AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

segunda-feira, 25 de julho de 2022

A MENINA DOS OLHOS DOCES

 Era uma vez uma Menina dos Olhos Doces, mas não se chamava Amélia como a que morava na canção de Carlos Mendes, lembram-se? Até podia chamar-se Amélia que no som parece nome feito para olhos doces, mas na verdade já quase ninguém sabia o nome da Menina dos Olhos Doces.

Conheciam-lhe o ar triste de onde apenas saía um sorriso quando o Professor Velho, aquele que está na biblioteca e fala com os livros, a encontrava num canto do páteo lá da escola e lhe contava histórias malucas que a faziam sorrir, ainda que com medo que alguém não gostasse de a ver rir. Sabem que há pessoas que não gostam de ver os outros a rir, são, quase sempre, pessoas infelizes que não suportam a alegria dos outros.

A Menina dos Olhos Doces, carregava um fardo grande demais para a sua idade, carregava o cuidado que tinha de assegurar ao irmão pequeno que tinha de levar à creche antes de vir para a escola porque a mãe saía muito cedo de casa. Quando voltava à tarde, depois de apanhar o irmão, era ela que preparava com o que havia, se havia, a janta do pai que lhe cobrava no corpo o desagrado com o serviço, e sempre estava desagradado, ele não é mau, mas bebe, dizia a Menina dos Olhos Doces ao Professor Velho.

Na escola tinham combinado que ela ficava mais tempo para poder fazer os trabalhos de casa antes de ir para casa. É curioso que a Menina dos Olhos Doces, a que mais trabalhava em casa, era a única que não levava trabalhos de casa. A Menina dos Olhos Doces também era a única que nunca tinha brincado com uma Playstation, quer dizer uma Playstation sua, e dizia de forma desprendida aos colegas que não gostava de Playstations e também não tinha telemóvel, é verdade, ainda há adolescentes que não têm telemóvel.

Da última vez, antes das férias, que conversou com o Professor Velho disse que não sabia se voltava para a escola, a mãe diz que ela precisa de começar a trabalhar. Já vai sendo tempo. Ela não sabe dessas coisas da escolaridade obrigatória.

Como é de perceber esta Menina dos Olhos Doces não existe, felizmente, a Amélia dos Olhos Doces morava na canção de Carlos Mendes, esta mora nestas linhas.

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