especiais, mas apenas 56,6% cumprem os dois critérios. Das restantes, a maioria tem mais de 20 alunos e 14,3% não cumprem os dois critérios.

Numa apreciação global ao regime legal da chamada educação inclusiva, 51.4 % consideram-no adequado e 48.6% entendem que não.

Independentemente da robustez do estudo os indicadores merecem atenção e estão em linha com, por exemplo, o relatório da Inspecção-Geral de Educação e Ciência, “Organização do ano lectivo 2020-2021” divulgado em Abril e que também aqui referi.

Ambos mostram que os sucessivamente anunciados amanhãs que cantam à janela do “Rolls Royce” talvez sejam prematuros ou desfocados no que respeita à resposta educativa à diversidade dos alunos, também conhecida por educação inclusiva, termo tão desgastado que até dá cobertura à … exclusão.

Volto ao que muitas vezes aqui escrevi, tenho afirmado e retomo.

Acompanhei com esperança e expectativa a mais do que necessária, reafirmo, mudança legislativa desencadeada no âmbito da Educação Inclusiva que se traduziu no DL 54/2018 ele próprio associado a todo um quadro de mudança envolvendo, designadamente, a definição do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, das Aprendizagens Essenciais ou o Decreto-Lei n.º 55/2018 relativamente ao currículo. Todo este edifício potenciaria a inovação, a mudança de paradigma, de vários paradigmas aliás, e alguns falavam mesmo da revolução que estava em marcha.

Com confiança em algumas virtudes do novo quadro aguardei expectante pela revelação da escola inclusiva de 2ª geração também anunciadas em 2015. No entanto, para meu desconforto e cansaço, o que fui conhecendo e vai sendo divulgado não me ajuda na confiança e optimismo.

Continuo a verificar que tal como aconteceu com o velho 319/91 (nesta altura eu já trabalhava neste universo há 15 anos), quer com o 3/2008 e agora com o 54/2018 existiam e existem professores e escolas a realizar trabalhos notáveis que devem ser conhecidos e reconhecidos.

A avaliação dos alunos, a definição e operacionalização dos apoios nas diferentes tipologias (já usadas como categorização uma vez que a outra categorização, dizem, já não existe), o funcionamento das Equipas, os recursos disponíveis, a organização da intervenção, os papéis ou a articulação dos intervenientes cria nas escolas inúmeros sobressaltos. Recebo muitos testemunhos e dados que vão sendo conhecidos não são particularmente animadores.

Como já escrevi há algum tempo, o cansaço é muito embora sempre me anime quando conheço situações muito positivas que felizmente acontecem todos os dias em tantas escolas.

Não quero fazer o papel do miúdo que diz que o “rei vai nu”, primeiro porque já não tenho idade para isso e, segundo, porque não seria de todo justo.

Também não gosto de me sentir o Waldorf ou o Statler, os velhos dos Marretas que estão sempre na crítica, até porque, de novo, muita coisa de bom acontece, mas … a verdade é que julgo que só mudar, ainda que num caminho ajustado não significa … mudar.

Não queria repetir, sei que existem muitas coisas muito bonitas, mas … nem tudo vai bem. Não torturem a realidade que ela não vai confessar.

Aliás, devo acrescentar que não acredito em escolas inclusivas. Não se insurjam, tento explicar.

Como disse Biesta, a história da inclusão é a história da democracia. Olhando para os tempos actuais e apesar de confiar no poder transformador da escola, a inevitável ligação entre a sociedade e a escola leva a que também nesta se reflictam estes tempos e Portugal não é excepção.

Acredito sim em escolas e professores, a maioria, que com visão, competência e esforço assentes em princípios de educação inclusiva procuram diariamente combater os riscos e as situações de exclusão que muitas crianças pelas mais variadas razões correm ou vivem.

Acredito também que sem um mínimo de recursos suficientes e competentes é bastante mais difícil.

Quadros legislativos mais adequados são essenciais ..., mas não são mágicos por mais que num exercício de "wishful thinking" os queiramos entender e vender como tal. As políticas públicas de educação exigem mais do que isto.

Daí este meu cansaço.

quinta-feira, 21 de julho de 2022

A INDOMESTICÁVEL VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, (enésimo take)

 É preciso insistir. Com dados do Observatório das Mulheres Assassinadas, da União de Mulheres Alternativa e Resposta, a imprensa de hoje refere que nos primeiros seis meses de 2022, foram assassinadas 19 mulheres e meninas, uma média de mais de três mulheres assassinadas por mês. Acresce que as tentativas de assassinato registadas foram 28, média de 4,6 por mês.

Recordo ainda, abordei esta questão na altura, que segundo dados disponibilizados pela PSP considerando o período de Janeiro a Junho, foram registados 62000 crimes de violência doméstica, em média 41 por dia.

Acresce que o mundo da violência doméstica é bem mais denso e grave do que a realidade que conhecemos, ou seja, aquilo que se conhece, apesar de recorrentemente termos notícias de casos extremos, é "apenas" a parte que fica visível de um mundo escuro que esconde muitas mais situações que diariamente ocorrem numa casa perto de si.

Por outro lado, para além da gravidade e frequência com que continuam a acontecer episódios trágicos de violência doméstica e como recorrentemente aqui refiro, é ainda inquietante o facto de que alguns estudos realizados em Portugal evidenciam um elevado índice de violência presente nas relações amorosas entre gente mais nova mesmo quando mais qualificada. Muitos dos intervenientes remetem para um perturbador entendimento de normalidade o recurso a comportamentos que claramente configuram agressividade e abuso ou mesmo violência.

Importa ainda combater de forma mais eficaz o sentimento de impunidade instalado, as condenações são bastante menos que os casos reportados e comprovados, bem como alguma “resignação” ou “tolerância” das vítimas face à situação de dependência que sentem relativamente ao parceiro, à percepção de eventual vazio de alternativas à separação ou a uma falsa ideia de protecção dos filhos que as mantém num espaço de tortura e sofrimento. Aliás, com demasiada frequência as crianças e adolescentes são também vítimas deste quadro, basta que assistam.

Queremos acreditar que será um cenário em mudanças, ainda que demasiado lenta. Os sistemas de valores pessoais alteram-se a um ritmo bem mais lento do que desejamos e estão, também e obviamente, ligados aos valores sociais presentes em cada época.

Torna-se ainda necessário, que nos processos de educação e formação familiar, escolar e comunitária dos mais novos, possamos desenvolver esforços no sentido de promover quadros de valores, de cultura e de comportamentos nas relações interpessoais que minimizem o cenário negro de violência doméstica em que vivemos. A educação e o desenvolvimento que sustenta constituem a ferramenta de mudança mais potente de que dispomos.

É uma aposta que urge e tão importante como os conhecimentos curriculares. Percebe-se também por estas questões a importância da abordagem do universo da “Cidadania e Desenvolvimento” na educação escolar e para todos os alunos.

Entretanto, torna-se fundamental a existência de dispositivos de avaliação de risco e de apoio como instituições de acolhimento acessíveis para casos mais graves, um sistema de protecção eficiente aos menores envolvidos ou testemunhas destes episódios, e, naturalmente, um sistema de justiça eficaz e célere.

A omissão ou desvalorização desta mudança é a alimentação de um sistema de valores que ainda “legitima” a violência nas relações amorosas, que a entende como “normal”.

udo isto tem como efeito a continuidade dos graves episódios de violência que regularmente se conhecem, muitos deles com fim trágico.

Apesar da natureza e gravidade fora do comum dos dias que vivemos e para os quais não estávamos preparados, talvez seja de não esquecer questões como estas que devastam o quotidiano ou a vida de muita gente.

quarta-feira, 20 de julho de 2022

AS MINORIAS TRANSPARENTES

 Continuo a achar que a programação televisiva, estou a referir-me aos canais portugueses generalistas, dá pouca atenção aos problemas e contextos dos grupos demográficos minoritários a não ser quando surgem incidentes. Acontece ainda que a pouca programação existente é geralmente colocada em horários completamente desinteressantes verificando-se, naturalmente, audiências residuais. A RTP1 e RTP2, apesar do quadro geral negativo, apresenta indicadores um pouco melhores que outros operadores, não sendo de esquecer as suas obrigações de serviço público.

Nestas circunstâncias é tentador e fácil estabelecer comparações com os meios, os recursos e o tempo de antena destinados a assuntos da mais variada natureza, explorados exaustivamente, o futebol e o comentário político com os “opinadores” encartados e de agenda no iPad, serão exemplos clássicos sem que, nas mais das vezes, se vislumbre interesse ou sentido. Também não podemos ser ingénuos e esperar que os conteúdos televisivos escapem ao fortíssimo controle dos critérios comerciais, ou seja, interessa o que vende e garante audiência e publicidade, não o que é importante ou útil. Por vezes, ainda que raramente, estes critérios coincidem.

Não simpatizo com a existência de quotas obrigando a um mínimo de horas de programação, caminho que nos levaria a situações complexas, incluindo a dificuldade de estabelecer quais as matérias, para além da questão das minorias que agora estamos a considerar, que deveriam ser objecto de quota de programação.

Neste quadro, emerge, como sempre a questão dos valores e da maturidade cívica da nossa comunidade. Num tempo em que se ouvem vozes e observam comportamentos de intolerância, quer em Portugal, quer no resto do mundo, a preocupação com a informação, o acolhimento e as atitudes e comportamentos face à diversidade são absolutamente decisivos.

Muitas vezes afirmo que o grau de desenvolvimento de uma comunidade também se avalia pela forma como cuida das minorias. Mantê-las invisíveis, alimentando preconceitos, estereótipos ou representações negativas, não é, seguramente, um bom caminho.

terça-feira, 19 de julho de 2022

EDUCAÇÃO E CIDADANIA PARA TODOS NAS ESCOLAS? SIM, CLARO (take 3)

 Deixem-me insistir em duas ou três notas que me parecem relativamente claras e simples que retomo de reflexões anteriores.

Os estilos de vida, as exigências de qualificação têm tornado gradualmente a escola mais presente e durante mais tempo na vida de crianças e adolescentes e, consequentemente, com reflexos na educação em contexto familiar.

Creio que já dificilmente se entende que a “família educa e a escola instrói”.

Creio que já dificilmente se entende que a escola forma “técnicos” e não cidadãos, pessoas, com qualificações ao nível dos conhecimentos em múltiplas áreas. Aliás, se bem repararem falamos de sistemas de educação e não de sistemas de ensino e ainda bem que assim é.

Creio que já dificilmente se entende que o conhecimento é asséptico. O conhecimento, a sua produção e a sua divulgação, tem, deve ter, sempre um enquadramento ético e não é imune a valores.

Creio que os tempos mais recentes são elucidativos de como a abordagem de matérias como Direitos Humanos; Igualdade de Género; Interculturalidade; Desenvolvimento Sustentável; Educação Ambiental; Saúde; Sexualidade; Media; Instituições e Participação Democrática; Literacia Financeira e Educação para o Consumo; Segurança Rodoviária; Risco, Empreendedorismo; Mundo do Trabalho, Segurança defesa e paz, Bem-estar animal e Voluntariado são fundamentais ao longo do processo de formação de crianças, jovens e adultos.

Nas sociedades contemporâneas um sistema público de educação com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. É através de uma educação global de qualidade que se minimiza o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis.

Já agora, uns indicadores que, do meu ponto de vista, justificam com clareza a ideia de que “Educação e Cidadania para todos, porque sim”.

De acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna relativo a 2021 alguns indicadores no que respeita aos comportamentos de adolescentes e jovens. Os crimes que envolvem grupos de indivíduos entre os 15 e os 25 subiu 7,7% e a criminalidade juvenil, entre os 12 e os 16 anos, aumentou 7,3%, o segundo maior aumento da última década.

Considerando as ocorrências registadas em meio escolar em 20/21, regista-se uma diminuição de 6,8%, tendo-se evidenciado um abaixamento do número de registos em todos os tipos de ilícito à excepção das ofensas sexuais.

Mais alguns dados relativos a 2019 considerando a violência nas relações de namoro. Um  de trabalho de 2020 da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) que envolveu 4598 jovens, do 7.º ao 12.º com idade média de 15 anos, mostrou que para 67% é normal algum tipo de violência e 58% já terá sofrido pelo menos um comportamento de agressão.

Relativamente ao bullying, os estudos em Portugal sugerem uma prevalência entre 10 e 25% e a OMS indica que 1 em cada 3 crianças ou adolescentes será vítima de bullying. No caso mais particular do bullying homofóbico, um trabalho da Associação ILGA Portugal (2018) envolvendo 700 jovens dos 14 e aos 20 anos, refere que 73,6% já sentiu alguma forma de exclusão intencional por parte dos colegas.

Consumo de drogas, dados de 2019. Entre os 13 e os 18 anos aumentou o consumo de drogas não canábis e no grupo de 18 anos aumentou o consumo de canábis. O número de overdoses aumenta há três anos.

O consumo de álcool por jovens está a aumentar desde 2017 e a delinquência juvenil, entre os 12 e os 16 anos, em 2019 aumentou 5,6% e a criminalidade grupal (gangues) aumentou 15,9%.

Assim, por estas razões simples entendo que "Educação para a Cidadania" deve obrigatoriamente integrar o trabalho desenvolvido na educação em contexto escolar.

Precisamos e devemos discutir como fazer sempre considerando a autonomia das escolas, não acredito na disciplinarização destas matérias, julgo mais interessantes iniciativas integradas, simplificadas e desburocratizadas em matéria de organização e operacionalização.

 

PS – Retomei este texto a propósito de uma elucidativa entrevista ao pai dos meninos de Famalicão, episódio que se mantém activo com contornos e aspectos lamentáveis e que está a servir de gatilho e alavanca para agendas outras. Os pais não são donos dos filhos e não vale tudo.

segunda-feira, 18 de julho de 2022

DESPEDIDA

 No CM lê-se que desde o início do ano já se aposentaram 1416 professores e até Dezembro serão mais de dois mil docentes, o maior número nos últimos 9 anos.

Uma história.

 

Colegas, desculpem, só mais um minuto antes de acabar a reunião. Como alguns sabem, embora me falte algum tempo de carreira, decidi pedir para aceder à situação de reforma e creio que esta será última reunião que farei convosco.

Gostava de vos dizer que a magia que me trouxe à profissão, contribuir para que os miúdos se façam gente e ir assistindo a essa narrativa, se manteve desde o primeiro até ao último dia. Descobri essa magia há muitos anos com a minha professora da primária que me fez querer ter esta missão como forma de vida. Foi um privilégio. Agradeço aos miúdos com quem me cruzei o caminho que fizeram comigo, Não fui bem-sucedida com todos, mas com todos tentei ser bem-sucedida. Vou tranquila.

Devo dizer-vos também que a sombra e abrigo que encontrei em muitos colegas ao longo destes anos foram alento e incentivo para que essa magia e encanto se mantivessem. Por isso agradeço também às companhias, muitas, que comigo foram fazendo esta estrada.

Finalmente, embora leve a magia do que vos falei, também carrego o desencanto que apressou a partida.

Sei que os tempos são difíceis e são diferentes, mas o desencanto foi-se instalando de mansinho e não derivado dos problemas novos que os miúdos trazem, esses a gente tem que pensar que para problemas novos, soluções novas.

Decidiram que os papéis e as plataformas são mais importantes que os miúdos e têm vindo a encharcar a escola e os professores com burocracia, legislação e orientações que apenas atrapalham e retiram qualidade e disponibilidade. Depois de décadas sem uma avaliação que discriminasse o mérito e combatesse a mediocridade, voltam-nos uns contra os outros de uma forma inexplicável que arruinou o clima de trabalho em muitas escolas.

A escolas foram-se transformando em espaços privilegiados para o confronto de interesses outros que não os dos miúdos. Assistimos a discursos de gente responsável que denigre de forma leviana a imagem dos professores. Comecei a sentir que o meu bem mais precioso, a dignidade, estava ameaçado e nesse bem não deixo que toquem. Por isso, decidi partir.

Queria só pedir-vos que, se por acaso, alguns dos miúdos perguntarem por mim no próximo ano, digam-lhes que hei-de aparecer. Os professores nunca se reformam.

E eu sou uma professora. Até um dia destes.

domingo, 17 de julho de 2022

ABANDONO ESCOLAR NO ENSINO SUPERIOR

 De acordo com dados divulgados pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência o abandono escolar no final do 1º ano no ensino superior aumentou em 20/21.

Dos alunos que ingressaram num curso técnico superior, 24,4% tinham abandonado no final do primeiro ano face a 18,7% no ano anterior. Nas licenciaturas passou de 9,1% para 10,8%.

A estes indicadores não serão alheios o custo da frequência do ensino superior ou o “desencanto” com a escolha.

Sabendo que a qualificação é um bem de primeira necessidade e um forte contributo para projectos de vida bem-sucedidos o abandono é sempre preocupante. Este ano lectivo o número de candidatos a bolsa foi o maior de sempre tal como subiu o número de estudantes que entra no ensino superior. Também é reconhecido que se tem verificado perda de rendimento de muitas famílias em consequência do impacto económico e social da pandemia.

No entanto, apesar destas dimensões poderem constituir alguma justificação creio que importa não esquecer uma questão de natureza estrutural, estudar no ensino superior é muito caro em Portugal. Também a recente alteração do regulamento de atribuição de bolsas não minimizou esta situação.

Algumas notas começando por alguns dados que já aqui tenho citado.

De acordo com Relatório do CNE, "Estado da Educação 2019", a percentagem de alunos que em Portugal acede a bolsas de estudo para o 1º ciclo está no segundo escalão mais baixo da análise, entre 10 e 24,9%. Para comparação, Irlanda, Países Baixos estão no intervalo entre 25% e 49,9% e a Suécia no superior a 75%. Países como Espanha, França, Reino Unido e muitos outros têm percentagens de alunos com apoio superiores a nós e, sem estranheza, também maior nível de qualificação.

Em 2018 foi divulgado um estudo já aqui citado, “O Custo dos Estudantes no Ensino Superior Português” da responsabilidade do Instituto de Educação da U. de Lisboa, relativo ao ano lectivo de 2015/2016 mostrando que cada estudante universitário gastou em média 6445€ em despesas como propinas, material escolar, alojamento ou alimentação. Os alunos de instituições universitárias privadas têm uma despesa perto dos 10000€ e nos politécnicos privados o custo será de 8296€. De facto, sendo a qualificação superior um bem de primeira necessidade para os cidadãos e para o país, é um bem muito caro, demasiado caro para muitas famílias e indivíduos.

Estudos comparativos internacionais, “Social and Economic Conditions of Student Life in Europe”, por exemplo, também mostram que as famílias portuguesas são das que suportam uma fatia maior dos custos de frequência do superior sendo que ainda se verifica uma forte associação entre a frequência do ensino superior e nível de escolarização e estatuto económico das famílias.

Apesar de um abaixamento do valor as propinas no ensino público, as dificuldades sentidas por muitos estudantes do ensino superior e respectivas famílias, quer no sistema público, quer no sistema privado com valores bem mais altos de propinas, são, do meu ponto de vista, consideradas frequentemente de forma ligeira ou mesmo desvalorizadas. Tal entendimento parece assentar na ideia de que a formação de nível superior é um luxo, um bem supérfluo pelo que ... quem não tem dinheiro não tem vícios.

A qualificação é a melhor forma de promover desenvolvimento e cidadania de qualidade pelo que apesar de ser um bem caro é imprescindível.

sábado, 16 de julho de 2022

FÉRIAS DE TODOS E COM TODOS

 Com o início do período de férias surge inevitavelmente a necessidade preencher o tempo dos mais novos que boa parte das famílias não consegue assegurar. De há uns anos para cá tem-se multiplicado a oferta envolvendo a iniciativa pública, autarquias, por exemplo e privada e desenvolvida em múltiplos contextos, espaços e com uma gama de actividades muito diversificada.

No entanto, apesar de boas experiências promovidas por associações ou escolas e com a colaboração de algumas autarquias, a oferta divulgada para actividades de férias que recebam crianças, adolescentes ou jovens com necessidades especiais é ainda limitada.

Sublinho que estou a falar de actividades de férias de todos e com todos, não de actividades de férias apenas para os meninos “especiais” como se vê, por exemplo, numa praia, um “cantinho” para os especiais e para os “cuidadores” ou “técnicos”. Um critério central em matéria de inclusão é, justamente, a participação nas actividades comuns das comunidades.

A menor oferta verificada não decorrerá fundamentalmente de eventuais custos acrescidos, mas de uma cultura e visão que importa alterar e motiva o baixo envolvimento destas crianças e jovens neste tipo de actividades e que as estruturas receptivas à sua presença sejam insuficientes.

Este cenário é, não podia deixar de ser, coerente com as dificuldades enormes que crianças e jovens com necessidades especiais e as suas famílias sentem para que o seu quotidiano, a sua vida, a diferentes níveis, seja tão próxima quanto possível das outras crianças e adolescentes com as mesmas idades, ou seja, que possam aceder e participar, da forma que conseguem, nas actividades que se julgam importantes para crianças e adolescentes. 

Também nas férias e nas actividades próprias das férias há muita estrada para fazer em direcção à participação de todas as crianças.

sexta-feira, 15 de julho de 2022

PAI E FILHO, OUTRO DIÁLOGO IMPROVÁVEL

 Olha João, acho que ainda não te disse, mas estou, tal como a Mãe, satisfeito contigo por teres passado de ano. Não foram notas muito altas mas de qualquer forma quer dizer que trabalhaste, o que é bom. Deixa ainda que te diga que se te esforçares mais podes vir a ser um excelente aluno, tirar um curso bom, com notas altas e ser uma pessoa com muito sucesso. Repara no tio Manuel, não foi bem como eu que sempre fui um pouco preguiçoso, estudava imenso, foi sempre um do melhores alunos, mesmo na universidade. Depois, sempre com o esforço dele formou uma empresa e vês como ele vive. Podes ser assim João, tens capacidade para isso.

Pois é Pai, mas não sei se quero ter tanto sucesso como o tio Manuel.

Não entendo.

 No outro dia, o Martim esteve cá em casa, tivemos aí um bocado de conversa e ele estava muito chateado.

 Continuo a não entender.

 Diz que quase nunca vê o pai, o tio Manuel sai de casa muito cedo e volta sempre bastante tarde por causa de reuniões, disse o Martim. Quando está em casa está sempre ao telemóvel e quase nunca tem tempo para falar. Muitos fins de semana o Martim diz que o tio Manuel também não está pois tem que fazer muitas viagens. O Martim diz que em casa quase não tem com quem falar, fica na net ou a jogar na consola e diz que tem muitos amigos assim. Eu gosto de falar contigo, às vezes és chato mas não tens culpa, és pai e estás a ficar velho. Também andamos de bicicleta aos Domingos e às vezes vamos ao Estádio da Luz ver o Benfica. O tio Manuel não tem tempo para nada disto. Não sei se quero ter assim o sucesso dele, como tu falas.

 João, não era bem a isso que eu me referia mas ... quer dizer ... espera ...

quinta-feira, 14 de julho de 2022

DUAS FÉRIAS

 O texto de Rute Agulhas no DN, “As férias em caso de divórcio”, aborda uma situação que, com alguma frequência, é motivo de mal-estar para crianças, adolescentes e adultos e para a qual importa estarmos atentos.

A propósito uma história de férias, aliás, de duas férias.

No último dia de aulas, a Ana foi à biblioteca da escola entregar um livro. Quando estava para sair, o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, disse-lhe adeus e desejou-lhe boas férias. A Ana riu-se.

Vão ser boas Velho, vou ter duas férias.

Duas férias Ana? Como é isso?

Primeiro vou de férias com a minha mãe, com o amigo dela, o João, e com o Manel que é filho do João. Depois, vou de férias com o meu pai, a amiga dele, a Sara, e com o Tito que é o filho da Sara.

Estás contente?

Claro. Eles são todos fixes e a gente farta-se de brincar. Brinco mais do que brincava quando vivia com o pai e a mãe. Eles estavam sempre um bocado chateados e a gente não brincava muito. Já viste Velho! Tinha uma família chata e agora tenho duas famílias mesmo fixes.

Sorte a tua, Ana, boas férias.

O Professor Velho tem razão, as crianças são bem capazes de lidar com duas famílias se os adultos ajudarem. Tantas vezes afirmo que é preferível uma boa separação a uma má família com pais casados por fora e descasados por dentro. Esta situação não passa despercebida às crianças e não têm como lidar com ela.

Boas férias.

quarta-feira, 13 de julho de 2022

CHEGOU O INFERNO

 Parece inevitável. Chegou o inferno e chega com a força brutal que já conhecemos e que não conseguimos minimizar de forma significativa.

Todos os anos surgem as campanhas, avisos e apelos. Anunciam-se novas estruturas de resposta rápida e meios de combate, designadamente meios aéreos mais sofisticados e somos informados de melhorias nos dispositivos de prevenção e combate, no aumento de meios à disposição, na racionalização da gestão dos recursos, etc. etc.

No entanto, quando chegam os grandes incêndios, a brutal onda de calor que vivemos trouxe-os no ventre, tudo recomeça.

Desde logo a comunicação social, sobretudo a televisiva, de forma frequentemente sem pudor, respeito e competência, a mostrar o "terreno", o "cenário dantesco", a ouvir "moradores que passaram uma noite em branco", a ouvir o "senhor comandante dos bombeiros", a referir os "meios aéreos, dois Canadairs e um Kamov", a ouvir os "responsáveis locais ou regionais da protecção civil", a gravar despudoradamente imagens de dor, sofrimento e perda de gente anónima que tendo quase nada, vê arder o quase tudo. Um filme sempre visto e sem surpresas.

É evidente que temperaturas muito altas e vento que nos caracterizam durante os meses de Verão são condições desfavoráveis, mas a falta de prevenção, a negligência e delinquência dão um contributo fortíssimo ao inferno que sobressalta cada Verão.

Sem nenhuma espécie de conhecimento destas matérias, para além do interesse e preocupação de um cidadão minimamente atento e preocupado com os custos enormes destes cenários de destruição, tenho alguma dificuldade, considerando a dimensão do nosso país, em compreender a inevitabilidade destes cenários. Os espanhóis têm por uso afirmar que os incêndios se combatem no Inverno, nós combatemo-los no inferno.

Trata-se de um destino que não pode ser evitado? Trata-se de uma área de negócios, a fileira do fogo, que, pelos muitos milhões que envolve, importa manter e fazer funcionar sazonalmente? Trata-se "só" de incompetência na decisão política e técnica em termos de resposta e prevenção? Trata-se da falência de modelos de desenvolvimento facilitadores de desertificação e abandono, designadamente das áreas rurais?

O poeta falava de um fogo que arde sem se ver, é bonita a imagem. Mas quando um fogo arde e se vêem os seus efeitos devastadores e dramáticos para tantas pessoas, dói e não se perdoa.

Parece sina, passamos o ano inteiro a tentar apagar fogos.

terça-feira, 12 de julho de 2022

DOS EXAMES QUE NÃO CONTAVAM

 Foram divulgados os resultados dos exames do 9º de Português e Matemática, sim, esses, os que não contavam para a nota final. E que contam estes resultados?

Em Matemática, exame realizado por 92646 alunos a média foi de 45% (escala de 100) e em Português, com 90501 respostas, a média foi 55%. Em Matemática 57.7% dos alunos tiveram nota negativa e em Português 38%.

Não é um quadro animador. O facto de os exames não contarem para a nota final pode ter alguma relação com o desempenho sendo, no entanto, difícil quantificar o peso de eventual desinvestimento. Teremos ainda certamente nestes resultados alguns efeitos dos anos atípicos decorrentes da pandemia. De qualquer forma merecem reflexão e preocupação, estes alunos irão, na sua grande maioria, entrar no secundário.

Recordo que a Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência divulgou o relatório, ”Estatísticas da Educação 2020/2021”, com os dados relativos à retenção e abandono escolar. Em 20/21, ano que os alunos que agora responderam em exame estavam no 8º ano, a taxa de retenção e abandono foi de 4.2%.

Nas provas de aferição realizadas em 20/21 e de acordo com os dados divulgados pelo IAVE os alunos do 8º ano evidenciaram dificuldades persistentes na “resolução de problemas” e no 5.º e no 8.º ano a percentagem de alunos que respondeu sem dificuldades, variou, conforme os domínios em avaliação, entre 2,7% e 44,2%, sendo que na maioria dos domínios analisados ficou abaixo dos 20%.

Mais uma vez, estes dados não parecem coerentes com as taxas de sucesso com base na transição de ano e no completar dos ciclos no número anos definido para cada um. Como já escrevi, o sucesso parece significar “passagem de ano” e não conhecimentos e competências adquiridas.

Insisto que levantar esta questão não tem rigorosamente a ver com a defesa da retenção, o “chumbo” não produz sucesso e, muito menos, combate a desigualdade, nenhuma dúvida sobre isto.

A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.

É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar.

É o que ainda não conseguimos fazer acontecer de forma consistente, generalizada e sustentada em Portugal, apesar da imensidade de projectos, planos, iniciativas, inovação, actividades que, demasiadas vezes chegam do exterior às escolas, podem ser interessantes … mas não são mágicos, por mais que num exercício de "wishful thinking" os queiramos entender e vender como tal.

Não vale a pena insistir nesta via.

segunda-feira, 11 de julho de 2022

DOS PROFESSORES

 Da viagem diária pela imprensa retive duas informações.

No próximo ano lectivo quase triplicará o número de alunos que trabalharão com manuais digitais. Neste ano lectivo o projecto envolveu 24 agrupamentos com 3700 alunos do 3º ao 11º ano. No próximo ano serão 66 agrupamentos e cerca de 12000 alunos. Vai-se cumprindo a longa marcha para a transição digital.

Uma segunda referência relativa a mais uma esperada divergência entre a Sociedade Portuguesa de Matemática e Associação dos Professores de Matemática sobre o programa de Matemática para o ensino secundário que está em discussão pública.

Não tenho a menor dúvida sobre a importância dos recursos educativos e da sua adequação aos tempos que vivemos, como também não tenho dúvidas sobre a necessidade de adequação dos currículos, questões que aqui vou abordando.

No entanto, nos tempos que a educação escolar vive importa reforçar o papel crítico dos professores e sabemos que sérios problemas afectam o desempenho deste papel, desde logo a falta de professores. Esta será, creio, provavelmente, a questão mais relevante e de maior impacto nos próximos anos.

Como também tenho por aqui escrito e afirmado, é urgente repensar a carreira docente, considerando dimensões como o recrutamento, o ajustamento na formação, o modelo de carreira, o modelo de avaliação e progressão, a valorização do estatuto salarial dos docentes, a promoção da sua valorização profissional e social ou a desburocratização do trabalho dos professores, entre outros aspectos.

Importa sublinhar que também sabemos que os sistemas educativos com melhor desempenho são também os sistemas em que os professores são mais valorizados, reconhecidos e apoiados.

Ao abordar estas questões sempre recupero uma afirmação produzida em 2000 pelo Council for Exceptional Children, entidade dos EUA, "O factor individual mais contributivo para a qualidade da educação é a existência de um professor qualificado e empenhado".

domingo, 10 de julho de 2022

HISTÓRIAS DE FÉRIAS

 Estamos em tempos de férias e, inevitavelmente, muitas famílias deparam-se com a dificuldade da ocupação dos mais novos. Em muitos contextos as autarquias e escolas têm um papel importante e, por outro lado, também a iniciativa privada cria uma oferta significativa embora, com demasiada frequência, não acessível a crianças e adolescentes com necessidades especiais.

Como muitas vezes digo produzindo alguns sorrisos, a idade traz algumas vantagens interessantes. A primeira é uma espécie de inimputabilidade, se a impaciência ou cansaço me fizerem soltar alguma expressão menos “própria” o que há umas décadas seria “má educação” agora, com alguma generosidade, é considerado algo como, “engraçado, com aquela idade e fala assim". É óptimo, um dia vão saber isso.

A segunda vantagem da velhice é ter história(s) para contar, os mais novos que lidam comigo ouvem-na(s) com frequência e de diferente natureza. Talvez seja por isto que que recordei algo que aqui já tinha referido, como eram as minhas férias lá bem para trás no tempo. Aliás, não íamos de férias, estávamos de férias, só não tínhamos escola.

Quando eu era gaiato, antes do desenvolvimento ter tapado as quintas da zona onde morava com prédios deixando como espaço livre o alcatrão, a oferta de férias para os miúdos era basicamente constituída pelo mais acessível e barato dos equipamentos, a rua. Como os estilos de vida e o quadro de valores ainda tão tinham alimentado a insegurança, quando não havia escola, claro, estávamos na rua, sempre na rua.

As actividades não eram muito sofisticadas nem fantásticas, não ficávamos assim muito excelentes, mas divertíamo-nos a sério nas férias, com calor, com frio, com chuva, mesmo à noite. É verdade que alguns dos meus companheiros ainda foram “homens que nunca foram meninos” como lhes chamou Soeiro Pereira Gomes, desde muito cedo fizeram-se ao trabalho.

Mas ainda arranjávamos tempo para brincar, naquela época o tempo era mais barato e havia mais.

Nessa altura os miúdos ainda podiam apanhar chuva e mexer na terra, não conhecíamos as ameaçadoras bactérias, os nossos pais também ainda não eram excelentes e fantásticos sempre na busca de orientações e “coaching” para promover a excelência dos filhos.

Muitas das actividades eram, por assim dizer, sazonais, mais próprias de umas alturas do ano que de outras. Algumas, já delas aqui contei, dariam vontade de rir aos miúdos de hoje, mas eram o máximo, a sério.

Andar horas de bicicleta, os poucos que tinham, ou de arco e gancheta em exibição ou competição, realizar intermináveis jogos de futebol, muda aos cinco acaba aos dez, com bolas de cautchu adquiridas através dos rebuçados, jogar hóquei em patins, sem patins, com uma bola de matraquilhos “desviada” no café e com talos de couve com a curva adequada a servir de stick, realizar corridas com carros de rolamentos de esferas construídos e decorados por nós, construir carros com canas, são alguns exemplos.

Fazer tiro ao arco com arcos feitos a partir das varetas de guarda-chuvas velhos, passar horas nas diversas variantes dos jogos com berlindes ou do pião, exercitar a corrida com o jogo da rolha, do lenço à barra, ou do “toca e foge”, experimentar a estratégia no jogar às escondidas ou a perícia nas corridas de caricas, eram outras das muitas coisas que fazíamos nos nossos tempos livres.

Nesse tempo havia tempo livre, os miúdos hoje quase não têm. Mas são fantásticos e excelentes.

Às vezes ... não.

sábado, 9 de julho de 2022

A HISTÓRIA DO RAPAZ POBRE

 Era uma vez um rapaz chamado Rapaz Pobre. Era um nome um pouco estranho, mas, por partida ou à procura de um destino, alguém assim tinha chamado ao rapaz.

O Rapaz Pobre pouca coisa mostrava. Nunca aparecia com brinquedos ou jogos, aliás, ele nunca aparecia com qualquer coisa como os outros rapazes tinham, além da roupa que incluía um inseparável boné por baixo do qual se abrigava das pessoas, não era muito dado a conversas.

O que se tornava mais curioso e intrigava as pessoas é que sobre qualquer coisa que perguntassem ao Rapaz Pobre, se ele queria ou precisava, a resposta era invariavelmente um envergonhado “não”, “não preciso” ou “não quero”, sempre num tom quase a pedir desculpa por existir.

As pessoas tinham dificuldade em entender porque é que um Rapaz Pobre a quem tudo parecia faltar, nada afirmava querer ou precisar. Algumas até o achavam arrogante por não aceitar ou exprimir ajuda ou necessidade.

Na verdade, as pessoas não percebiam que o Rapaz Pobre era o mais pobre dos rapazes, nem sonhos tinha.

sexta-feira, 8 de julho de 2022

RANKINGS, UM PRODUTO SAZONAL

 Bom, aí está o produto sazonal que dá pelo nome de “rankings escolares” nas suas diferentes declinações e leituras dos dados disponibilizados e bem pelo ME. Agora, relativos a 2021, um ano ainda atípico.

Apesar de continuar com dificuldade em defender a sua bondade, não tenho uma atitude fundamentalista face à sua construção. Sublinho, sobretudo, a evolução que se tem verificado nos últimos anos, quer na disponibilização de informação por parte do ME para além dos “meros” resultados da avaliação externa, quer na forma como essa informação é tratada e divulgada por diferentes entidades e imprensa. Se me parece muito importante a análise dos dados providenciados pelo ME, já me parece bem menos relevante a construção de listas classificativas de escola.

Continuo também a sentir-me incomodado com as estratégias de marketing dos negócios da educação a propósito da divulgação dos rankings.

A mais frequente defesa da sua construção assenta na importância da avaliação externa. No entanto, é evidente que a imprescindível avaliação externa não tem que, necessariamente, obrigar à construção dos rankings que, aliás, alguns países não realizam. Curiosamente, em Singapura terá sido decidido em 2018 abolir a construção e divulgação de rankings escolares com base nos resultados em exames bem como não divulgar outras informações de natureza comparativa sobre o desempenho escolar dos alunos.

A decisão, de acordo como o Ministro da Educação, Ong Ye Kung, assenta no princípio a promover junto dos alunos e famílias que “aprender não é uma competição”. Aliás, é interessante considerar toda a argumentação e sustentação da medida. A decisão é ainda mais surpreendente considerando a posição cimeira habitualmente ocupada por Singapura nos estudos comparativos internacionais e na sua habitual defesa destes dispositivos.

Mas existindo e apesar das mudanças que se têm verificado que mostram, ou não, os rankings?

Dificilmente mostrarão algo de substantivamente diferente como é que claro.

Mostram que genericamente as escolas privadas apresentam melhores resultados e que também existem escolas privadas com resultados mais baixos.

Mostram que a maioria das escolas que maior discrepância apresenta entre a avaliação externa e a avaliação interna, sendo esta "inflacionada", são privadas sendo algumas persistentes na tarefa.

Mostram que existem escolas públicas com bons resultados e escolas públicas com resultados menos bons.

Mostram que existem escolas que face ao contexto sociodemográfico que servem conseguem bons resultados ou, pelo menos, progresso no trajecto dos alunos e que existem escolas públicas que ainda não conseguem contrariar o destino de muitos dos seus alunos.

Mostram que a menor dimensão das turmas pode em escolas em contextos menos favoráveis promover a melhoria de resultados.

Mostram que a tradição ainda é o que era, pais (mães) mais escolarizados, têm, potencialmente, filhos com melhores resultados.

Mostram que as escolas públicas são as que mais progressos promovem nos alunos.

Mostram que nas escolas com melhores resultados, em regra, são as que têm menos alunos abrangidos pela Acção Social Escolar.

Mostram que a escola, os professores, fazem a diferença.

Mostram ainda que se continua a falar de “melhores escolas” e “piores escolas”

Mostram que …

Enfim, os rankings mostram tudo, só não mostram o que se fará a seguir com a informação que os rankings mostram. Na verdade, também não mostram o tanto que não se consegue medir, mas se pode avaliar e que é tão essencial como o que se mede.

Três notas finais.

1 - A propósito de rankings - Gert Biesta da Universidade Stirling numa obra notável, "Good Education in a Age of Measurement - Ethics, Politics, Democracy", afirma que uma obsessão centrada na medida, assenta na gestão continuada de uma dúvida, "medimos o que valorizamos ou valorizamos o que medimos?"

2 - Por onde andam nos rankings os alunos com necessidades educativas especiais?  (desculpem o termo não inovador dentro do novo paradigma, mas ainda não me habituei às novas "não categorias" como "adicionais", "selectivas" ou "adicionais").  Provavelmente à espera da operacionalização de um novo indicador-chave da avaliação das escolas, a inclusão de cuja consideração na construção dos rankings não me dei conta.

3 – Continuo com a dúvida expressa por Gil Nata e Tiago Neve do Centro de Investigação e Intervenção Educativas da U. do Porto que num texto no Público a propósito dos rankings de há dois anos escreviam, “Assim, passados 20 anos, a pergunta impõe-se onde estão as evidências de que a publicação dos rankings tenha contribuído para a melhoria do sistema educativo?”

Para o ano cá estaremos a tentar perceber que efeito terá nos rankings o ano que está a terminar.

E voltarei a estas notas. São assim os produtos sazonais.

quinta-feira, 7 de julho de 2022

DAS ESCOLAS SIMPÁTICAS, DE NOVO

 A imprensa de hoje divulga que a Inspecção-Geral da Educação e Ciência desenvolveu em 80 escolas, públicas privadas, uma análise aos processos de avaliação no ensino secundário. O objectivo é perceber se existe um procedimento de “inflacção” da avaliação interna que facilite a melhoria da nota de candidatura ao ensino superior. Desta acção terão resultado 12 processos disciplinares envolvendo seis escolas, três públicas e três privadas.

Esta iniciativa vem no seguimento de outras já desencadeadas e que têm mostrado alguma simpatia e generosidade na avaliação interna em diferentes estabelecimentos.

Esta recorrente situação, as eventuais “mãos largas “ de algumas escolas, sobretudo privadas, nos processos de avaliação interna é algo que que deveria merecer a mais célere e severa condenação. A percepção de competência, rigor e equidade é crítica nos processos de avaliação escolar em qualquer comunidade. Este cenário, para além do seu enquadramento do ponto de vista legal, é também preocupante pela mancha pantanosa lançada sobre as instituições de ensino minando a confiança e favorecendo os negócios da educação.

Recordo que em Maio de 2019 foram divulgadas várias pautas do 10º ano do Colégio Ribadouro (sempre bem posicionado nos rankings, claro) relativas a Educação Física em que nenhum aluno do 10º teve nota inferior a 18 no 2º período. Mais precisamente, de 248 alunos do 10º, 128 (52%) tiveram 20 valores, 108 alunos (44%) tiveram 19 e apenas 12 desajeitados alunos tiveram 18. Notável o desempenho dos alunos em Educação Física, tão notável quanto o desempenho da escola em rigor, seriedade, ética e manhosice.

A questão, também preocupante, dadas as implicações é que este cenário é conhecido há já alguns anos. Pelo menos, desde 2015 que sucessivos trabalhos do Conselho Nacional da Educação, da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e da Inspecção-Geral da Educação e Ciência referem este tipo de procedimentos.

No entanto, neste contexto parece-me de sublinhar que sendo certo que entre as escolas “simpáticas”, as que inflacionam as notas, predominam as escolas privadas, também se verifica que no caso das escolas em que os alunos obtêm melhores resultados nos exames que nas avaliações internas predominam habitualmente as públicas, ou seja, o “facilitismo” das escolas públicas que alguns apregoam não será assim tão claro.

Os responsáveis pelas escolas em que o “fenómeno” da simpatia e generosidade é mais evidente tentam explicá-lo de formas diferentes e em alguns aspectos até bastante curiosas, projecto pedagógico ou educativo da instituição, entendimento diferenciado sobre o próprio papel da avaliação interna, etc.

É também por razões desta natureza que de há muito defendo que a conclusão e certificação de conclusão do ensino secundário e a candidatura ao ensino superior deveriam ser processos separados. Os exames nacionais destinam-se, conjugados com a avaliação interna realizada nas escolas, a avaliar e certificar o trabalho escolar produzido pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente, está sediado no ensino secundário.

Não está em causa a existência de exames finais no ensino secundário são importantes como regulador externo do processo de avaliação e certificação do final de um ciclo de formação. O que me parece ajustado é que as classificações, internas e externas no ensino secundário deveriam constituir apenas um factor de ponderação a contemplar com outros critérios nos processos de admissão organizados pelas instituições de ensino superior como, aliás, acontece em muitos países.

O acesso ao ensino superior é um outro processo que deveria ser da responsabilidade do ensino superior e estar sob a sua tutela. E neste processo também poderia, naturalmente, ser regulado e escrutinado de forma a minimizar o risco de facilitismo”.

A situação existente também alimenta os negócios da educação. Curiosamente, os estudos da Universidade do Porto mostram, pelo menos desde 2012, que as notas de acesso dos alunos do ensino secundário privado não sustentam carreiras escolares no ensino superior no mesmo patamar, os alunos oriundos de escolas pública obtêm melhores resultados.

Já tenho afirmado a minha curiosidade sobre o que pensarão sobre estes expedientes os alunos, os pais e os professores destas escolas "batoteiras". Dos responsáveis institucionais adivinho o que dirão, se disserem alguma coisa, "nada lhes pesa na consciência". Como sempre.

quarta-feira, 6 de julho de 2022

DA SAÚDE MENTAL

 Na imprensa dos últimos dias surgem referências a uma entrevista a Miguel Xavier, coordenador das políticas de saúde mental, à Lusa que merece leitura. Embora sem dados exactos Miguel Xavier estima que o orçamento para saúde mental no SNS rondará os 5% dando como referência os 13 ou 14% que Reino Unido e países nórdicos apresentam.

Sabemos que de há alguns anos para cá e em particular no período pandemia e pós-pandemia diferentes estudos têm mostrado um aumento de incidência de perturbações nesta área envolvendo todas as idades.

Na mesma entrevista Miguel Xavier afirma que “Os problemas de Saúde Mental previnem-se antes de aparecerem. Através de bons programas de parentalidade, bons programas sociais, como os programas de apoio às populações vulneráveis”, o que envolve a necessidade de políticas integradas, mas também sublinha a importância dos recursos adequados.

Neste sentido até ao final de 2022 serão criadas dez equipas comunitárias de saúde mental que se juntam a dez já em funcionamento sendo também instaladas três unidades de transição para inimputáveis. Espera-se colocar em funcionamento mais cinco equipas em 2023, dez em 2024 e cinco em 2025.

Como aqui já tenho abordado, este movimento de desinstitucionalização ainda que de forma lenta a faz parte de há muito das recomendações, em 2019 o Conselho para os Direitos Humanos da ONU a necessidade de uma fortíssima e urgente alteração no modelo de resposta em saúde mental, recorrer menos à institucionalização e à medicação e mais a uma abordagem de natureza social com particular atenção a fenómenos como pobreza desigualdade e exclusão que alimentam discriminação.

No que a nós respeita, segundo o Relatório do programa da União Europeia "Joint Action on Mental Health and Well-being" divulgado em 2015, Portugal estava muito longe do desejável no que respeita à prestação de cuidados no domicílio e serviços na comunidade a pessoas com doença mental. Estima-se que menos de 20% dos doentes tenha acesso a este tipo de cuidados.

A ausência de respostas adequadas leva a um recurso excessivo à prescrição de psicofármacos mesmo em situações não justificadas como tem sido recorrentemente demonstrado.

Também de 2015, o estudo Trajectórias pelos Cuidados de Saúde Mental em Portugal, promovido pela Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental mostrava que o encerramento, positivo entenda-se, dos hospitais psiquiátricos não foi acompanhado da criação de serviços na comunidade pelo que a desinstitucionalização falhou e “agravou os problemas de muitos doentes”. Afirmava-se no Relatório que a Rede de Cuidados Continuados Integrados de Saúde Mental não se concretizou e escasseiam os recursos.

Parece claramente mais ajustada a aposta em equipas comunitárias e apenas um número reduzido de camas para situações mais críticas de adultos ou crianças para as quais faltam de facto, camas levando ao seu inaceitável internamento em serviços para adultos.

Na verdade, e como se sublinha no Relatório, as orientações actuais e matéria de saúde mental, quer do ponto de vista científico, quer do ponto de vista dos custos, determinam que a qualidade e eficácia deste tipo de apoios, deve, tanto quanto possível, assentar em estratégias de proximidade, aproximando, assim, o serviço clínico da comunidade e da vida quotidiana das pessoas.

Os modelos defendidos pela comunidade científica actual, a defesa dos direitos humanos e da qualidade de vida, tornaram insustentável a manutenção das grandes instituições psiquiátricas que encerravam muitas câmaras de horrores e casos de isolamento e privação. Ainda me lembro do incómodo causado por visitas realizadas no início da minha formação ao Hospital Júlio de Matos. Este universo é bem retratado no mítico “Jaime” de António Reis e Margarida Cordeiro.

No entanto, este movimento de retirada das pessoas com doença mental das grandes instituições precisa de um suporte adequado e suficiente de unidades locais que providenciem apoio terapêutico, social e funcional tão perto quanto possível das comunidades de pertença dos doentes e com o mínimo recurso ao internamento que agora, quero acreditar, poderão mesmo realidade.

A sua não existência, o quadro actual, cria sérios obstáculos aos processos de reabilitação e inserção comunitária acentuando ou mantendo os fenómenos de guetização das pessoas com doença mental e respectivas famílias.

Não estranho, os doentes mentais são os mais desprotegidos dos doentes, pior, só os doentes mentais idosos. Os custos familiares e sociais desta guetização são enormes e as consequências são também um indicador de desenvolvimento das comunidades.

Será seta que a coisa muda de forma significativa?

Deixem lá ver, como falamos no Alentejo.

segunda-feira, 4 de julho de 2022

OS DIAS MÁGICOS

 Desculpar-me-ão, mas cá estou de novo a recordar a perplexidade e o gozo da última grande descoberta nesta minha viagem que já vai longa. É sempre assim a cada 4 de Julho ou 5 de Abril.

Cumprem-se hoje nove anos desde que entrei pela primeira vez no mundo encantado, no mundo mágico da avozice. O tempo voa e o tempo dos velhos parece que voa mais depressa.

Esta mudança de geração tem sido uma bênção em cada dia que passa e contribui decisivamente para cumprir a narrativa de um Homem de sorte, eu.

Amanhã, aproveitando as férias lá teremos os dias do Alentejo, cheios de tudo e até de umas “conversetas” com um tema que escolhemos e que sempre antecedem o sono do Simão. E às vezes, quando brincam ou quando dormem, fico assim a olhar para eles, para os meus netos, o grande neto Grande, o Simão, que nasceu há nove anos e o grande neto Pequeno, o Tomás, com seis anos e fico a imaginar que viagens irão fazer. Nessas alturas sinto-me assim …  desculpem o atrevimento... um anjo da guarda.

Na verdade, que mais deve ser um pai ou um avô que não um anjo da guarda.

Às vezes, não sabemos, não percebemos, não queremos ou não podemos.

Mas é bonito.

A magia da avozice recorda-me, já aqui o contei, a fala de um Velho de Cabo Verde, amigo do meu amigo Amílcar, que dizia a propósito do quanto gozava a sua condição de avô, "Se soubesse que ter netos era assim, tinha tido os netos antes dos filhos".

Acho curiosíssima e elucidativa deste mundo mágico, ser avô.

No entanto, a ordem das coisas é a ordem das coisas, cresce um filho até ser Gente, vai crescer um neto até ser Gente.

E eu por perto por mais algum tempo. Muito, espero.