AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

CRIANÇAS DESAPARECIDAS QUE ESTÃO À VISTA

A propósito da acusação de rapto agora deduzida contra um indivíduo relativamente ao desaparecimento de Rui Pedro ocorrida há 13 anos algumas notas.
Do ponto de vista jurídico, sem conhecimento de pormenores e sem formação na área, limito-me a estranhar a morosidade do processo e que apenas agora se produza uma decisão, quando a própria responsável do DCIAP vem afirmar que não existem novas provas. Nada que nos surpreenda no estado calamitoso da nossa justiça.
A minha abordagem remete mais para a própria questão das crianças desaparecidas que reentrou na agenda. Uma situação desta natureza é uma tragédia absolutamente devastadora numa família. Nós pais, não estamos "programados" para sobreviver aos nossos filhos, é quase "contra-natura". Se a este cenário acresce a ausência física de um corpo que, por um lado, testemunhe a tragédia da morte mas, simultaneamente, permita o desenvolvimento de um processo de luto, a elaboração da perda como referem os especialistas, que, tanto quanto possível, sustente alguma reparação e equilíbrio psicológico e afectivo na vida familiar a situação é de uma violência inimaginável.
No entanto e a este propósito, creio que vale a pena não esquecer a existência de muitas crianças que estão desaparecidas mas à vista, situações que por desatenção e menos carga dramática passam mais despercebidas.
Muitas crianças vivem quase abandonadas dentro das famílias, sós e sem a atenção que necessitam para crescer. Vão sobrevivendo fechadas em ecrãs e em companhia de outra gente tão desaparecida quanto eles. Nestas situações só quando algo de mais complicado acontece é que se nota como estavam desaparecidas da atenção dos adultos, desaparecidas da preocupação dos adultos.
Com mais atenção teríamos, certamente, menos crianças desaparecidas.

DOIS TELEMÓVEIS

Um dia destes, assustado com os diversos e coloridos alertas da Protecção Civil e do Instituto de Meteorologia troquei a mota, o meu meio de transporte habitual para a travessia do Tejo, pelo comboio. Provavelmente devido à crise, o comboio estava mesmo aconchegado de gente, por assim dizer. À minha frente sentou-se uma mocinha de uns 18 ou 20 anos que logo sacou de um telemóvel e começou uma conversa que se prolongou durante muito tempo. Nada de estranho, àquela hora uns dormem outros fecham-se nos fones e nos telemóveis sempre com um ar meio adormecido. Mas a rapariga destoava, para minha perplexidade, puxou de um outro telemóvel e enquanto continuava a falar por um, escrevia freneticamente mensagens no outro com uma habilidade que me fez suspeitar que seria já ser um produto da reprogramação genética que nos fará vir equipados com polegares funcionalmente adaptados aos teclados dos telemóveis.
Fiquei a pensar e, a partir da ideia dos dois telemóveis, comecei a imaginar que nesta reprogramação genética poderíamos também ter duas cabeças, uma que se especializaria no racional e no trabalho, ou seja, na gestão do dia a dia e outra dirigida para o sonho e para a imaginação. Funcionariam independentes e sem atropelos.
Imaginei também que poderíamos vir equipados com dois corações, um que asseguraria o lado funcional e outro disponível para os afectos e para as emoções, sem a concorrência de coisas simples e rotineiras como manter o corpo a funcionar que seria o trabalho do outro coração.
Quando pensei em corpo, imaginei uma coisa ainda mais estranha. Poderíamos vir com dois corpos, inteiros, assim mesmo, uma pessoa, dois corpos. Utilizaríamos um para as tarefas do “tem que ser” e o outro para as tarefas que decorrem do “querer”. Claro que teríamos a capacidade de alternar a função dos corpos.
Quando começava imaginar uma outra mudança fui acordado por uma voz metálica feminina que me informava qual a próxima estação, o meu destino.
A menina da frente continuava ao telemóvel ao mesmo tempo que furiosamente enviava mensagens noutro telemóvel.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

O UNIVERSO DA EDUCAÇÃO, O CAOS ORGANIZADO

O Secretário-geral da Fenprof, em declarações hoje divulgadas, entende que não existe Ministério da Educação. Existe o Ministério das Finanças que impõe medidas que o ME traduz em política educativa.
Desta vez, o que acontece poucas vezes, estou de acordo com Mário Nogueira, mas não exactamente pelas mesmas razões. Há algum tempo atrás intitulei um texto "Apesar do ME" aqui colocado referindo-me a alguns bons resultados conseguidos, por exemplo no PISA, ou seja, muitas escolas, muitos professores, muitos funcionários e técnicos, muitos alunos e muitas famílias continuam a empenhar-se e a investir no que fazem, de forma a que, no fim, o trabalho dos miúdos seja bem sucedido, apesar da incompetência e desacerto de muito do que se tem decidido em matéria de educação.
Voltando então à "não existência do ME" consideremos alguns aspectos que me parecem caracterizar a situação.
Em primeiro lugar, o ME é apenas uma parte do universo da educação que, do meu ponto de vista, se parece com uma espécie de caos organizado. Considero ainda este caos está organizado em torno da agenda de interesses que os grandes actores desse universo definem.
Centrando-nos no ME, a definição de medidas de política parece relevar quase que exclusivamente de critérios de natureza económica e financeira, do controle político do sistema educativo e de uma deriva informada pela obsessão em mostrar resultados que a realidade não autoriza. Os discursos da oposição política candidata ao poder são obviamente informados por aquilo que, em cada momento, melhor possa servir os seus interesses.
Por outro lado, boa parte dos discursos produzidos pelos representantes dos professores ou dos funcionários, são quase que exclusivamente centrados numa visão corporativa de questões profissionais, o que não se estranha, naturalmente, é a sua vocação. No entanto, esses discursos surgem, excessivas vezes, capturados pelos interesses das agendas dos interesses da partidocracia subjacente, ficando pouco clara a preocupação com a qualidade dos processos educativos.
Num país em que a literacia e a maturidade cívica que sustentam a solidez e a força de posições de crítica e exigência são deficitárias, a maioria dos pais está demitida do envolvimento nos movimentos representativos dos pais pelo que as minorias mais activas assumiram essa posição que sendo legítima não é eficaz e representativa obedecendo, por vezes nitidamente, a agendas outras. Os outros pais, a maioria e, sobretudo, os mais preocupados com os seus miúdos relacionam-se com a escola em função, obviamente, das particularidades individuais dos seus educandos.
Finalmente e no que respeita aos alunos, parece-me importante sublinhar que o quadro que descrevi anteriormente, as consequências dos modelos de desenvolvimento que têm sido seguidos, os sistemas de valores que temos vindo a definir, não podem deixar de se reflectir na relação que estabelecem com a escola, ou, melhor dizendo com parte da vida da escola.
É por esta ordem de razões que, a não alterarmos modelos e valores de participação cívica, discursos e práticas políticas, mais centradas no bem comum e menos centradas nos interesses da luta pelo poder, dificilmente imagino que tenhamos, mesmo, um Ministério da Educação centrado no que é essencial, orientação e regulação, com um aparelho leve e eficaz, e o trabalho educativo centrado em escolas autónomas, responsáveis e responsabilizadas perante as comunidades locais.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

ÉS O QUE TENS

O Expresso divulgou mais uma peça fornecida à Wikileaks em que o embaixador americano em Lisboa, em trabalho dirigido para Washington a propósito da compra de material militar, afirma a nossa apetência pela compra de "brinquedos caros e inúteis” e que o fazemos por “orgulho”. Aparecem ainda algumas referências às chefias militares e à liderança política do Ministério da Defesa.
Em primeiro lugar, a leitura do material divulgado permite admitir que se, eventualmente, a compra do material militar fosse realizada a fabricantes americanos, talvez o discurso do embaixador americano fosse diferente.
Em segundo lugar, consideremos a compra de brinquedos caros e inúteis. Creio que é verdade, parece algo de inscrito no nosso funcionamento embora não simpatize com a apreciação vinda de um embaixador americano. Gostamos de gastar, de viver acima das nossas posse e de mostrar que “também temos o que os outros têm, até mais”. A política portuguesa nos últimos anos, não só no Ministério da Defesa, obedece ao mesmo estilo, rotundas, betão, auto-estradas, estádios do Euro, TGV, etc., etc.
No entanto, este modelo não é um exclusivo da liderança política. De uma forma geral, as famílias e os indivíduos seguem o mesmo estilo de vida, é apenas uma questão de escala.
Se bem repararmos, até os mais novos vão crescendo envolvidos no entendimento de que “és o que tens” pelo que, não importa como, temos de ter se não, não somos. Independentemente das disponibilidades materiais temos de ter “aquele” carro, “aquela” roupa”, “aquele” plasma, “aquele” telemóvel, “aquela” viagem, “aquela” mobília, etc.
As fragatas e os submarinos são só mais caros mas a prática é de todos, não vale a pena fingir que só os militares é que gostam de “brinquedos caros e inúteis” por “orgulho”.
Antes fosse, porque então não o fariam da mesma forma, a comunidade não deixaria que tal acontecesse impunemente.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

MENINOS PARA UM LADO, MENINAS PARA O OUTRO. Assim, está bem

A propósito da notícia de hoje no I sobre a educação separada por géneros assumida pelos Colégios Fomento em parceria com a Opus Dei em que o Presidente dos Colégios vem sustentar a evidência científica das vantagens do modelo, recordei-me que há uns temos atrás esteve em Lisboa o Professor Cornelius Riordan, sociólogo, proferindo uma conferência sobre as vantagens das escolas só para rapazes ou só para raparigas. Na altura escrevi aqui algumas notas que hoje retomo.
Como nota prévia, importa esclarecer que não discuto a legitimidade que informa a decisão de pais e encarregados de educação sobre as escolas que desejam para os seus filhos. Sendo certo que a liberdade de escolha é condicionada por múltiplos factores, também é certo que essa escolha pode assentar em critérios como público ou privado, dimensão, estatuto social predominante, laica ou religiosa, com farda obrigatória ou não, com formação de natureza militar ou não, com co-educação ou com separação de géneros, estabelecimentos em moda, etc. Num esforço de alargamento de opções poderá colocar-se até a possibilidade de se desejarem escolas para alunos com excesso de peso que terão, naturalmente, um plano curricular reforçado no âmbito da actividade física e cuidados redobrados na alimentação ou escolas para qualquer forma de minoria para que, ideia peregrina, fiquem mais protegidas dos excessos das maiorias, etc. Estas escolhas assentarão, necessariamente, no conjunto de valores, cultura, representações, expectativas, etc. dos pais. Trata-se de uma opção que lhes assiste.
A questão mais substantiva e que justifica o comentário é a afirmação de que escolas separadas por género são melhores e alguma da sustentação aduzida. O Professor Riordan referia que mais de metade dos estudos não são conclusivos sobre os efeitos positivos, mas crê nas vantagens das escolas separadas. Uma outra justificação prende-se com a questão do assédio sexual !!! Para demagogia não está mal. Parece também que as políticas educativas promotoras da equidade nos géneros faliram porque o Eminente Professor acha que o facto de as raparigas terem actualmente um maior acesso por exemplo ao ensino superior e, frequentemente, melhor rendimento académico, implicou a transformação dos rapazes “num grupo claramente em desvantagem” o que só se resolve se forem para escolas separadas. Não lhe ocorre um momento pensar nos processos educativos e na sua qualidade, certamente um pormenor irrelevante. Parece ainda que a Senhora Hillary Clinton deve a sua bem-sucedida carreira à frequência de uma escola só para raparigas. Fantástico.
O Presidente dos Colégios Fomento parte de um elenco de características próprias a cada género para sustentar a bondade da separação, argumento ridículo, no mínimo, numa sociedade em que ninguém é igual a ninguém e sem nenhuma base científica que as relacione com as questões da educação e as capacidades para serem bem sucedidos ou sucedidas. Uma outra questão interessante e não abordada pelo Eminente Professor Riordan nem pelo Presidente dos Colégios Fomento, remete para os limites da educação separada. Será desejável até ao fim do secundário ou será melhor prolongar também durante o ensino superior e, entretanto, começar o processo de separação do mercado de trabalho também por géneros uma vez que em adultos também homens e mulheres têm características diferentes?
Termino como comecei, entendo como totalmente legítima a existência de valores e opiniões que sustentem a opção pela educação separada mas, por uma questão de honestidade intelectual, não os mascarem de ciência.

ERUDITAR

Há uns anos atrás numa tertúlia com muita gente reunida à volta do Mestre Malangatana, estava presente Rui Mário Gonçalves, uma das figuras da arte em Portugal, fundamentalmente na análise, história e crítica.
Durante a conversa e após uma intervenção de Malangatana, o Professor Rui Mário Gonçalves pega na palavra e no seu jeito culto, o dos que verdadeiramente o são, começa a desenvolver umas ideias em torno da pintura do Mestre.
Quando acabou, Malangatana, com a voz grossa e arrastada que nos encantava, responde, "não te ponhas a eruditar" e tenta mostrar-nos a todos como o trabalho que faz é uma coisa simples, é "apenas" fruto da alma que carrega ligada à terra que o gerou.
Nunca mais me esqueci do "eruditar" e muitas vezes vejo gente a falar, por exemplo na comunicação social, como quem "mostra a biblioteca" o que, devo dizer, nem era o caso do Professor Rui Mário Gonçalves.
São pessoas que usam falas herméticas, próprias do jargão da tribo a que pertencem, cheias de sofisticadas palavras e ideias que, com alguma frequência, permanecem indecifráveis para muitos dos interlocutores o que, aliás, não parece constituir problema para os eruditados pois falam para si, não para o outro, para os outros.
Como dizia, outra figura enorme da cultura portuguesa, o Dr. João dos Santos, difícil mesmo é fazer simples.
E fazer simples só os grandes Mestres o conseguem, como Malangatana, de quem hoje me lembrei, de novo. E sempre.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

ÉS EXCELENTE MAS JÁ NÃO CABES

Retorno a algum discurso que já aqui tenho afirmado sobre a questão da avaliação de professores e dos equívocos gerados. Em primeiro lugar deve sublinhar-se a imprescindível existência de avaliação, ferramenta insubstituível na promoção da qualidade.
Desde o seu início e como é habitual em matéria de educação os discursos e opiniões em presença, para além de expressarem uma eventual, natural e desejável diferença de entendimentos, são contaminados por agendas de outra natureza que impossibilitam a a serenidade imprescindível à acção educativa, levando a que esta acção seja permanentemente acompanhada por um ruído de fundo e uma crispação de efeitos profundamente negativos.
Hoje volta à mesa a questão das quotas na avaliação de professores, que do meu ponto de vista, torna difícil promover o mérito se, simultaneamente, se definem quotas para a excelência. Mais uma vez vejamos. Se um qualquer profissional, à luz dos critérios, sejam quais forem, que avaliam a qualidade do seu desempenho, merecer uma avaliação de excelente, tem, necessariamente, de obter esse patamar, dizer-lhe que é excelente mas já não cabe na quota de excelência é atacar o mérito e incentivar a desmotivação.
O problema, como é óbvio, deve-se ao facto do ME ter desde sempre, com o aparente assentimento dos representantes dos professores, colado, erradamente, a avaliação à progressão na carreira. Já disse e repito, que a progressão na carreira me parece mais ajustada se for realizada através de concursos com critérios transparentes, entre os quais, obviamente a avaliação de desempenho ou seja, quando vários professores concorrerem a patamares acima na carreira, os que melhor desempenho tiverem, terão, naturalmente, mais probabilidades de progredirem.
Parece simples. A questão é que esta matéria é olhada com muita demagogia, manhosice política e alguma incompetência.

PROFISSÃO:TOXICODEPENDENTE

Um dia destes, em conversa com gente grande ligada ao trabalho com gente pequena alguém contou uma história curiosa. Num jardim-de-infância ao consultar as fichas dos gaiatos no que respeita ao agregado familiar, reparou que na informação sobre a mãe, na janela destinada à Profissão, estava escrito “Toxicodependente”. Devo dizer que acho notável embora, já dificilmente me surpreenda, é verdade, Profissão: Toxicodependente.
Apesar de tudo fiquei a pensar.
E imaginei uma daquelas conversas frequentes entre educadores e crianças sobre as actividades dos papás e mamãs e a menina, provavelmente, não sabendo a profissão da mãe, ser informada que, de acordo com os registos da instituição, a mãe desempenha a profissão de toxicodependente. E mais imaginei que quando os meninos se referem orgulhosamente à excelência dos desempenhos dos papás, como sabem os nossos pais são sempre os melhores do mundo, a menina expressar o seu orgulho por ter uma mãe que deve ser uma das melhores toxicodependentes do mundo, “a minha mãe é assim para que saibam” para que saibam, pensará a menina. E imagino também quando, como às vezes acontece, os senhores educadores convidarem os papás e mamãs dos meninos para falar sobre as suas profissões ao grupo de crianças, a mãe da menina virá com muita satisfação falar das particularidades, satisfações e dificuldades da sua profissão, toxicodependente.
Agora a sério. Sempre me pareceu fundamental, eu diria obrigatório que, do ponto de vista da educação a única profissão que deveria constar no que respeita ao pai era, adivinhem, isso mesmo, pai e, naturalmente, na profissão da mãe deveria constar simplesmente mãe.
O resto é acessório e motivo de ruído e enviesamentos no olhar sobre as crianças.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A ESCOLA CONTINUA A ENGORDAR

A OCDE decidiu que o Programme for International Student Assessment passará a incluir a partir de 2013, ainda em fase experimental, a avaliação dos conhecimentos dos alunos em matéria de literacia financeira, para além da óbvia literacia matemática. Sou um defensor da realização de estudos internacionais que, acautelando contextos e metodologias, nos fornecerão indicadores comparativos que são boas ferramentas de regulação da qualidade nos sistemas educativos. No entanto, devo dizer que não encontro justificação para autonomizar a chamada "literacia financeira" como matéria de avaliação. A educação matemática passa, fundamentalmente, pela aquisição e domínio de um conjunto de conceitos, competências e capacidades instrumentais que se operacionalizam na resolução de problemas ou na construção de outros conhecimentos. Assim sendo, citando um texto no Público, “testar os jovens de 15 anos em termos dos seus conhecimentos de finanças pessoais e capacidade de os aplicar a problemas financeiros ” poderia, do meu ponto de vistas, ser realizado no âmbito da aplicação dos seus conhecimentos resultantes da educação matemática. Por outro lado, entender que matérias como, cito de novo, "lidar com contas bancárias, cartões de débito e de crédito, planear e gerir o dinheiro, perceber os impostos e as poupanças, os riscos e benefícios e os direitos e responsabilidades do consumidor" serão matéria de avaliação dos alunos de 15 anos, além de alguma estranheza, pode levar a que se entenda que também estas questões devam ser objecto de "ensino escolar" o que, na linha do que se passa em Portugal, implicaria certamente mais uma disciplina e mais um manual.
Curiosamente, referi-o há tempos aqui no Atenta Inquietude, a propósito da realização do I Fórum da Poupança e do Investimento organizado pela Associação das Instituições de Crédito Especializado, ouvi um elemento da Comissão Organizadora informar que já tinha sido proposta ao ME a criação no currículo escolar de uma disciplina de “Educação Financeira” para promover literacia financeira informando ainda que estaria pronto um manual, com o acordo do ME, que seguramente chegaria em breve às escolas.
Se agora a OCDE se propõe avaliar a "literacia financeira", devo confessar a minha inquietação, temendo a retoma da ideia de mais disciplinas e manuais. Não podemos ter como lógica que tudo o que se possa transformar em área de saber se deverá transformar numa disciplina escolar.
A ver vamos, sobretudo se, depois da fase experimental desta avaliação do PISA de que Portugal estará arredado, for confirmada a avaliação nesta área e os resultados por nós obtidos.

QUE SE MULTEM OS PAIS "MAUS" DOS MIÚDOS "MAUS"

Agora vem dos Açores. A Secretaria Regional da Educação avançou a ideia de que poderiam ser aplicadas coimas aos pais que "não se envolvam na educação dos filhos". A ideia não é nova, o presidente da CONFAP, o Dr. Albino Almeida, há algum tempo atrás sustentou a mesma proposta que na altura comentei, discordando. Como aparece de novo na agenda, retomo algumas notas em estilo telegráfico ultrapassando uma primeira questão que remete para o que se deve entender por "envolvimento" na educação dos filhos.
1 - A maioria dos pais não gosta que os seus filhos sejam "maus". A maioria não sabe como fazê-los "bons". Estes precisam de apoio não de multas. Ponto.
2 - Uma minoria, muito pequena, de pais de miúdos "maus" são pais maus não estão interessados ou preocupados em ser bons, nem se preocupam com os filhos, são "negligentes". Nestes casos, o problema é, no limite, retirar a guarda dos filhos, a multa não mexe seguramente com a negligência destes pais. Ponto.
3 - Um miúdo "mau" levanta problemas numa escola, qualquer escola, onde existem umas dezenas largas de especialistas em educação que não conseguem "resolver" os problemas criados por esse miúdo "mau". Será que alguém que conheça estes cenários acredita que os pais serão capazes de resolverão mesmo se lhes retirarem parte do abono de família ou de qualquer outra prestação social? Não acredito. Ponto.
Dito isto, se de facto se quiser caminhar no sentido de envolver e responsabilizar a famílias dos miúdos "maus", o percurso será a criação de estruturas de mediação entre a escola e a família que permitam apoiar os pais dos miúdos maus que querem ter miúdos bons e identificar as situações para as quais, a comprovada negligência dos pais exigirá outra colocação para os miúdos.
O resto, do meu ponto de visa, é populismo, demagogia e desconhecimento que levará a que muita gente, lamentavelmente, aplauda a ideia. Os filhos dos outros são sempre o problema.

O ACORDO ENTRE PAI E FILHO - Outro diálogo improvável

Bom Tiago, então fica assim. Se tu corresponderes, eu ...
Pai, mas pode acontecer que ...
Não, mas tínhamos visto que ...
No caso de ...
Mas nesse caso então eu ...
Não era assim. Eu teria sempre ...
Tiago, assim não me parece o que vimos.
Não pai, foi exactamente isso que vimos.
Mas se assim for não adianta que eu ...
Mas pai, repara que eu tenho sempre de ...
Bom, assim já me parece melhor.
Então fica mesmo combinado?
Está combinado. Como te estou sempre a dizer e tu por vezes te esqueces, a falar é que nós nos entendemos.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O PAI É MAU? E A MÃE? E A DECISÃO DO TRIBUNAL? Não se esqueçam da criança

Antes de ontem, numa leitura rápida pela imprensa on-line dei com uma notícia que, em síntese, informava que numa aldeia do Minho umas dezenas de habitantes tinham organizado uma vigília para impedir que uma criança com sete anos fosse, por decisão do Tribunal, entregue ao pai. Desde os 3 anos da criança que existe uma disputa entre os progenitores sobre a custódia da gaiata agora resolvida pelo Tribunal. Acontece que existe por parte da mãe a denúncia da alegada prática de abusos por parte do pai, e também alegadamente se verificam comportamentos reactivos por parte da criança à estadia com o pai. Neste contexto, tendo a criança até aqui permanecido com a mãe, os habitantes opõem-se à entrega da criança ao pai, agora decidida.
Não conheço mais dados do que estes e, portanto, não estou em condições de avaliar a bondade da decisão do tribunal.
No entanto, acho que vale a pena algumas notas breves. Em primeiro lugar, registar o facto de que esta situação dura desde os três anos sendo que a criança tem agora sete. É absolutamente inaceitável tal morosidade, considerando particularmente a idade da criança. Em segundo lugar, pensando nos contornos da situação, uma de duas coisas se pode verificar, ou o comportamento imputado ao pai não existe e estamos em presença de um caso de Síndrome de Alienação Parental de uma violência inimaginável e destruidor da relação da criança com os pais ou, segundo cenário, os comportamentos imputados são verdadeiros e a criança estará à beira do precipício com a decisão do Tribunal.
O que tenho dificuldade em entender é a resolução definitiva, com decisão em matéria de guarda parental, sem que se esclareça devidamente a situação à luz do sempre citado “supremo interesse da criança”.
Como ontem referia no Atenta Inquietude, há crianças que vivem em mundos assombrados e que, por isso, crescem com a alma assombrada. A responsabilidade também é nossa.

Nota - Posteriormente à elaboração deste texto li na edição em papel do Público de hoje que a decisão do Tribunal foi fundamentada pela existência da Síndrome de Alienação Parental desenvolvida pela mãe, instrumentalizando a criança e induzindo nesta as queixas sobre os supostos abusos realizados pelo pai. Continuo preocupado com a criança.

O MIÚDO COM A ALMA ASSOMBRADA

O Mário era provavelmente o miúdo mais conhecido na escola, lamentavelmente por razões negativas. Tinha doze anos, nem sequer era muito crescido, era até meio franzino mas sempre de uma agitação imparável. Nas aulas pouca atenção dava ao que se passava e as tarefas solicitadas ficavam invariavelmente por realizar. Quase diariamente arranjava problemas que nas mais das vezes acabavam com a saída da sala e uma conversa, mais uma, no gabinete da direcção da escola. Desconhecia regras e limites e nos intervalos eram frequentes os episódios de agressividade. A escola já tinha recorrido a suspensões sem efeitos visíveis.
Um dia destes na sala de professores comentava-se novo episódio que em que o Mário se tinha envolvido e alguém rematou "Este miúdo é o diabo". O Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, estava por perto e comentou naquele jeito tranquilo, "não é o diabo mas tem a alma assombrada".
E acrescentou, "Eu conheço o Mário há alguns anos e a narrativa dele tem vindo a escrever-se num mundo estranho. A violência é a regra e o tudo é o limite. Desconhece o bem-querer e sobra-lhe o mal haver. A família dele é um grupo de pessoas que por vezes coexistem na mesma casa onde se destratam entre si e cada um trata de si. Os vários irmãos carregam uma história igual à do Mário e os pais, isto é as pessoas que o fizeram, já não vivem, sobrevivem. Tudo aquilo é na verdade um mundo assombrado, cheio de sombras, sem sol.
Como sabem, é dos mundos assombrados que quase sempre vêm as almas assombradas, como a do Mário, cheia de sombras, em sol".

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

E NÃO SE PODE FAZER UMA ATENÇÃOZINHA?

Na primeira página do CM titula-se que a fuga ao fisco representa qualquer coisa como 14 mil milhões de euros e a economia paralela corresponde a 24% do PIB. Estes dados podem, de acordo com especialistas, ser potenciados em contexto de crise. Neste contexto faz também sentido lembrar que os últimos indicadores do Barómetro Global da Corrupção no âmbito da Transparency International mostram que 83% dos portugueses acham que piorou a questão da corrupção e 75% não acredita na eficácia do combate.
Este outro lado da economia que envolve desde a fuga de capitais para paraísos "offshore" à habilidade individual da ausência de recibo no dia a dia, está completamente enraizado, é apenas uma questão de escala.
Este funcionamento quase que faz parte da nossa cultura, a do "dar um jeitinho", "fazer uma atençãozinha". Diversas vezes aqui tenho me referido a essa espécie de traço da nossa cultura cívica "a atençãozinha" ou à sua variante "dar um jeito". Trata-se de um fenómeno, um comportamento generalizado e com o qual parecemos ter uma relação ambivalente, uma retórica de condenação, uma pontinha de inveja dos dividendos que se conseguem e a tentação quotidiana de receber ou providenciar uma "atençãozinha" ou pedir ou dar um jeito, sempre "desinteressadamente", é claro.
Por outro lado, sentimos todos algo de muito significativo, acreditamos que não existe vontade política de combater a corrupção. A teia de interesses que ao longo de décadas se construiu envolvendo o poder político, a administração pública, central e autárquica, o poder económico, o poder cultural, a área da justiça e segurança, parte substantiva da comunicação social e toda a relação do dia a dia com a "atençãozinha" à recepcionista que nos passa para a frente na lista de espera ou ao funcionário de quem esperamos que possa dar um "jeito", dificulta seriamente um combate eficaz e mudança cultural nesta matéria. Este combate passará, naturalmente, por meios e legislação adequada, mas passa sobretudo pela formação cívica que promova uma outra cidadania. Estarão lembrados que há algum tempo atrás foram divulgados estudos evidenciando a nossa atitude tolerante para com a corrupção.
Certamente que poderíamos viver sem a "atençãozinha" ou o "jeitinho", mas não era a mesma coisa.

JOGAR À BOLA TAMBÉM É FAZER EXERCÍCIO, NÃO É PAI?

Na manhã deste domingo ao realizar a corrida habitual no Parque da Paz, um excelente "equipamento" como agora se chama, tive durante alguns metros a companhia de dois ciclistas, pai e filho, o gaiato de uns sete ou oito anos cuja bicicleta ainda levava as rodinhas de apoio que minimizam o risco do trambolhão.
O tempo breve deu para ouvir o miúdo perguntar ao pai se depois de andar de bicicleta podia ainda jogar futebol porque, cito de ouvido, "jogar à bola também é fazer exercício, não é pai?"
Não consegui ouvir a resposta do pai e podendo até ser injusto nesta situação particular, fiquei a pensar na vida de muitos miúdos que parece transformada numa agenda na qual se sucedem actividades de diferentes naturezas que são todas excelentes para tornar os miúdos fantásticos e que cumprem sempre algum objectivo "educativo" ou de "desenvolvimento" e que, portanto, são óptimas.
Jogar à bola, ou outra acção qualquer, é bom porque, quando é o caso, a gente gosta de jogar à bola porque sim, é a magia do prazer de fazer porque se gosta. Este tipo de actividades não podem fazer parte da vida dos miúdos assentando quase que exclusivamente no "tem que ser" porque "faz bem" a alguma coisa. O tempo "livre" deve ser isso mesmo, livre, e não um receituário terapêutico.
Brincar livremente continua a ser o melhor exercício que os miúdos podem fazer para ocupar os seus tempos livres, que cada vez estão mais reduzidos e menos livres.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

O PESSOAL MENTE OU O OFICIAL MENTE

Durante a semana que passou foi divulgada a informação de que dois serviços do ME recusaram apoiar a distribuição pelas escolas de material produzido no âmbito do Programa Inclusão apoiado e financiado pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género. Estes materiais destinavam-se a apoiar uma campanha de combate a atitudes e comportamentos discriminatórios relativamente à orientação sexual.
A justificação, segundo o Público, para que a Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular e o Núcleo de Educação para a Saúde, Acção Social e Apoios Educativos recusem o apoio uma iniciativa que conta com o apoio de outra estrutura pública é o "cariz ideológico" das matérias.
Para além da óbvia confusão entre ideologia e valores, fica estranho como é que a prevenção e combate à atitudes de discriminação face a minorias se possa recusar por se tratar de ideologia. Pela mesma ordem de razões não devem ser incentivadas e muito menos apoiadas pelo ME, acções que, por exemplo, combatam a xenofobia ou o racismo, terão certamente um "cariz ideológico".
Este tipo de decisões para além da evidente incompetência é reveladora de uma assustadora irresponsabilidade. É reconhecida a presença de comportamentos discriminatórios face a minorias de diferente natureza. Sabe-se que tanto como na remediação, importa apostar na prevenção, parece claro que em matéria de prevenção o público mais jovem terá de ser sempre ser um alvo privilegiado, é de "pequenino que se torce o pepino", e é o Ministério da Educação que se opõe a iniciativas que outros organismo públicos julgaram relevantes.
Dito isto, escrevi há dias, sabemos agora que afinal a posição dos técnicos da DGIC não será "oficial" diz a Senhora Ministra. Assim sendo, a Rede Ex-Aequo terá estado com os técnicos do ME apenas para trocar opiniões pessoais sobe a matéria em questão. Pelos vistos, os técnicos, pessoalmente, acharam a coisa assim um bocado para o ideológico pelo que, sempre pessoalmente é claro, não estariam de acordo com o apoio do Ministério à iniciativa, porque, a título "oficial, digo eu, logo se veria. A entidade promotora, certamente perturbada com este comportamento de tipo esquizóide, confusão de identidades, terá percebido que seria a posição do ME, mas não, a Senhora Ministra no seu estilo materno-voluntarista vem revelar "disponibilidade para dialogar e apreciar as propostas".
Não é grave mudar o discurso sobre algo, é uma prova de inteligência, mas este tipo de episódios é mais um contributo para representação negativa sobre a máquina do ME, que muitos de nós entendem dispensável e incompetente, sendo bem mais parte do problema, que das soluções.
É uma outra perspectiva mas algo não me ficou claro, trata-se da posição pessoal da Senhora Ministra ou da posição oficial do Ministério?

sábado, 19 de fevereiro de 2011

O GRANDE DÉFICE: ÉTICA E PUDOR

O episódio hoje divulgado relatando que Armando Vara ultrapassou toda a gente que esperava à sua frente num Centro de Saúde de Lisboa e exigiu um atestado médico que, estranhamente devido às circunstâncias, lhe foi passado, não me choca pelo seu valor facial. Vai no sentido da nossa cultura do “jeitinho”, do “desenrasca” que em várias circunstâncias muitos de nós não enjeitamos utilizar.
A minha inquietação é como uma figura pública sob escrutínio pelas piores razões, subida no aparelho partidário como trampolim para o universo dos negócios dos quais não apresenta nem currículo nem experiência e envolvimento num processo de corrupção com contornos graves, assume um despudor completo e se sente na maior das impunidades para se comportar desta forma.
A ética e o despudor bateram definitivamente no fundo. Lamentavelmente, este episódio, mais um, morrerá na espuma dos dias e dos “fait divers” e arrumar-se-á na prateleira do “não tem remédio” sem grandes sobressaltos.
Este comportamento e o que ele significa, ilustram muito provavelmente o nosso maior défice, o défice ético e o défice de pudor e respeito.
Quanto a este défice, nem com o FMI ele se reduz. É um problema da cidadania e do que queremos ser como gente.

O MUNDO ESTÁ NO ECRÃ

O estudo hoje divulgado no Público realizado pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa coordenado pelo Professor Mário Cordeiro regista o facto de, entre outros aspectos, 81.2% dos alunos do 1º ciclo inquiridos, dos 6 aos 10 anos, afirmar já ter assistido a episódios de violência na televisão e 43.6% afirmar já ter presenciado conteúdos inadequados (sinalizados com bola vermelha). È ainda relevante que 47% têm televisão no quarto.
Estes dados que vão ao encontro de outros trabalhos neste universo colocam algumas questões que já tenho abordado no Atenta Inquietude.
Um primeiro aspecto remete para a presença da televisão no quarto. Parece claro que durante o período de sono e sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes estarão diante de um ecrã, pc, tv ou telemóvel. Com é óbvio, este comportamento não pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida.
A segunda grande questão remete para a natureza dos conteúdos a que as crianças são expostas. Os responsáveis têm fundamentalmente como critério o impacto nas audiências e a luta pelo mercado.
Se assim não fosse, boa parte da produção televisiva que circula em horários nobres estaria condenada face à mediocridade, violência e valores que alimenta. Somos nós os consumidores de produtos televisivos e que acompanhamos, ou deveríamos fazê-lo, os miúdos quando estão em frente ao ecrã, que temos de construir uma atitude de exigência de qualidade que minimize o consumo. A televisão limita-se a mostrar “o que as pessoas querem ver, da forma que querem ver”.
Este quadro torna necessário que se esteja atento ao quotidiano dos miúdos. Muitas crianças e adolescentes, independentemente do estatuto social e cultural das respectivas famílias, passam um tempo imenso sós, abandonados, em frente a um ecrã onde contactam facilmente com conteúdos de todas as naturezas e ou pessoas tão abandonada quanto eles e com gente disposta a aproveitar-se desse abandono e vulnerabilidade. Aliás, em muitas circunstâncias oiço pais que me dizem sentir-se com os filhos “seguros” porque estão em casa, no quarto a ver televisão ou no computador.
Neste sentido, parece-me importante um esforço grande por parte da comunidade, designadamente escola e pais, no sentido de compreender o peso e os riscos envolvidos na relação de crianças e adolescentes com o universo dos ecrãs.
Os tempos novos trazem inquietações novas.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

TROVAS DO TEMPO QUE PASSA

Depois do impacto de "Parva que sou" dos Deolinda, creio que vale a pena atentar nesta abordagem musical ao tempo que passa produzida por um dinossauro chamado Paco Bandeira. Intitula-se TGV, tem tido uma vida discreta e creio que se trata de uma audição curiosa.


UMA NÃO CENA - Outro diálogo improvável

Sabes, ela disse-lhe qualquer coisa.
A sério?
É verdade.
Não posso.
Quem diria.
De facto.
Nem me passava pela cabeça.
Nem a mim.
A vida é assim.
Cada surpresa.
É para que vejas.
Mas achas mesmo?
Não tenho dúvidas.
A sério?
Tal e qual.
Não posso.
E se …
Não, é mesmo assim.
É tão estranho.
Não esperava mesmo.
Nem eu.
Outra coisa, sabes que ...
Não me vais dizer que ela sempre ...

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O PORTUGAL DOS PEQUENINOS

Dois serviços do ME recusaram apoiar a distribuição pelas escolas de material produzido no âmbito do Programa Inclusão apoiado e financiado pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género. Estes materiais destinavam-se a apoiar uma campanha de combate a atitudes e comportamentos discriminatórios relativamente à orientação sexual.
A justificação, segundo o Público, para que a Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular e o Núcleo de Educação para a Saúde, Acção Social e Apoios Educativos recusem o apoio uma iniciativa que conta com o apoio de outra estrutura pública é o "cariz ideológico" das matérias.
Para além da óbvia confusão entre ideologia e valores, fica estranho como é que a prevenção e combate à atitudes de discriminação face a minorias se possa recusar por se tratar de ideologia. Pela mesma ordem de razões não devem ser incentivadas e muito menos apoiadas pelo ME, acções que, por exemplo, combatam a xenofobia ou o racismo, terão certamente um "cariz ideológico".
Este tipo de decisões para além da evidente incompetência é reveladora de uma assustadora irresponsabilidade. É reconhecida a presença de comportamentos discriminatórios face a minorias de diferente natureza. Sabe-se que tanto como na remediação, importa apostar na prevenção, parece claro que em matéria de prevenção o público mais jovem terá de ser sempre ser um alvo privilegiado, é de "pequenino que se torce o pepino", e é o Ministério da Educação que se opõe a iniciativas que outros organismos públicos julgaram relevantes.
Coisas dos pequeninos que nos gerem.

VIDA TEMPERADA, BEM TEMPERADA

Pois é, mudam-se os tempos mudam-se as vontades. Durante muitos anos "pãozinho sem sal" era algo de negativo, ninguém queria ser um "pãozinho sem sal". Então quando era uma rapariga a achar que éramos um "pãozinho sem sal", a auto-estima ficava de rastos. De há uns tempos para cá, com o abaixamento do teor de sal no pão, "pãozinho sem sal" poderá tornar-se elogio, significará certamente alguém de saudável, com bom senso e com o "tempero" adequado. Para muitos virá tarde a mudança.
Mais a sério, a regulamentação de matérias que impliquem comportamentos no chamado estilo de vida, consumo de álcool e tabaco são bons exemplos, despertam sempre alguma reactividade e alguns discursos que referem o excesso de intromissão em áreas que consideram do foro das liberdades individuais. Entendo os discursos mas compreendo e aceito que comportamentos que se transformam em grandes problemas de saúde pública possam ser objecto de regulação sem ferir os direitos e liberdades individuais.
Serve esta introdução para sublinhar a informação hoje divulgada pela Sociedade Portuguesa de Hipertensão de que os nossos hábitos alimentares levam a que as crianças consumam quatro vezes mais sal que a dose diária recomendada pela OMS. Segundo a mesma fonte, 12% das crianças e jovens entre os 5 e os 18 anos são hipertensos e este consumo excessivo de sal reduz em 10 anos a esperança média de vida.
Tal quadro, a par de outras situações decorrentes dos hábitos alimentares, lembro por exemplo a prevalência altíssima de casos de diabetes tipo II entre os mais novos, pode configurar um problema sério em termos de saúde pública.
Parece-me pois necessário que nos espaços educativos, familiar e escolar, se reforcem a informação e algumas iniciativas que possam contribuir para que este tipo de problemas de alguma forma se minimizem.
Continuo a pensar que este tipo de precauções e discursos não fere os direitos individuais nem espelha qualquer atitude fundamentalista. Trate-se sobretudo de proteger e promover a qualidade de vida colectiva.

O CARRO VASSOURA

Quando era miúdo a caravana da Volta a Portugal em bicicleta passava à beira da minha terra. Era dia de romaria, ia-se cedo para encontrar o melhor local de visão e o melhor acesso aos brindes distribuídos pela "carros dos anúncios", como lhes chamávamos.
A passagem da caravana era breve e marcada pela tentativa de saber se à frente passava um ciclista do Sporting, João Roque, Firmino Bernardino ou o incontornável Joaquim Agostinho ou, claro, do Benfica, Américo Silva ou Peixoto Alves, por exemplo. O segundo grande momento era a passagem, antes dos ciclistas, dos "carros dos anúncios" e a distribuição de ninharias cuja caça era uma tarefa complicada mas um desafio irresistível. O terceiro momento mais aguardado era a passagem do carro-vassoura que nos deixava sempre um pouco a pensar e a discutir entre nós como deveria ser difícil desistir, não poder seguir com os outros, e ser recolhido numa viatura com o "simpático" nome de carro-vassoura. Quase sempre chegávamos à conclusão que um ciclista deveria mesmo sentir-se mal quando nele entrava, o que nos fazia ter "respeito", como dizíamos, pelo carro-vassoura.
Com esta lembrança acesa estava a pensar nos miúdos que vão entrando na escola e que, de mansinho, mais cedo ou mais tarde, por uma razão ou por outra, começam a não ser capazes de acompanhar os outros e vão acabando, também eles, por entrar nos diferentes carros-vassoura que a vida vai pondo à frente dos que não acompanham o ritmo, seja ele qual for.
O problema é que, contrariamente ao que se passava no carro-vassoura da Volta a Portugal de onde se saía no fim de cada corrida para iniciar a próxima, muitos dos miúdos vão passar boa parte da sua vida nalgum carro-vassoura.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A SÍNDROME DO PÓS-MINISTÉRIO

Não acompanho suficientemente de perto a situação noutros países para ter uma perspectiva comparativa, mas existe uma espécie de síndrome em Portugal que afecta a classe política com experiência de poder. Esta síndrome, a que poderemos chamar “sei muito bem o que deveria ser feito, mas quando fui ministro esqueci-me” é patente em muitíssimos ex-governantes oriundos dos partidos que já assumiram responsabilidades de governo. O último exemplo é de Marçal Grilo, ministro da educação entre 1995 e 1999. Em intervenção recente na Fundação Gulbenkian, o Professor Marçal Grilo, personalidade que me merece respeito, vem defender um conjunto de ideias para o sector. Não vou discutir o conteúdo das ideias, mas parece-me sempre curioso como se apresenta uma visão clara sobre os males e constrangimentos do sector, bem como, propostas de desenvolvimento e correcção visando a desejável qualidade e o progresso depois de se ter abandonado o poder nesse mesmo sector.
A pergunta, certamente estúpida e demasiado óbvia, que me ocorre face a este tipo de discursos é “então porque não fez, quando teve poder para tal?” Podemos, com alguma habilidade, tentar encontrar respostas. Acabaremos, creio por definir, inevitavelmente, duas hipóteses básicas, não puderam ou não souberam, qual delas a mais animadora.
Na primeira, não puderam, implica questionar qual o poder que efectivamente o minisro detém relativamente às políticas do sector que tutela, ou seja, qual o verdadeiro nível de responsabilidade de quem assume o poder e as dificuldades para ultrapassar e gerir as corporações de interesses ameaçadas pelas mudanças. Na segunda, não souberam, dá para entender que a competência não abundará o que não me parece menos inquietante.
Em todo o caso, algum pudor e a humildade de nos explicarem porque não executaram as políticas que posteriormente defendem, seriam esclarecedoras e um bom serviço prestado à causa pública.

AGORA JÁ SOU ESPERTO

Como quase sempre acontece ao intervalo, a Professora Maria João, pela primeira vez na escola e com um grupo do 2º ano, encontrou o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, na sala de professores a aquecer-se com o chá.
Olá Maria João, és das primeiras pessoas que vejo hoje entrar com um sorriso na sala de professores.
É verdade Velho, vinha a rir-me ainda da conversa de há minutos com o Gonçalo. Ele tinha acabado um trabalho e veio mostrar-me. Conheces o Gonçalo, aquele pequenito com um olhar vivo e sempre a fazer perguntas.
Sim conheço e então que aconteceu?
Disse-lhe que o trabalho estava excelente, ele olhou para o trabalho e para mim alternadamente e acabou por me perguntar "Professora, agora já sou esperto?". Fiquei um pouco admirada com a questão e perguntei-lhe porque a colocava. Explicou-me que a colega, a professora do ano passado estava sempre a dizer que ele era burro e que nunca fazia as coisas bem feitas. Lá lhe disse que o achava um miúdo esperto que quando se organizava para fazer os trabalhos os fazia bem feitos. Nem imaginas o que ele me disse a seguir, Velho.
Agora estou curioso.
Abriu bem os olhos, que se riam mais do que a boca, e disse-me que ia dizer à mãe que agora já era esperto. Ela vai ficar muito contente, acrescentou.
Pois é Maria João, nós professores não poderemos tornar os miúdos mais espertos mas, estranhamente, podemos torná-los mais burros.
Tens razão Velho, às vezes, alguns de nós esquecem-se disso.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A PROFESSORA QUE FALAVA DE SEXO

Depois de há algum tempo ter saído de exibição um êxito de bilheteira, o filme que dava pelo nome de “Dá-me o telemóvel”, centrado numa troca de opiniões sobre a posse de um telemóvel numa sala de aula, estreou com assinalável sucesso a obra “A professora que falava de sexo”, filme de outro género, aparentemente com menos violência, mas que tem sido excelentemente recebido. Tem sido objecto de inúmeras referências na imprensa e aguarda-se o seu desenvolvimento com alguma ansiedade.
Devo confessar que não vi o filme e estas notas destinam-se mais à forma como o mesmo tem sido acolhido pela crítica especializada e pelos espectadores anónimos. Como é evidente, sexo é algo de que não se pode falar em sala de aula, sobretudo em termos menos próprios, o pecado de uma professora pecadora e certamente atormentada com alguma eventual psicopatologia não devidamente acompanhada. Também é de registar a gravação à socapa, por parte da aluna e por sugestão da mãe, do comportamento delinquente da professora, é muito bem feito, é exactamente para isso que se devem utilizar as novas tecnologias em sala de aula e o youtube anseia por novidades estimulantes.
A imprensa tem abordado o filme sublinhando de forma variada a ideia de “falar de sexo” o que obviamente dá um colorido mais tentador. Espero algumas sequências no mesmo sentido, a abordagem de matérias inusitadas em sala de aula, como, “O professor que falava de futebol”, “A professora que falava da família”, “O professor que cantava”, “A professora que chorava”, “O professor que contava anedotas”, “A professora que falava de droga”, etc., etc. É evidente que os realizadores poderão ter opções criativas ou utilizar efeitos especiais que transformem estes filmes em potenciais “blockbusters”, a imprensa agradece.
Julguem e condenem severamente a “professora que falava de sexo” além de, se for caso disso, promoverem o tratamento compulsivo da grave perturbação psicológica que certamente terá. O mundo ficará em paz.
Agora mais a sério, no mundo da educação portuguesa, este episódio é coisa nenhuma e mais uma fonte de ruído e poluição ambiental. Não pretendo branquear ou minimizar nada, reafirmo que não conheço os detalhes nem estou particularmente interessado nisso, e entendo que qualquer incidente deve merecer o tratamento adequado, sei apenas que é fundamental, para toda a gente, distinguir o essencial do acessório, um episódio pontual de situações continuadas e mais generalizadas, etc.
De resto, de resto é um cansaço.

ELA DISSE QUE SIM

Ainda hoje não sei se será motivo de orgulho ou de constrangimento o meu envolvimento nesta história. Lembrei-me dela por causa do S. Valentim. Tínhamos uns treze ou catorze anos e dançávamos entre as coisas da escola e a descoberta dos afectos, o bem-querer a alguém. Do grupo fazia parte o Paulo, o Pirolito já não me recordo porquê. O Pirolito, um tipo daqueles que não se aquieta um minuto, andava infeliz, tinha uma paixão pela Joana que, desconsolo supremo, não lhe ligava. O Pirolito era a tristeza feita gente, então quando nos via inchados com os nossos bem-querer, os olhos eram um espelho de mágoas. Um dia, o Zé que namorava, como esta palavra nos soava bem, com a Sofia, a melhor amiga da Joana, teve uma ideia, esquisita, achámos todos. E se através da Sofia se pedisse, no maior dos segredos, à Joana que aceitasse o Pirolito como namorado, mesmo só uns dias.
Não é que a Joana aceitou. Encorajámos o Pirolito que, cheio de medo, de novo tentou a Joana. E ela disse que sim. O Pirolito, como hoje se diria, passou-se, creio mesmo que foi ele o primeiro homem, rapaz na verdade, a ir à Lua.
Alguns dias depois, com um qualquer pretexto, o namoro acabou. Curiosamente o grupo envolvido não mais conversou sobre esta trama.
Com os anos a passar não mais soube do Pirolito nem da Joana, mas tenho duas convicções. O Pirolito viveu certamente alguns dos dias mais felizes da sua vida e a Joana, cuja acção gosto de interpretar como generosidade, deve continuar a fazer felizes as pessoas à sua beira, mesmo por momentos.
E eu, como vos disse, não sei se me devo orgulhar desta história, ou se me envergonhe da batotice que fizemos. Mas, aqui para nós, não estou muito preocupado com isso.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

CLIMA DAS ESCOLAS EM ALERTA VERMELHO

"A competição entrou nas escolas. Os professores brigam para conseguirem subir na carreira. Colegas avaliam colegas a competir pela mesma vaga. Quem dá aulas de História avalia quem dá aulas de Filosofia. Licenciados em Inglês avaliam licenciados em Francês. Directores com formação em Matemática ou em Biologia obrigados a avaliar coordenadores de Geografia, de Português e quem mais tiver de ser. Avaliadores submersos em fichas de avaliação, relatórios de auto-avaliação, aulas assistidas, reuniões ou entrevistas com os que se candidatam às notas mais altas - Muito Bom e Excelente. Avaliados ressentidos e avaliadores atormentados."
Este texto é um excerto retirado de um trabalho do I sobre o clima instalado nas escolas pelo modelo de avaliação de professores que está em aplicação e a seis meses do final deste ciclo avaliativo. Este breve descrição justifica o título que vai ao encontro da terminologia que se instalou entre nós.
É habitual que quando se discute a avaliação os professores se levantem de imediato algumas vozes que entendem a discussão das formas e modelos de avaliação como sinónimo de recusa de avaliação. Para que fique claro e como será óbvio, a avaliação séria e eficiente dos professores com implicações funcionais e na carreira é uma ferramenta imprescindível ao desenvolvimento da qualidade dos processos educativos bem como da defesa da própria classe docente que, com demasiada frequência, é desconsiderada de forma generalizada a partir de discursos ou comportamentos minoritários.
Dito isto, parece também necessário analisar o impacto que terá no clima nas escolas o funcionamento de um modelo complexo, incompetente e burocratizado. É sabido que os níveis de cooperação entre professores são uma das bases para o bom funcionamento das escolas e dos processos educativos. Este modelo ao colocar em confronto professores que competem pelas mesmas vagas determinadas pelas quotas definidas pelo ME é um atentado à cooperação.
A burocratização e complexidade, a subjectividade presente em muitos dos aspectos a avaliar torna o processo algo de infernal e contributivo para o abaixamento da qualidade do trabalho dos próprios "avaliadores".
Lamentavelmente, ainda não é desta que o ME acertou num imprescindível modelo de avaliação dos docentes.

POR ENTRE OS PINGOS DA CHUVA

Hoje, durante a corrida habitual nos domingos de manhã debaixo de uma chuva persistente e já encharcado, lembrei-me da tão conhecida expressão "passar entre os pingos da chuva sem se molhar".
Deve ser bom, pensei para comigo e para entreter a cabeça enquanto as pernas andavam, comecei a imaginar como se poderia aceder a essa útil capacidade.
Para tal exercício tentei caracterizar a figuras que nos parecem capazes de tal desempenho e a partir daí estabelecer os requisitos.
Sem preocupação de ordenação creio que importa desde logo esquecer o que significa ética ou qualquer outra coisa da mesma natureza.
Parece também necessário que se desenvolva uma espécie de surdez e cegueira selectivas, isto é, ouvir e ver apenas o que interessa.
Talvez seja útil algo a que poderemos chamar de mimetismo intelectual, ou seja, desenvolver a capacidade de pensar e afirmar sempre o que em cada circunstância seja adequado, quer ao contexto, quer aos interlocutores.
Por outro lado, parece ser desejável uma boa dose de cinzentismo, que se poderá definir como uma discrição "manhosa", aquilo a que na linguagem popular se chama andar "de fininho", "sem levantar ondas". Tal funcionamento permite que o "artista" esteja sempre presente como quem está ausente, o que é notável.
Creio também que seria importante uma visão da vida e do mundo "umbigocentrada" o que significa o entendimento de que a vida e o mundo, incluindo as pessoas, estão ao serviço da pessoa que assim funciona.
Depois destas considerações que não sei se acham aplicáveis a algumas figuras da nossa terra e do que elas implicam, cheguei à conclusão de que sempre que chova, eu e a grande maioria estaremos condenados a ficar encharcados, não conseguiremos nunca passar por entre os pingos da chuva. Como alguns artistas.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

FORMAÇÃO A MAIS? Não, desenvolvimento a menos e regulação da oferta formativa e das regras do mercado de trabalho também a menos

À boleia do estouro da canção dos Deolinda, "Parva que sou" em vias de ser transformada numa bandeira ainda não se sabe bem de quê, o Público volta a apresentar uma peça sobre a relação entre os licenciados e o mercado de trabalho. Desta vez, parece-me uma abordagem mais equilibrada do que é habitual na imprensa embora, tal como a canção, continue a deixar instalar a ideia de que não adianta estudar porque o destino é o desemprego, veja-se o titulo em primeira página. Assim, retomo algumas notas que me parecem oportunas.
Uma questão inicial que me parece sempre de acentuar é que, primeiro, os jovens licenciados não estão no desemprego por serem licenciados, estão no desemprego porque temos um mercado pouco desenvolvido e ainda insuficientemente exigente de mão de obra qualificada e estão no desemprego porque, por desresponsabilização da tutela, a oferta de formação do ensino superior é completamente enviesada distorcendo o equilíbrio entre a oferta e a procura tal como a peça do Público indicia. Os trabalhos jornalísticos sobre esta questão deveriam ir mais longe no sentido de se perceber como a demissão e a negligência da tutela do ensino superior permitiram a instalação de oferta de ensino superior completamente desequilibrada (cursos em excesso em várias áreas) e a instalação de cursos de banda estreita, oferecidos com publicidade enganosa, obviamente destinados a dificuldades na entrada no mercado de trabalho. Uma pesquisa sobre a designação de muitos cursos além de coisas verdadeiramente anedóticas mostraria bem como qualificando à partida de forma tão direccionada (a banda estreita), rapidamente se esgota a capacidade de absorção do mercado de trabalho. Lembro-me de ofertas por exemplo, nas área das engenharias e das ciências sociais que são no mínimo risíveis e, claramente insustentáveis. Insisto na enorme responsabilidade da tutela do ensino superior nesta matéria.
No que respeita ao mercado de trabalho é, mais uma vez, de sublinhar que muitas empresas, sobretudo as de menor dimensão (as que asseguram cerca de 95% do emprego), provavelmente também devido ao baixo nível de qualificação dos empresários (é um dos mais baixos da UE e, estranhamente, nunca é associado a esta questão), revelam-se as mais avessas à contratação de mão de obra qualificada. Deve também sublinhar-se que este universo, pequenas e médias empresas, salvo algumas excepções de nicho, é também o segmento com menor inovação e desenvolvimento pelo que a absorção de mão de obra qualificada é ainda mais difícil.
Por outro lado, se atentarmos em dados da OCDE e do INE, alguns referidos na peça do Público, sabemos que um trabalhador licenciado ganha em média mais 80% que alguém com o ensino secundário. Um indivíduo com a escolaridade básica recebe em média menos 57% que alguém com o Ensino Secundário. Apenas 7.5% de pessoas com o 9º ano recebem duas vezes mais que a média nacional enquanto licenciados a receber duas vezes mais que a média são quase 60%. Os filhos de pais licenciados têm 3,2 vezes mais probabilidades de obter uma licenciatura. Entre os 25 e os 34 anos, 19% dos jovens tem uma licenciatura enquanto na OCDE a média é 32%. Em Portugal, o número de licenciados é metade da média da União Europeia. Na franja entre os 35 e 44 anos a percentagem ainda baixa para 13%. Um indivíduo com apenas o básico corre um risco de pobreza 20 vezes superior ao de um indivíduo com um curso superior.
Quanto à questão da precariedade que atinge os jovens licenciados à entrada no mercado de trabalho, aspecto dramático e inibidor da construção de projectos de vida, é bom ser absolutamente claro, esta situação não atinge os jovens licenciados por serem licenciados, atinge toda a gente que entra no mercado de trabalho porque a legislação e regulação do mercado conduzem a esta situação, trata-se dos efeitos da agenda liberal e não o efeito da qualificação dos jovens, é bom que se entenda.
Deste quadro, releva a absoluta imprudência de passar a mensagem de que a formação é irrelevante, o desemprego é o destino como muitas vezes esta questão é tratada, embora o trabalho de hoje do Público coloque algumas das questões que aqui aflorei de forma telegráfica.
A qualificação profissional, de nível superior ou não, é essencial como também é essencial a racionalidade e regulação da oferta do ensino superior e, naturalmente, a regulação eficaz do mercado de trabalho minimizando o abuso do recurso à precariedade.
Como sempre que abordo estas matérias, finalizo com a necessidade de, uma vez por todas evitar o discurso "populista" do país de doutores. Trata-se de um enorme erro e pode desincentivar a busca por qualificação o que terá consequências gravíssimas.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

AUTARQUIAS - Chefes excelentes, funcionários uma lástima

No meio da algazarra instalada no Jardim-de-infância devido a uma brincadeira nova dos meninos da sala BE, chamada “moção de censura”, deparei com um trabalho no JN muito curioso. Ficámos a saber que 21.4% dos dirigentes da administração autárquica têm “Excelente” na sua avaliação, enquanto os funcionários com a avaliação máxima não passam de 2.5%. Se considerarmos também a nota de “Muito Bom” a percentagem no caso dos dirigentes passa para 77.8%.
Embora seja relevante saber que a avaliação das chefias se repercute nos salários e no pagamento de prémios não acredito que a inflação de notas elevadas tenha algo a ver com tal relação. De facto, fico muito mais tranquilo quando sei que quase 80% dos dirigentes das autarquias atinge um nível de excelência que nos enche de orgulho.
O problema mais complicado é o que fazer com a cambada de incompetentes que são os funcionários. Essa incompetência traduzida nas avaliações mais baixas deve ser a causa de sucessivas dificuldades, ineficiência, morosidade, etc. dos serviços prestados pelas autarquias.
Neste contexto, não queria estar na pele dos pobres dirigentes que, coitados, são excelentes, mas como o povo diz, sem ovos não se podem fazer omeletas. Que podem eles fazer com as suas altíssimas qualidades se não têm quem as faça brilhar. Mudem-se desde já os funcionários.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

ASSIM, TIPO VALE TUDO, TÁS A VER

De há uns tempos para cá, felizmente, tem vindo a emergir e entrar na agenda a questão da utilização da informação disponível, designadamente na net, na produção fraudulenta ou nos limites da ética de trabalhos académicos e científicos da mais variada natureza. Neste âmbito conheceu-se o primeiro caso, creio, em Portugal de uma Tese de Doutoramento apresentada na Universidade do Minho e anulada por motivo de plágio, A este propósito, algumas notas. O Centro de Estudos Sociais da Faculdade Economia da U. de Coimbra tem a decorrer um estudo nacional sobre a questão da fraude académica. Nos estudos preliminares surgiu um indicador de que 37.6% dos inquiridos aceita a fraude desde que “não prejudique ninguém”. Hoje no I são avançados mais alguns dados emergentes deste trabalho cujas conclusão se aguarda. A estes dados, ainda que não definitivos, pode acrescentar-se um estudo da Universidade do Minho há tempos divulgado referindo que as situações de “copianço” envolvem três em cada quatro estudantes.
Também há algum tempo, a propósito do acréscimo das situações de plágio que se verificam em todos os níveis de ensino, do básico à formação pós-graduada, doutoramentos incluídos, bem como artigos científicos, me referi à natureza da relação ética que estabelecemos com o conhecimento e que os alunos replicam. Aliás, no estudo da U. do Minho, dos alunos que admitem copiar, 90% afirmam fazê-lo desde sempre.
O conhecimento é entendido como algo que se deve mostrar para justificar nota ou estatuto, não para efectivamente deter, ou seja, importante mesmo é que a nota dê para passar, que o curso se finalize, que a tese fique feita e se seja doutorado ou que se possa acrescentar mais um artigo à produção científica num mundo altamente competitivo. Que tudo isto possa acontecer à custa da manhosice, do desenrasca mais ou menos sofisticado, são minudências com as quais não podemos perder tempo.
No entanto, é bom termos consciência que esta questão não é um exclusivo nosso, a experiência mostra isso com clareza. De qualquer forma, não deixa de ser uma preocupação e justifica que as escolas, do básico ao superior, se envolvam nesta tentativa de construção de relação com o conhecimento mais sólida em termos éticos.
O caminho passa pelo estabelecimento obrigatório de códigos de conduta com implicações sancionatórias severas e com uma atitude formativa e preventiva durante as aulas.
O trabalho será sempre difícil pois o contexto global ao nível dos valores e da ética dos comportamentos e funcionamento social é, só por si, um caldo de cultura onde o copianço e o plágio, por vezes, não passam de "peanuts", é a cultura do desenrascanço, não importa como.

OS SINAIS

É relativamente frequente entre nós referirmo-nos ao excesso de sinalização que regula a circulação rodoviária, quase tão frequente como um geral desrespeito face a essa sinalização.
Eventualmente, estaremos em presença de algo que nos caracteriza, a má relação com os sinais e ao mesmo tempo um constante discurso sobre os sinais e a sua importância. Talvez um estudo, fazem-se tantos, possa ajudar a esclarecer. Vejamos algumas situações para além da referência inicial ao que se passa nas estradas.
Com muita regularidade sabemos de miúdos objectos de maus-tratos ou negligência, por vezes grave. Posteriormente, quase sempre vem alguém informar que a criança estava sinalizada. No entanto, lá está, não ligámos aos sinais.
No discurso político, sempre vivo e criativo, multiplicam-se a referência a sinais que se pedem ou se pretendem dar. Importa, por exemplo, “dar um sinal à sociedade civil”, “dar um sinal aos mercados”, “esperar um sinal” que permita uma decisão. Estranhamente, produzem-se discursos e comportamentos que evidenciam uma desatenção completa a alguns dos sinais que se reclamam.
Somos muito atentos aos sinais exteriores de riqueza mas pouco interessados em perceber donde emergem, é preciso dar um sinal de respeito pela privacidade.
Esperamos sinais que nos ajudem a entender decisões que são tomadas, por exemplo, que a austeridade também se destine a quem determina o que para nós sobre de dificuldades.
Adoecemos de mal-estar, de várias naturezas e depois dizemos qualquer coisa, como “já estava sentir sinais”, a que, entretanto, não ligámos muito.
Olhamos para tragédias sempre com um ar de quem as esperava, os sinais estavam lá.
Provavelmente, o excesso de sinais cria uma habituação desatenta, negligente, já nem damos por eles. Mas era melhor estarmos, todos, atentos aos sinais, todos.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

MORRER DE SOZINHISMO

Normalmente funciona assim. Depois da tragédia os problemas que a envolvem entram na agenda até serem substituídos por outros ligados a nova tragédia. É a espuma dos dias.
Tem-se falado nas últimas horas da descoberta de uma idosa que terá morrido há nove anos permanecendo em casa na companhia das suas companhias, as que não a abandonaram, os pássaros o canito, também mortos. Há uns meses atrás, no último inverno, as águas tinham-se agitado devido à morte, presumivelmente devido ao frio de quatro idosos que também viviam sós. No caso mais recente, apenas uma vizinha terá com alguma insistência procurado que as autoridades desencadeassem algum procedimento mas sem sucesso, as autoridades competentes revelara a sua incompetência.
Não sou, não quero ser, especialista nestas matérias mas creio que muitas destas pessoas morrem de sozinhismo, a doença que ataca os que vivem sós e perderam o amparo. pessoas terão morrido de solidão e não de frio. Quem não vive só mais dificilmente terá frio. As pessoas são, espera-se, fonte de calor. E este universo, as pessoas velhas que vivem só e em isolamento tende a alargar-se. Segundo dados relativos a Lisboa, verifica-se uma "realidade de total isolamento diário para 59 por cento da população que reside sozinha, evidenciando um risco de solidão”.
Esta é que é verdadeiramente a causa de morte de muitos idosos. Por isso e como sempre, para além das necessárias políticas sociais emergentes do estado e das instituições privadas de solidariedade impõe-se a percepção pelas comunidades, designadamente pelas famílias, do drama da solidão e isolamento de que o frio, traduzido na falta de um aquecedor, não passará de uma metáfora.

HABEMUS ACORDO

Das janelas da 5 de Outubro saiu finalmente fumo branco, “Habemus Acordo”. Quando se estabelece um acordo entende-se por definição e natureza que as partes envolvidas se sentem satisfeitas, daí o acordo. É bom que se tenha conseguido esse entendimento e que o clima das escolas se aquiete.
No entanto, penso que seria bom reflectir em todo o processo que aqui nos trouxe. Foram meses de guerra, de inflexibilidade e de arrogância na defesa de posições que, obviamente, levariam a situações extremamente complicadas e incorrectamente enquadradas em termos de calendário e competência.
O dano que estes tempos criaram no ambiente de muitas escolas escolas, nos pais, na opinião pública que mais uma vez é bombardeada com "guerra" na educação era bem dispensável. A serenidade é um bem de absoluta necessidade e como sempre digo, a conflitualidade também é natural e motor de desenvolvimento desde que bem resolvida e gerida seriamente.
Fica difícil entender a posição de partida do ME, da intransigência à negociação, bem como do espectáculo absolutamente deprimente de alguns discursos e comportamentos a que assistimos no âmbito das manifestações e posições da comunidade ligada aos estabelecimentos de ensino privado com contratos de associação. Lembrei-me de um episódio que há muitos anos me aconteceu em Marrocos quando indaguei um comerciante sobre a razão pela qual os preços não estavam fixados, tornava tudo mais fácil. Explicou-me com ar perplexo que se aparece um turista americano que paga os 100 que ele pede porque não fazê-lo, possibilitando que com outros clientes possa negociar e vender por 30, além disso, acrescentou, é assim que se fazem os negócios em Marrocos. Pelos vistos também é assim que o ME negoceia.
Não é grave mudar de ideias e de entendimentos sobre qualquer matéria, antes pelo contrário, é sinal de inteligência, o que é grave, é permitir e sustentar algo mal feito, com um calendário mal escolhido, com o trabalhado de casa por fazer, etc.
Em todo o caso, parece então teremos uma acalmia para os próximos tempos. É melhor assim.

OS CARRINHOS DE CHOQUE

Seja porque estejam em eventual desaparecimento depois de alguns acidentes ou por desinteresse das pessoas, seja pelo facto de eu passar menos frequentemente pelos espaços adequados, não tenho visto muitas pistas com os famosos carrinhos de choque tão apelativos e tão inscritos na memória da infância de muitos de nós. O carrinhos de choque definiam a ida à feira. A velocidade, as manobras, os choques, ocasionais ou provocados, as corridas espontâneas que nasciam na pista, eram uma injecção de adrenalina que durava o tempo da moeda e a disponibilidade e paciência dos pais.
No entanto, quando olho para a vida que muitos miúdos hoje vivem lembro-me dos carrinhos de choque das feiras dos tempos de gaiato.
Passam o tempo a correr, chocando com a pressa dos tempos e de toda a gente. As viagens curtas, o tempo da moeda, e sempre a acelerar ente as milhentas actividades a que os amarram com a ideia de que tudo têm que fazer, para em tudo ser excelentes. A impaciência a indisponibilidade da vida corrida de muitos pais transforma também em vida corrida a vida de muitos miúdos, sempre com uma moeda na mão para nova viagem. Têm, muitos deles, o crescer envolvido numa competição onde se espera que sejam os melhores e não falhem.
A pequena diferença é que esta é a vida deles, dos miúdos, vida de carrinhos de choque.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

VAI A EITO, A POLÍTICA "LOW COST"

O ME anuncia que vai reduzir 12% os gastos por aluno para o próximo ano e não é conhecida a sustentação para tal decisão e montante. Este tipo de medidas lembra-me a expressão popular, “vai a eito”, ou seja, "fecha os olhos e foge em frente” numa interpretação livre.
O desespero e a pressa nunca foram bons conselheiros. É conhecido e por demais referido o desperdício e o excesso de estruturas e entidades na administração pública central, regional e autárquica. Também admito que possa existir algum desperdício na gestão orçamental das escolas e agrupamentos pelo que, com crise, ou sem crise, este desperdício deveria ser combatido. Estranhamente parece ter-se acordado para esta realidade só porque existe uma crise, caso contrário, tudo poderia continuar na mesma.
O que se torna difícil é entender que se determine de forma administrativa, sem perceber especificidades e contextos, um corte orçamental e o seu montante ou, pelo menos, que se conheçam metodologias e critérios. As escolas e agrupamentos tem características particulares desde, por exemplo, a natureza e idade dos equipamentos e recursos, as necessidades de pessoal, os contextos sociais e geográficos em que se inscrevem, as necessidades que apresentam face aos problemas (diferentes) que enfrentam, etc., etc.
É fácil determinar no Terreiro do Paço, com o óbvio assentimento resignado da Ministra da Educação, um corte cego e esperar que os directores das escolas façam o resto.
Só que este resto pode dar mau resultado. O desinvestimento em educação é a pior medida política que se pode tomar, nesta matéria não há política "low cost".
Do meu ponto de vista, mesmo em crise e por estarmos em crise, a educação tem que sempre ser entendida como área de investimento, maior ou menor, com uma gestão racional e responsabilizada e nunca como um terreno onde se corta a eito e sem realizar “trabalho de casa”. Pode pagar-se muito caro este tipo de decisões.
Na educação não pode valer o “é assim para todos e desenrasquem-se”.

FOI O INVERNO, ARQUIVE-SE

Um último texto sobre a tragédia do Leandro, o miúdo que morreu no Tua em Mirandela. A Procuradoria Geral da República confirmou ontem o discreto arquivamento do caso em Outubro de 2010. Como disse na altura, seria obviamente o desfecho mais provável. Sempre me pareceu completamente improvável que se viesse a estabelecer um nexo de causalidade entre os factos, mais conhecidos ou menos conhecidos, e a morte do Leandro. Por aqui nada de novo num país de brandos costumes que não saberia o que fazer se não fossem estas as conclusões, não saberíamos como lidar com tal culpa.
Também nada novo no que respeita a um dos equívocos mais frequentes entre nós, a confusão entre culpa e responsabilidade que não são de todo a mesma coisa.
Nesta tragédia, com a criança encontrada e a família em luto, sou capaz de entender que não seja possível encontrar culpados, também não o faço. No entanto, tenho uma enorme convicção, a morte de uma criança naquelas condições tem certamente responsáveis, todos os que fazemos parte da comunidade.
Estranhei, desculpem o humor negro, que ninguém tivesse referido o papel que um Inverno especialmente chuvoso que aumentou exponencialmente o caudal do Tua terá desempenhado na tragédia e que esse inverno anormal se deverá às alterações climáticas decorrentes do aquecimento global de origem humana, este sim, o verdadeiro fenómeno responsável pela trágica morte do Leandro, sem água não há afogamento.
Voltando a um registo mais sério, o que me inquieta é que tragédias desta natureza pareçam nem sequer servir para questionar o que proporcionamos diariamente aos miúdos, a atenção que damos, ou não, aos seus sinais, a que sinais devemos estar atentos que nos ajudam a antecipar situações de mal-estar que possam ter desenvolvimentos negativos, que dispositivos de apoio, recursos e modelos de organização e funcionamento das escolas serão mais necessários e eficazes, etc. etc.
Temo que o arquivamento seja isso mesmo, um arquivamento. Até à próxima tragédia.

O MESTRE DE FUSÍVEIS

Hoje, não sei exactamente porquê, lembrei-me do Mestre Teixeira. O Mestre Teixeira foi há muitos anos professor de uma escola que havia naquele tempo que se destinava mais a ensinar o saber-fazer do que o saber-saber. Chamavam-lhes escolas técnicas, umas mais dirigidas para a indústria, as industriais, outras mais dirigidas para os serviços, as comerciais.
O Mestre Teixeira era professor numa escola industrial e era especialista nas coisas da electricidade, sabia tudo sobre esse mundo e tinha, isso é que o fazia ser como era, uma paixão enorme por aquelas coisas. Algumas pessoas, o Mestre Teixeira era uma delas, gostam que toda a gente goste das coisas que os apaixonam e era a partir dessa paixão que ele se relacionava com os alunos.
Mas a grande virtude do Mestre Teixeira era a sua capacidade para entender os alunos, ler os alunos, como eu costumo dizer. Tinha uma capacidade notável de perceber o que se passavam com os adolescentes, o que os levava aos comportamentos ou às dificuldades que evidenciavam. Era quando ele falava qualquer coisa como "tens algum fusível a precisar de ser visto ou a queimar". Tinha então a sabedoria para perceber o que se passava e "arranjar" os fusíveis que não estavam em boas condições. Tal sabedoria e faziam dele um daqueles professores que nos marcam, ensinam o que são, mais do que o que sabem, mesmo quando sabem muito, como era o caso do Mestre Teixeira.
Por isso toda a gente lhe chamava O Mestre de Fusíveis. Hoje, mais do que nunca, fazem falta os Mestres de Fusíveis.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

DE TANTO CHUMBARES, UM DIA APRENDES

De acordo com dados ontem revelados no Relatório "Taxas de Retenção durante a Escolaridade Obrigatória na Europa" da Comissão Europeia, em Portugal cerca de 35% dos alunos até aos 15 anos já chumbou pelo menos uma vez, uma as mais altas taxas de toda a União Europeia. O Relatório evidencia também, na linha do que se pode encontrar noutros estudos internacionais que Portugal tem ao mesmo tempo, surpreendentemente para alguns, níveis altíssimos de insucesso e níveis altíssimos de “chumbos”. No mesmo sentido, parece importante sublinhar que os países com mais altas taxas de sucesso escolar, nórdicos por exemplo, mas não só, não prevêem na organização dos seus sistemas a figura chumbo, sobretudo para alunos mais novos. Não se prova, portanto, a ideia de que reprovar mais produz mais sucesso uma crença instalada nos discursos de muitos dos tudólogos "opinion makers" que opinam pela imprensa.
Aliás, as investigações e a experiência também mostram que os alunos que começam a chumbar, tendem a continuar a chumbar, ou seja, a simples repetição do ano, não é para muitos alunos, suficiente para os devolver ao sucesso. Os franceses utilizam o enunciado “qui redouble, redoublera” quando se referem esta questão.
O grande problema é que fazer então quando os alunos não atingem os saberes exigidos? SÓ CHUMBÁ-LOS NÃO FUNCIONA. Trata-se de perceber as eventuais razões do insucesso, EM CADA ALUNO, e desencadear as práticas e apoios adequados, porque mantê-lo, SEM MAIS NADA no mesmo ano, muito provavelmente, conduzirá a um novo chumbo.
É “só” isto que está em causa. O resto é demagogia e ignorância.

O MEU PAI ACHA QUE A NET É UMA MARCA DE COMPUTADORES

No âmbito do Dia da Internet Segura são divulgados alguns dados interessantes sobre a relação dos pais com o acesso à internet por parte dos filhos. Portugal é um dos países em que os pais menos revelam saber o que os filhos fazem com a net. É também o país em que as crianças e jovens utilizam mais as novas tecnologias que os adultos. É ainda de referir um estudo divulgado há algum tempo evidenciando que os jovens portugueses já dedicam mais tempo à net e ao telemóvel que à televisão.
Estes dados são reveladores, por um lado, da iliteracia informática dos adultos/pais portugueses que os inibe de tentar acompanhar devidamente as actividades dos filhos neste domínio, cujos riscos de utilização vão sendo identificados. Por outro lado, sublinham a importância que esta actividade assume na vida dos mais novos o que remete, de novo, para a necessidade urgente de promover a alfabetização informática dos adultos.
Por outro lado, neste contexto, utilização das novas tecnologias pelos mais novos e o acompanhamento, ou falta dele, pelos pais creio ainda ser de considerar o impacto nos estilos de vida, designadamente nos hábitos de sono. Alguns estudos evidenciam que os mais novos estarão a dormir menos que gerações anteriores. A falta de qualidade do sono e do tempo necessário acaba, naturalmente, por comprometer a qualidade de vida das crianças e adolescentes.
Haverá certamente outras questões envolvidas mas é significativo que segundo alguns estudos, perto de 50% das crianças até aos 15 anos terão computador ou televisor no quarto, além do telemóvel.
Acontece que durante o período de sono e sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes estarão diante de um ecrã, pc, tv ou telemóvel. Com é óbvio, este comportamento não pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida.
De facto, estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos, são problemas novos para muitos pais, eles próprios com níveis baixos de alfabetização informática. Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais de forma a que a utilização imprescindível seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes.

O RAPAZ QUE PARECE PERDIDO

Um dia destes lá na escola, a professora Maria cruzou-se com o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros. Como sempre faz quando tem algum tempo sobrante das milhentas tarefas que lhe estão atribuídas, ficou uns minutinhos à conversa que, como não poda deixar de ser, foi parar aos miúdos.
Pois é Velho, apesar do clima não ser dos melhores com os miúdos a coisa vai correndo sem grandes sobressaltos, além dos normais é claro. Ando um pouco preocupada com o Miguel. Sobretudo a partir do início deste segundo período tem vindo a ficar mais calado, exaspera-se com facilidade com os colegas e mesmo connosco e sinto-o muito desmotivado. Procuro falar com ele, não se mostra muito interessado, com os outros professores está também assim e parece que nada lhe interessa, parece perdido.
Assim como quem perdeu os sonhos não é verdade Maria?
Perdeu os sonhos? Não te entendo Velho.
Acho que entendes. Os miúdos, tal como os adultos, dependem muito dos sonhos para, mesmo sem dar muito bem conta disso, caminharem um caminho. Se por alguma razão às vezes também não muito clara, perdemos os sonhos, começamos a sentir dificuldade em perceber o caminho e mesmo a perceber-nos e aos outros, não nos vemos e não os vemos nos nossos sonhos e, por isso, nos sentimos perdidos e exasperados. É também por causa dos sonhos que os professores, sobretudos os bons como tu, são tão importantes para os miúdos, ensinam-lhes as ferramentas que lhes permitem sonhar.
Começo a entender, estás a dizer que ele só aprende o que temos para lhe ensinar se tiver sonhos?
Eu bem te disse que entendias, precisamos é de saber que sonhos deixou o Miguel de sonhar.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A INDOMESTICÁVEL VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Há alguns meses o Conselho de Ministros aprovou o Quarto Plano Contra a Violência Doméstica com alguns pontos em destaque, formação a magistrados e a agentes policiais e a extensão a todo o país da utilização da vigilância electrónica entre outras medidas.
Em texto na altura recordei que em Portugal 59 pessoas cumprem pena de prisão por violência doméstica. Se considerarmos que em 2009 foram realizadas 30543 participações a taxa de condenação é impressionantemente baixa e não me parece de acreditar que tal se deva ao número de participações que serão falsas situações de violência. Entretanto, segundo o Público de hoje, em 2010 morreram 43 mulheres vítimas deste tipo de crime.
Por diferentes ordens de razões, parece assumir-se uma espécie de fatalidade face à tolerância do crime de violência doméstica, à dificuldade de prova, ao sistema de valores e situação de dependência emocional e económica de muitas das vítimas à atitude conservadora de alguns juízes, etc. É ainda curiosa a referência habitual à dificuldade de proceder à retirada do agressor do ambiente doméstico, procedendo-se à saída da vítima numa espécie de dupla violência que, aliás, também se verifica em situações de maus tratos a crianças, em que o agressor fica em casa e a criança é “expulsa”.
O quadro é dramático mas não surpreende. Um dos mais devastadores efeitos da situação da nossa justiça é a instalação de um sentimento de impunidade generalizado com consequências incalculáveis. Este é o tipo de mensagem que a justiça não pode passar.
Este sentimento de impunidade está instalado em todas as áreas da criminalidade, não apenas nas situações de violência doméstica. Atente-se em quantos casos de corrupção acabam em condenações a prisão efectiva. Atente-se no tempo e nos expedientes que os processos sofrem, acabando muitas vezes em prescrições ou em penas ridículas. Atente-se nos efeitos de algumas alterações do código penal que permitem que um indivíduo comprovadamente autor de um crime susceptível de pena de prisão, possa ser imediatamente solto e aguardar, se aguardar, o julgamento que demorará um tempo infindo enquanto se mantém em actividade.
Atente-se no comportamento despudorado de muitas das nossas lideranças políticas e partidárias com comportamentos de compadrio, tráfico de influências, distribuição de lugares pelas clientelas, etc.
De facto, tragicamente, temos que concluir que não é estranho o número muito baixo de detidos por violência doméstica.