AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

domingo, 10 de julho de 2022

HISTÓRIAS DE FÉRIAS

 Estamos em tempos de férias e, inevitavelmente, muitas famílias deparam-se com a dificuldade da ocupação dos mais novos. Em muitos contextos as autarquias e escolas têm um papel importante e, por outro lado, também a iniciativa privada cria uma oferta significativa embora, com demasiada frequência, não acessível a crianças e adolescentes com necessidades especiais.

Como muitas vezes digo produzindo alguns sorrisos, a idade traz algumas vantagens interessantes. A primeira é uma espécie de inimputabilidade, se a impaciência ou cansaço me fizerem soltar alguma expressão menos “própria” o que há umas décadas seria “má educação” agora, com alguma generosidade, é considerado algo como, “engraçado, com aquela idade e fala assim". É óptimo, um dia vão saber isso.

A segunda vantagem da velhice é ter história(s) para contar, os mais novos que lidam comigo ouvem-na(s) com frequência e de diferente natureza. Talvez seja por isto que que recordei algo que aqui já tinha referido, como eram as minhas férias lá bem para trás no tempo. Aliás, não íamos de férias, estávamos de férias, só não tínhamos escola.

Quando eu era gaiato, antes do desenvolvimento ter tapado as quintas da zona onde morava com prédios deixando como espaço livre o alcatrão, a oferta de férias para os miúdos era basicamente constituída pelo mais acessível e barato dos equipamentos, a rua. Como os estilos de vida e o quadro de valores ainda tão tinham alimentado a insegurança, quando não havia escola, claro, estávamos na rua, sempre na rua.

As actividades não eram muito sofisticadas nem fantásticas, não ficávamos assim muito excelentes, mas divertíamo-nos a sério nas férias, com calor, com frio, com chuva, mesmo à noite. É verdade que alguns dos meus companheiros ainda foram “homens que nunca foram meninos” como lhes chamou Soeiro Pereira Gomes, desde muito cedo fizeram-se ao trabalho.

Mas ainda arranjávamos tempo para brincar, naquela época o tempo era mais barato e havia mais.

Nessa altura os miúdos ainda podiam apanhar chuva e mexer na terra, não conhecíamos as ameaçadoras bactérias, os nossos pais também ainda não eram excelentes e fantásticos sempre na busca de orientações e “coaching” para promover a excelência dos filhos.

Muitas das actividades eram, por assim dizer, sazonais, mais próprias de umas alturas do ano que de outras. Algumas, já delas aqui contei, dariam vontade de rir aos miúdos de hoje, mas eram o máximo, a sério.

Andar horas de bicicleta, os poucos que tinham, ou de arco e gancheta em exibição ou competição, realizar intermináveis jogos de futebol, muda aos cinco acaba aos dez, com bolas de cautchu adquiridas através dos rebuçados, jogar hóquei em patins, sem patins, com uma bola de matraquilhos “desviada” no café e com talos de couve com a curva adequada a servir de stick, realizar corridas com carros de rolamentos de esferas construídos e decorados por nós, construir carros com canas, são alguns exemplos.

Fazer tiro ao arco com arcos feitos a partir das varetas de guarda-chuvas velhos, passar horas nas diversas variantes dos jogos com berlindes ou do pião, exercitar a corrida com o jogo da rolha, do lenço à barra, ou do “toca e foge”, experimentar a estratégia no jogar às escondidas ou a perícia nas corridas de caricas, eram outras das muitas coisas que fazíamos nos nossos tempos livres.

Nesse tempo havia tempo livre, os miúdos hoje quase não têm. Mas são fantásticos e excelentes.

Às vezes ... não.

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