Não vale a pena tentar tapar o sol com uma peneira ou acreditar que a realidade é a projecção dos nossos desejos.
A imprensa divulgou dados do
inquérito “EDUCAÇÃO INCLUSIVA QUATRO ANOS APÓS A IMPLEMENTAÇÃO”, promovido
pela FENPROF que envolveu cerca de 80 agrupamentos e 89 649 alunos.
Regista-se a existência de 5544
alunos com medidas selectivas e/ou adicionais. Destes alunos, 81,7% estão mais
de 60% do tempo lectivo na sala de aula com os seus pares. Destes, em sala de
aula, 42,1% beneficiam do apoio directo de docente de Educação Especial; 28,4%
beneficiam do apoio de docentes em coadjuvação com o titular de turma (apoio
que, em boa parte dos casos, não é especializado) e 19,1% são apoiados por
assistente operacional, por norma sem formação adequada para a actividade que desenvolvem,
ainda que alguns já tenham adquirido alguma experiência. Aliás, 73,5% referem
insuficiência do número destes profissionais, sendo que 65,5% referem a falta
de formação específica destes profissionais.
Os directores inquiridos também
referem falta de recursos como psicólogos e dos contributos da intervenção de áreas
diferenciadas de terapia e saúde.
Numa área sempre sensível, a
constituição das turmas face aos critérios estabelecidos, as turmas que
integrem alunos com necessidades especiais devem ter um máximo de 20 alunos e não
mais do que dois em cada uma, num universo de 6911 turmas, 1647 integram alunos
com necessidades especiais, mas apenas 56,6% cumprem os dois critérios. Das
restantes, a maioria tem mais de 20 alunos e 14,3% não cumprem os dois
critérios.
Numa apreciação global ao regime
legal da chamada educação inclusiva, 51.4 % consideram-no adequado e 48.6%
entendem que não.
Independentemente da robustez do
estudo os indicadores merecem atenção e estão em linha com, por exemplo, o relatório
da Inspecção-Geral de Educação e Ciência, “Organização do ano lectivo
2020-2021” divulgado em Abril e que também aqui referi.
Ambos mostram que os
sucessivamente anunciados amanhãs que cantam à janela do “Rolls Royce” talvez sejam
prematuros ou desfocados no que respeita à resposta educativa à diversidade dos
alunos, também conhecida por educação inclusiva, termo tão desgastado que até
dá cobertura à … exclusão.
Volto ao que muitas vezes aqui
escrevi, tenho afirmado e retomo.
Acompanhei com esperança e
expectativa a mais do que necessária, reafirmo, mudança legislativa
desencadeada no âmbito da Educação Inclusiva que se traduziu no DL 54/2018 ele
próprio associado a todo um quadro de mudança envolvendo, designadamente, a
definição do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, das
Aprendizagens Essenciais ou o Decreto-Lei n.º 55/2018 relativamente ao
currículo. Todo este edifício potenciaria a inovação, a mudança de paradigma,
de vários paradigmas aliás, e alguns falavam mesmo da revolução que estava em
marcha.
Com confiança em algumas virtudes
do novo quadro aguardei expectante pela revelação da escola inclusiva de 2ª
geração também anunciadas em 2015. No entanto, para meu desconforto e cansaço,
o que fui conhecendo e vai sendo divulgado não me ajuda na confiança e optimismo.
Continuo a verificar que tal como
aconteceu com o velho 319/91 (nesta altura eu já trabalhava neste universo há
15 anos), quer com o 3/2008 e agora com o 54/2018 existiam e existem
professores e escolas a realizar trabalhos notáveis que devem ser conhecidos e
reconhecidos.
A avaliação dos alunos, a
definição e operacionalização dos apoios nas diferentes tipologias (já usadas como categorização
uma vez que a outra categorização, dizem, já não existe), o funcionamento das
Equipas, os recursos disponíveis, a organização da intervenção, os papéis ou a
articulação dos intervenientes cria nas escolas inúmeros sobressaltos.
Recebo muitos testemunhos e dados que vão sendo conhecidos não são
particularmente animadores.
Como já escrevi há algum tempo, o
cansaço é muito embora sempre me anime quando conheço situações muito positivas
que felizmente acontecem todos os dias em tantas escolas.
Não quero fazer o papel do miúdo
que diz que o “rei vai nu”, primeiro porque já não tenho idade para isso e,
segundo, porque não seria de todo justo.
Também não gosto de me sentir o
Waldorf ou o Statler, os velhos dos Marretas que estão sempre na crítica, até
porque, de novo, muita coisa de bom acontece, mas … a verdade é que julgo que só
mudar, ainda que num caminho ajustado não significa … mudar.
Não queria repetir, sei que existem
muitas coisas muito bonitas, mas … nem tudo vai bem. Não torturem a realidade
que ela não vai confessar.
Aliás, devo acrescentar que não
acredito em escolas inclusivas. Não se insurjam, tento explicar.
Como disse Biesta, a história da
inclusão é a história da democracia. Olhando para os tempos actuais e apesar de
confiar no poder transformador da escola, a inevitável ligação entre a
sociedade e a escola leva a que também nesta se reflictam estes
tempos e Portugal não é excepção.
Acredito sim em escolas e
professores, a maioria, que com visão, competência e esforço assentes em
princípios de educação inclusiva procuram diariamente combater os riscos e as
situações de exclusão que muitas crianças pelas mais variadas razões correm ou
vivem.
Acredito também que sem um mínimo
de recursos suficientes e competentes é bastante mais difícil.
Quadros legislativos mais
adequados são essenciais ..., mas não são mágicos por mais que num exercício de
"wishful thinking" os queiramos entender e vender como tal. As
políticas públicas de educação exigem mais do que isto.
Daí este meu cansaço.
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