É preciso insistir. Com dados do Observatório das Mulheres Assassinadas, da União de Mulheres Alternativa e Resposta, a imprensa de hoje refere que nos primeiros seis meses de 2022, foram assassinadas 19 mulheres e meninas, uma média de mais de três mulheres assassinadas por mês. Acresce que as tentativas de assassinato registadas foram 28, média de 4,6 por mês.
Recordo ainda, abordei esta questão na altura, que segundo dados
disponibilizados pela PSP considerando o período de Janeiro a Junho, foram
registados 62000 crimes de violência doméstica, em média 41 por dia.
Acresce que o mundo da violência doméstica é bem mais denso
e grave do que a realidade que conhecemos, ou seja, aquilo que se conhece,
apesar de recorrentemente termos notícias de casos extremos, é
"apenas" a parte que fica visível de um mundo escuro que esconde
muitas mais situações que diariamente ocorrem numa casa perto de si.
Por outro lado, para além da gravidade e frequência com que
continuam a acontecer episódios trágicos de violência doméstica e como
recorrentemente aqui refiro, é ainda inquietante o facto de que alguns estudos
realizados em Portugal evidenciam um elevado índice de violência presente nas
relações amorosas entre gente mais nova mesmo quando mais qualificada. Muitos
dos intervenientes remetem para um perturbador entendimento de normalidade o
recurso a comportamentos que claramente configuram agressividade e abuso ou
mesmo violência.
Importa ainda combater de forma mais eficaz o sentimento de
impunidade instalado, as condenações são bastante menos que os casos reportados
e comprovados, bem como alguma “resignação” ou “tolerância” das vítimas face à situação
de dependência que sentem relativamente ao parceiro, à percepção de eventual
vazio de alternativas à separação ou a uma falsa ideia de protecção dos filhos
que as mantém num espaço de tortura e sofrimento. Aliás, com demasiada
frequência as crianças e adolescentes são também vítimas deste quadro, basta
que assistam.
Queremos acreditar que será um cenário em mudanças, ainda
que demasiado lenta. Os sistemas de valores pessoais alteram-se a um ritmo bem
mais lento do que desejamos e estão, também e obviamente, ligados aos valores
sociais presentes em cada época.
Torna-se ainda necessário, que nos processos de educação e
formação familiar, escolar e comunitária dos mais novos, possamos desenvolver esforços no sentido de promover quadros de
valores, de cultura e de comportamentos nas relações interpessoais que
minimizem o cenário negro de violência doméstica em que vivemos. A educação e o
desenvolvimento que sustenta constituem a ferramenta de mudança mais potente de
que dispomos.
É uma aposta que urge e tão importante como os conhecimentos
curriculares. Percebe-se também por estas questões a importância da abordagem
do universo da “Cidadania e Desenvolvimento” na educação escolar e para todos
os alunos.
Entretanto, torna-se fundamental a existência de
dispositivos de avaliação de risco e de apoio como instituições de acolhimento
acessíveis para casos mais graves, um sistema de protecção eficiente aos
menores envolvidos ou testemunhas destes episódios, e, naturalmente, um sistema
de justiça eficaz e célere.
A omissão ou desvalorização desta mudança é a alimentação de
um sistema de valores que ainda “legitima” a violência nas relações amorosas,
que a entende como “normal”.
udo isto tem como efeito a continuidade dos graves episódios
de violência que regularmente se conhecem, muitos deles com fim trágico.
Apesar da natureza e gravidade fora do comum dos dias que
vivemos e para os quais não estávamos preparados, talvez seja de não esquecer
questões como estas que devastam o quotidiano ou a vida de muita gente.
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