AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

terça-feira, 30 de abril de 2013

A HISTÓRIA DO PERGUNTADOR

Era uma vez um homem chamado Perguntador. Desde muito cedo revelou uma estranha forma de falar. Na maioria das vezes, apenas fazia perguntas, raramente afirmava, e a qualquer resposta continuava a perguntar.
As pessoas admiravam-se e ficavam embaraçadas com tal estilo. Algumas, mais generosas, achavam que o Perguntador era um chato curioso, outras que tinha uma espécie de tique no discurso, quase só recorria a perguntas, outras ainda, professores, por exemplo, achavam que o Perguntador os queria desafiar e não reagiam muito bem.
Claro que como o comportamento gera comportamento, quanto mais as pessoas reagiam, mais perguntas o Perguntador colocava, o que ainda mais exasperava as pessoas.
Quando mais crescido, contrariando a ideia de que a idade nos muda, o Perguntador mais perguntava. As suas dúvidas, inquietações, curiosidade, vontade de entender as pessoas e a vida, levavam-no a colocar cada vez mais perguntas.
Curiosamente, não mudando o Perguntador, mudaram as pessoas, calavam-se, não prestavam atenção e, por fim, ignoravam completamente o Perguntador. Como sabem, as pessoas não gostam lá muito de perguntas.
Nem assim o Perguntador mudou. Começou a fazer perguntas para dentro, tornou-se escritor de poemas. Continua sem respostas. Mas não desistiu de perguntar, o Perguntador.

AUSTERIDADE PARA ALÉM DOS LIMITES. ISTO É UM CONSENSO

O Ministro Vítor Gaspar, sub-chefe da equipa de feitores, liderada pelo Primeiro-ministro Adjunto da Troika, anunciou no Parlamento a continuação das políticas de austeridade orçadas em 4700 milhões entre 2014 e 2016. Nada de surpreendente sendo que os aspectos mais específicos serão conhecidos dentro de dias.
Ontem escrevi e hoje repito. Torna-se muito difícil entender a persistência insensível e insensata, cega e surda, neste caminho de “custe o que custar", no cumprimento dos objectivos do negócio com a troika e dos objectivos de uma política "over troika", atingindo claramente o limite do suportável e afectando gravemente as condições de vida de milhões. Estamos a falar de pessoas, não de políticas ou números, ou melhor estamos a falar do efeito das políticas na vida das pessoas.
Creio que já ninguém consegue sustentar que este trajecto nos possa levar a bom porto, está à vista o quanto é insustentável a insistência neste caminho que já dificilmente alguém na sociedade portuguesa consegue honestamente defender.
Sabemos todos que eram e são necessários esforços de contenção e combate ao desperdício e a promoção até ao limite de racionalidade nas contas públicas, mas este conjunto de políticas está, como gente de todos os quadrantes políticos defende, para além dos limites do suportável.
Isto parece-me representar claramente um consenso, como agora se diz.

INCULTURA GERAL, SERÁ?

Segundo a imprensa, dos 2300 candidatos ao exame de cultura geral para ingresso na carreira diplomática apenas 44 passaram à segunda fase.
Das duas uma, ou a cultura geral, seja lá isso ou que for, dos candidatos a diplomatas se situa em patamares miseráveis o que e preocupante, ou a cultura científica dos avaliadores em matéria de avaliação é também baixa o que não deixa de ser também motivo de inquietação. Ainda assim, parece um exercício estimulante definir um entendimento de consenso, como agora se diz, sobre o que será cultura geral. Alguns exemplos vindos a público e constantes do exame são anedóticos.
Ainda bem que para ingresso na carreira política não é necessário exame, a coisa ficaria complicada. Nem as Universidades de Verão das diferentes juventudes partidárias teriam capacidade para providenciar a formação, teríamos muito provavelmente uma qualificação por equivalências.

A CULTURA DE PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS

Retomo uma matéria que frequentemente aqui abordo, a situação de crianças e jovens em risco. Faço-o a propósito de uma situação que sendo restrita e localizada, pode ser um exemplo do muito que está por fazer, apesar, naturalmente, de progressos realizados.
Foi instalado em Mirandela um Centro de Acolhimento Temporário para crianças e jovens com circunstâncias de vida em risco grave de natureza diferenciada onde aguardam o desenvolvimentos dos processos de regulação e as decisões dos tribunais.
O objectivo seria de que a permanência no Centro não ultrapassasse os seis meses mas acontece que a maioria das crianças e jovens acolhidas estão há mais de seis anos, uma situação verdadeiramente inaceitável e com consequências óbvias.
De há muito e a propósito de várias questões, que afirmo que em Portugal, apesar de existirem vários dispositivos de apoio e protecção às crianças e jovens e de existir legislação no mesmo sentido, sempre assente no incontornável “supremo interesse da criança", não existe o que me parece mais importante, uma cultura sólida de protecção das crianças e jovens de que temos exemplos com regularidade. Poderíamos citar a insuficiência e falta de formação de juízes que se verifica nos tribunais de Família com enorme morosidade na resolução de situações de regulação para além surgirem frequentemente decisões incompreensíveis decisões em casos de regulação do poder parental ou o silêncio face a situações conhecidas, etc.
Por outro lado, as condições de funcionamento as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer um trabalho eficaz estão longe de ser as mais eficazes e operam em circunstâncias difíceis. Na sua grande maioria as Comissões têm responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta. A parte mais operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, tem muitos técnicos a tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as integram. Esperemos que a decisão hoje comunicada produza efeitos.
Este cenário permite que ocorram situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que, sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não tiveram, o apoio e os procedimentos necessários. Ainda acontece que depois de alguns episódios mais graves se oiça uma expressão que me deixa particularmente incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada” o que foi insuficiente para a adequada intervenção. Em Portugal sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver os problemas referenciados ou sinalizados.
Por isso, sendo importante registar a menor tolerância da comunidade aos maus tratos aos miúdos, também será importância que desenvolva a sua intolerância face à ausência de respostas.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

TEMOS QUE SER AMIGUINHOS

"Tribunal de Contas arrasa Ministério Público por não acusar membros do Governo da Madeira", na  imprensa.
A versão consenso em modo Madeira ou, como diz o povo, os amigos são para as ocasiões.
É bonito este exemplo de solidariedade entre instituições que demonstra ser possível estabelecer entendimentos e consensos.
Até quando?

O SEMÁFORO

Uma vez, um amigo meu, já velho e também amigo de uns copos e de outras andanças, que, como diz Torga, a carne é fraca, dizia-me com um ar entre a esperança e a resignação de quem não resiste muito às tentações, “as pessoas deviam nascer com um semáforo na cabeça, quando pensassem em dizer ou fazer certas coisas, se o semáforo ficasse verde, podiam dizer ou fazer à vontade, se ficasse amarelo teriam que ter cuidado com o que diziam e faziam, com o vermelho, era melhor ficar calado e quieto”.
A ingenuidade do meu velho amigo não lhe permitia perceber que os semáforos, às vezes, só atrapalham, por isso, inventaram as rotundas. Também não percebia que, embora pareça fácil, uma pessoa conduzir-se é uma tarefa difícil, sobretudo com o trânsito cada vez mais complicado que temos. Não percebia que, às vezes, por falta de energia ou picos de energia a mais, os semáforos deixam de funcionar. Não percebia que, alguns de nós, em diferentes circunstâncias, ganhamos uma espécie de daltonismo selectivo, só vemos as cores que nos interessam.
E não percebia, finalmente, que se tivéssemos um semáforo na cabeça, muita gente quereria ocupar a sala de controlo do sistema.

RELVICES E MANHOSICES

"O antigo vice-reitor da Universidade Independente (UnI) Rui Verde encontra semelhanças entre os casos das licenciaturas de Miguel Relvas e José Sócrates e pediu a declaração de nulidade do curso do antigo primeiro-ministro, em nome do princípio da igualdade.", no Público.
Relvices e manhosices do Portugal dos Pequeninos em que ser doutor ou engenheiro é muitas vezes visto e sentido como uma condição que se cola ao nome e faz parte da identidade.
Acontece ainda que quando se zangam as comadres ...

OS CUSTOS DA SAÚDE

O Ministério da Saúde está a avançar com processos visando a recuperação de 1,3 milhões de euros que terão sido abusivamente recebidos por alguns médicos no âmbito do programa de incentivos à redução das listas de espera. Saúda-se a medida mas importa não esquecer uma realidade mais vasta.
O Ministério também determinou o corte já para este ano de 20 % nos gastos com horas extraordinárias dos médicos nas unidades do SNS. Não sendo um especialista, disponho apenas da recorrente informação de que o recurso às horas extraordinárias, obviamente susceptível de abusos que importa combater, é imprescindível para assegurar respostas e actos médicos em tempo oportuno e com condições de eficácia, que, aliás, nem assim são sempre cumpridas.
Ainda sobre os custos da saúde, recordo um Relatório da OCDE, divulgado em Fevereiro, “Health Spending Growth at Zero – Wich Countries, which sectors are most affected?” com alguns dados interessantes. O Governo português cortou o dobro do que estava definido no negócio acordado com a troika. As contas portuguesas do sector da saúde terão caído em 2011 5,2% face a 2010, a média de toda a OCDE foi um crescimento de 0,7%. Para 2013 a saúde terá 5,1% do PIB, a média da zona euro será de 7%. Os gastos em saúde por habitante são 2196 €, a média nos países da OCDE é de 2631 € e nos EUA de 6629 €.
Estes dados são elucidativos da política de cortes, custe o que custar e que agora se acentuam.
O mesmo relatório alerta para os impactos a prazo, sobretudo quando se atravessa um período alargado de perdas muito significativas do rendimento disponível das famílias. Aliás, é importante referir que, ainda de acordo com a OCDE, em 2010, já bem dentro do quadro de dificuldades, os portugueses continuavam a ser dos que mais pagam directamente do seu bolso despesas com saúde, 26% face aos 20,1% da média dos 34 países da OCDE. Também sobre esta matéria recordo a precupação hoje divulgada de Constantino Sakallarides, do Observatório Português dos Sistemas de Saúde, que afirma "não existem áreas do sector da saúde que tolerem mais cortes sem consequências gravosas para as pessoas".
Na verdade, quando tanto se questiona os fundamentos do estado social e o peso destas funções no OGE, parece razoavelmente claro que Portugal tem, no sector da saúde mas não só, um peso inferior ao de outros países.

A INSENSÍVEL E INSENSATA PERSISTÊNCIA

A imprensa de hoje faz eco das preocupações de dois especialistas em duas diferentes e importantes áreas, educação e saúde, com as políticas de cortes sucessivos que se verificam e  projectam por parte de um outro especialista, Vítor Gaspar, este em números, dizem. Por partes.
O ex-ministro da Educação Roberto Carneiro afirma ser "impossível cortar mais sem ferir o sistema". Talvez não fosse disparate convidar o actual Ministro Nuno Crato a ler a entrevista embora me pareça que se não vier da Alemanha nada parece merecer leitura ou atenção.
Na área da saúde, Constantino Sakallarides, especialista em saúde pública e dirigente do Observatório Português dos Sistemas de Saúde, entende que "não existem áreas no sector da saúde que tolerem mais cortes sem consequências gravosas para as pessoas".
Estas preocupações não surpreendem e vão ao encontro do que diariamente os profissionais destes sectores sentem e têm vindo a referir.
O que também surpreende é a persistência insensível e insensata, cega e surda, neste caminho de “custe o que custar", no cumprimento dos objectivos do negócio com a troika e dos objectivos de uma política "over troika", atingindo claramente o limite do suportável e afectando gravemente as condições de vida de milhões. Estamos a falar de pessoas, não de políticas ou números, ou melhor estamos a falar do efeito das políticas na vida das pessoas.
Creio que já ninguém consegue sustentar que este trajecto nos possa levar a bom porto, está à vista o quanto é insustentável a insistência neste caminho que já dificilmente alguém na sociedade portuguesa consegue honestamente defender.
Na verdade, o caminho decidido, por escolha de quem o faz, é bom registar que existem alternativas, está a aumentar assimetrias sociais e obviamente a produzir mais exclusão e pobreza mas, insisto, mais preocupante é a insensibilidade da persistência neste caminho.

OS ATRASOS NOS SALÁRIOS EM ATRASO

O novo Inspector-geral do Trabalho da Autoridade para as Condições do Trabalho defende a criminalização dos empregadores responsáveis por salários em atraso, situação que classifica como uma "originalidade portuguesa". Mais uma, acrescento eu.
Esta drama, salários em atraso, para além do desemprego e dos cortes nas prestações sociais, representa uma das mais fortes ameaças às condições básicas de qualidade de vida e dignidade enfrentadas pelas famílias.
No Ministério da Solidariedade e Segurança Social existe o Fundo de Garantia Salarial justamente para minimizar os efeitos dos salários em atraso. Há poucos dias foram divulgados dados reportando que face ao aumento de pedidos, 42% de 2011 para 2012, o Fundo demora cerca de um ano a iniciar a análise dos processos. No entanto, de acordo com o Provedor de Justiça o prazo está perto dos dois anos. Ao que parece, o Ministério encara o aumento dos recursos para agilizar a análise de processos e disponibilização de compensões.
Talvez o Inspector-geral do Trabalho devesse propor a criminalização do atraso da administração na resposta que lhe compete às pessoas que têm salários em atraso. Este tipo de ineficácia e incompetência institucional também deverão integrar o leque das "originalidades portuguesas".
Como um ou dois anos de espera, sem salário e sem subsídios pois formalmente estão empregados, coloca-se uma inquietante questão.
Estes milhares de pessoas e as suas famílias vivem de quê?
Da espera? Não, da desesperança que mata devagarinho.

domingo, 28 de abril de 2013

PISAR O RISCO

Quando era pequeno, uma das expressões que mais ouvia ao meu pai era “pisar o risco”. Empregava-a com frequência, em diferentes circunstâncias e dirigida a mim ou expressando apreciações a comportamentos ou atitudes de outras pessoas. Percebi com o tempo que era uma expressão vulgar, não exclusiva do meu pai.
Com a fórmula do “pisar o risco” procurava, sobretudo comigo, que percebesse a necessidade do “risco”, hoje é mais comum chamar regras, e como, sabendo qual era o risco, perceber se deveria, ou não, ser pisado e as consequências que eventualmente adviriam de “pisar o risco”.
Neste contexto, cresci como todos, quase, da minha geração, a tentar evitar “pisar alguns riscos”, umas vezes com sucesso, outras nem por isso, e a decidir com toda a intenção que existiam riscos que era preciso pisar.
Hoje, sem querer parecer demasiado pessimista, quando olho à volta, fico com a sensação que a gente pisa, mas já não tem muita noção de qual é o risco e onde está. Atropelamo-nos diariamente nas relações sociais e profissionais e na vida em comunidade assistimos a comportamentos completamente despudorados de gente que não deveria “pisar o risco” , certos riscos, pelo peso social que tem. Os miúdos, muitos, andam perdidos sem a noção de que pisam o risco, ou pisam o risco com intenção mas agarrados à ideia de que a vida está no “pisar o risco”. Os direitos das pessoas, risco que nunca poderia ser pisado, são esquecidos com frequência, etc.
No entanto, como sempre, há riscos que continuam a precisar de ser pisados. Mudam de forma, mas não mudam de conteúdo, ontem como hoje.

QUEM DÁ E TIRA VAI PARAR AO INFERNO

Segundo alguns especialistas, a fórmula a usar pela administração fiscal na definição das retenções no IRS relativas à reposição dos subsídios decorrente da decisão do Tribunal Constitucional implicará o corte de mais de metade do subsídio reposto, perdão, aparentemente reposto.
Trata-se certamente de mais uma habilidade, um malabarismo com os números que os artistas especializados em manipulação de números desenvolvem para nos convencer de que a realidade não é a realidade mas aquilo que eles acreditam ser a realidade.
Como diz o povo, "dá-se com uma mão para se tirar com a outra".
Mas ainda relembrando ditados populares, lembro-me que quando era miúdo ouvia com muita frequência que  "quem dá e tira vai parar ao inferno", ao inferno onde muitos portugueses já caíram.

VINHO DE MISSA, UM NICHO DE MERCADO

Provavelmente, já se tornará um reflexo da postura do Papa Francisco, uma Igreja com menos ostentação, uma Igreja preocupada com os pobres e a dar exemplos de probidade.
Ao que se lê no Público, a Sé de Braga comercializa um "vinho de missa" ao que parece de produção por si controlada e que não ultrapassa os 5.50 euros a garrafa.
A marca "Sé de Braga" é um vinho que está "provado e aprovado" pelo arcebispo primaz, D. Jorge Ortiga, pelo que pode entrar no circuito comercial numa fileira importante, as missas. Espera-se que o vinho agora em comercialização e produzido de acordo com os cânones, seja do agrado os sacerdotes e que, dado o seu competitivo preço, possa ser bem recebido e uma boa aposta por parte da Sé de Braga.
O passo seguinte será certamente a internacionalização, esperando-se que a curto prazo missas de todo o mundo possam ser celebradas com o minhoto e portuguesíssimo vinho "Sé de Braga", que não ultrapassando os 18% de teor alcoólico e com a sua natureza licorosa produzirá certamente efeitos positivos, quiçá, com reflexo na atracção de novas vocações.
É sempre importante uma Igreja atenta aos problemas reais do quotidiano do mundo.

LITURGIA POLÍTICA

Na partidocracia em que vivemos existem uns actos litúrgicos, os congressos partidários, que estranhamente, ou não, merecem uma cobertura mediática que, do meu ponto de vista não se justifica na partidocracia em que nos atolámos.
Este fim de semana está a decorrer o Congresso do PS e a imprensa está cheia de referências ao que por lá vai acontecendo. Como é habitual, do que por lá vai acontecendo, tal como nos Congressos dos outros partidos, pouca coisa se torna verdadeiramente importante para o chamado país real até porque boa parte do que lá é dito é quase que exclusivamente para consumo interno, como por exemplo me parece a afirmação de um pedido de maioria absoluta pelo líder António José Seguro.
Na verdade, os Congressos destinam-se a definir ou redefinir lideranças que previamente estão estruturadas, a realinhar os apoios e a organização do aparelho, ao que consta, os "socratistas" perderam posições, como se compreende novas lideranças implicam novas fidelidades e novos jogos de poder e de influência.
Os Congressos partidários servem também para dar "tempo de antena" aos barões do partido que mostram a sua influência e peso, a antiguidade é um posto como diz o povo, e, naturalmente surgem os imprescindíveis apelos à unidade em torno do projecto, da estratégia, isto é, do líder em funções. Quando mudar logo se vê e repete-se a liturgia.
Os Congressos partidários cumprem ainda uma outra função, disponibilizar uns minutos de palco, de fama, aos congressistas anónimos vindos do aparelho patidario mais afastado do poder central ma mais próximo do poder local, do país profundo, e que, quase sempre, fora da cobertura mediática, produzem inflamadas intervenções cheias de amor partidário que os poucos presentes, estas intervenções são habitualmente agendadas para horas "mortas", têm a generosidade de aplaudir.
Quando acabar o Congresso do PS voltamos aos problemas das pessoas, o mundo não parou, e aguardamos o Congresso do próximo partido para repetir a liturgia.

sábado, 27 de abril de 2013

AS CARTAS E UM FINGIMENTO DE COMUNICAÇÃO

Anda agitada a vida política, agora em modo epistolar, no Portugal dos Pequeninos. Depois da época das SMS, agora temos as cartas. Toda a gente escreve cartas a toda gente. Devo dizer que acho bonito o regresso a esta forma de comunicação que as tecnologias têm feito cair em desuso. Não sei se assim tem acontecido, mas ainda mais interessante seria que as cartas estivessem escritas à mão.
O problema é que estas cartas acabam por ser mais uma retórica, uma forma de fingir que existe comunicação que na verdade ninguém parece desejar. O PS diz que a carta do Governo chegou com dois anos de atraso. Acontece por vezes os CTT terem esta dificuldade em cumprir a entrega da correspondência em tempo útil.
O PS também terá adiantado que vai responder para a semana, pois "todas as cartas têm resposta". Vamos ver se a carta de resposta não demorará dois anos a chegar ao destinatário pelo que se solicita uma atençãozinha por parte dos CTT a esta carta.
Estou a agora a olhar para as notícias que vão pssando no noticiário televisivo e vão-se sucedendo as referências às cartas e às respostas às cartas.
E lá fora, na vida real, a vida de milhões de portugueses segue em enorme sofrimento que não cabe nas cartas que não enviam nem recebem.

A TERRA ZANGADA

Por aqui no Meu Alentejo quando me sentei há minutos para começar a olhar para a imprensa on-line senti a terra a zangar-se, tremia e fazia barulho. Devo dizer que assusta.
O monte abanou.
Até a terra parece agitar-se.
Está zangada a terra.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

UMA HISTÓRIA ASSIM UM BOCADO ESTÚPIDA

Era uma vez uma Menina. Nasceu numa família muito pobrezinha mas muito honrada e trabalhadora e era a mais velha de cinco irmãos, de quem gostava muito e ajudava no que podia. Andou na escola só o suficiente para fazer a escolaridade obrigatória e aos 16 anos, sem mesmo querer ir para o Programa Novas Oportunidades nem receber um computador, arranjou um emprego numa loja de um Centro Comercial para, com o pouco que ganhava, ajudar os pais a criar os irmãos que graças à sua ajuda foram estudando porque, além de estudantes aplicados, eram muito espertinhos. O Pai da Menina adoeceu e ficou tanto tempo numa lista de espera que acabou por deixar de trabalhar sem ter conseguido a operação, embora ainda tenha escrito ao Sr. Goucha da TVI para ver se tinha alguma ajuda para ir a Cuba tratar-se.
A Menina, agora já quase mulher e muito bonita, ficou ainda mais sobrecarregada para ajudar a Mãe a dar uma boa educação aos seus irmãozinhos. Chegou a estar tão desesperada que pensou em vender o seu corpo, o que de mais precioso tinha, e só a ideia consumiu-lhe noites e noites de lágrimas no pequeno divã em que já mal cabia, sempre em silêncio para não perturbar os irmãos.
Um dia, entrou na loja onde a Menina, agora jovem mulher e mais bonita, trabalhava da abertura ao encerramento, um Rapaz, também ele muito bonito. O Rapaz, foi tiro e queda, ao olhar para a Menina pensou, é Ela. O Rapaz era oriundo de uma família muito rica, apaixonou-se na hora. A Menina, primeiro timidamente, depois mais à vontade e no fim docemente, viu naquele Rapaz o príncipe encantado que aguardava. O Rapaz começou a levar a Menina, os irmãos e a Mãe a sua casa, a sua família ficou cativada com a doçura e simplicidade da menina e da família e aceitaram o casamento.
Foram todos viver para um condomínio fechado, o Rapaz e a Menina tiveram três filhos e foram felizes para sempre.
 

PS – A HISTÓRIA É ASSIM UM BOCADO ESTÚPIDA, MAS É SÓ PARA NÃO FALAR DE NOVO  DO DISCURSO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

JORNALISTA, A PIOR PROFISSÃO DO MUNDO (exceptuando o grupo dos palpitólogos)

Segundo um site americano especialista em questões de emprego, Career Cast, jornalista é a profissão mais mal colocada num ranking elaborado com diferentes criérios, salário, nível de stress, ambiente de trabalho, exigência física além da emocional e probabilidade de contratação.
Reflectindo sobre esta classificação não creio que os autores tenham considerado um grupo dentro dos profissionais da imprensa que em Portugal tem uma largíssima saída, os "palpitólogos".
Na verdade, nos últimos anos, a comunicação social, nos seus diferentes suportes, tem sido invadida por uma onda de palpitólogos, opinadores "tudólogos", isto é, opinam sobre tudo e mais alguma coisa. Muitos destes palpitólogos possuem um passado longo em funções políticas e assumem tranquilamente uma visão muito clara sobre tudo o que deve ser feito e como deve ser feito, mas que quando tiveram responsabilidades não realizaram, ou seja, “sei muito bem o que deveria ser feito, mas quando fui ministro esqueci-me” o que, obviamente, não se estranha em muitos destes palpitólogos.
Acontece ainda que boa parte deste pessoal assume este papel de palpitólogo ao serviço das omnipresentes agendas partidárias ou pessoais, o que não sendo grave, deveria ser claro. Daqui decorre que muitos não têm qualquer coisa de relevante a dizer para além do óbvio e da cartilha pessoal, quase sempre disse, também, partidária.
Em Portugal, confunde-se de forma frequente comentar em espaço público com dizer “umas coisas” sobre um qualquer assunto que esteja na agenda. Comentar em espaço público e acrescentar massa crítica à análise da realidade, não porque detenham a verdade ou o saber, mas porque acrescentam qualidade à reflexão ou informação, pressupõe conhecimento e estudo que muitos dos palpitólogos não têm sobre muitos dos assuntos de que falam, refugiando-se em exercícios de futurologia, em retóricas sem substância ou em discursos de manipulação e demagogia.
De forma despudorada emitem com ar sério opiniões travestidas de análise e que entendem como saber, tudo isto servido muitas vezes por um enorme umbiguismo.
Estranhamente, boa parte da comunicação social, num enjeitar das responsabilidades que lhe cabem, não prescinde desta fauna e disputam a sua presença.
Por todas estas razões não acredito que estes "jornalistas", "opinion makers", "comentadores", ou qualquer outra designação corram os riscos dos jornalistas considerados na análise do site Career Cast.

OS PAIS, AS MÃES E A LICENÇA PARENTAL

O número de pais que utilizou a licença parental por nascimento de um filho baixou cerca de 11% de 2010 para 2012. Cruzando os dados, este abaixamento parece mais relacionado com menor número de nascimentos e o desemprego jovem do que com o abaixamento significativo de pais que utilizam a licença parental.
Também se verificou um abaixamento nas licenças partilhadas nas suas várias modalidades, sendo de recordar que nas modalidades de maior duração acontece uma diminuição significativa do salário bruto.
Considerando os tempos que atravessamos, o abaixamento dos rendimentos familiares, a insegurança e a precariedade no emprego, bem como o flagelo do desemprego que atinge cerca de 35% dos jovens adultos este quadro não pode ser surpreendente.
Muitas vezes tenho abordado esta matéria e julgo que vale a pena reafirmar a importância de enfrentar de forma séria este enorme problema, embora me pareça que os eventuais incentivos fiscais que por vezes se referem, e a que este governo dificilmente será sensível, sejam uma parte pequena do que seria necessário.
Na verdade, importa não esquecer que trabalhos recentes evidenciam que as mulheres portuguesas são de entre as europeias as que mais valorizam a carreira profissional e a família. Também é sabido de outros estudos que as mulheres portuguesas são das que mais tempo trabalham fora de casa, aliás, são também das que mais tempo trabalham em casa.
Como parece claro, este cenário, menos filhos quando se desejava fortemente compatibilizar maternidade e carreira, exige, já o tenho referido, a urgência do repensar das políticas de apoio à família. Os salários baixos ou o desemprego são uma das razões que “obrigam” a que as famílias revejam em baixa, como agora se diz, os projectos relativos a filhos. Por outro lado, Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que, naturalmente, é mais um obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos. A acessibilidade, no custo e na logística, aos serviços e equipamentos para a infância terá de ser uma peça fundamental, mais do que incentivos fiscais num país de baixos salários que continuam em queda ou mesmo em desaparecimento.
Não pode ainda esquecer-se a discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc.
Toda esta situação torna urgente a definição de políticas de apoio à família com impactos a curto e médio prazo como, por exemplo, a acessibilidade aos equipamentos e serviços para a infância com o alargamento da resposta pública de creche e educação pré-escolar, cuja oferta está abaixo da meta estabelecida bem como combater a discriminação salarial e de condições de trabalho através de qualificação e fiscalização adequadas.
Por outro lado, recordo que Julho passado o FMI propunha apoiar as mães que voltem mais cedo ao trabalho. O FMI pretendia que mais mulheres estivessem a trabalhar mais tempo, não perdendo horas de trabalho com essa coisa estúpida e desnecessária de cuidar dos filhos uns meses depois do nascimento. Nesse sentido, defendia que em vez de apoio às famílias se atribuam apoios às mães trabalhadoras.
Como escrevi na altura, os dados de hoje comprovam-no, não acreditava que os burocratas do FMI não soubessem, que Portugal já é o país onde as mulheres com filhos mais trabalham, a tempo inteiro, além de que é também o país em que existem mais casais empregados e com filhos.
Os burocratas do FMI insistem no mais trabalho quando, certamente, também sabiam, que os países mais ricos, com menos desemprego são justamente os que têm menor rácio de horas de trabalho, é caso de Alemanha e Holanda. Paralelamente, nos países mais desenvolvidos e com menos desemprego também se assiste ao aumento do trabalho parcial.
É fundamental para o nosso desenvolvimento e futuro a definição de políticas de família que incentivem a natalidade e não o caminho inverso agora proposto por burocratas ignorantes que propõem medidas que os seus países não subscrevem, mas que para os pobres devem ser boas, trabalhar, trabalhar, como se trabalhar mais fosse igual a trabalhar melhor. A questão é que, tal como os dados do Instituto de Segurança Social mostram, os incentivos definidos num país pobre e a empobrecer são ineficazes.
Numa nota final, espero o dia em que alguns burocratas iluminados sugiram o retorno legal do trabalho infantil. O problema é que nessa altura teremos ainda menos miúdos para trabalhar.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

UMA VISÃO DA HISTÓRIA

O trabalho que o Público hoje apresentou sobre a visão que os mais novos têm do 25 de Abril e das suas circunstâncias, lembrou-me uma história semelhante que uma amiga, educadora de infância no Meu Alentejo, me contou há uns anos.
Perguntou à sua miudagem se algum tinha uma ideia do que era o 25 de Abril.
Um dos gaiatos, cinco anos de vivacidade e experiência de vida, sempre o mais participativo e falador do grupo, explicou com toda a convicção “foi quando a tropa matou o Salazar, um velho d’um cabrão que havia aí e era ruim c´mas cobras”.
É apenas uma visão da história, há tantas.

PÚBLICAS VIRTUDES, VÍCIOS PRIVADOS

À semelhança do que aconteceu em muitos países também a Igreja em Portugal se mostrou inaceitavelmente tolerante com casos comprovados de abusos sexuais de crianças ou adolescentes por parte de membros do clero ou de instituições sob sua tutela. Nos últimos dias foram arquivados, por razões processuais e formais não porque se tenha provado que não existiram abusos, vários casos denunciados à hierarquia da igreja que, no limite, “deslocalizou” os sacerdotes envolvidos mantendo-os em funções e sem qualquer procedimento mais significativo.
Esta atitude da Igreja, comum como disse em vários países, e que já motivou “afastamentos” ao mais alto nível da hierarquia, recorda-me a intervenção de D. Manuel Martins, bispo emérito de Setúbal, que afirmava em Dezembro do ano passado que a Igreja está "atrasada" e não presta atenção às "transformações do mundo".
Na verdade, D. Manuel Martins tem razão, a reconhecida perda de influência da Igreja, sobretudo nos países mais desenvolvidos, deve-se também ao seu imobilismo, à forma conservadora como não reage às óbvias mudanças sociais, políticas, económicas e culturais sustentando um progressivo afastamento da vida das pessoas, como reconhece D. Manuel Martins e, acrescento eu, a comportamentos como os que tem adoptado face a sucessivas noticias de abusos por parte de membros do clero ou praticados em instituições religiosas marcado por encobrimento, compra do silêncio das vítimas e negligência.
Um dia, talvez a instituição Igreja aceite e perceba a necessidade de mudança no discurso sobre a anti-concepção, o casamento, o celibato dos padres, a abertura do sacerdócio às mulheres, a ostentação visível em parte da hierarquia da igreja, na necessidade de manter transparência e rigor face a comportamentos que para além do sofrimento das vítimas também acabam por penalizar a própria Igreja, etc.
Enquanto assim não for, talvez a simpatia do Papa Francisco não seja suficiente para esbater uma ideia de “públicas virtudes, vícios privados” que não sendo, evidentemente, generalizável, também não pode ser tolerada.

RESIGNEM-SE, NÃO PROTESTEM E ESPEREM PELO CONSENSO. Está quase a chegar

O Presidente Cavaco Silva pede consenso alargado e medidas urgentes para relançar a economia no discurso realizado na sessão parlamentar dedicada ao 25 de Abril, também marcada por uma decisão manhosa de inviabilizar a presença de cidadãos adultos nas galerias. Reforçou ainda a necessidade de não protestar e criticar pois não resolve nada, apenas o consenso político o permitirá.
Esta retórica do consenso, do “temos que ser amiguinhos”, do não adianta protestar ou criticar, do temos que nos entender e aceitar, é, obviamente, inútil.
O Presidente da República sabe muito bem, é parte integrante, que o sistema e cultura política instalados produziram uma partidocracia cujos interesses conflituam com o bem comum o que, evidentemente, constitui um enorme obstáculo ao consenso, seja lá isso o que for.
O Presidente da República não pode deixar de saber que milhões de portugueses pobres, sem emprego, sem futuro, não acreditam num mirífico consenso entre os que os fortemente contribuíram para o inferno que lhes, nos, caiu em cima.
O Presidente da República sabe ainda que as suas sucessivas referências aos limites da austeridade e à incapacidade das pessoas para mais sacrifícios foram, naturalmente, inúteis e prosseguidas por aqueles a quem ele apela ao consenso. Só por ingenuidade, condição que, evidentemente, Cavaco Silva não possui.
O Presidente da República não pode esperar, mesmo que profundamente o deseje, que gente a quem até a dignidade foi roubada se resigne, se cale, não proteste, e espere calmamente, serenamente, que se estabeleça o consenso que os salve do inferno. Nem sequer é justo.

A ESCOLA DO MEU TEMPO. Não a quero de volta

Nos últimos tempos, por razões que todos conhecemos e muitos sofrem não são raros os discursos de descrença e desesperança ouvindo-se, como hoje, "afinal o 25 de Abril ...", e estamos como estamos.
Devo dizer que não simpatizo com este tipo de enunciados. Sendo certo que estamos atravessar tempos de chumbo e com a confiança em baixo, também é verdade que não é sequer possível comparar o país de hoje com o país de 1973. Para refrescar algumas memórias ou contar alguma história aos mais novos, deixem que vos fale da escola do meu tempo, o tempo dos anos cinquenta e sessenta. Escolho falar da escola porque é uma área que conheço um pouco melhor, mas poderia fazer o mesmo exercício em todas as outras áreas de funcionamento da nossa sociedade.
Não me esqueço, antes pelo contrário, que a nossa educação, a escola, como tudo o resto, atravessa um período complicado e com problemas muito sérios, mas só a falta de memória ou o desconhecimento sustentam o “antigamente era melhor”. Vou-vos falar um pouco da escola do meu tempo, conversa de velho, já se vê.
Na escola do meu tempo nem todos lá entravam e muitos dos que o conseguiam saíam ao fim de pouco tempo, ficando com a segunda ou terceira classe, como então se chamava. Chegava.
Na escola do meu tempo os rapazes estavam separados das raparigas.
Na escola do meu tempo havia um só livro e toda a gente aprendia apenas o que aquele livro trazia.
Na escola do meu tempo levavam-se muitas reguadas, basicamente por dois motivos, por tudo e por nada.
Na escola do meu tempo, ensinavam-nos a ser pequeninos, acríticos e a não discutir, o que quer que fosse.
Na escola do meu tempo eu era “obrigado” a ter catequese, religiosa e política.
Na escola do meu tempo aprendia-se que os homens trabalham fora de casa e as mulheres cuidam do lar e dos filhos.
Na escola do meu tempo não aprender não era um problema, quem não “tinha jeito para a escola, ia para o campo”.
No tempo da minha escola, quem mandava no país achava que muita escola não fazia bem às pessoas, só a algumas. Ao meu pai perguntaram porque me tinha posto a estudar depois da quarta classe, não era frequente naquele meio, para ser serralheiro como ele não precisava de estudar mais.
Na escola do meu tempo não se falava do lado de fora de Portugal. Do lado de dentro só se falava do Portugal cinzento e pequenino. Na escola do meu tempo eu era avisado em casa para não falar de certas coisas na escola, era perigoso. As pessoas até podiam ser presas e maltratadas.
Sim, eu sei, não precisam de me dizer que a escola deste tempo ainda tem muitas coisas parecidas com a escola do meu tempo.
Mas o caminho é melhorar a escola deste tempo não é, não pode ser, querer a escola do meu tempo.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

ENQUANTO HÁ RECURSO, HÁ ESPERANÇA

Coitado do Dr. Isaltino. Teve o azar de ser escolhido para demonstrar que a justiça funciona  no nosso país. E foi uma tarefa difícil, comprovados os crimes em Tribunal, sentença determinada e posteriormente encurtada, carradas de recursos depois, chegou, parece, o tempo da expiação, o Dr. Isaltino está preso.
Por ironia do destino, o Dr. Isaltino, uma das mais emblemáticas figuras do poder autárquico, uma das chamadas conquistas de Abril, é preso justamente na véspera da comemoração de mais um ... 25 de Abril.
O Dr. Isaltino afirmou em recente entrevista que se sente uma inocente vítima de um sistema de justiça que é injusto, que o tem perseguido e provocado um sofrimento enorme. Mas como também afirmou, é um optimista e acredita que a verdade será reposta.
Na cultura da justiça portuguesa existe um velho ditado que importa não esquecer, "enquanto há recurso, há esperança".
Não desespere Dr. Isaltino.

24 DE ABRIL, O MEDO DA CIDADANIA

Sinais dos tempos de chumbo que vivemos.
Os espaços simbólicos do poder político em Portugal, contrariamente ao habitual, condicionam ou impedem a presença de cidadãos no dia 25 de Abril.
O Palácio de S. Bento com a interessante e sólida desculpa de que tem os jardins em manutenção não permite a entrada de visitantes.
O Palácio de Belém que em anos anteriores tem também recebido cidadãos a 25 de Abril não o permite este ano.
A Assembleia da República, o lugar mais representativo de um regime democrático, numa medida de extraordinário alcance, convidou escolas do ensino básico a enviar as criancinhas que encherão as galerias o que inviabiliza a presença de outros cidadãos. Não é possível, gostava de acreditar mas não sou capaz de o fazer, entender esta medida sem pensar que ela na verdade se destina a prevenir algum risco de protestos. Assim, numa encenação norte-coreana que me embaraça prenche-se as galerias com alunos novinhos que certamente agirarão as bandeiras e comporão um ar comemorativo de algo que desta maneira, não irão certamente entender.
Compreendo que possa não ser simpático para o poder o risco de manifestações de desagrado mas, este sim, é um preço que em democracia se tem de pagar.
Um poder político com medo dos cidadãos e das suas manifestações, é um poder sem arquitectura democrática, tenderá ao autoritarismo, à fuga, ao isolamento, tudo o que uma democracia em funcionamento, ainda que a viver tempos difíceis, não deve alimentar.
Estas decisões, conhecidas a 24 de Abril, relembram justamente o que o 25 de Abril ajudou a modificar. É triste.

O NOVO PROGRAMA DE MATEMÁTICA

Justificando o Programa de Matemática para o Ensino Básico agora colocado em discussão, o Ministro Nuno Crato sustenta a “grande liberdade metodológica aos professores”, para ensinarem de acordo com “a sua experiência, as suas técnicas e a sua sala de aula” face a um programa moderno e com "objectivos mais facilmente perceptíveis". O Ministro insiste que "a  ideia foi sempre dar esta liberdade metodológica”, para que cada docente fique livre de definir o seu próprio método de ensino dos diversos conceitos. Muito bem. Confesso que me parece um pouco estranha a afirmação, como se as opções didácticas e pedagógicas de profissionais cientificamente preparados fossem determinadas pelo Ministério, algo que até no plano ético e deontológico é discutível. Ainda assim e à cautela, fica bem agradecer ao MEC a "liberdade" concedida aos professores.
Voltando às metodologias, no Documento em discussão, no seu ponto 6 lê-se "Tendo em consideração, tal como para os níveis de desempenho, as circunstâncias de ensino (de modo muito particular, as características das turmas e dos alunos), as escolas e os professores devem decidir quais as metodologias e os recursos mais adequados para auxiliar os seus alunos a alcançar os desempenhos definidos nas Metas Curriculares.
A experiência acumulada dos professores e das escolas é um elemento fundamental no sucesso de qualquer projeto educativo, não se pretendendo, por isso, espartilhar e diminuir a sua liberdade pedagógica nem condicionar a sua prática letiva. Pelo contrário, o presente Programa reconhece e valoriza a autonomia dos professores e das escolas, não impondo portanto metodologias específicas.
Sem constituir ingerência no trabalho das escolas e dos professores, nota-se que a aprendizagem matemática é estruturada em patamares de crescente complexidade, pelo que na prática letiva deverá ter-se em atenção a progressão dos alunos, sendo muito importante proceder-se a revisões frequentes de passos anteriores com vista à sua consolidação. ". Segue-se a orientação para que não se use a calculadora.
Registe-se de novo a enorme preocupação com a liberdade metodológica dos professores e um texto que ... não diz nada, ou seja, um bom exemplo do que o Ministro Crato designava por eduquês.
O que continuo com uma enorme dificuldade em entender é como é que esta retórica sobre "liberdade metodológica", "características das turmas e dos alunos", "autonomia dos professores e das escolas, "revisões frequentes", etc., se torna compatível com um definição de metas curriculares que para Português e Matemática no 1º ciclo correspondem a 177 objectivos e 703 descritores que estabelecem o que os alunos deverão imprescindivelmente revelar, “exigindo da parte do professor o ensino formal de cada um dos desempenhos referidos nos descritores”. Acontece ainda que, de uma forma geral e decorrente da agregação de escolas os professores trabalharão com turmas lotadas, 24 alunos.
O ensino tenderá a transformar-se na gestão de uma espécie de "check list" das metas estabelecidas implicando a impossibilidade de acomodar as diferenças, óbvias, entre os alunos, os seus ritmos de aprendizagem o que culminará, antecipa-se, com a realização de exames todos os anos. Por outro lado, como também já escrevi, a lógica de elaboração das metas curriculares remete para uma lógica de ano de escolaridade e não de ciclo como prevê a Lei de Bases, ou seja, os objectivos são definidos para o ciclo e não para o ano, aliás, os exames, tão caros ao MEC, acontecem exactamente no final de ciclo.
Aguardo com alguma expectativa as opiniões dos professores sobre este universo, o programa e as metas curriculares que o operacionalizam.

OS ERROS DE CÁLCULO E A FALTA DE MEMÓRIA TÊM OS DIAS CONTADOS

O novo Programa de Matemática que o MEC, numa decisão discutível segundo as associações científicas e profissionais, decidiu introduzir parece apresentar duas ideias centrais para além da esperada consagração das metas curriculares que, tal como estão definidas, me parecem constituir mais parte do problema que parte da solução.
A primeira ideia é abolição, por assim dizer, do uso da calculadora nas salas de aula, um desígnio antigo do Professor Crato e que, finalmente, foi conseguido, as salas de aula serão "calculadoras free", pois são péssimas para as crianças, têm tido efeitos “muito nefastos”, já que o aluno “recorre a uma espécie de caixa mágica onde lhe aparecem os resultados sem que chegue a compreender” a operação realizada. 
Estão, pois, explicados, os recorrentes erros de cálculo que produzem políticas educativas erráticas e inconsistentes, os erros de cálculo de reformas curriculares que apenas calculam o número de professores que se tornam dispensáveis, os erros de cálculo na justificação com a demografia das necessidades de professores, os erros de cálculo que entendem como ajustado o número de alunos por sala de aula e o gigantismo dos agrupamentos, os erros de cálculo que levam a que muitos miúdos não tenham apoios às suas dificuldades por falta de recursos, etc., etc.
A outra ideia central parece ser o reforço da importância da memorização que, “nas últimas décadas, foi descuidada”.
Também parece ajustado, pois a forma descuidada de trabalhar a memória explica certamente a falta de memória que boa parte as lideranças, incluindo no MEC, evidenciam, esquecendo afirmações e ideias apresentadas para com a maior das ligeirezas mudarem de discurso e de opinão, as promessas que se fazem e são esquecidas, o que se diz e o que se faz, etc. A título de exemplo, veja-se as sucessivas falhas de memória nos discursos da equipa do MEC produzidos desde há um ano sobre a colocação dos professores, a passagem à situação de mobilidade especial, as necessidades de professores, com a última trapalhada entre a informação vindas das escolas e a informação "martelada" pelo Ministério, etc.
É certo que apesar de tudo o que de errado se fazia, os miúdos portugueses têm progredido muito significativamente nos estudos comparativos internacionais. Mas este progresso é insuficiente para pessoas exigentes e defensoras do rigor, da qualidade e da excelência.
Toca a fazer contas pelos dedos e a meter tudo na cabecinha.

terça-feira, 23 de abril de 2013

OS RETRATOS DO REGUILA

Era uma vez um miúdo chamado Reguila, tinha uns onze anos. Na escola, nunca fazia nada sem primeiro pedir que lhe explicassem porquê. Nas aulas, quando os professores explicavam matéria que não conhecia, interrogava-os sobre para que servia o que estava a aprender. Gostava de falar, nem sempre respeitava a sua vez ou o silêncio, quando pedido. Também discutia as regras de funcionamento e nem sempre era fácil convencê-lo de algumas. Quando convencido, apesar de alguns lapsos, cumpri-as. Na escola muitos professores falavam do Reguila. Vejamos algumas opiniões.
Um professor chamado Romântico dizia, “É um miúdo tão engraçado e ingénuo. Tem uma vontade muito firme e não abdica dela, é muito autónomo”.
Um professor chamado Conservador dizia, “É um indisciplinado, tem uma família terrível que não lhe ensina nada e ele não se interessa por nada. Só espero que saia da escola, só cá deve andar quem se interessa e se porta bem”.
Um professor chamado Interessado dizia, “É diferente, como todos os outros, às vezes faz-me perder um bocado a paciência, mas, normalmente dou-lhe a volta e entendemo-nos”.
Um professor chamado Indiferente dizia, “Ele que faça o que quer, desde que não me perturbe a aula. A vida é dele, nem todos podem ir longe”.
Um professor chamado Inexperiente dizia, “Nunca vi um miúdo como o Reguila, sempre a falar e com as ideias dele, tão teimoso”.
Um professor chamado Velho dizia, “É um miúdo que ainda anda à procura de si e vai esbarrando nos outros, é preciso ajudá-lo a encontrar-se”.
Estavam todos a falar do mesmo miúdo, o Reguila.

O MAL E A CARAMUNHA

O Presidente da Comissão Europeia, lê-se no I, "fez ontem um Bruxelas um discurso inflamado na defesa dos povos do Sul e reconheceu que a austeridade imposta pela Comissão Europeia tem limites". Mais se lê que o Dr. Barroso se mostrou indignado pelos efeitos e pressupostos das políticas que a Comissão que lidera impôs aos países em dificuldades e que são determinadas pelos patrões, perdão, pelos países que na verdade lideram a Europa, os do Norte e que, frequentemente produzem discursos insultuosos sobre os pobres, indigentes e preguiçosos do sul.
O carismático e poderoso Dr. Barroso que preside justamente à Comissão Europeia com o benepláctido dos países que critica, já em Dezembro de 2012 tinha "criticado" os Governos europeus que não se revelavam disponíveis para apoiar políticas sociais e de combate à pobreza. Obviamente que não referia quais eram esses insensíveis Governos, eles podiam não gostar e zangar-se. E viu-se o resultado da intervenção do Dr. Barroso.
Acontece que o Dr. Barroso precisa dos Governos desses países para se manter lá no alto da inofensiva presidência da Comissão, pelo que de vez em quando faz um discurso "indignado",  expressa as suas enormes preocupações com os descamisados mas, simultaneamente e até porque não pode mais do que isso, convida os “tais” Governos a reflectir o que eles, naturalmente, farão, estão a reflectir nos seus interesses e, por exemplo, ajudam, “generosa e desinteressadamente” os países em mais dificuldades.
A vida de muita gente é um exercício de sobrevivência diário de que se não vislumbra alteração significativa, antes pelo contrário.
Quanto mais não fosse por respeito ou até mesmo por questões ambientais, muitos destes “líderes”, também caseiros, poderiam poupar-nos a estes exercícios hipócritas de preocupação e afirmação de rumos que, sabem muito bem, não são, nem vão ser os rumos dos directórios políticos, económicos e sociais.
Como o povo costuma dizer, fazem o mal e a caramunha. Estamos pobres mas não somos parvos. Ou será que somos?

DIA MUNDIAL DO LIVRO. Uma história com letras

Porque hoje o calendário das consciências determina que se reconheça o Dia Mundial do Livro, aqui fica uma história velha com livro dentro.
Um dia destes a Ana entrou na biblioteca da escola para entregar uns livros ao Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros. A Ana ia muito concentrada e sentia-se importante na tarefa de responsabilidade que a professora lhe tinha encomendado, a devolução de uns livros.
O Professor Velho aproveitou e como estava arrumar alguns que tinham chegado, mostrou um novo à Ana que começou a folheá-lo e a tentar a leitura, a Ana está a iniciar-se nessa tarefa e ainda tropeça um pouco, é o seu primeiro ano de escola.
De repente, ficou com um ar apreensivo e interroga o Professor Velho.
Velho, as letras podem acabar?
Como assim Ana? Não estou a perceber o que queres dizer com isso.
Todos os livros têm palavras e as palavras têm letras. Eu estou a perguntar se as letras se podem acabar.
Já percebi. Não Ana, as letras não se acabam. Tu já sabes escrever letras?
Já e também já sei escrever palavras com as letras.
Então, se tu és capaz de fazer letras e todas as pessoas que sabem escrever também são capazes de fazer letras, as letras nunca vão acabar. A gente escreve sempre mais para tudo o que precisar.
Ainda bem que as letras não se acabam, assim vamos sempre ter livros novos para ler.
Tens toda a razão. E propósito de livros novos, faz-me um favor, leva estes para a tua professora ver e vos mostrar.
Adeus Velho, o primeiro é para eu ler.
Claro.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

OS EXAMES. Outro diálogo improvável

Pai, o exame vai ser difícil?
Francisco, quando a gente não sabe bem as coisas os exames parecem mais difíceis, quando a gente sabe os exames parecem mais fáceis. Como tu és um aluno que sabe as coisas talvez não aches o exame difícil.
Pai, porque é temos de fazer este exame?
Porque é um exame feito a todos os alunos e mostra o que todos sabem com as mesmas perguntas.
Mas os professores que a gente tem também fazem perguntas e ficam a saber se a gente sabe.
Mas o Ministério acha que é melhor assim.
Pai, porque é que o exame não pode ser feito na minha escola.
Francisco não te sei dizer mas acho que se vocês tiverem todos na mesma escola a fazer os exames é mais fácil organizar os exames.
Eu acho que é mais difícil, a gente tem que ir para outra escola que não conhece.
O Ministério acha que é mais fácil.
Pai, porque é que a minha professora não pode vigiar o exame, ela disse que não podia, tem que ser outros professores.
O Ministério acha que se forem os vossos professores a tomar conta de vocês podem ajudar-vos no exame.
Mas a minha professora quando a gente agora faz testes iguais aos exames não nos ajuda e a gente faz os testes sem problemas.
Mas o Ministério acha melhor assim.
Pai ...
Que ias a dizer Francisco?
Nada, Pai. O Ministério vai achar melhor assim.

A SOBERANIA É UMA TRETA, A FEITORIA É UMA TRAGÉDIA

A Senhora Merkel afirma que países do euro devem estar preparados para ceder soberania pois "Temos de estar preparados para aceitar que a Europa tem a palavra final em certas áreas".
Ao ler as afirmações da Senhora Merkel lembrei-me de uma entrevista do economista Miguel Beleza, um perigoso homem de esquerda "anti-europa", que em Setembro passado numa entrevista ao I afirmava, "a soberania é uma treta", acrescentando que “se o Banco de Portugal não fizesse o que queria a Alemanha estava feito”.
Na verdade, como temos vindo a verificar, nós não nos vamos preparar para ceder soberania como deseja a Senhora Merkel, nós já perdemos soberania.
Se atentarmos nos procedimentos e nas políticas seguidas pelo Primeiro-ministro Adjunto da Senhora Merkel, Passos Coelho, percebemos que de há muito a nossa soberania implodiu. A Troika determina e os feitores que nos governam executam, sem um sobressalto, sem uma ponta de resistência, sem uma proposta alternativa.
Eles mandam, os feitores obedecem, nós empobrecemos.
Miguel Beleza tema razão, a soberania é uma treta. No entanto, a feitoria em que nos transformaram e nos transformámos é uma tragédia.

TEMPOS DE INDIGNIDADE

"O número de beneficiários das prestações de desemprego voltou a cair em Março, para cerca de 419 mil pessoas, o que significa que mais de 55% dos desempregados não recebem qualquer apoio do Estado", na imprensa.
Afirmo com frequência que uma das consequências menos quantificável das dificuldades económicas, sobretudo do desemprego, em particular o de longa duração e de situações em que o tempo obriga a perder o subsídio, é o roubo da dignidade às pessoas envolvidas. Sabemos que se verifica oportunismo e fraude no acesso aos apoios sociais, mas a esmagadora maioria das pessoas sentem a sua dignidade ameaçada quando está em causa a sobrevivência a que só se acede pela “mão estendida” que envergonha e ofende, exactamente por uma questão de dignidade roubada.
A questão da pobreza é um terreno que se presta a discursos fáceis de natureza populista e ou demagógica, sem dúvida. Mas também não tenho dúvidas de que os problemas gravíssimos de pobreza que mais de dois milhões de portugueses conhecem, exigem uma recentração de prioridades e políticas que não se vislumbra. Na verdade, apesar da retórica oficial de que existe justiça social nas medidas de austeridade, o que é verdadeiramente insustentável é que as políticas assumidas, por escolha de quem decide, estão a aumentar as assimetrias sociais, a produzir mais exclusão e pobreza. Mais preocupante a insensibilidade da persistência neste caminho.
Quando nos dizem que não há alternativa, é interessante registar que alguns analistas, incluindo ironicamente o próprio FMI, atribuem a rápida recuperação da Islândia à manutenção do estado social e dos apoios sociais, ou seja, privilegiou-se as pessoas e não os mercados, a banca, o contrário do diktat que nos é imposto.
A pobreza e a exclusão deveriam envergonhar-nos a todos, a começar por quem lidera, representam o maior falhanço das sociedades actuais. 

REMODELAÇÃO EM DUODÉCIMOS

"Fernando Alexandre escolhido para secretário de Estado da Administração Interna". A remodelação governamental segue em duodécimos. Assim por alto, chegará a vez do Primeiro-ministro talvez daqui a umas sete semanas, a ver vamos.
Continua, no entanto, a aguardar-se a remodelação das políticas que se seguirá, provavelmente, à remodelação presente nos discursos e com o mesmo efeito, nenhum. Agora,  para usar um termo em moda, estamos na narrativa do consenso que, como é claro, é uma impossibilidade política dada a conflitualidade de interesses da partidocracia e que, por sua vez, colidem com os interesses da generalidade das pessoas.

OS PROBLEMAS ESPECIAIS DAS PESSOAS ESPECIAIS

Procurando olhar para o lado de fora da crise, uma referência a um universo também ele marcado por dificuldades. A Vodafone criou em 2012 um serviço de atendimento a clientes com deficiência auditiva, assegurado por assistentes com competência em Língua Gestual Portuguesa e que já registou mais de quatro mil videochamadas.
É importante registar este passo importante no sentido de proporcionar equidade de oportunidades e qualidade de vida às pessoas com deficiência. No âmbito ainda dos problemas da comunidade com deficiência auditiva é de recordar que no serviço público de televisão, a RTP, o único programa de informação passado em horário nobre e sinal aberto, o Hoje, emitido com tradução para língua gestual permitindo o acesso à informação televisiva por parte da comunidade de surdos, passou para as 24 h. Como é evidente, este horário está longe de ser o mais indicado, pelo que muitas pessoas afectadas ou conhecedoras destas dificuldades têm protestado.
É verdade que protestam mas no fundo não estranham, as pessoas com deficiência sabem que a sua vida diária, apesar de muitos avanços que não devemos esquecer, ainda é marcada por inúmeros obstáculos e muitas circunstâncias de discriminação.
No entanto, importa sublinhar que um canal público, que justamente por ser público está obrigado aassegurar serviço público, não pode com esta ligeireza e indiferença esquecer a comunidade dos surdos em matéria de informação diária, embora mantenha a tradução para língua gestual em outros programas o que se regista mas não é suficiente.
A voz das minorias é sempre muito baixa, ouve-se mal. e existem variadíssimas áreas de dificuldades colocadas às pessoas com deficiência, designadamente qualificação profissional e emprego, em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são enormes.
Termino com uma afirmação que recorrentemente subscrevo, os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como lidam com as minorias e as suas problemáticas.

domingo, 21 de abril de 2013

DUAS FAMÍLIAS

No Público de hoje surge um trabalho interessante sobre um universo que tem vindo a aumentar, o das designadas famílias recompostas. Com o crescimento registado no número de divórcios aumentam as situações de agregados familiares compostos pelos adultos e por crianças que provêm de ligações anteriores, sendo ainda que muitas destas crianças dividem a sua vida familiar por duas estruturas, a que a mãe reconstruiu e a que o pai também estruturou.
Na peça são abordadas algumas situações que decorre com a serenidade que os ambientes familiares solicitam mas, a experiência diz-me, em alguns casos os adultos envolvidos sentir alguma insegurança ou mesmo solicitar alguma ajuda até porque as questões de família e das novas famílias são ainda objecto de discursos muito contaminados pelos sistemas de valores, cultura e convicções.
O volume de opiniões sobre estas situações é extenso, oscilando entre considerações de natureza moral e/ou ética e um entendimento científico sobre a forma como as famílias e sobretudo as crianças e jovens lidam com as circunstâncias. Por mim, creio “apenas” que o(s) ambiente(s) familiar(es) deve ser suficientemente saudável para que a criança se organize também saudavelmente e faça o seu caminho sem uma excessiva preocupação geradora de ansiedade e insegurança em todos os envolvidos, miúdos e graúdos.
De há muito que defendo ser mais interessante para as crianças uma boa separação do que uma má família. No entanto, como sempre afirmo, há que estar atento e perceber os sinais que as crianças mostram e, na verdade, com alguma frequência, os pais estão tão centrados no seu próprio processo que podem negligenciar não intencionalmente a atenção aos miúdos. Pode ser necessário alguma forma de apoio externo mas sempre encarado de uma forma que se deseja serena e não culpabilizante.
Para ilustrar este universo um desenho que, creio, já aqui ter deixado de uma criança a quem foi solicitado na escola que desenhasse a sua família.
 
                
Acho muito interessante que as suas duas famílias têm um solzinho que as aquece e aconchega.

 

UM ENTERNECEDOR E INSPIRADOR EXEMPLO

"A economista e militante do PSD Berta Cabral vai substituir Paulo Braga Lino na secretaria de Estado da Defesa", no Público.
Mais um enternecedor e inspirador exemplo. É quando a vida não nos corre bem que sabemos que são os nossos amigos, com quem na verdade podemos contar.
Depois de uma derrota nas eleições regionais dos Açores no ano passado, a Dra. Berta Cabral, pode ver aproveitado o seu vasto currículo em matéria de defesa com esta nomeação para Secretária de Estado da Defesa.
Com esta decisão, o Ministro Aguiar-Branco, às vezes injustamente criticado, veja-se o excelente trabalho realizado no sentido desmantelar os Estaleiros de Viana, demonstra como bondade, amizade e solidariedade não são palavras vãs.
Esta nomeação, para além da exemplaridade ética e afectiva, é ainda um acto de justiça. Não seria aceitável desperdiçar a experiência de alguém que trabalhou na SATA, não colocando essa enorme bagagem ao serviço dos superiores interesses da defesa nacional.
Assim sendo, não compreendo a  surpresa e reserva com que algumas associações dos militares encaram esta decisão que só enobrece o Ministro Aguiar-Branco e também não acredito, evidentemeente, que a reserva manifestada releve de uma questão de género.
 

A PRODUTIVIDADE DOS MÉDICOS

Depois de concluído um processo tutelado pela Administração Central do Sistema de Saúde, os médicos vão ser objecto de avaliação envolvendo parâmetros como “eficácia, eficiência e qualidade”, e avaliando a actividade assistencial, a produtividade e a atitude profissional.
A avaliação de desempenho, é uma ferramenta imprescindível à promoção da qualidade e eficácia de pessoas e instituições pelo que faz todo o sentido definir um modelo de avaliação também para os médicos. As minhas dúvidas começam quando entre os critérios se enuncia produtividade e "atitude profissional e comunicação" com colegas, superiores, doentes e utentes como foi divulgado no início do processo e parece agora confirmado. Este processo suscita algumas dúvidas em algumas das áreas de intervenção do SNS.
Recordo que em 2012, creio que em Agosto, dois sindicatos representativos da classe médica aceitaram aumentar o número de utentes por cada médico de família a troco de compensações salariais “por desempenho”. A medida, que passaria de uma média de 1550 utentes por clínico para mais de 1900, permitiria, sustentaram os sindicatos, diminuir significativamente o número de cidadãos sem médico de família, muitas centenas de milhar, situação verdadeiramente inaceitável, para mais nos tempos de dificuldades que atravessamos.
Apesar disto sabe-se as listas de espera mantêm-se ou aumentam e que existem muitos milhares de pessoas sem médico de família que lutam por uma consulta, sem garantia de a conseguir, indo a meio da noite para a porta do centro de saúde o que coloca uma enorme pressão sobre os actos médicos. Sabe-se que alguns médicos de família são responsáveis por milhares de doentes. Muitas das pessoas que recorrem às consultas são idosas que frequentemente sofrem de “sozinhismo”,a doença de quem vive só, que se minimiza no convívio com outros sós na sala de espera e na atenção de um médico que escuta, por vezes, mais a dor da alma que as dores do corpo.
Neste cenário como avaliar "atitude" e "comunicação". Já estive envolvido em circunstâncias, pessoais ou acompanhando familiares, em que o médico claramente estava pressionado pelo tempo que (não) podia dedicar, a atitude que (não) podia demonstrar, a comunicação que (não) podia estabelecer. As muitas pessoas com horas de espera na sala inibem-no na "atitude e comunicação" e pressionam-no na "produtividade".
Temo que o aumento de utentes por médico e a pressão acrescida sobre os profissionais, com as implicações decorrentes da sua “produtividade” e “desempenho” apesar de assentarem num correcto princípio de avaliação profissional possam, paradoxalmente, ameaçar a qualidade dos serviços prestados.
Ainda assim, nada que se estranhe num tempo em que os números se sobrepõem às pessoas.

O COMBATE À CORRUPÇÃO. Entre o não querer e o não poder

O Conselho de Prevenção da Corrupção, estrutura criada pela Assembleia da República e a funcionar junto do Tribunal de Contas deixou de tentar envolver as organizações partidárias na sua acção, pois estas entendem que o Conselho não tem competência sobre as suas actividades e funcionamento, designadamente na sensível questão do financiamento.
Nada de novo nesta resistência, por assim dizer, às organizações partidárias verem o seu funcionamento e financiamento escrutinados pelo Conselho de Prevenção da Corrupção.
Há algumas semanas a Transparência e Integridade, Associação Cívica, representante portuguesa da rede global anti-corrupção Transparency International, lamentou “a reiterada falta de progressos na luta contra a corrupção por parte das autoridades portuguesas, sublinhada mais uma vez no último relatório de avaliação do Grupo de Estados Contra a Corrupção”, do Conselho da Europa, designadamente no que respeita a alterações legislativas no âmbito da corrupção e do tráfico de influências. O Ministério da Justiça refutou as afirmações, sustentando o seu empenho no combate à corrupção e na produção legislativa que o suporte.
Também um Relatório recente produzido no âmbito da organização Transparency International, realizado em responsabilidade conjunta da TIAC e do Centro Inteli-Inteligência e Inovação e pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, indiciava que o combate à corrupção em Portugal apresenta “resultados mais baixos do que seria de esperar num país desenvolvido”, concluindo, entre muitos outros aspectos, que a “troca de favores” e a “cunha estão institucionalizadas “entre colegas do mesmo governo”.
Dados anteriores também da Transparency International, dizem que Portugal é um dos 21 países em que existe "pouca ou nenhuma implementação" da Convenção anti-corrupção da OCDE. Considerando ainda indicadores do Barómetro Global da Corrupção, também no âmbito da Transparency International, 83% dos portugueses acham que piorou a questão da corrupção e 75% não acredita na eficácia do combate.
No entanto, está sempre presente nos discursos partidários, sobretudo à entrada de cada novo governo, a retórica que sustenta o fingimento da luta contra a corrupção e a promoção da transparência na vida política portuguesa e, regularmente, emergem umas tímidas propostas que mascaram essa retórica, entram na agenda e rapidamente desaparecem até ao próximo fingimento. Um exemplo fresco, depois da fusão da Inspecção-Geral da Administração Local com a Inspecção-Geral de Finanças, da responsabilidade de Miguel Relvas, nenhum relatório das inspecções às autarquias e empresas municipais foi tornado público. A transparência em modo Relvas.
Pode acontecer que com o deslizar da nossa soberania para outras paragens, alguma entidade ou grupo lá de longe venha cá impor mudanças.
Do meu ponto de vista, nenhum dos partidos do chamado “arco do poder”, está verdadeiramente interessado na alteração da situação actual, o que, aliás, pode ser comprovado pelas práticas desenvolvidas, por todos, quando foram ocupando o poder. A questão, do meu ponto de vista, é mais grave. Os partidos, insisto no plural, mais do que NÃO QUERER mexer seriamente na questão da corrupção e do seu financiamento, NÃO PODEM e vejamos porque não podem.
Nas últimas décadas, temos vindo a assistir à emergência de lideranças políticas que, salvo honrosas excepções, são de uma mediocridade notável. Temos uma partidocracia instalada o que determina um jogo de influências e uma gestão cuidada dos aparelhos partidários donde são, quase que exclusivamente, recrutados os dirigentes da enorme máquina da administração pública e instituições e entidades sob tutela do estado. Esta teia associa-se à intervenção privada sobretudo nos domínios, e são muitos, em que existem interesses em ligação com o estado, a banca e as obras públicas são apenas exemplos. Os últimos tempos têm sido particularmente estimulantes nesta matéria.
A manutenção deste quadro, que nenhum partido está evidentemente interessado em alterar, exige um quadro legislativo adequadamente preparado no parlamento e uma actividade reguladora e fiscalizadora pouco eficaz ou, utilizando um eufemismo, “flexível”. Assim, a sobrevivência dos partidos, tal como estão, exige a manutenção da situação existente pelo que, de facto, não podem alterá-la. Quando muito e para nos convencer de que estão interessados, introduzem algumas mudanças irrelevantes e acessórias sem, obviamente, mexer no essencial. Seria um suicídio para muita da nossa classe política e para os milhares de boys de diferentes cores que se têm alimentado, e alimentam do sistema.
Parece, assim, um problema complicado. De quem faz parte do problema, não podemos esperar a solução.

sábado, 20 de abril de 2013

MENINAS PARA UM LADO, MENINOS PARA O OUTRO

Com alguma regularidade o Público trata uma matéria, o ensino discriminado, a que, do meu ponto de vista, num enorme equívoco se chama ensino diferenciado, ou seja e no caso, escolas para rapazes e escolas para raparigas.
Desta vez insere uma entrevista com Abigail Norflet James, uma especialista em ensino discriminado. Durante a entrevista, James procura enunciar um conjunto de argumentos “científicos” que, no seu entendimento, sustentam a bondade de separar os meninos das meninas.
Como é evidente e reconhecido pela comunidade científica, existem diferenças de género. A questão não é essa. A questão central é se as diferenças entre as pessoas devem, ou não, levar a que sejam arrumadas pela sua diferença e que daí advenham vantagens para todos, sublinho, para todos, e da discussão de quais os limites a esta separação. E aqui, de uma forma geral, a ciência não sustenta a opção, apenas os valores e as convicções o fazem.
Em 2011 esteve em Portugal David Chadwell também apresentado como especialista em ensino diferenciado, em formação para o corpo docente do Colégio Planalto e numa conferência na U. Católica, para explicar como se devem ensinar os rapazes que, por serem rapazes, devem frequentar escolas, claro, só para rapazes. Uma nota breve sobre a designação, o equívoco a que me referi. Ensino diferenciado significa a mobilização de metodologias de trabalho educativo que procurem responder à diversidade dos alunos na sala de aula, ou seja, sendo as salas de aula constituídas por grupos heterogéneos em diferentes critérios, torna-se necessário encontrar respostas diferenciadas para as diferentes características mantendo as crianças juntas. Não existem grupos homogéneos, nem constituídos por gémeos. David Chadwell será especialista em ensino discriminado, o que representa exactamente o contrário de diferenciação educativa.
Em 2007 o especialista convidado foi o Professor Cornelius Riordan, sociólogo, que proferiu também uma conferência sobre as vantagens das escolas só para rapazes ou só para raparigas.
Não discuto, uma questão colocada por Abigail Jones, a escolha dos pais e encarregados de educação da escola que desejam para os seus filhos. Ainda assim importa considerar que a liberdade de escolha é condicionada por múltiplos factores e pode assentar em critérios como público ou privado, dimensão, estatuto social predominante, laica ou religiosa, com farda obrigatória ou não, com formação de natureza militar ou não, com co-educação ou com separação de géneros, estabelecimentos em moda, etc. Num esforço de alargamento de opções poderá colocar-se até a possibilidade de se desejarem escolas para alunos com excesso de peso que terão, naturalmente, um plano curricular reforçado no âmbito da actividade física e cuidados redobrados na alimentação ou escolas para qualquer forma de minoria para que, ideia peregrina, fiquem mais protegidas dos excessos das maiorias, etc. basta escolher os critérios e enumerar as “vantagens”. Estas escolhas assentarão, necessariamente, no conjunto de valores, cultura, representações, expectativas, etc. dos pais. Trata-se de uma opção que lhes assiste.
A questão mais substantiva e que justifica o meu comentário é a afirmação de que escolas separadas por género são melhores e alguma da sustentação aduzida. Nem James, Riordan ou Chadwel apresentam evidência consistente sobre a superioridade do ensino discriminado assente nas diferenças entre rapazes e raparigas. A defesa do modelo é um enunciado de convicções e de referências pedagógicas sem qualquer solidez no que respeita ao que entendem ser as necessidades escolares diferentes dos rapazes e das raparigas, algumas de uma ingenuidade bonita, os rapazes acham que se distraem menos por não ter raparigas na sala. É pouco, muito pouco. Recordo que Riordan afirmou na altura que mais de metade dos estudos não é conclusiva sobre os efeitos positivos, mas crê nas vantagens das escolas separadas. Porque sim.
De uma forma extraordinária, justificou, por exemplo, que a questão do assédio sexual que, segundo ele, terá estado na base da tragédia na Universidade Virgínia Tech !!! Para demagogia não está mal. Defendeu também que as políticas educativas promotoras da equidade nos géneros faliram porque, afirmou Riordan, o facto de as raparigas terem actualmente um maior acesso por exemplo ao ensino superior e, frequentemente, melhor rendimento académico, implicou a transformação dos rapazes “num grupo claramente em desvantagem” o que só se resolve se forem para escolas separadas. Não lhe ocorre um momento pensar na organização, qualidade e modelos dos processos educativos, certamente um pormenor.
Uma outra questão interessante e não habitualmente abordada, remete para os limites da educação separada. Será desejável até ao fim do secundário ou será melhor prolongar também durante o ensino superior e, entretanto, começar o processo de separação do mercado de trabalho também por géneros, uma vez que em adultos também homens e mulheres têm características diferentes?
Termino como comecei, entendo como totalmente legítima a existência de valores e convicções que sustentem a opção pela educação separada mas, por uma questão de honestidade intelectual, não os mascarem de ciência.