AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

POUPAR. Mais?

O calendário determina para hoje o Dia Mundial da Poupança. As várias referências que sobre este tema li e ouvi, até agora, deixaram-me preocupado. Em todas, o conteúdo centrava-se sobre a necessidade de se aumentar a poupança. Nos tempos que correm?! Mais? Como? Porquê? Vejam só.
Poupamos nos meios humanos e recursos disponíveis para apoio a miúdos em dificuldades nas escolas.
Poupamos no número de técnicos e funcionários necessário ao funcionamento organizado e eficaz das escolas.
Poupamos nos recursos humanos e meios ao serviço das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens.
Poupamos na qualidade da maior parte da classe política.
Poupamos na preservação do património artístico, arquitectónico e cultural.
Poupamos no consumo dos bens de cultura.
Poupamos no recurso a consultas e cirurgias porque a demora nos faz desistir.
Poupamos nos recursos e meios disponibilizados às forças de segurança.
Poupamos nas miseráveis pensões atribuídas a velhos que, depois de uma vida de trabalho, têm um enorme trabalho para continuarem vivos.
Poupamos nos resultados escolares dos nossos alunos.
Poupamos no comer para gastar no carrinho.
Poupamos na rapidez e eficácia com que a justiça funciona.
Finalmente, poupamos na indignação e impaciência que estas poupanças deveriam causar.
Mais poupados?

O MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO DOS PÃES E POUCO MAIS

O Público de hoje apresenta a anunciada entrevista de fundo com o Ministro Nuno Crato. A propósito das referências à revisão curricular já ontem referidas no âmbito da divulgação da entrevista, deixei algumas notas sob reserva da leitura completa do trabalho e que, no essencial, mantenho.
Algumas notas telegráficas sobre o trabalho de hoje. Boa parte da entrevista é dedicada a uma espécie de “update” do milagre da multiplicação dos pães insistindo obsessivamente na ideia de que “com menos vai fazer mais”. É, aliás, curioso que quando os entrevistadores questionaram o Ministro sobre a dimensão do corte orçamental para 2012, 400, 600 ou mais de 800 milhões de euros, este respondeu algo de notável, “depende do quadro que se leia”. O discurso assenta na recorrente ideia de menos custos, menos professores, menos recursos e, portanto, na convicção de que o milagre aconteça.
Relativamente à reforma curricular algo de ambíguo entre o reforço do que é ”essencial” e o nada de substantivo sobre a redução do enorme número de disciplinas, designadamente no 3º ciclo, embora me pareça positiva a intenção de incrementar a oferta educativa no sentido profissionalizante.
Duas áreas que me parecem fundamentais não mereceram abordagem do Ministro. Em primeiro lugar, a autonomia das escolas, que tem sido referida como intenção mas que ficou de fora desta entrevista e, segunda nota, nenhuma atenção dada à área relativa aos chamados apoios educativos.
É conhecida a enorme dificuldade que o sistema tem sentido na resposta educativa aos alunos, quer com necessidades educativas especiais, quer os que, por várias razões, carecem de alguma forma de apoio educativo. O normativo em vigor, o DL 3/2008, um mau serviço prestado aos alunos com necessidades especiais, conjugado com a escassez de recursos, sentida e anunciada, promovem a existência de muitas crianças sem os apoios necessários às suas necessidades. Uma palavra ainda sobre a ausência de informação sobre os apoios sociais escolares, cuja situção actual já coloca sérios problemas de resposta às necessidades e que em 2012, com o muito provável acréscimo das dificuldades das famílias, verá subir fortemente a procura.
Uma referência final ao ensino superior com, mais uma vez, a definição pouco clara dos cortes orçamentais e a intenção positiva de racionalizar a rede que está sobredimensionada.
Como síntese, acho pouco, e é pouco avisada a convicção de que em educação existem milagres. Não basta acreditar que tudo vai correr bem para que assim aconteça.
O Ministro referiu-se ao “choque que teve com a realidade”. Como aprende depressa começa a achar, como muitos políticos, que a realidade é a projecção dos seus desejos.

NÃO APRENDEM NADA NA ESCOLA. Outro diálogo improvável

Um dia destes, o Zé entrou na biblioteca da escola para entregar um livro que tinha usado num trabalho de grupo e o Professor Velho, o que está biblioteca e fala com os livros, fez-lhe a pergunta que lhe é habitual.
Então Zé, está tudo a correr bem?
Sim Velho, tudo numa boa. Estou a lembrar-me de uma cena, posso fazer-te uma pergunta?
Claro.
Quando eras da minha idade sabias mais coisas ou menos coisas que eu e os outros meus amigos?
Essa pergunta é difícil, acho que talvez soubesse algumas coisas que tu hoje não sabes e tu sabes com toda a certeza coisas que eu não sabia na tua idade.
Eu também acho isso porque as coisas mudaram, inventaram-se muitas cenas, os computadores e coisas assim. Mas o meu pai está sempre a dizer que hoje a gente não sabe nada. Diz que quando ele andava na escola sabia muito mais do que a gente hoje.
É uma maneira de falar, ele sabe que não é bem assim.
Não Velho, ele diz a sério e há mais pessoas que dizem isso. Eu acho que o que eles sabem e eu não sei é porque são crescidos, não é porque tenham aprendido na escola quando eram pequenos.
Na verdade …
E também não sei porque é que gostam de dizer que eles sabiam muito. Eu acho que não, a gente agora olha e está tudo mal feito, está tudo a correr mal, é porque não aprenderam nada na escola, senão faziam as coisas bem-feitas.
Zé, já experimentaste dizer isso ao teu pai?
Já Velho, disse que eu era parvo e mandou-me estudar.

domingo, 30 de outubro de 2011

LIVROS E LEITORES

De acordo com alguns dados divulgados hoje no Público, os portugueses estão a comprar menos livros. No primeiro semestre de 2011 o abaixamento foi de 3%.
Algumas notas sobre o universo dos livros.
Em primeiro lugar e em termos mais genéricos, a cultura em Portugal é um produto de luxo, veja-se também o preço dos CDs e dos espectáculos. O universo da cultura vive e vai viver numa apagada e vil tristeza orçamental. Sabe-se como os museus têm dificuldade em manter portas abertas, para não falar de investimento e manutenção nos respectivos espólios. Muito do que se realiza em Portugal em matéria de cultura está dependente de apoios privados, carolice e mecenato. A crise instalada vai complicar a situação e, provavelmente, os dados hoje divulgados espelham esse cenário.
Por outro lado, e no que respeita ao mercado livreiro, creio que uma das grandes razões para o preço dos livros será o reduzido volume de consumo desse bem por parte do cidadão comum. De facto, à excepção de alguns, poucos, nomes, edições reduzidas dificultarão, por questões de escala, o abaixamento do preço. Algumas editores ou grupos editoriais têm experimentado o lançamento de colecções com obras a mais baixo custo, mas muitos dos potenciais compradores dessas obras, já as terão adquirido pelo que, mais uma vez será difícil que sejam bem sucedidas essas edições. Parece-me sobretudo que a grande aposta estará no leitor e não no livro, ou seja, criando mais leitores, talvez as edições, que poderiam em todo o caso ser menos exigentes em papel e grafismo, ficassem mais acessíveis como se verifica noutros países. Esta batalha ganha-se na escola e na comunicação social. É certo que existe em actividade o Plano Nacional de Leitura que, parece, estará a dar alguns resultados, mas na comunicação social generalista o livro está praticamente ausente embora exista o sketch do conhecido entertainer político, conhecido por Professor, que ao Domingo à noite despeja livros em cima de uma secretária enquanto faz, dizem, comentário político.
Insisto, é um problema de leitores não de livros, aliás e estranhamente, nunca se publicou tanto como agora, aspecto que seria interessante analisar.

MUDANÇA CURRICULAR. Parece insuficiente

O Público de hoje adianta algum do conteúdo da entrevista ao Ministro Nuno Crato a publicar amanhã. Para hoje a referência à mudança curricular assente na necessidade de se “concentrar nas disciplinas essenciais” e em duas medidas principais, a supressão de TIC no 9º ano e o desdobramento de Educação Visual e Tecnológica em duas disciplinas no 2º ciclo.
É, naturalmente, necessário pela entrevista na sua versão completa para melhor entender a intenção do Ministro.
Numa breve reflexão sobre o que hoje é divulgado, parece de sublinhar a ideia de reforçar atenção a Língua Portuguesa e a Educação Matemática (que presumo serem as áreas essenciais) mas as medidas principais enunciadas levantam algumas dúvidas a esclarecer com a leitura da entrevista completa.
De facto, se assim se confirmar, a mudança não altera substantivamente o desenho curricular do 2º e 3º ciclo que frequentemente aqui tenho referido como desajustado e a carecer de urgente mudança.
Parece claro, afirmo-o de há muito, que sem uma séria reforma curricular não teremos alterações significativas e sólidas, não artificiais, nos conhecimentos dos miúdos e na qualidade do trabalho global das escolas. Nesta mudanças assumem especial centralidade as duas ferramentas fundamentais de acesso ao conhecimento, o domínio do português e da educação matemática.
Na actual matriz curricular o tempo de trabalho destinado a português e à educação matemática, agora aumentado, dificilmente permitirá obter melhores resultados, apesar de iniciativas como o Plano Nacional de Leitura, com resultados que devem ser realçados, ou o Plano de Acção para a Matemática ou do trabalho das escolas que, através de dispositivos de apoio próprios, tentam minimizar as dificuldades de muitos alunos o que com os cortes anunciados se torna ainda mais difícil. Dado o volume de dificuldades e os recursos das escolas, estas iniciativas acabam, em regra, por ter como destinatários menos alunos do que o necessário.
No entanto, para além disto, defendo um primeiro ciclo com seis anos e uma reorganização de conteúdos para estes primeiros anos de escolaridade obrigatória em que o Português e a e a Educação Matemática devem ocupar um lugar central. Creio que de uma forma geral se entende que o correcto domínio da língua de trabalho, o português, é um requisito fundamental para as aprendizagens em todas as áreas curriculares, bem como a literacia matemática, base do conhecimento científico.
Por outro lado, considero também que o número de disciplinas e a extensão e natureza dos conteúdos curriculares se associam às questões mais frágeis do sistema educativo, designadamente no 3º ciclo, insucesso, absentismo e indisciplina, tudo dimensões fortemente ligadas aos níveis de motivação e funcionalidade percebida dos conteúdos curriculares. A lógica da "disciplinarização" excessiva dos saberes tem informado o sistema educativo mas também o sistema de formação de professores durante demasiado tempo, o que suporta esta disciplinarização excessiva para 25,5 horas de aulas no 3º ciclo. É, aliás, curioso notar, se bem estivermos atentos, a frequência com que a propósito de qualquer saber, se defende a existência de mais uma disciplina. Neste quadro a mudança hoje referida parece-me insuficiente.
Deste cenário resulta, do meu ponto de vista, a necessidade imperiosa de mudança significativa na organização e conteúdos curriculares. O que hoje é divulgado, ainda que com alguns aspectos positivos, não parece muito animador.
Esperemos para ver.

sábado, 29 de outubro de 2011

AUTARQUIAS E EMPREGO SOCIAL

O I de hoje apresenta um trabalho interessante sobre o universo das autarquias e do impacto dos cortes impostos pela chamada crise nos seus quadros de pessoal.
Como era previsível as câmaras mais pequenas, sobretudo situadas no interior, será as que mais sentirão esse impacto.
Em muitos concelhos a autarquia é o principal empregador do concelho. Modelos de desenvolvimento que levaram ao abando da agricultura, promoveram a desertificação e um movimento fortíssimo de litoralização levaram a que em muitas zonas rurais as oportunidades de emprego escasseassem. Nessas circunstâncias, as autarquias assumiram uma espécie de programa social assegurando empregos que, naturalmente, não eram justificados pelas necessidades das câmaras. Esta prática, assumia ainda um resultado colateral, positivo, constitui um bom contributo para a contabilidade eleitoral pois, quer as admissões, quer a manutenção do emprego não estão, obviamente, fora da gestão dos interesses partidários presentes, muito presentes, na vida autárquica.
Lembro-me com frequência de ter assistido numa praça de uma vila do interior a um espectáculo muito curioso e elucidativo da gestão da coisa pública. Um funcionário recolhia diligentemente as ervas que cresciam entre as pedras da calçada. Colocava as ervas colhidas num balde junto do qual aguardava um outro funcionário que, quando finalmente (era demorado) o balde estava cheio, o despejava para um veículo de transporte que perto e a trabalhar permanentemente, tinha o condutor sentado ao volante. Sintetizando, três funcionários, em simultâneo, desenvolviam uma actividade que seria um exemplo notável do que não deve acontecer em matéria de gestão e eficácia.
No entanto, a situação que foi criada pelos modelos de desenvolvimento e pelas práticas políticas, que agora parece exigir o despedimento de gente em zonas de baixa capacidade de absorção ao nível do emprego, vai implicar o aumento substantivo das dificuldades que muita gente já atravessa.
Não vão fáceis os tempos.

A MÁ DISPOSIÇÃO PEGA-SE, A BOA DISPOSIÇÃO TAMBÉM

Os tempos que correm não são propriamente favoráveis à boa disposição e tranquilidade. Aparecem até referências na imprensa afirmando o aumento do mal-estar e de quadros depressivos.
Torna-se assim importante, diria necessário, até por razões de saúde mental, encontrar e valorizar fontes de boa disposição, genuínas, nos diferentes contextos em que nos movemos.
Vem esta introdução a propósito do meu amigo António, o Toni, para quase toda a gente que o conhece.
É sempre difícil avaliar objectivamente, mas trata-se, provavelmente, da pessoa mais bem-disposta que eu conheço. Algumas vezes a sua disposição poderá ser aparente, sê-lo-á, é gente, mas parece sempre genuína.
Ninguém está ao pé do António ou se cruza com ele sem merecer uma “boca”, uma piada e, faz inveja, quase sempre com humor, pelo que ninguém fica indiferente.
Tem ainda a qualidade de funcionar desta forma quando está a trabalhar e mantém permanentemente esta atitude enquanto trabalha eficazmente.
O António, o Toni, trabalha na mesma “casa” que eu, uma circunstância muito positiva.
Como sabem, a má disposição pega-se e boa disposição também. Assim, quando estou mal disposto vou tomar um chá com o meu amigo António, o Toni, e a lida a seguir anda melhor. Sorte a minha.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

ENSINO SUPERIOR. Financiamento a menos e escolas a mais

O Público de hoje retoma as dificuldades do sector do ensino superior público face aos cortes orçamentais para 2012. O Conselho de Reitores, tal como os presidentes dos Institutos Politécnicos, manifesta a sua enorme preocupação com os riscos de degradação quer do ensino, quer da investigação que o abaixamento do financiamento implicará. Por outro lado, sabe-se que em muitos estabelecimentos de ensino superior se verificam desperdício e subaproveitamento de recursos, como há dias referiram os reitores da Universidade do Porto e da Universidade de Coimbra dando o exemplo de professores com nível de envolvimento institucional e desempenho profissional abaixo do desejável. Também nos últimos dias se verificou um protesto dos alunos de direito da Universidade de Lisboa pela falta de professores, levando a que aulas que não deveriam ter mais de 30 ou 40 alunos funcionem com 100.
Do meu ponto de vista, e várias vozes se ouvem nesse sentido, para além da importante questão imediata dos cortes orçamentais para 2012, a questão estrutural remete para o sobredimensionamento da rede de ensino superior em Portugal.
O Professor António Nova, reitor da U. de Lisboa, tem vindo a afirmar a imperiosa necessidade de racionalizar a rede, "Portugal não deveria termais do que sete ou oito universidades públicas. E estou a ser benevolente" afirmou.
O ensino superior em Portugal é, como muitíssimas outras áreas, vítima de equívocos e de decisões políticas nem sempre claras. Uma das grandes dificuldades que enfrenta prende-se com a demissão durante muito tempo de uma função reguladora da tutela que, sem ferir a autonomia universitária, deveria minimizar o completo enviesamento da oferta, pública e privada, que se verifica, um país com a nossa dimensão são suporta tantos estabelecimentos de ensino superior, sobretudo, se atentarmos na qualidade. As regiões e autarquias reclamam ensino superior com a maior das ligeirezas. Durante algum tempo a pressão vinda da procura e a incapacidade de resposta do subsistema de ensino superior público associada à demissão da tutela da sua função reguladora, promoveu o crescimento exponencial do ensino superior com situações que, frequentemente, parecem incompreensíveis à luz de um mínimo de racionalidade e qualidade. Portugal contará com cerca de 160 instituições de ensino superior, como indicador relativo temos um rácio de 17,4 estabelecimentos por milhão de habitantes, enquanto a Espanha apresenta 7, um dado extraordinário.
Nesta matéria, a qualidade e o redimensionamento da rede, espera-se que o processo em curso de Avaliação e Acreditação se revele um forte incentivo. Temos uma oferta de ensino superior, universitário, politécnico e subsistema privado, completamente distorcida, cuja responsabilidade é, como disse, da tutela que se demitiu durante décadas da sua função reguladora escudando-se na autonomia universitária, designadamente no sistema público. Uma consulta à oferta de licenciaturas e mestrados por parte do ensino superior público e privado mostra com imperiosa se torna a racionalização dessa oferta.
Espera-se no entanto que o processo de avaliação e acreditação agora desencadeado, seja eficaz e não desenvolvido de uma forma cega. Existem cursos que apesar de alguma menor empregabilidade se inscrevem em áreas científicas de que não podemos prescindir com o fundamento exclusivo no mercado de emprego. Podemos dar como exemplo formações na área da filosofia ou nichos de investigação que são imprescindíveis num tecido universitário moderno. Será também importante que o processo permita desenvolver e incentive modelos de cooperação, universitário e politécnico, público e privado, que potencie sinergias, investimentos e massa crítica.
O enviesamento da oferta de que acima falava, alimenta a formação em áreas menos necessárias e não promove a formação em áreas carenciadas. Tal facto, conjugado com o baixo nível de desenvolvimento do país e com uma opinião publicada pouco cuidadosa na informação, leva a que se tenha instalado o equívoco dos licenciados a mais e destinados ao desemprego, quando continuamos a ser um dos países da UE com menos licenciados, já o disse aqui muitas vezes.

DE QUE FOGEM OS MIÚDOS?

De vez em quando, a imprensa vai-nos relatando casos de miúdos, quase sempre adolescentes, que saem de casa, aliciados pelos alçapões da net, por reacção a qualquer desconforto, atrás de uma ingénua história de amor ou tentados pela adrenalina de uma aventura.
Quase sempre, felizmente, estas histórias têm final feliz. A mais recente, hoje referida em alguma imprensa, envolveu duas crianças do Porto que foram encontradas a pedir em Vigo, para onde tinham fugido de comboio porque queriam viver juntas. Sem dinheiro e perdidos, estavam, dizia-se na notícia, arrependidos e a querer voltar para casa.
Neste tipo de situações parece-me importante reparar menos no valor facial do episódio e atentar mais no que pode estar a montante da sua ocorrência. Refiro-me ao mal-estar em que muitos miúdos adolescentes vivem, muitas vezes sem que as próprias famílias, professores ou colegas dêem conta. Alguns sinais que possam ser visíveis são, por vezes, desvalorizados e entendidos como "coisas da idade", um equívoco que pode sair caro.
Retomo algumas notas de um texto que há algum tempo poisou no Atenta Inquietude sobre este mal-estar que assombra a vida de alguns miúdos.
Os tempos estão difíceis e crispados para os adultos, seguramente para boa parte dos adultos, e para os miúdos a estrada também não está fácil de percorrer. Alguns vivem, sobrevivem, em ambientes familiares disfuncionais que comprometem o aconchego do porto de abrigo, afinal o que se espera de uma família. Alguns percebem, sentem, que o mundo deles não parece deste reino, o mundo deles é um bairro insustentável que, conforme as circunstâncias, é o inferno onde vivem ou o paraíso onde se acolhem e se sentem protegidos. Alguns sentem que o amanhã está longe de mais e um projecto para a vida é apenas mantê-la. Alguns convencem-se que a escola não está feita para que nela caibam. Alguns sentem que podem fazer o que quiserem porque não têm nada a perder e muito menos acreditam no que têm a ganhar fazendo o que deles esperamos.
Alguns destes miúdos vão carregar para a escola a dor de alma que sentem mas não entendem, por vezes.
Não, não tenho nenhuma visão idealizada dos miúdos, nem acho que tudo lhes deve ser permitido ou desculpado e também sei que alguns fazem coisas inaceitáveis e, portanto, não toleráveis. Só estou a dizer que muitas vezes a alma dói tanto que a cabeça e o corpo se perdem e fogem para a frente atrás do nada que se esconde na adrenalina dos limites.
Espreitem a alma dos miúdos, sem medo, com vontade de perceber porque dói e surpreender-se-ão com a fragilidade e vulnerabilidade de alguns que se mascaram de heróis para uns ou bandidos para outros, procurando todos os dias enganar a dor da alma.
Fico a torcer para que a fuga destes miúdos do Porto até Vigo, seja o primeiro capítulo de uma narrativa bem sucedida.

A HISTÓRIA DO SIMPLES

Era uma vez um miúdo chamado Simples. É um nome estranho, não se vislumbrava a razão para que alguém assim se chamasse mas, curiosamente, ia bem com ele. Era um miúdo simples, o Simples.
Estava na escola com a maior das tranquilidades, fazia os disparates que a idade aconselha para que tudo cresça bem, mas não mais do que isso, era Simples.
Como é habitual havia umas matérias de que o Simples gostava mais e outras, naturalmente, de que gostava menos. Apesar disso sem aparente esforço e com a simplicidade própria de um Simples obtinha resultados que não sendo brilhantes, eram suficientes para que a coisa corresse sem sobressaltos, simplesmente.
Não era rapaz de grandes falas, aliás, alguns professores até achavam que as suas falas eram simples de mais. Quando lhe referiam que deveria falar mais dizia que era assim, Simples.
Nas brincadeiras com os colegas participava sem particular entusiasmo mas estava regularmente envolvido nas actividades com eles, embora no seu estilo habitual, o estilo de um Simples.
Estranhamente, a maioria das pessoas achava que havia qualquer coisa de errado com o Simples. No entanto ninguém parecia ser capaz de explicar a razão desse pressentimento.
Na verdade, as pessoas, quase sempre, desconfiam do que é Simples.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

QUERIDA FAMÍLIA E AMIGOS

O Parlamento Europeu aprovou legislação no sentido de introduzir maior severidade nos crimes de abuso sexual a crianças e consumo ou produção de pornografia infantil. Os diferentes países procederão agora ao necessário ajustamento da respectiva legislação. Esta medida parece-me positiva. Apesar da importância que a net tem neste universo suportando significativamente a produção e consumo de pornografia infantil, queria abordar de forma mais particular a questão dos abusos.
Sobretudo a partir do sobressalto causado pelo processo que envolveu a Casa Pia, este universo negro, os abusos sexuais sobre crianças, ganhou maior visibilidade pelo que a comunidade parece ter ficado mais atenta. A prova desta maior atenção pode encontrar-se no facto de desde o início do processo em 2002 até 2009, ter triplicado o volume de denúncias. No entanto, as pessoas que conhecem este tipo de problemáticas sabem que o volume de denúncias é apenas uma parte das situações de abuso.
Esta circunstância decorre de um aspecto que me parece de sublinhar e recordar pela sua importância e consequências. A maioria dos abusos sexuais sobre crianças ocorre nos contextos familiares e envolve família e amigos, não acontece em instituições que, provavelmente na sequência do caso Casa Pia, até se terão tornado mais atentas e eficazes na prevenção de abusos.
Apesar das mudanças verificadas em termos legais e processuais, a fragilidade ainda verificada, na criação de uma verdadeira cultura de protecção dos miúdos leva a que muitos estejam expostos a sistemas de valores familiares que toleram e mascaram abusos com base num sentimento de posse e usufruto quase medieval. Muitas crianças em situação de abuso no universo familiar ainda sentem a culpa da denúncia das pessoas da família ou amigos, a dificuldade em gerir o facto de que pessoas que cuidam delas lhes façam mal e a falta de credibilidade eventual das suas queixas.
Neste quadro continua a ser absolutamente necessário que as pessoas que lidam com crianças, designadamente na área da saúde e da educação, sejam capazes de “ler” os miúdos e os sinais que emitem de que algo se passa com eles.
Esta atitude de permanente, informada e intencional atenção aos comportamentos e discursos dos miúdos é, do meu ponto de vista, uma peça chave para minimizar a tragédia dos abusos.
Aumentar as penas nos casos de abuso é apenas uma parte da questão, ainda assim positiva, como é óbvio.

A RETOMA NO MERCADO DOS VEADOS

Estive quase a resistir mas não consegui. A notícia da venda de 15 veados por parte da Câmara da Nazaré já era algo de interessante, mas o facto de nenhuma oferta de compra ter aparecido à primeira tentativa foi algo de notável.
No pleno uso das suas competências, anda uma autarquia laboriosamente a criar veados para que a sua venda possa contribuir para as depauperadas finanças e, afinal de contas, as contas ficam a zero, ninguém se interessa por veados.
Tal situação era absolutamente incompreensível. A criação de veados pelas autarquias tem sido um sucesso nos últimos tempos pelo que se torna ainda mais difícil entender a inexistência de interessados nos veados criados na Nazaré.
Que mistério ou particularidades teriam os veados da Nazaré que os não tornavam apetecíveis aos compradores?
Será que a ausência de interesse já seria uma consequência dramática da crise e da retracção do consumo?
Desenhou-se uma situação complicada. Quando se fala da redução de verbas para as autarquias e nem a criação de veados parecia já constituir-se como fonte de rendimento, os tempos adivinham-se conturbados.
No entanto, finalmente conseguiu-se. A persistência é, quase sempre, compensadora. Os veados foram finalmente vendidos. Recorrendo-se à venda dos veados por grupos, lotes, como lhes chama a notícia, os cofres da autarquia, certamente depauperados pela austeridade que por aí vai, receberam 3 000 euros. Ainda bem. O presidente do município afirmou que esta passará a ser uma prática sistemática. Muito bem, as boas práticas são sempre de divulgar e replicar.
Aqui está um bom exemplo de uma notícia típica do país feliz, aquela terra onde acontecem coisas.

CHEGAR A VELHO É MAIS FÁCIL, VIVER VELHO AINDA É DIFÍCIL

A imprensa de hoje refere que a linha telefónica do Cidadão Idoso da Provedoria de Justiça recebeu durante o ano corrente ano 2142 chamadas. Destas chamadas, cerca de seis por cento estavam relacionadas com maus-tratos. Os restantes contactos abordavam fundamentalmente questões relativas a saúde, o apoio domiciliário, informação jurídica.
Algumas notas a propósito da velhice, designadamente no que respeita aos maus-tratos.
Há pouco tempo, um relatório da OMS identificava Portugal como um dos cinco países europeus, entre 53, em que os velhos sofrem mais maus-tratos. Cerca de 39,4% dos velhos sofrem alguma forma de maus-tratos, que envolvem, por exemplo. extorsão, abuso psicológico, físico ou negligência.
Nos últimos tempos têm sido recorrentes as notícias sobre os maus-tratos aos velhos, aos seniores, como agora se diz.
Quer no seio das famílias, quer em instituições, algumas encerradas compulsivamente, tal é a gravidade das situações, multiplicam-se as referências à forma inaceitável como os velhos estão a ser tratados. Começam por ser desconsiderados pelo sistema de segurança social que com pensões miseráveis, transforma os velhos em pobres, dependentes e envolvidos numa luta diária pela sobrevivência. Continua com um sistema de saúde que deixa muitos milhares de velhos dependentes de medicação e apoio sem médico de família. Em muitas circunstâncias, as famílias, seja pelos valores, seja pelas suas próprias dificuldades, não se constituem como um porto de abrigo, sendo parte significativa do problema e não da solução.
Finalmente, as instituições, muitas delas, subordinam-se ao lucro e escudam-se numa insuficiente fiscalização além de que, com frequência, os equipamentos de qualidade são inacessíveis aos rendimentos de boa parte dos nossos velhos.
Por outro lado, é também de referir que as alterações dos estilos de vida e dos valores produzem cada vez mais situações de solidão e isolamento entre os velhos, com consequências que têm feito manchetes. Estão em extinção as relações de vizinhança e a vivência comunitária, fontes privilegiadas de protecção dos mais velhos.
É certo que existe, felizmente, um pequeno número de idosos que além do apoio familiar, ainda possuem meios que lhes permitem aceder a bens e equipamentos que contribuem para uma desejável e merecida qualidade de vida no fim da sua estrada.
Lamentavelmente, boa parte dos velhos, sofreu para chegar a velho e sofre a velhice.
Não é um fim bonito para nenhuma narrativa.

A FECUNDIDADE REVISTA EM BAIXA

Segundo dados da ONU e quando se aproxima o dia em que ao cimo da Terra seremos 7000 milhões, Portugal terá para o período 2010-2015 uma taxa de fecundidade de 1,3 por mulher, a terceira mais baixa do mundo e insuficiente para assegurar a reposição de gerações potenciando o envelhecimento populacional e o desequilíbrio demográfico. Contrariamente ao que se verifica noutros países que têm as respectivas taxas a subir, em Portugal o declínio a partir de 2003 tem sido constante.
A acrescentar a estes dados parece-me ainda importante sublinhar que trabalhos recentes evidenciam que as mulheres portuguesas são de entre as europeias as que mais valorizam a carreira profissional e a família, a maternidade. Também é sabido de outros estudos que as mulheres portuguesas são das que mais tempo trabalham fora de casa.
Como parece claro por este cenário, menos filhos quando se desejava fortemente compatibilizar maternidade e carreira, exige-se, já o tenho referido, a urgência do repensar das políticas de apoio à família. Os salários baixos são uma das razões que “obrigam” a que as famílias revejam em baixa, como agora se diz, os projectos relativos a filhos. Por outro lado, Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que, naturalmente, é mais um obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos.
Não pode ainda esquecer-se a discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc.
Toda esta situação torna urgente a definição de políticas de apoio à família com impactos a curto e médio prazo como, por exemplo, a acessibilidade aos equipamentos e serviços para a infância com o alargamento da resposta pública de creche e educação pré-escolar, cuja oferta está abaixo da meta estabelecida. Combater a discriminação salarial e de condições de trabalho através de qualificação e fiscalização adequadas.
Só com uma abordagem global e multi-direccionada me parece possível promover a recuperação demográfica indispensável.

O MUNDO ÀS COSTAS

Há uns dias, bati com os olhos num trabalho publicado já não me recordo onde, em que alguns pediatras manifestavam preocupação com problemas de coluna que precocemente aparecem em crianças e adolescentes. Estes problemas, afirmavam os especialistas, derivariam de erros e vícios posturais que, pela persistência, promoverão a prazo problemas ameaçadores da qualidade de vida.
Hoje, não sei porquê, recordei-me dessa leitura mas fiquei com sérias dúvidas. Dei por mim a pensar que os problemas na coluna poderão estar ligados ao peso excessivo que muitos miúdos, mais pequenos e maiores, carregam ao ombros e não me estou a referir às mochilas escolares que também não são nada leves.
Estava a pensar no peso da pressão para que sejam excelentes.
Estava a pensar na pressão para que sejam o que não são e da pressão para que não sejam o que são.
Estava a pensar na pressão de viver demasiado só. Estava a pensar na pressão que leva a que, por vezes, só gritando e agitando-se se façam ouvir. Estava pensar na pressão de não conhecer o caminho e sentir-se perdido.
Estava a pensar na pressão de actividades sem fim e, às vezes, sem sentido. Estava a pensar na pressão do depressa e bem.
Estava a pensar na pressão para sejam diferentes e na pressão para que sejam iguais.
Estava a pensar na pressão causada por famílias demasiado distantes ou por famílias demasiado próximas ou ainda por famílias ausentes.
Na verdade, há miúdos que carregam o mundo às costas. Entende-se as preocupações dos pediatras com a coluna dos miúdos.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

TODOS BATEM NOS PROFESSORES

As notícias sobre a agressões a professores, designadamente, cometidas por encarregados de educação vão chegando com alguma frequência à comunicação social. O Público noticia hoje mais um episódio, desta vez, em Sesimbra.
Esta questão, embora, objecto de rápidos discursos de natureza populista e securitária, parece-me complexa e de análise pouco compatível com um espaço desta natureza. No entanto, umas breves notas em torno de três eixos: a imagem social dos professores, a mudança na percepção social dos traços de autoridade e o sentimento de impunidade, que me parecem fortemente ligados a este fenómeno.
Já aqui tenho referido que os ataques, intencionais ou não, à imagem dos professores, incluindo parte do discurso de responsáveis da tutela, algum do discurso produzido pelos próprios representantes dos professores e também o discurso que muitos opinadores profissionais, mais ou menos ignorantes, produzem sobre os professores e a escola, contribuíram para uma desvalorização significativa da imagem social dos professores, fragilizando-a seriamente aos olhos da comunidade educativa, designadamente de alunos e pais. Esta fragilização tem, do meu ponto de vista, graves e óbvias consequências, na relação dos professores com alunos e pais, sobretudo porque mina a atribuição de autoridade.
Em segundo lugar, tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade. Os professores, entre outras profissões, polícias ou médicos, por exemplo, eram percebidos, só pela sua condição de professores, como fontes de autoridade. Tal processo alterou-se, o facto de se ser professor, já não confere “autoridade” que iniba a utilização de comportamentos de agressão. O mesmo se passa, como referi, com outras profissões em que também, por razões deste tipo, aumentam as agressões a profissionais.
Finalmente, importa considerar, creio, o sentimento instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa porque não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a grandes, o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”.
Considerando este quadro, creio que, independente de dispositivos de formação e apoio, com impacto quer preventivo quer na actuação em caso de conflito, obviamente úteis, o caminho essencial é a revalorização da função docente tarefa que exige o envolvimento de toda a comunidade e a retirada da educação da agenda da partidocracia para a recolocar como prioridade na agenda política. É ainda fundamental que se agilizem, ganhem eficácia e sejam divulgados os processos de punição e responsabilização séria dos casos verificados, o que contribuirá para combater, justamente, a ideia de impunidade.

FAZER CERTAS AS COISAS E FAZER AS COISAS CERTAS

No universo da educação em Portugal depois de Abril de 74, instalou-se uma das mais generosas e ingénuas ideias que o tempo das utopias gerou, todos os indivíduos devem ter formação universitária. Esta ideia, de trágicas consequências, quis combater a marca de classe presente nas escolhas entre liceu e escolas industriais e comerciais e, sobretudo, o baixo número de alunos que continuavam a estudar. O resultado foi criar um percurso que todos deveriam seguir e que só terminaria no fim do ensino superior universitário.
Com o aumento da escolaridade obrigatória e o aumento exponencial do número de alunos começou a perceber-se o erro trágico de um só percurso, muitos alunos chumbavam e abandonavam saindo do sistema sem qualquer tipo de qualificação. Aliás, mesmo completando o ensino secundário, o 12º ano, as competências profissionais eram nulas, isto é, o 12º apenas ensinava, e mal, a continuar a estudar, coisa que entretanto era dificultada com a figura (lembram-se?) do "numerus clausus".
A partir de certa altura, timidamente, começaram a surgir ofertas de vias profissionais que, por má explicação política, foram sobretudo entendidas com a estrada por onde vai quem não tem "jeito" ou competência para estudar. Neste contexto, famílias e alunos sentiram dificuldade em aderir a algo percebido como sendo de segunda. E o nível inaceitável de chumbos e abandono no secundário continuava a envergonhar-nos.
Nos últimos anos, temos finalmente assistido a uma significativa diferenciação da oferta educativa, sobretudo depois do 9º ano, e essa oferta começa agora e ainda de forma ténue a perceber-se como uma alternativa à continuação de estudos mais prolongada, o ensino superior politécnico ou universitário. A questão é que em muitas escolas esta oferta diversificada é ainda gerida de forma classista, ou seja, os bons alunos são os que se encaminham para os cursos gerais e os outros são encaminhados para os cursos profissionais que assim continuam percebidos como de segunda.
O nível de desenvolvimento das sociedades actuais exige níveis de qualificação profissional sem os quais o risco de exclusão social é enorme, sempre digo que a exclusão escolar é a primeira etapa da exclusão social. Assim, conseguir que os alunos, todos os alunos, cumpram a etapa escolar saindo com qualificações profissionais é o grande desafio que o nosso sistema educativo enfrenta e para cujo sucesso é fundamental a oferta de percursos formativos diferenciados mas sérios e com qualidade. Os dados da UNESCO hoje referidos no Público indiciam o que está por fazer.
Na tentação de torcer a realidade até que esta diga aquilo que se pretende, o Ministério tem por hábito torturar os números para os transformar em sucessos que componham as estatísticas, confunde certificar com qualificar, um equívoco de consequências trágicas e que com o pomposamente chamado "contrato de confiança" corre o risco de estender o "novas oportunidades" (versão embuste) para o ensino superior.
Não basta fazer as coisas certas, é também necessário fazer certas as coisas.

O INTERESSE DO UTENTE. SERÁ?

Desencadeada a enorme polémica em torno do medicamento tentei ficar no meu canto a ver se percebia o quadro. A explicação que me parecia mais evidente e óbvia seria “isto trata-se de dinheiro e poder”. Depois pensei um pouco mais, ia vendo os desenvolvimentos e repensei, “não pode ser dinheiro e poder, estamos a falar do supremo interesso do utente” deve ser outra a explicação. Neste momento continuo sem entender e por isso recorro à vossa ajuda. Vejamos alguns pontos.
O medicamento genérico é mais barato que o de marca. Certo ou errado? Certo, parece.
Quer os medicamentos de marca, quer os genéricos só chegam ao mercado depois de testada a sua qualidade terapêutica e controlados os riscos de efeitos secundários. Certo ou errado? Certo, parece.
Nos outros países a quota de mercado dos genéricos é maior que em Portugal e não se verifica perda de qualidade no apoio terapêutico aos cidadãos. Certo ou errado? Certo, parece.
O estado que comparticipa no preço dos medicamentos adquiridos pelo utente pouparia milhões de euros com a maior utilização dos genéricos. Certo ou errado? Certo, parece.
Os médicos podem optar pela prescrição de genéricos ou de marca. Se fosse uma questão de qualidade, por questões científicas, éticas e deontológicas a questão da opção não se colocava, seria sempre pela qualidade. Certo ou errado? Certo, parece.
Os utentes, sobretudo os de menores rendimentos e os mais idosos poupariam significativamente com a prescrição de genéricos. Certo ou errado? Certo, parece.
Existe uma relação entre a prescrição de medicamentos por parte dos médicos e os apoios à classe disponibilizados pelos laboratórios. Certo ou errado? Certo, parece.
Existem fortíssimos interesses comerciais na produção e distribuição de medicamentos. Certo ou errado? Certo, parece.
O estado não permite que na farmácia se substitua o genérico pelo de marca, gasta mais, o utente também gasta mais apenas porque o médico decide, relembremos que sem ser por exclusivo critério científico pois poder optar significa que a qualidade terapêutica estará assegurada.
Hoje no Público, refere-se que a Ordem dos Médicos está contra a autorização dada pelas pessoas à substituição da prescrição nas farmácias, designadamente pelos genéricos pelo que vai activamente aconselhá-las a não aceitar a alteração. Esta possibilidade de troca assenta na prescrição por princípio activo, modelo em utilização noutros países sem que se conheçam implicações negativas na qualidade da assistência. Estando assegurada a qualidade da resposta e o uso do substância activa prescrita, a necessidade do utente parece assegurada. Certo ou errado? Certo, parece.
Já chega. Estão a ver porque é que continuo a não entender a polémica em torno dos medicamentos.

A HISTÓRIA DA HISTÓRIA

Era uma vez uma História. Foi inventada por um Velho. Os velhos, como são Velhos, têm muito tempo de estrada e gostam de inventar histórias, quase sempre a partir das histórias que foram encontrando pelo caminho.
O Velho inventou esta História para contar a uns netos pequenos que gostavam de histórias. A gente, às vezes, esquece-se que os miúdos gostam de ouvir histórias contadas pelos velhos. Quando o Velho a inventou era uma História pequena com coisas cómicas e os miúdos gostavam mesmo dessa História.
Como gostavam muito da história, quando cresceram contavam a História aos miúdos deles. Como também já se tinham cruzado com outras histórias a História foi ficando maior, mas tinha sempre muitas coisas cómicas que faziam rir os miúdos que pediam mais histórias.
A História, de tanto ser contada, ficou tão grande que foi preciso guardá-la num livro para que não se perdesse.
Mas as histórias muito grandes que enchem um livro têm um problema, demoram muito tempo a contar e os miúdos pequenos gostam de histórias mais pequenas e com coisas cómicas.
Por isso, um Velho inventou uma história mais pequena para contar a uns netos pequenos que gostavam de histórias. A gente, às vezes, esquece-se que os miúdos gostam de ouvir histórias contadas pelos velhos. Quando o Velho a inventou era uma História pequena com coisas cómicas e os miúdos gostavam mesmo dessa História.
E tudo recomeçou.
As histórias não têm fim. Atrás de uma História vem sempre outra História. Ainda bem.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

PPPs. É assim tipo, o estado paga e os privados lucram

Há dias ficámos a saber que, segundo um relatório da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças sobre as famosas Parcerias Público Privado, os encargos líquidos do estado, dos contribuintes, ascendem a qualquer coisa como 15,1 mil milhões de euros, uma ninharia que representa 8,8 % do PIB previsto para 2012. Hoje o Público refere um conjunto de ilegalidades detectadas em PPPs desenvolvidas pela Câmara de Oeiras.
Este conceito de PPP sempre me lembra a história da formiga que em amena cavaqueira passeava com o seu amigo elefante na savana africana e quando olhou para trás exclamou para o companheiro paquiderme, “Já viste a poeira que nós estamos a levantar”. Pois é, as PPPs são também uma estranha e assimétrica parceria, um parceiro assume os encargos e o outro parceiro recebe os lucros.
O que parece mais embaraçoso é que esta assimetria inaceitável entre quem se assume como “parceiro” tem vindo a ser sucessivamente denunciada mesmo de dentro do estado. Apesar disso, sucessivos governos têm apostado de forma despudorada, irresponsável e delinquente do ponto de vista ético, para ser simpático, no estabelecimento e fortalecimento destas Parcerias, contemplando empresas e grupos “amigos” com verdadeiros brindes à custa do erário público e dando um enorme contributo para a situação financeira que actualmente vivemos.
Mais grave, é continuar a assistir à defesa destes comportamentos, à impunidade dos responsáveis e ao aumento dos custos que esta ruinosa e irresponsável política envolve.
E não acontece nada. É o Portugal dos Pequeninos.

A PRECISAR DE REFORMA

Desde sempre tenho sentido uma enorme estranheza pela atribuição de pensões/subvenções de reforma a pessoas que estão na vida activa. Esta estranheza decorre de várias razões.
Em primeiro lugar e aspecto principal, creio que o conceito de pensão de reforma parece implicar a cessação da via activa por idade ou impossibilidade e nessa altura, consoante a vida contributiva de cada um, haverá então lugar ao usufruto de uma subvenção que assegure o sustento, por assim dizer, do indivíduo. Tenho pois alguma dificuldade em compreender como é que uma pessoa estando na vida activa pode estar a receber pensões de reforma (mesmo que tenham outra designação).
Uma outra razão da minha estranheza, prende-se com o pouco tempo necessário, sobretudo na actividade política, para que um indivíduo aceda a uma subvenção vitalícia mesmo que ainda tenha pela frente uma longa carreira activa, com vencimentos e com uma expectativa de reforma a prazo. É evidente que sendo o legislador parte interessada, tudo isto tem cobertura legal, veja-se o caso recente dos subsídios de alojamento atribuídos a pessoas que têm casa própria na localidade em que exercem funções. Terá cobertura legal, claro, as leis são para isso mesmo, proteger interesses, mas não terá cobertura moral ou ética.
Uma outra razão será algo de menos tangível mas que reputo de importante e liga-se com a questão anterior, ética e moral. Como é reconhecido, o nosso país, e não tem a ver com a crise, é estrutural, apresenta um dos mais altos níveis de assimetria na distribuição da riqueza, designadamente o que toca a salários e retribuições como pensões. No que respeita a pensões, sabemos todos que existem centenas de milhares de pensionistas com pensões miseráveis que impossibilitam a vivência com patamares mínimos de qualidade de uma vida, essa sim, com trabalho, em muitos casos desde muito cedo. Torna-se, pois, difícil de aceitar que paralelamente a este quadro, conheçamos inúmeras pessoas que desempenhando cargos muitíssimo bem remunerados, acumulem sem um sobressalto ético ou moral esse vencimento com pensões ou subvenções por cargos políticos desempenhados que, também é bom lembrar, constituem quase sempre o trampolim para os cargos que agora ocupam.
É lamentável, que, aparentemente, só a famosa crise que atravessamos, leve a pensar neste tipo de situações, mas, como diz o povo, vale mais tarde que nunca.
Finalmente, reconheço que na abordagem destas matérias, estará sempre presente o risco de alguma demagogia ou populismo que diaboliza a classe política e os seus rendimentos. No entanto, insisto que se espera, eu diria, exige, de quem se propõe liderar e decidir sobre os destinos da comunidade, uma solidez de princípios que lhe confira autoridade moral e ética para, por exemplo, pedir sacrifícios ... aos sacrificados do costume.

O RAPAZ DAS METAMORFOSES

Era uma vez um Rapaz a quem muitas vezes e muita gente dizia, "Rapaz, pareces mesmo um bicho".
Uns dias, quase sempre lá na escola onde o Rapaz andava, diziam-lhe, "és um autêntico burro não sabes nada".
Uns dias, diziam-lhe, "és mesmo uma enguia, ninguém te consegue agarrar".
Uns dias, poucos dias, diziam-lhe, "nem pareces tu, parece um cordeiro, o que é que te deu?"
Uns dias, diziam-lhe, "és mau, tal e qual uma cobra".
Uns dias, diziam-lhe, "não aprendes nada, tens a cabeça de uma galinha".
Uns dias, diziam-lhe, "és um pardal sempre a saltar de um lado para o outro sem atenção a nada".
Uns dias, diziam-lhe, "vais ser sempre um gato selvagem, ninguém faz nada de ti".
Uns dias, diziam-lhe, "és como os lobos sempre pronto para morder".
O Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, de vez quando dizia para os outros professores, "este Rapaz não passa de um pássaro assustado e perdido dentro dele".
Uns dias, diziam-lhe, "queres mandar nos outros todos, pensas que és um leão, olha que não és".
Uns dias diziam-lhe, "cala-te um bocado, és mesmo um papagaio".
Uns dias, diziam-lhe, "vê lá se tens calma, pareces um touro, levas tudo à frente".
Um dia, naquele dia, algumas pessoas viram, o Rapaz atirou-se a voar como uma águia e só parou no céu, lá onde moram os pássaros e alguns rapazes que parecem bichos.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

JÁ NÃO AGUENTO, ACABOU-SE. Tudo

No meio da crise, do despudorado mundo das mordomias de ex-políticos, do regresso do Inverno, passou relativamente despercebida uma tragédia, o suicídio de uma criança com 10 anos em Lisboa. A criança, ao que parece, com uma vivência familiar problemática, com um quadro de problemas pessoais a solicitar apoio e ainda a viver reconhecidamente uma situação de bullying escolar, resolveu partir para longe dos seus problemas. Lembram-se do Leandro, o menino de Mirandela?
Como refere Daniel Sampaio no DN, é preciso uma enorme cautela no sentido de não estabelecer apressadamente nexos de causalidade, nenhum dos factores enunciados e presentes na vida do miúdo levará, só por si e incontornavelmente ao suicídio, mas as circunstâncias podem conjugar-se no sentido de se realizar.
Exige-se pois, uma enorme atenção aos miúdos e ao seu funcionamento. Os comportamentos autodestrutivos em adolescentes são mais frequentes do que muitas vezes pensamos. Alguns estudos realizados também em Portugal referem com alguma surpresa que 15.6 % dos adolescentes inquiridos, com catorze anos de idade média, afirmaram ter-se magoado de propósito mais do que uma vez nos últimos doze meses à data do estudo. Alguns estudos internacionais apontam para cerca de 10% da população em idade escolar com comportamentos de auto-mutilação pelo que os dados encontrados em Portugal são, de facto, preocupantes.
Este quadro é um indicador do mal-estar que muitos adolescentes e jovens sentem. Em muitas situações não conseguimos estar suficientemente atentos. "Há um ano que nos apercebemos de que as crianças gozavam com as orelhas do Rafael, mas pensávamos que era uma situação resolvida. É de lamentar, sinceramente. Ele era um menino querido", palavras de uma professora da escola do menino citadas na imprensa.
Acontecem com alguma frequência situações de sofrimento com as mais diversas origens, relações entre colegas, bullying por exemplo, ou relações degradadas em família que facilitam a instalação de sentimentos de rejeição, ausência de suporte social, facilitadoras de comportamentos autodestrutivos. Começa também a emergir como causa deste mal estar a dificuldade que algumas crianças e adolescentes sentem em lida com situações de insucesso escolar. Esta dificuldades são frequentemente potenciadas pela pressão das famílias e pelo nível de competição que por vezes se instala.
Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa mas é necessário. Muitas crianças e adolescentes evidenciam no seu dia a dia sinais de mal-estar a que, por vezes, não damos atenção, seja em casa, ou na escola, espaço onde passam um tempo enorme. Estes sinais não podem, não devem, ser ignorados ou desvalorizados.
O resultado pode ser trágico.

A TERRA MOLHADA

Acho mais sinceros os dias de chuva. Nos dias que em chove ponho-me a pensar que não sou só eu que vivo arreliado. Depois, o cheiro da terra molhada é que me faz de novo animar.
(Almada Negreiros)

Já chove no Meu Alentejo. A terra gretada pela secura que parecia chorar lágrimas secas pela chegada da chuva, as lágrimas molhadas, já liberta o inconfundível cheiro de que falava o Mestre Almada e que me deixa mais animado.
O Velho Marrafa desta vez enganou-se, afirmava que só a mudança da lua a meio da semana traria água e eu, apoiado na ciência, dizia, desejava, que a água chegava este fim-de-semana. Ganhou a ciência, já chove no Meu Alentejo.
Pode até permitir que as azeitonas ainda engrossem antes da apanha. O panorama não era animador, azeitona seca, muita já no chão, vamos a ver se a que está nas árvores e sobrevive à gafa se aguenta.
Esta chuva vai também lavar o pó e tudo fica mais bonito.
A terra já pode ser fabricada e pode iniciar-se as sementeiras. Começa a ser o tempo, das favas, dos alhos ou dos cereais, por exemplo.
Por outro lado, creio que a secura não afecta só a terra. Sinto que as pessoas também se sentem secas, já com pouco para dar, cansadas, ansiosas porque alguma coisa mude, às vezes nem sabendo exactamente o quê. Creio que cada um de nós gostaria que mudassem coisas diferentes, mas que mudassem. Um problema sério é que também a confiança no futuro parece seca como a terra.
A terra vai ficar melhor, já chove no Meu Alentejo. E nós, as pessoas?

domingo, 23 de outubro de 2011

OS NOVOS POBRES

O Público de hoje apresenta um preocupante trabalho centrado na emergência de "novos pobres", milhões de pessoas que apesar de terem emprego têm salários extremamente baixos e que, mercê dos cortes e aumentos realizados e prometidos, se sentem e vivem numa condição de pobreza não antecipada.
De facto, nos últimos tempos cresceram exponencialmente os casos do que se pode chamar de “pobreza envergonhada”, devido, naturalmente, aos níveis de desemprego mas também decorrentes, como o trabalho do Público ilustra, à falta de qualidade do emprego, aumento de impostos e perdas salariais. São pessoas que se julgavam a coberto deste tipo de riscos e que sentem um embaraço pessoal e social enorme para assumir as dificuldades porque passam.
Este cenário é absolutamente extraordinário. Para além das consequências óbvias das dificuldades ainda se torna necessário, como várias vezes aqui tenho referido, acautelar a dignidade das pessoas afectadas. De facto, umas das consequências menos quantificável das dificuldades económicas, é o roubo da dignidade às pessoas envolvidas. Sabemos que se verifica oportunismo e fraude no acesso aos apoios sociais, mas a esmagadora maioria das pessoas sentem a sua dignidade ameaçada quando está em causa a sobrevivência a que só se acede pela “mão estendida” que envergonha, exactamente por uma questão de dignidade roubada.
A questão da pobreza é um terreno que se presta a discursos fáceis de natureza populista e ou demagógica, sem dúvida. Mas também não tenho dúvidas de que os problemas gravíssimos de pobreza que perto de dois milhões de portugueses sentem e o facto também conhecido de que um terço das famílias têm um orçamento encostado ao limiar de pobreza, exigem uma recentração de prioridades e políticas que não se vislumbra. Curiosamente, até da área política mais próxima do actual governo bem como de sectores ligados à igreja e instituições de solidariedade social têm vindo a surgir críticas às opções que assumidas por quem apenas parece ter nos seus objectivos o bem-estar dos mercados.
A envergonhada pobreza deveria envergonhar-nos a todos, a começar por quem lidera. A liderança que transforma é uma liderança com responsabilidade social e com sentido ético.

sábado, 22 de outubro de 2011

SOMOS PARCEIROS. Um paga, o outro recebe

Segundo um relatório da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças sobre as famosas Parcerias Público Privado, os encargos líquidos do estado, dos contribuintes, ascendem a qualquer coisa como 15,1 mil milhões de euros, uma ninharia que representa 8,8 % do PIB previsto para 2012.
Este conceito de PPP sempre me lembra a história da formiga que em amena cavaqueira passeava com o seu amigo elefante na savana africana e quando olhou para trás exclamou para o companheiro paquiderme, “Já viste a poeira que nós estamos a levantar”. Pois é, as PPPs são também uma estranha e assimétrica parceria, um parceiro assume os encargos e o outro parceiro recebe os lucros.
O que parece mais embaraçoso é que esta assimetria inaceitável entre quem se assume como “parceiro” tem vindo a ser sucessivamente denunciada mesmo de dentro do estado. Apesar disso, sucessivos governos têm apostado de forma despudorada, irresponsável e delinquente do ponto de vista ético, para ser simpático, no estabelecimento e fortalecimento destas Parcerias, contemplando empresas e grupos “amigos” com verdadeiros brindes à custa do erário público e dando um enorme contributo para a situação financeira que actualmente vivemos.
Mais grave, é continuar a assistir à defesa destes comportamentos, à impunidade dos responsáveis e ao aumento dos custos que esta ruinosa e irresponsável política envolve.
E não acontece nada. É o Portugal dos Pequeninos.

UMA SUPERIOR PREOCUPAÇÃO. Dinheiro a menos e escolas a mais

O Público de hoje retoma as dificuldades do sector do ensino superior face aos cortes orçamentais. Vários reitores e presidentes de institutos politécnicos têm sublinhado os enormes risos de degradação quer do ensino, quer da investigação que o abaixamento do financiamento implicará. Por outro lado, sabe-se que em muitos estabelecimentos de ensino superior se verificam desperdício e subaproveitamento de recursos como há dias referiram os reitores da Universidade do Porto e da Universidade de Coimbra falando de professores com nível de envolvimento institucional e desempenho profissional abaixo do desejável num bom exemplo de alguma da cultura da administração pública. Também nos últimos dias se verificou um protesto dos alunos de direito da Universidade de Lisboa pela falta de professores, levando a que aulas que não deveriam ter mais de 30 ou 40 alunos funcionem com 100.
Do meu ponto de vista, e várias vozes se ouvem nesse sentido, para além da importante questão dos cortes orçamentais para 2012, a questão estrutural remete para o sobredimensionamento da rede de ensino superior em Portugal.
O Professor António Nova, reitor da U. de Lisboa, tem vindo a afirmar a imperiosa necessidade de racionalizar a rede, "Portugal não deveria termais do que sete ou oito universidades públicas. E estou a ser benevolente" afirmou.
O ensino superior em Portugal é, como muitíssimas outras áreas, vítima de equívocos e de decisões políticas nem sempre claras. Uma das grandes dificuldades que enfrenta prende-se com a demissão durante muito tempo de uma função reguladora da tutela que, sem ferir a autonomia universitária, deveria minimizar o completo enviesamento da oferta, pública e privada, que se verifica, um país com a nossa dimensão são suporta tantos estabelecimentos de ensino superior, sobretudo, se atentarmos na qualidade. As regiões e autarquias reclamam ensino superior com a maior das ligeirezas. Durante algum tempo a pressão vinda da procura e a incapacidade de resposta do subsistema de ensino superior público associada à demissão da tutela da sua função reguladora, promoveu o crescimento exponencial do ensino superior com situações que, frequentemente, parecem incompreensíveis à luz de um mínimo de racionalidade e qualidade. Portugal contará com cerca de 160 instituições de ensino superior, como indicador relativo temos um rácio de 17,4 estabelecimentos por milhão de habitantes, enquanto a Espanha apresenta 7, um dado extraordinário.
Nesta matéria, a qualidade e o redimensionamento da rede, espera-se que o processo em curso de Avaliação e Acreditação se revele um forte incentivo. Temos uma oferta de ensino superior, universitário, politécnico e subsistema privado, completamente distorcida, cuja responsabilidade é, como disse, da tutela que se demitiu durante décadas da sua função reguladora escudando-se na autonomia universitária, designadamente no sistema público. Uma consulta à oferta de licenciaturas e mestrados por parte do ensino superior público e privado mostra com imperiosa se torna a racionalização dessa oferta.
Espera-se no entanto que o processo de avaliação e acreditação agora desencadeado, seja eficaz e não desenvolvido de uma forma cega. Existem cursos que apesar de alguma menor empregabilidade se inscrevem em áreas científicas de que não podemos prescindir com o fundamento exclusivo no mercado de emprego. Podemos dar como exemplo formações na área da filosofia ou nichos de investigação que são imprescindíveis num tecido universitário moderno. Será também importante que o processo permita desenvolver e incentive modelos de cooperação, universitário e politécnico, público e privado, que potencie sinergias, investimentos e massa crítica.
O enviesamento da oferta de que acima falava, alimenta a formação em áreas menos necessárias e não promove a formação em áreas carenciadas. Tal facto, conjugado com o baixo nível de desenvolvimento do país e com uma opinião publicada pouco cuidadosa na informação, leva a que se tenha instalado o equívoco dos licenciados a mais e destinados ao desemprego, quando continuamos a ser um dos países da UE com menos licenciados, já o disse aqui muitas vezes.

A FALHA DO ARTISTA

A crónica de Luís Francisco hoje no Público recordou-me um longínquo episódio que carrego num cantinho da mochila e de que não me orgulho particularmente.
Tendo terminado a 4ª classe e não havendo liceu oficial na margem sul, o Externato Frei Luís de Sousa era inacessível, os meus pais entenderam que com 9 anos era complicado ir para Lisboa, não havia ainda a ponte e a escola mais perto dos barcos era o velho Passos Manuel. Assim, com ajuda de uns familiares mais “letrados”, encontraram uma antiga professora que fazia “ensino doméstico” em Almada com um grupo pequeno que estava oficialmente matriculado no Liceu Camões, onde fomos fazer os exames do 1º ciclo do liceu como alunos externos.
Mesmo assim era uma experiência. Apanhava um autocarro para Cacilhas e um outro para Almada descendo na zona “nobre”, mesmo à beira do mítico Café Central onde viria a fazer boa parte do meu percurso estudantil. Acontece ainda que essa paragem era das mais frequentadas de Almada tendo sempre gente.
Quase à porta do Central, com público garantido, estavam reunidos os ingredientes necessários para uma bela exibição da rapaziada em crescimento no corpo e no juízo, descer dos autocarros com estes ainda em andamento.
Com alguma imodéstia, não era mau na performance e a adrenalina da assistência fazia desafiar a velocidade do desempenho.
Claro que a coisa um dia correu mal. Como de costume, abri a porta dos velhos autocarros da Piedense, olhei para a potencial plateia, antecipei o aplauso e lancei-me. Faltou velocidade e cumprimento nas pernas e o resultado foi lastimável. Espalhei-me ao comprido. Quando olhei para o meu lado estava o saco donde escorria a sopa que levava para o almoço, comer fora era um luxo. Usava uma daquelas marmitas antigas de “dois andares” encaixados, um para a sopa e outro para o “conduto”, também ele a sair do saco misturado com a sopa e eu com as calças rasgadas, joelhos e mãos a sangrar, a olhar de soslaio para a assistência, esperando ouvir a todo o momento um monumental assobio pela actuação desastrada.
Juntos os cacos do almoço e da minha auto-estima estilhaçada e reprimindo as lágrimas que as esfoladelas sérias de joelhos e mãos pediam, afastei-me com um ar que, quero acreditar, convenceu aquela a gente a não patear o infortunado artista.
Embora actualmente não passe com regularidade por ali, quando o faço, sinto ainda que estão a olhar para mim e para o meu almoço espalhados pelo chão. Inconscientemente, ando um bocadinho mais depressa.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

CORROSÃO ÉTICA

A situação hoje conhecida do Ministro da Administração Interna que recebe um subsídio de alojamento apesar de ter um apartamento onde reside, representa apenas mais um exemplo de corrosão ética da nossa vida. Como é evidente, há sempre uma cobertura legal para estas manhas. É normal, o edifício legislativo português está cheio de buracos e alçapões que dão uma capa de legalidade a comportamentos perfeitamente obscenos em qualquer circunstância e mais ainda nos tempos que correm.
Estas informações constituem um insulto que nos deixa indignados mas, infelizmente, já não admirados e o despudor ético que tais comportamentos significam levam-me de novo a umas notas que há algum tempo aqui deixei.
O despertar das consciências para as questões do ambiente e da qualidade de vida colocou na agenda a questão das pegadas, das marcas, que imprimimos no mundo através dos nossos comportamentos. Este novo sentido dado às pegadas tornou secundárias e ultrapassadas as míticas pegadas dos dinossauros e as românticas pegadas que os pares de namorados deixam na areia da praia.
Fomo-nos habituando a ouvir referências às várias pegadas que produzimos com nomes e sentidos mais próximos ou mais distantes mas, sobretudo, tem-se acentuado a grande preocupação com a diminuição do peso, isto é, do impacto das nossas pegadas. Conhecemos a pegada ecológica numa perspectiva mais global ou, em entendimentos mais direccionados, a pegada hídrica, a pegada energética, a pegada verde, a pegada do papel, a pegada do carbono, etc.
Do meu ponto de vista e sempre preocupado com o ambiente, com a qualidade de vida e com a herança que deixaremos a quem nos segue, nunca encontro referências e muito menos inquietações sérias com a pegada ética, isso mesmo, a pegada ética. Os comportamentos e valores que genericamente mobilizamos têm, obviamente, uma consequência na qualidade ética da nossa vida que não é despicienda. Os maus-tratos e negligência que dedicamos aos princípios éticos mais substantivos provocam um empobrecimento e degradação do ambiente e da qualidade de vida das quais cada vez parece mais difícil recuperar.
As lideranças, hipotecando a sua condição de promotores de mudanças positivas são fortemente responsáveis pelo peso e impacto que esta pegada ética está a assumir.
Vai sendo tempo de incluir a pegada ética no universo da luta pelo ambiente, pela qualidade de vida e pelo futuro.

LEVEM-ME À ESCOLA

O Público de hoje refere as dificuldades que em várias zonas do país estão a afectar famílias com crianças com necessidades especiais. Embora a notícia de hoje se centre na questão da acessibilidade à escola, os problemas são múltiplos e graves.
De acordo com um incompetente normativo que carece de urgente revisão, o Estado é obrigado a assumir as despesas com o transporte de crianças com severos problemas de mobilidade e que, por incapacidade e decisão do sistema, não frequentam as escolas da sua área de residência. O Ministério criou e fez proliferar o que chamou “escolas de referência” que só em situações de excepcionalidade se poderão entender. Em resultado desta decisão, muitas famílias são obrigadas a deslocar-se para conduzir os seus filhos a escolas que em algumas situações são muito longe, inaceitavelmente longe, da residência. Como referi, o normativo responsabiliza o estado por este transporte (quando superior a 3km) que é, quase sempre, assegurado pelas autarquias ou instituições. No entanto, o MEC, através das Direcções Regionais está a instruir a escolas no sentido de que apenas os alunos que usufruam dos escalões mais baixos dos apoios sociais terão o transporte pago.
Tal situação que parece ferida de ilegalidade está a provocar que muitas crianças estão sem frequentar a escola porque as famílias, quer por razões de custo, quer por razões de operacionalidade estão impossibilitadas de as transportar à escola.
Estas crianças e as suas famílias, para além de outros aspectos negativos decorrentes do lamentável Decreto-Lei 3/2008, como por exemplo promover a falta de apoios às necessidades educativas de muitas crianças, como muitas vezes referi no Atenta Inquietude, estão a ver negado um direito básico, o direito à educação, constitucionalmente definida como tendencialmente gratuita.
Mais uma vez sublinho a ideia de que o sistema educativo português, apesar dos esforços da grande maioria dos profissionais envolvidos, tem vindo a descurar a qualidade e o volume da resposta a alunos com necessidades educativas especiais, quer por via da legislação instituída, que inibe a prestação de apoios a crianças que deles necessitam, quer por via da gestão de recursos impondo taxas de prevalência de problemas fixadas administrativamente e sem qualquer correspondência com a realidade.
Como é evidente, em situações de dificuldade económica, as minorias, são sempre mais vulneráveis, muitas vezes falta-lhes voz.
Como sempre afirmo, os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como cuidam das minorias. Lamentavelmente, estamos num tempo que em que desenvolvimento se confunde com mercados bem sucedidos.

SE CUIDAR É CARO, NÃO CUIDAR É AINDA MAIS

Um trabalho hoje divulgado pelo Público mostra que cerca de um terço das pessoas com toxicodependência que estão em tratamento continuam a consumir. Tal constatação evidencia as dificuldades que os quadros de dependência colocam para a sua ultrapassagem.
No entanto, para além das dificuldades próprias nestes processos importa considerar as consequências também neste universo da política de austeridade e cortes que se abateu sobre o país. Para além da anunciada extinção do IDT sabe-se que serão encerradas estruturas, redefinidos de horários de atendimento, sendo também diminuídos os recursos humanos. Há algumas semanas foi noticiada uma redução envolvendo cerca de 200 técnicos, psicólogos, enfermeiros e assistentes sociais, que integravam as unidades de tratamento de proximidade com resultados positivos reconhecidos.
O presidente do IDT embora aceitando o impacto negativo destes cortes, procura não sobrevalorizar a situação. Por outro lado, sem o peso da hierarquia a condicionar opiniões, os especialistas referem as consequências negativas de tal decisão e teme-se que a situação de crise e a diminuição de apoios possa potenciar casos de recaídas bem como o aumento dos comportamentos de consumo.
Existem áreas de problemas nas comunidades em que os custos da intervenção são claramente sustentados pelas consequências da não intervenção. A toxicodependência é uma dessas áreas. Um quadro de toxicodependência não tratado desenvolve-se habitualmente, embora possam verificar-se excepções, numa espiral de consumo que exige cada vez mais meios e promove mais dependência. Este trajecto potencia comportamentos de delinquência, alimenta o tráfico, reflecte-se nas estruturas familiares e de vizinhança, inibe desempenho profissional, promove exclusão e guetização. Este cenário implica por sua vez custos sociais altíssimos e difíceis de contabilizar.
Costumo dizer em muitas ocasiões que se cuidar é caro façam as contas aos resultados do descuido. Assim sendo, dificilmente se entendem algumas opções.

O CAJÓ ESTÁ PREOCUPADO COM A CRISE

Um dias destes, numa deambulação apeada, passei ao pé da oficina do meu amigo Cajó, o que tem o Punto kitado que, como ele diz, bate-se com os A3 nos picanços.
Como é costume quando ali nos encontramos, pomos em conversa em dia no café do Pardal amparados a umas "mines", como sabem a palheta seca a palavra.
Nos tempos que correm as conversas não fogem à crise e o Cajó, desta vez, pareceu-me preocupado.
Pois é amigo Zé, isto tá no fundo. O pessoal anda mesmo sem papel e não aparece nada de jeito, só cenas que não dão nenhum. Agora os gajos vão aumentar os impostos e tirar ordenados ao pessoal. Vai subir o IVA. A gente aqui até nem leva o IVA, fica mais baril e o pessoal sempre paga menos. mas até tão a sacar nos subsídios. A minha Odete, você sabe, foi pró desemprego, o horário lá na loja do Centro Comercial era lixado e ela, esperta, agarrou-se ao desemprego. Aqui há dias chamaram-na mas queriam que ela fosse para uma cena onde ganhava meia dúzia de euros a mais que o subsídio e ainda tinha que pagar os transportes. Tá mal. Assim tá em casa a tomar conta dos putos, mas já ouviu dizer no cabeleireiro que vão tirar o fundo de desemprego. Estes gajos só sacam, não dão nada.
Mas você repare que o dinheiro não chega para tudo.
Os gajos que cortem nas cenas em que tão-se a encher. O meu sogro, o Abel, tem tado de baixa e ia-se orientando aí nos biscates e dava para fazer umas flores. Já ouvi dizer que os gajos querem acabar com as baixas. Já disse ao Abel pó gajo tar a pau se aparecer algum bacano com pinta lá na obra, pode ser um fiscal e sacam-lha a baixa.
Mas se o homem não está doente ...
É pá, ó amigo Zé não seja tótó, um gajo tem que se orientar, se você não tem guito que chegue ao fim do mês, o que é que faz, orienta-se. E ainda lhe digo uma coisa amigo Zé, os grandes quando se orientam é aos milhões, não é como a gente que continuamos a vergar a mola. Isto tá muita mau, muita mau mesmo.
Paguei as "mines" ao Pardal e despedi-me do Cajó. A crise é grande. Maior e mais grave do que o Cajó imagina.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

PELA NOSSA SAÚDE

A área da saúde foi identificada como uma das que mais sofrerá com os cortes no orçamento para 2012. Têm-se discutido aspectos relativos aos medicamentos, às taxas moderadoras, aos transplantes, etc. O Ministro da Saúde referia há alguns dias que existirão 1,7 milhões de pessoas e o Público de hoje refere a falta de 1000 médicos de família em termos imediatos bem como de outras necessidades.
A preocupação com a doença, sobretudo numa população envelhecida, está permanentemente na cabeça das pessoas e, naturalmente, não estou a falar de hipocondria. Se a este peso acrescer o facto de que não terem um médico de família acessível, que conheçam, que as conheça e com quem, desejavelmente, mantêm uma relação de confiança as pessoas sentem-se fortemente vulneráveis e impotentes.
Assente no fundamental direito à saúde e na imprescindibilidade do SNS a inexistência de médico de família é inaceitável. Como é também reconhecido, a maior parte das pessoas nesta situação não terá grandes possibilidades de recurso a serviços privados.
Ainda a propósito do universo da saúde, o Director da Escola Nacional de Saúde Pública refere que irão acontecer situações de falta de tratamento por falta de condições financeiras, quer no que respeita aos serviços, quer por dificuldades das própria pessoas.
Vale a pena recuperar algumas notas de um estudo realizado pela DECO sobre a acessibilidade dos portugueses aos serviços de saúde em 2009/2010 e que, como será previsível se estarão a gravar significativamente.
Em primeiro lugar, seis em cada dez famílias exprimem dificuldades em suportar as despesas com a saúde. Destas, quase metade adiaram o início de terapias e cerca de 40% nem pondera iniciá-las por questões económicas. Cerca de 20% contraíram créditos para este efeito. Sabemos também que contamos com cerca de 18% de pessoas em situação de risco de pobreza, sendo que entre a população idosa o número é maior, 22%.
Este cenário evidencia as dificuldades enormes que milhões de portugueses sentem no que respeita ao acesso a um direito, o direito a cuidados básicos de saúde, sendo também reconhecida existência de dificuldades do acesso a alguns actos médicos originando listas de espera muito significativas em várias especialidades clínicas.
Este quadro evidencia como um Serviço Nacional de Saúde eficaz é imprescindível. Embora me pareça razoável que se estudem modelos mais equitativos e sustentáveis, que possam implicar algum custo de natureza diferenciada para alguns de nós, mas que não promovam mais discriminação.
Pela nossa saúde.

O PEDIDO DE DESCULPAS. Outro diálogo improvável

Pai senta-te aí uns minutos. Precisamos de ter uma conversa muito séria.
Sim Miguel, sou todo ouvidos.
O que é que tu e os outros têm andado a fazer estes anos todos?
Não percebo.
Eu explico. Não vos ensinaram que é preciso fazer as coisas bem feitas?
Sim, mas ainda não estou a perceber.
Devem ter-te educado explicando que é preciso sermos responsáveis. Já te deste conta do estado em que vocês deixaram as coisas para agora nós termos de sofrer com a vossa irresponsabilidade e termos que melhorar o que vocês estragaram?
Miguel, deves já ter ouvido que existe uma crise grande.
E quem é que a causou, fomos nós? Claro que não fomos, foram outros como tu que não fizeram as coisas como deviam ser feitas.
Mas Miguel ...
Qual mas, Pai? Puseram-se a gastar dinheiro em coisas inúteis. Pediram emprestado para comprar brinquedos e armarem-se em ricos ao mesmo tempo que nos dizem que temos que ser poupados e só gastar o que temos.
Desculpa lá Miguel, mas a responsabilidade é de quem manda.
Pai, já muitas vezes te disse que devemos assumir as responsabilidades do que fazemos e não inventar desculpas. Se as pessoas que mandavam fizeram asneiras, foram vocês que os escolheram e foram vocês que não os proibiram de fazer mais asneiras ou pondo outros que fizessem melhor. A nós proíbem-nos, acham que devem ser rigorosos com a gente, castigam-nos e alguns de vocês até batem nos filhos, isso tu não fazes e acho bem. E ainda achas que não têm culpa. Quem é que vai apanhar com estas asneiras todas que andaram por aí a fazer e ainda querem continuar? Nós, é claro.
Acho que estás a ser injusto Miguel. Eu ...
Injusto, ai eu é que estou a ser injusto! Vocês gastaram, gastaram, arranjaram dívidas que não têm fim para nós pagarmos e ainda estou a ser injusto?
Miguel, com essa conversa toda nem sei o que te diga.
No mínimo, no mínimo, tu e os outros pais deviam pedir desculpa aos filhos. E se fossem mesmo competentes, deixavam que a gente tomasse conta das coisas, não se pode confiar em vocês. Tanto que eu tenho insistido contigo, afinal, para isto. Estou muito decepcionado, eu e a maioria dos filhos. Vocês não merecem o que fazemos por vós. Podes ir para o teu quarto. Por hoje chega, mas pensa bem no que te disse, é para teu bem.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

ISSO DE GASTAR EM EDUCAÇÃO É COISA DE RICOS

O Público de hoje mostra como em percentagem do PIB, a educação em Portugal passa a ter o mais baixo valor da OCDE considerando o orçamento apresentado para 2012. Sabendo nós das fragilidades do sistema e das inúmeras e graves dificuldades que afectam as famílias o futuro imediato vislumbra-se risonho.
Curiosamente, o Ministro Nuno Crato afirmava ontem que “as opções do Orçamento são as melhores face ao momento que o país atravessa”. Também ontem a imprensa referia que a educação é a área política que sofre maior corte orçamental sendo que o Ministro não comentou o corte previsto de 864 milhões de euros no orçamento do MEC para 2012.
Como parece preocupantemente evidente, existem múltiplos sinais de que as opções não serão certamente as melhores. O início do ano lectivo corrente está a demonstrá-lo e o aumento dos cortes em 2012 não augura situação mais positiva, antes pelo contrário.
Creio que nenhum de nós que conheça ou esteja minimamente atento ao funcionamento da administração pública, nas suas mais variadas dimensões e áreas, tem dúvidas, sobre a existência de níveis significativos de desperdício e de ineficácia, quer ao nível da gestão e funcionamento, quer ao nível dos recursos mobilizados, humanos e materiais. Também no universo da educação se verifica esta situação. Neste cenário, independentemente da conjuntura particularmente difícil em termos económicos e financeiros que atravessamos, é razoável e necessário um esforço de combate e contenção relativos ao desperdício e à ineficácia. Sabemos ainda que alguns dos males que fragilizam o nosso sistema educativo não decorrem exclusivamente dos recursos económicos ao dispor, mas também é verdade que "sem ovos não se fazem omeletas".
No entanto, pensando no caso particular do sistema educativo, o esforço de "poupança" não pode colocar em causa a qualidade e os apoios necessários ao trabalho bem sucedido dos alunos, dos professores, dos técnicos e funcionários, enfim, como se costuma dizer, da escola. Na verdade, o ano lectivo que agora se iniciou ficou marcado por inúmeras dificuldades, boa parte derivada das implicações nos cortes orçamentais, caso da falta de professores e funcionários bem como atrasos no fornecimento dos manuais e materiais escolares.
Neste contexto, reafirmo o que ontem disse, afirmar que as opções do Orçamento são as melhores face ao momento que o país atravessa” mostra que o Ministro, como homem inteligente que é, aprendeu depressa, fala “politiquês”, defende o indefensável, esperando que a realidade seja a projecção dos seus desejos.

PÁ, É ASSIM TIPO VALE TUDO, TÁS A VER

O Público de hoje traz de novo à agenda a questão dos plágios e outras formas de fraude académica. Desta vez citando alguns dados de um trabalho desenvolvido na Universidade do Porto sobre integridade académica de que releva a conclusão de que cerca de metade dos inquiridos assume ter recorrido a práticas menos aceites, por assim dizer.
De há uns tempos para cá, felizmente, tem vindo a emergir e entrar na agenda a questão da utilização da informação disponível, designadamente na net, na produção fraudulenta ou nos limites da ética de trabalhos académicos e científicos da mais variada natureza. Neste âmbito conheceu-se o primeiro caso, creio, em Portugal de uma Tese de Doutoramento apresentada na Universidade do Minho e anulada por motivo de plágio, A este propósito, algumas notas. O Centro de Estudos Sociais da Faculdade Economia da U. de Coimbra tem a decorrer um estudo nacional sobre a questão da fraude académica. Nos estudos preliminares surgiu um indicador de que 37.6 % dos inquiridos aceita a fraude desde que “não prejudique ninguém”. A estes dados, ainda que não definitivos, pode acrescentar-se um estudo da Universidade do Minho há tempos divulgado referindo que as situações de “copianço” envolvem três em cada quatro estudantes.
Também há algum tempo, a propósito do acréscimo das situações de plágio que se verificam em todos os níveis de ensino, do básico à formação pós-graduada, doutoramentos incluídos, bem como artigos científicos, me referi à natureza da relação ética que estabelecemos com o conhecimento e que os alunos replicam. Aliás, no estudo da U. do Minho, dos alunos que admitem copiar, 90 % afirmam fazê-lo desde sempre.
O conhecimento é entendido como algo que se deve mostrar para justificar nota ou estatuto, não para efectivamente deter, ou seja, importante mesmo é que a nota dê para passar, que o curso se finalize, que a tese fique feita e se seja doutorado ou que se possa acrescentar mais um artigo à produção científica num mundo altamente competitivo. Que tudo isto possa acontecer à custa da manhosice, do desenrasca mais ou menos sofisticado, são minudências com as quais não podemos perder tempo.
No entanto, é bom termos consciência que esta questão não é um exclusivo nosso, a experiência mostra isso com clareza. De qualquer forma, não deixa de ser uma preocupação e justifica que as escolas, do básico ao superior, se envolvam nesta tentativa de construção de relação com o conhecimento mais sólida em termos éticos.
O caminho passa pelo estabelecimento obrigatório de códigos de conduta com implicações sancionatórias severas e com uma atitude formativa e preventiva durante as aulas.
O trabalho será sempre difícil pois o actual contexto ao nível dos valores e da ética dos comportamentos e funcionamento social é, só por si, um caldo de cultura onde o copianço e o plágio, por vezes, não passam de "peanuts". É a cultura do desenrascanço, não importa como.

O CRIME

Joana, achas que a gente pode?
Eu acho que sim. Tu queres?
Eu quero, e tu?
Eu também. Só um.
Está bem, e se as pessoas vêem?
Temos que ter cuidado.
Mas vão zangar-se.
A gente pede desculpa e diz que era só um.
Estão sempre a avisar-me para não fazer coisas dessas.
A mim também, mas se ninguém vir não faz mal, não sabem.
Pois é.
Então vamos.
Olha, aqui ninguém está a ver.
Vá, depressa.
...
Sabes a chocolate.
Acabei mesmo hà um bocadinho de comer um que o meu avô me tinha dado.
É bom.
Eu gosto muito de chocolate.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

AI DE MIM SE NÃO FOR EU

O Ministro Nuno Crato afirmou hoje que “as opções do Orçamento são as melhores face ao momento que o país atravessa”. Também hoje, a imprensa referia que a educação é a área política que sofre maior corte orçamental sendo que o Ministro não comentou o corte previsto de 864 milhões de euros no orçamento do MEC para 2012.
Esta afirmação do Ministro fez-me lembrar algo que se dizia na minha terra, “ai de mim se não for eu”, ou seja, se ele não achar que as suas decisões e as do governo que integra são as melhores, quem que assim as irá considerar?
A questão é que existem múltiplos sinais de que as opções não serão certamente as melhores. O início do ano lectivo corrente está a demonstrá-lo e o aumento dos cortes em 2012 não augura situação mais positiva, antes pelo contrário.
Creio que nenhum de nós, que conheça ou esteja minimamente atento ao funcionamento da administração pública nas suas mais variadas dimensões e áreas, tem dúvidas, sobre a existência de níveis significativos de desperdício e de ineficácia, quer ao nível da gestão e funcionamento, quer ao nível dos recursos mobilizados, humanos e materiais. Também no universo da educação se verifica esta situação. Neste cenário, independentemente da conjuntura particularmente difícil em termos económicos e financeiros que atravessamos, é razoável e necessário um esforço de combate e contenção relativos ao desperdício e à ineficácia.
No entanto e pensando no caso particular do sistema educativo, este esforço não pode colocar em causa a qualidade e os apoios necessários ao trabalho bem sucedido dos alunos, dos professores, dos técnicos e funcionários, enfim, como se costuma dizer, da escola. O ano lectivo que agora se iniciou ficou marcado por inúmeras dificuldades, boa parte derivada das implicações nos cortes orçamentais, caso da falta de professores e funcionários bem como atrasos no fornecimento dos manuais e materiais escolares.
Neste contexto, afirmar que as opções do Orçamento são as melhores face ao momento que o país atravessa” mostra que o Ministro, como homem inteligente que é, aprendeu depressa, fala "politiquês", defende o indefensável, esperando que a realidade seja a projecção dos seus desejos.