AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quinta-feira, 21 de julho de 2022

A INDOMESTICÁVEL VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, (enésimo take)

 É preciso insistir. Com dados do Observatório das Mulheres Assassinadas, da União de Mulheres Alternativa e Resposta, a imprensa de hoje refere que nos primeiros seis meses de 2022, foram assassinadas 19 mulheres e meninas, uma média de mais de três mulheres assassinadas por mês. Acresce que as tentativas de assassinato registadas foram 28, média de 4,6 por mês.

Recordo ainda, abordei esta questão na altura, que segundo dados disponibilizados pela PSP considerando o período de Janeiro a Junho, foram registados 62000 crimes de violência doméstica, em média 41 por dia.

Acresce que o mundo da violência doméstica é bem mais denso e grave do que a realidade que conhecemos, ou seja, aquilo que se conhece, apesar de recorrentemente termos notícias de casos extremos, é "apenas" a parte que fica visível de um mundo escuro que esconde muitas mais situações que diariamente ocorrem numa casa perto de si.

Por outro lado, para além da gravidade e frequência com que continuam a acontecer episódios trágicos de violência doméstica e como recorrentemente aqui refiro, é ainda inquietante o facto de que alguns estudos realizados em Portugal evidenciam um elevado índice de violência presente nas relações amorosas entre gente mais nova mesmo quando mais qualificada. Muitos dos intervenientes remetem para um perturbador entendimento de normalidade o recurso a comportamentos que claramente configuram agressividade e abuso ou mesmo violência.

Importa ainda combater de forma mais eficaz o sentimento de impunidade instalado, as condenações são bastante menos que os casos reportados e comprovados, bem como alguma “resignação” ou “tolerância” das vítimas face à situação de dependência que sentem relativamente ao parceiro, à percepção de eventual vazio de alternativas à separação ou a uma falsa ideia de protecção dos filhos que as mantém num espaço de tortura e sofrimento. Aliás, com demasiada frequência as crianças e adolescentes são também vítimas deste quadro, basta que assistam.

Queremos acreditar que será um cenário em mudanças, ainda que demasiado lenta. Os sistemas de valores pessoais alteram-se a um ritmo bem mais lento do que desejamos e estão, também e obviamente, ligados aos valores sociais presentes em cada época.

Torna-se ainda necessário, que nos processos de educação e formação familiar, escolar e comunitária dos mais novos, possamos desenvolver esforços no sentido de promover quadros de valores, de cultura e de comportamentos nas relações interpessoais que minimizem o cenário negro de violência doméstica em que vivemos. A educação e o desenvolvimento que sustenta constituem a ferramenta de mudança mais potente de que dispomos.

É uma aposta que urge e tão importante como os conhecimentos curriculares. Percebe-se também por estas questões a importância da abordagem do universo da “Cidadania e Desenvolvimento” na educação escolar e para todos os alunos.

Entretanto, torna-se fundamental a existência de dispositivos de avaliação de risco e de apoio como instituições de acolhimento acessíveis para casos mais graves, um sistema de protecção eficiente aos menores envolvidos ou testemunhas destes episódios, e, naturalmente, um sistema de justiça eficaz e célere.

A omissão ou desvalorização desta mudança é a alimentação de um sistema de valores que ainda “legitima” a violência nas relações amorosas, que a entende como “normal”.

udo isto tem como efeito a continuidade dos graves episódios de violência que regularmente se conhecem, muitos deles com fim trágico.

Apesar da natureza e gravidade fora do comum dos dias que vivemos e para os quais não estávamos preparados, talvez seja de não esquecer questões como estas que devastam o quotidiano ou a vida de muita gente.

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