AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

domingo, 31 de outubro de 2010

MAS AS CRIANÇAS, SENHOR, ...

No Público de hoje aborda-se o impacto que os cortes nos apoios sociais, no caso os abonos de família, podem ter no agravamento do risco de pobreza infantil. Os dados do INE identificam regularmente as crianças como o grupo mais vulnerável ao risco de pobreza. Em Portugal, cerca de 25% das crianças estão em risco e registam o menor impacto das transferências sociais. De facto, a taxa de pobreza é de 33.5% antes das transferências e de 23% depois das transferências sociais o que demonstra o baixo impacto que estas medidas evidenciam na redução da pobreza.
Este cenário não sendo surpreendente, os mais pequenos são sempre mais vulneráveis, requer a maior das atenções.
Os tempos que atravessamos e os que se avizinham parecem conter enormes dificuldades para as famílias que são chamadas a enorme sacrifícios, por exemplo, deixando de ter acesso a alguns apoios sociais de que beneficiavam.
O aspecto particular do risco de pobreza que afecta os miúdos deveria ter uma ponderação que lamentavelmente não parece estar presente face às decisões a que assistimos.
Ninguém, apesar da retórica, parece estar verdadeiramente interessado em medidas que equilibrem as contas públicas da forma acertada, reformar a organização do estado, autarquias e governos civis por exemplo, ou promover equidade fiscal, designadamente no IRC (a banca continua e continuará independentemente do governo que se instale em situação de escandaloso benefício). Ninguém está verdadeiramente interessado em eliminar as centenas de organismos, entidades, fundações, empresas municipais inúteis e consumidoras de milhares de milhões. Ninguém está verdadeiramente interessado em emagrecer gabinetes e organismos onde se atropelam as clientelas dos aparelhos partidários. Esta situação foi alimentada e promovida por todos os partidos que já ocuparam poder, repito, por todos os partidos.
É sempre mais fácil cortar de forma administrativa e cega com base nos ganhos imediatos, sem atender às implicações na vida futura de um quarto da população que estando agora a começar o seu projecto, o fazem num quadro de privação e promotor de exclusão.
Não estou muito optimista relativamente a que do actual quadro político, a partidocracia, possa emergir uma solução, creio que só uma renovação da participação cívica dos cidadãos, desconfiados e descrentes na classe política, poderá, creio, pressionar a mudança.
No entanto, seria fundamental que, quanto mais não seja por uma questão de dignidade e solidariedade, bens em desuso nas tomadas de decisão política, não ameacem mais o bem-estar dos miúdos.

sábado, 30 de outubro de 2010

IRREQUIETOS OU COM SONO?

A propósito da entrada em vigor da chamada hora de Inverno, o JN aborda hoje o eventual impacto que a mudança de hora poderá ter nos mais novos. Os especialistas ouvidos, quer no âmbito da pediatria quer no âmbito das problemáticas do sono, sublinham que o bom senso dos pais inibe consequências negativas, chamando a atenção para a necessidade de rotinas adequadas e hábitos de sono saudáveis cuja importância é hoje bem conhecida e estudada.
Sobre esta questão algumas notas no mesmo sentido que as opiniões expressas na peça do JN. Muitos trabalhos evidenciam que os mais novos estarão a dormir menos que o desejável e função da idade. A falta de qualidade do sono e do tempo necessário acaba, naturalmente, por comprometer a qualidade de vida das crianças e adolescentes.
Várias investigações sugerem que parte das alterações verificadas nos padrões e hábito relativos ao sono remetem para questões ligadas a stress familiar e sublinham o aumento das queixas relativas a sonolência e alterações comportamentais durante o dia.
É certo que as situações de stress familiar serão importantes mas parece-me necessário não esquecer alguns aspectos relacionados com os estilos de vida. Segundo alguns estudos, perto de 50% das crianças até aos 15 anos terão computador ou televisor no quarto, além do telemóvel.
Acontece que durante o período de sono e sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes estarão diante de um ecrã, pc, tv ou telemóvel. Com é óbvio, este comportamento não pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida. Creio que, com alguma frequência, os comportamentos dos miúdos, sobretudo nos mais novos, que são de uma forma aligeirada remetidos para o saco sem fundo da hiperactividade e problemas de atenção, estarão associados aos seus hábitos e padrões de sono.
Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos, são problemas novos para muitos pais, eles próprios com níveis baixos de alfabetização informática. Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se pondere e possa providenciar alguma orientação e ajuda aos pais que lhes permita acompanhar os filhos na utilização imprescindível e útil, mas regulada e protectora da qualidade de vida de crianças e adolescentes.

SE CUIDAR É CARO, FAÇAM AS CONTAS AO DESCUIDAR

Nas situações em que se torna necessário proceder a redução de despesas coloca-se obviamente a questão dos critérios ou prioridades a seguir nesse esforço de redução. Não se trata de uma situação fácil, mas na verdade, a qualidade das lideranças e das suas decisões aferem-se melhor em contextos de maior dificuldade.
Serve esta introdução para referir o facto de que em virtude dos limites orçamentais o Instituto da Droga e da Toxicodependência irá prescindir dos serviços de 200 técnicos, psicólogos e assistentes sociais, que integravam as unidades de tratamento de proximidade com resultados conhecidos.
O presidente do IDT embora reconhecendo o impacto negativo procura desvalorizar a situação. Por outro lado, sem o peso da hierarquia a condicionar opiniões, os especialistas referem as consequências negativas de tal decisão.
Existem áreas de problemas nas comunidades em que os custos da intervenção são claramente sustentados pelas consequências da não intervenção. A toxicodependência é uma dessas áreas. Um quadro de toxicodependência não tratado desenvolve-se habitualmente, embora possam verificar-se excepções, numa espiral de consumo que exige cada vez mais meios e promove mais dependência. Este trajecto potencia comportamentos de delinquência, alimenta o tráfico, reflecte-se nas estruturas familiares e de vizinhança, inibe desempenho profissional, promove exclusão e guetização. Este cenário implica por sua vez custos sociais altíssimos e difíceis de contabilizar.
Costumo dizer em muitas ocasiões, se cuidar é caro façam as contas aos resultados do descuido. Assim sendo, dificilmente se entendem algumas opções.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

A CORROSÃO NA ÉTICA

No dia seguinte à pronúncia dos arguidos no processo Face Oculta e ao conhecimento sobre as “sugestões” de ajuda ao empresário Manuel Godinho, vem a Público os vencimentos interessantes do Conselho de Administração da Fundação Cidade de Guimarães que prepara o a iniciativa da Capital Europeia da Cultura em 2012 e somos também informados que Jardim Gonçalves recusou renegociar os parcos valores da sua auto-atribuída pensão vitalícia do BCP. Estas informações constituem um insulto obsceno nos tempos que atravessamos e o despudor ético que tais comportamentos significam levam-me de novo a umas notas que há algum tempo aqui deixei.
O despertar das consciências para as questões do ambiente e da qualidade de vida colocou na agenda a questão das pegadas, das marcas, que imprimimos no mundo através dos nossos comportamentos. Este novo sentido dado às pegadas tornou secundárias e ultrapassadas as míticas pegadas dos dinossauros e as românticas pegadas que os pares de namorados deixam na areia da praia.
Fomo-nos habituando a ouvir referências às várias pegadas que produzimos com nomes e sentidos mais próximos ou mais distantes mas, sobretudo, tem-se acentuado a grande preocupação com a diminuição do peso, isto é, do impacto das nossas pegadas. Conhecemos a pegada ecológica numa perspectiva mais global ou, em entendimentos mais direccionados, a pegada hídrica, a pegada energética, a pegada verde, a pegada do papel, a pegada do carbono, etc.
Do meu ponto de vista e sempre preocupado com o ambiente, com a qualidade de vida e com a herança que deixaremos a quem nos segue, nunca encontro referências e muito menos inquietações sérias com a pegada ética, isso mesmo, a pegada ética. Os comportamentos e valores que genericamente mobilizamos têm, obviamente, uma consequência na qualidade ética da nossa vida que não é despicienda. Os maus-tratos e negligência que dedicamos aos princípios éticos mais substantivos provocam um empobrecimento e degradação do ambiente e da qualidade de vida das quais cada vez parece mais difícil recuperar.
As lideranças, hipotecando a sua condição de promotores de mudanças positivas são fortemente responsáveis pelo peso e impacto que esta pegada ética está a assumir.
Vai sendo tempo de incluir a pegada ética no universo da luta pelo ambiente, pela qualidade de vida e pelo futuro.

OUTRO DIÁLOGO IMPROVÁVEL - O Estudo Acompanhado

Estás fixe Manel?
Estou e tu? Tudo bem?
Estou cansado, tivemos aula de Educação Física e o Setor Márcio não deixa a gente descansar. É também o teu?
É e não dá para parar, mas ele é fixe deixa a gente jogar à bola muitas vezes. Mas agora tive uma aula que não cansa nada. A gente faz o que quer fazer, quem quer fazer alguns TPCs pode fazer e a Setora às vezes até ajuda alguma coisa. Quem não quer fazer os TPCs pode estar a ouvir música com fones e a ler. A setora também deixa que a gente esteja nos computadores e dá para estarmos a jogar, é fixe.
Então tiveste agora Estudo Acompanhado?
Ya, como é que adivinhaste?
As aulas na minha turma também são assim, é com a Setora Júlia, é a tua?
Não, a minha Setora chama-se Laura, é fixe.
Parece que vai acabar esta cena do Estudo Acompanhado, estava o meu pai a dizer.
Podíamos ter mais Educação Física, era fixe.
Eu gostava de ter mais Inglês, é o que gosto mais.

Nota - Um diálogo improvável a partir de uma situação real.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A VIOLÊNCIA ESCOLAR CRIMINALIZADA (nota 2)

A segunda nota sobre a criminalização da violência escolar agora decidida pelo Governo remete para a instituição escola. Em primeiro lugar a escola é, será sempre, um reflexo do contexto económico, social e cultural, bem como do sistema de valores em que se integra. Neste quadro, em tempos de violência, a escola espelha essa violência, em tempos de sentimento de insegurança, a escola espelha essa insegurança, em tempos de sentimento de impunidade, a escola espelha esse sentimento de impunidade. Por tudo isto não é possível, como alguns discursos o fazem, responsabilizar exclusivamente a escola, por estas situações. A escola fará certamente parte da solução mas não é, não pode ser, A solução, esta passará por intervenções concertadas no âmbito das comunidade.
Um segundo aspecto prende-se com o trabalho com as famílias. Muitos casos de violência na escola estão associados, não estou a falar de uma relação de causa-efeito, à acção negligente ou menos competente por parte das famílias. Continuo fortemente convicto que nas escolas deveriam ser criados dispositivos, com recursos, humanos e de tempo por exemplo, para trabalho sistemático e estruturado com as famílias. Com as metodologias mais frequentes, reuniões de pais e convocatória para famílias problemáticas irem à escola, que se revelam ineficazes, a maioria dos pais nem sequer aparece, creio que será muito difícil alterar ou, pelo menos, minimizar os efeitos das variáveis familiares nos comportamentos dos miúdos.
Um outro aspecto ainda dentro da instituição escola prende-se com o facto conhecido de que os problemas mais significativos sentidos nas escolas, indisciplina, violência, delinquência, bullying, etc. ocorrem, obviamente, nas salas de aula e, sobretudo nos espaços de recreio. Deixando de lado, de momento, o interior da sala de aula parece-me fundamental que se dê atenção educativa aos tempos e espaços de recreio escolar.
Em muitas escolas a insuficiência de pessoal auxiliar, agora baptizados “assistentes operacionais” não permite a ajustada supervisão desses espaços. Por outro lado, a sua formação em matérias como supervisão educativa e mediação de conflitos, por exemplo, e, ou, o entendimento que têm das suas competências, muitas não valorizadas pela própria comunidade, leva a alguma negligência ou receio de intervenção.
Talvez não seja muito popular mas digo de há muito que os recreios escolares são dos mais importantes espaços educativos, aliás, muitas das nossas memórias da escola, boas e más, passam pelos recreios. Neste sentido, defendo que a supervisão dos intervalos deveria ser da responsabilidade de docentes. A reestrutura da enorme carga burocrática do trabalhos dos professores, dos modelos de organização e funcionamento das escolas, por exemplo, poderiam libertar horas de docentes para esta supervisão que me parece desejável.

A VIOLÊNCIA ESCOLAR CRIMINALIZADA (nota 1)

Tal como vinha sendo anunciado, o Governo decidiu criminalizar o fenómeno da violência escolar envolvendo “maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações de liberdade e ofensas sexuais a qualquer membro da comunidade escolar a que pertença o agressor” o que inclui os fenómenos de bullying.
Tal decisão já vinha em agenda desde 2002 por proposta do CNE e não tendo nada a opor à decisão gostava de chamar a atenção para algumas notas.
Em primeiro lugar uma referência aos professores. A imagem social dos professores tem vindo a sofrer uma erosão significativa, alguns estudos e a chamada "opinião pública" reflectem-no. As razões são variadas e dificilmente compatíveis com este espaço mas creio que uma boa parte da política educativa dirigida aos professores nos últimos anos, uma boa parte dos discursos dos lideres sindicais e os discursos ignorantes e irresponsáveis de alguns "opinion makers" têm dado um bom contribuo para que, em termos sociais, a imagem dos professores se desvalorize. Este processo mina de forma muito significativa a relação que pais e alunos têm com os professores, ou seja e sendo deselegante, "uma classe de gente que não trabalha", "que não se interessa pelos alunos", "que não quer ser avaliada", etc., (basta ver muitos dos comentários on-line a notícias que envolvem professores), não é, obviamente uma classe que mereça respeito pelo que se instala de mansinho um clima de reacção, desconfiança e fraqueza que minimizam o exercício da autoridade. Os pais e alunos que agridem e ofendem professores são uma espécie de "braço armado" dessa imagem social induzida.
Por outro lado, a cultura profissional e institucional em boa parte das nossas escolas e agrupamentos é ainda marcada por um excesso de individualismo. Quero dizer com isto que, lamentavelmente, os professores evidenciam níveis de cooperação e partilha profissional abaixo do que seria desejável. As razões serão várias e não cabem aqui, mas creio que justificam, muitas vezes, a não realização de queixas de incidentes, muitas vezes graves, por receio de exposição e demonstração de fragilidades face a colegas e responsáveis, o que uma cultura de maior cooperação atenuaria. Acresce ainda que, por desatenção, incompetência ou negligência muitas direcções de escolas e agrupamentos não vão muito longe na definição de dispositivos de apoio, recorrendo a outros docentes mais experientes ou à presença de dois professores por exemplo, que dariam aos professores apoio e confiança para o trabalho com os seus alunos.
Finalizando e, independentemente, da criminalização das ofensas físicas a professores, urge caminhar no sentido de reconstruir a imagem social dos professores como fonte imprescindível de autoridade, saber e importância e, paralelamente, incentivar a construção nas escolas de dispositivos leves e ágeis de apoio aos professores de forma a que cada um não se sinta entregue a si próprio e com receio de "enfrentar" os alunos e os pais, a pior das situações em que um docente se pode sentir.
Este caminho é da responsabilidade de todos, ministério, sindicatos, direcções de escola, pais, professores e alunos.

ENSINO PROFISSIONAL - Qualidade e Quantidade

No universo da educação em Portugal depois de Abril de 74, instalou-se uma das mais generosas e ingénuas ideias que o tempo das utopias gerou, todos os indivíduos deveriam ter formação universitária. Esta ideia, de trágicas consequências, quis combater a marca de classe presente nas escolhas entre liceu e escolas industriais e comerciais e, sobretudo, o baixo número de alunos que continuavam a estudar. O resultado foi criar um percurso que todos deveriam seguir e que só terminaria no fim do ensino superior universitário.
Com o aumento da escolaridade obrigatória e o aumento exponencial do número de alunos começou a perceber-se o erro trágico de um só percurso, muitos alunos chumbavam e abandonavam o sistema sem qualquer tipo de qualificação. Aliás, mesmo completando o ensino secundário, o 12º ano, as competências profissionais eram nulas, isto é, o 12º apenas ensinava, e mal, a continuar a estudar, coisa que entretanto era dificultada com a figura (lembram-se?) do "numerus clausus".
A partir de certa altura, timidamente, começaram a surgir ofertas de vias profissionais que, por má explicação política, foram sobretudo entendidas como uma estrada por onde vai quem não tem "jeito" ou competência para estudar. Neste contexto, famílias e alunos sentiram dificuldade em aderir a algo percebido como sendo de segunda. Entretanto, o nível inaceitável de chumbos e abandono no secundário continuava a envergonhar-nos.
Nos últimos anos, temos finalmente assistido a uma significativa diferenciação da oferta educativa, sobretudo depois do 9º ano, e essa oferta começa agora a perceber-se como uma alternativa à continuação de estudos mais prolongada, o ensino superior politécnico ou universitário. A oferta actual quase triplicou face a 2004/2005 o que tem contribuído para a descida muito significativa do abandono ao escolar neste patamar do sistema. Por outro lado, o crescimento exponencial da oferta tem vindo a levantar sérias reservas face à qualidade da formação providenciada, como refere Joaquim de Azevedo em trabalho do DN de hoje sobre esta matéria.
Para além da questão da qualidade que importa escrutinar em avaliações independentes, não centradas fundamentalmente em número de alunos certificados mas envolvendo a avaliação das competências atingidas, deve ainda referir-se que em muitas escolas esta oferta diversificada é ainda gerida de forma classista, ou seja, os bons alunos são os que se encaminham para os cursos gerais e os outros são encaminhados para os cursos profissionais que assim continuam percebidos como de segunda.
O nível de desenvolvimento das sociedades actuais exige níveis de qualificação profissional sem os quais o risco de exclusão social é enorme, sempre digo que a exclusão escolar é a primeira etapa da exclusão social. Assim, conseguir que os alunos, todos os alunos, cumpram a etapa escolar saindo com qualificações profissionais é o grande desafio que o nosso sistema educativo enfrenta e para cujo sucesso é fundamental a oferta de percursos formativos diferenciados mas sérios e com qualidade.
Na tentação de torcer a realidade até que esta diga aquilo que se pretende, o ME tem o pouco interessante hábito de torturar os números para os transformar em sucessos que componham as estatísticas, confunde certificar com qualificar, um equívoco de consequências trágicas e que com o pomposamente chamado "contrato de confiança" vai estender o "novas oportunidades" (versão embuste) para o ensino superior.
Não basta fazer as coisas certas, é também necessário fazer certas as coisas.

A HISTÓRIA DO EXCELENTE

Era uma vez um rapaz chamado Excelente. Na verdade e apesar do nome, durante muito tempo não era assim muito excelente, era mesmo um rapaz muito discreto, quase cinzento, ou transparente, como aquelas pessoas que até quando estão à nossa frente mal reparamos nelas.
O rapaz foi crescendo e toda a gente lhe fazia sentir que tinha de ser Excelente, em todas as actividades em que se envolvia. É assim a vida de muitos miúdos, todos à sua volta esperam que eles sejam excelentes, em tudo.
Pois o Excelente era um daqueles rapazes que não se distinguia em nada do que fazia, seja actividades escolares, actividades desportivas ou de outra natureza. Também não revelava grandes dotes artísticos e não era propriamente um miúdo com grande nível de relacionamento social. Apesar deste seu estar, a pressão para ser excelente continuava, vinda, sobretudo dos professores e da família.
De mansinho, esta pressão, grande demais para o Excelente, começou a instalar nele um desconforto malino, consigo e com a vida de quem teria de ser um Excelente que não era.
Sem se dar conta muito bem do que estava a acontecer, começou a reagir a esse desconforto e pouco a pouco foi descobrindo que, finalmente, estava a fazer algo em que parecia um Excelente.
Os seus colegas achavam-no o mais popular da turma, a maioria admirava-o e até fazia questão de se mostrar amiga do Excelente. Os professores mudaram de opinião sobre o rapaz, agora já achavam que na escola havia poucos alunos como ele. Até os pais se surpreenderam com o Excelente, nunca ninguém na família tinha sido assim.
O Excelente tinha finalmente encontrado algo em que era bom, mesmo muito bom. Era o melhor da sua turma a portar-se mal, aliás, era mesmo dos melhores na escola nesse fazer.
Agora sim, era um Excelente.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

OS CUSTOS DA CRISE DE ÉTICA

À espera do inevitável fumo branco que surgirá das negociações entre PS e PSD sobre o Orçamento geral do Estado para 20011 e ainda, creio, com uma percepção pouco clara das enormes dificuldades que teremos pela frente, as atenções centram-se na situação económica e na “surpresa” da recandidatura de Cavaco Silva.
No entanto, creio que vale a pena uma nota sobre uma outra dimensão da crise, a crise de valores, de ética, na política e nos negócios. O relatório anual da Transparency International coloca Portugal no 32º lugar na percepção sobre corrupção. Se considerarmos apenas os países da Europa ocuparemos o 19º lugar em 30, à frente de Grécia, Itália e de alguns países do leste europeu. Esta classificação, lamentavelmente, não traz nada de novo. Em entrevista ao DN Maria José Morgado afirma que a corrupção torna o país ainda mais pobre e continua a reclamar recursos e vontade política que permita um verdadeiro combate à corrupção.
Ainda sobre a mesma edificante temática, uma ex-Secretária de Estado, Ana Paula Vitorino, terá afirmado em depoimento à justiça que o ex-Ministro Mário Lino lhe terá lembrado que o empresário Rui Godinho, principal arguido do processo Face Oculta, era “um bom amigo do PS”. O “recado” destinava-se a que a intervenção da Secretária de Estado facilitasse uns negócios do empresário com a Refer, empresa que tutelava. Também é de lamentar e muito significativo que tal notícia não constitua propriamente uma surpresa para a generalidade das pessoas, é só ir mudando nomes e contextos.
Vamos desejar que a conjuntura económica e financeira melhore e que as dificuldades se atenuem. Mas a crise de valores em matéria de ética política e económica parece bem mais difícil de ultrapassar e mantendo este quadro dificilmente acedemos a outros patamares de desenvolvimento. Relembro a afirmação de Maria José Morgado, “a corrupção torna o país mais pobre”.

A HISTÓRIA DOS CARAPAUS DE CORRIDA

Volta e meia, as mais das vezes sem motivo aparente, lembro-me de algumas expressões que fazem parte da minha história mas que, por uma razão ou por outra, quase desapareceram de circulação.
Hoje apareceu vinda lá de longe uma designação que era muito do agrado da minha professora da Primária, a D. Conceição e de outros adultos da altura, os "carapaus de corrida". Devo confessar que não me passa pela ideia a origem de tal pérola, mas que nos enchiam os ouvidos com ela, lá isso enchiam.
Perante qualquer comportamento ou atitude menos conforme o espírito submisso e aquietado da época, lá vinha um "não te armes em carapau de corrida" seguido, quase sempre, de uma ameaça que naquele tempo era para levar a sério, vinda de pais ou professores.
Na minha turma o destino juntou um bom número de "carapaus de corrida". Como o povo costuma dizer, não é para me gabar, mas fazíamos uns disparates dos bons e, claro, a D. Conceição lá vinha com a sua apreciação e com alguma frequência, os "carapaus de corrida" corriam para a frente da secretária para um pequeno e acalorado encontro com a régua que descansava na gaveta de cima. Enquanto ouvíamos qualquer coisa como, "para não te armares em carapau de corrida" as barbatanas, perdão, as mãos, ganhavam um tom avermelhado e um calor que nos dava frio.
Um dia, o Fernando, já vos falei dele, um dos nossos heróis quando roubou a régua que fomos partir para fora da escola e talvez o melhor "carapau de corrida" do grupo teve mais uma das suas muitas obras primas. Quando pela enésima vez a D. Conceição referiu os inevitáveis "carapaus" retorquiu que aquela sala parecia mesmo um aquário. Antes que a professora reagisse explicou que com "tantos carapaus e uma baleia" aquilo já era um aquário não era uma escola.
Naquele dia, quando fomos para o recreio o Fernando, o herói, ainda tinha dificuldade em segurar os berlindes.
Mas isto é uma história do tempo em que havia "carapaus de corrida".

terça-feira, 26 de outubro de 2010

O CONTROLO POLÍTICO DO SISTEMA

Ao que parece e é hoje divulgado na imprensa, existe um projecto de portaria no sentido de que os directores das escolas e agrupamentos seja avaliados pelas respectivas Direcções Regionais de Educação. Aparentemente nada de estranho pois estão na sua dependência hierárquica directa.
No entanto, do meu ponto de vista, a proposta remete para uma outra questão à qual me tenho referido no Atenta Inquietude, sobretudo no âmbito da fusão de escolas e na criação dos mega-agrupamentos, o controle político do sistema. De facto, estando os Conselhos Gerais das escolas e agrupamentos fortemente envolvidos na definição dos directores, parece fazer todo o sentido que a respectiva avaliação de desempenho envolva também de forma significativa os Conselhos Gerais.
Como é sabido, regularmente temos episódios bem demonstrativos, as Direcções Regionais de Educação são lugares de nomeação política e, como tal, constituem uma base fundamental para o que designo como controle político do sistema. Atribuir exclusivamente às Direcções Regionais a avaliação dos directores é, obviamente, introduzir uma componente política fortíssima neste processo. Sabemos também que o nosso quadro político é, sobretudo, um jogo de equilíbrios e lutas dos aparelhos partidários. Neste cenário, parece fácil antecipar que derive para as unidades nucleares do sistema, as escolas, a lógica das influências e dos aparelhos, sem que isto implique um pré-juízo sobre a independência dos directores de escola e agrupamentos.
É também claro que para além da responsabilidade pela avaliação, importa conhecer os critérios dessa avaliação, matéria que ainda não é conhecida. No entanto, independentemente do que neste âmbito possa vir a ser definido, parece desejável que apesar da ligação hierárquica entre directores de escola e agrupamentos e direcções Regionais de Educação, a avaliação deveria em primeira instância e de forma decisiva os Conselhos Gerais, estruturas representativas das respectivas comunidades escolares.

UM RAPAZ CHAMADO MÁQUINA

Era uma vez um rapaz chamado Máquina o que na verdade é um nome estranho. Acontece que desde muito pequeno as pessoas se espantavam com as suas qualidades e por isso lhe chamavam Máquina, uma Máquina perfeita.
Quando entrou na escola a perfeição e facilidade com que aprendia e resolvia as tarefas tornavam-no uma Máquina aos olhos de colegas e professores.
Como é habitual quando se é mais novo o Máquina habitou-se e gostava de se sentir uma máquina, sempre a funcionar bem, sempre a fazer o trabalho que se esperava com a maior das perfeições. Um pouco mais crescido, aí pelos catorze anos a coisa começou alterar-se até de forma rápida e incompreensível. O Máquina, começou, por assim dizer a falhar, distraía-se nas aulas, esquecia-se de realizar os trabalhos, não completava ou apresentavam erros nunca antes cometidos.
Depois de tantos anos de funcionamento perfeito era com alguma perplexidade que professores e pais assistiam a esta mudança do Máquina que, estranhamente e para acentuar a perplexidade, andava com um ar feliz e contente que nunca lhe tinham conhecido em anos de excelência e perfeição.
O Máquina tinha um segredo, tinha-se apaixonado pela Joana e ela disse que sim.
As pessoas estão sempre convencidas de que as Máquinas não têm coração.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

EUROS, PROFESSORES E QUALIDADE

É óbvio que existirão muitas excepções, mas creio que a generalidade das pessoas que conheça razoavelmente a realidade das escolas não terá uma percepção muito positiva do trabalho realizado no âmbito das disciplinas de Área de Projecto e do Estudo Acompanhado. Independentemente do empenho dos professores as práticas nesta matéria têm uma latitude extraordinária, isto é, verifica-se experiências completamente diversificadas na sua qualidade. Lembro-me de num dos anos da carreira escolar do meu filho o ouvir comentar que a Área Projecto naquele ano ia ser fixe, quando o inquiri sobre a razão respondeu-me que era fixe porque não "faziam nada". Quanto ao Estudo Acompanhado, em muitas situações não passa de um espaço onde, com a presença pouco activa de alguns docentes, os miúdos se entretêm, por vezes até com actividades escolares.
Acontece que a decisão do ME de acabar com as duas disciplinas é essencialmente subordinada ao seu custo e não com a devida fundamentação na sua eficácia e qualidade, ou seja, se houvesse recursos poderia continuar mal. Por outro lado, os representantes dos professores, naturalmente mais centrados nas questões profissionais do que na qualidade da educação, vêm a terreiro imediatamente acenar com o eventual risco de desemprego que poderá atingir os docentes envolvidos nestas duas disciplinas, ou seja, importa assegurar o emprego, a qualidade do trabalho que genericamente se conhece parece ser uma questão secundária. As horas dos docentes adjudicadas a estas duas disciplinas poderiam, deveriam, ser redireccionadas numa perspectiva, por exemplo, de apoio diferenciado às dificuldades escolares dos miúdos.
Parece consensual a imprescindibilidade de mudanças de natureza curricular. Já aqui escrevi que o número de disciplinas e a extensão e natureza dos conteúdos curriculares se associam de forma bem significativa a algumas das questões mais frágeis do sistema educativo, designadamente no 3º ciclo, insucesso, absentismo e indisciplina, tudo dimensões fortemente ligadas aos níveis de motivação e funcionalidade percebida pelos alunos nos conteúdos curriculares.
Importa também, do meu ponto de vista, considerar que o actual modelo de organização das escolas e do trabalho dos professores leva a que um número extraordinário de horas de trabalho dos docentes seja dedicado a um conjunto interminável de actividades, a inúmeras tarefas de natureza quase administrativa, para além das reduções inerentes à progressão na carreira e de outras funções não lectivas. Tudo isto contribui para que em termos práticos tenhamos um modelo menos eficiente e facilitador do trabalho dos alunos e os próprios professores, cujo empenho e profissionalismo esbarra muitas vezes com modelos inadequados de organização e funcionamento das escolas.
Temo que a necessária discussão sobre estas matérias se centre excessivamente nos aspectos logísticos, nos contornos políticos, e menos nos aspectos essenciais, as práticas que se desenvolvem, os modelos (no plural) de organização e do trabalho em sala de aula, os modelos de organização e funcionamento das escolas, o modelo e a organização da carreira docente envolvendo os conteúdos funcionais, etc.
Neste quadro, parece-me fundamental que, sem esquecer a conflitualidade natural em todos o processos humanos e que não é necessariamente negativa, se reflicta seriamente na questão da qualidade do trabalho educativo de alunos e professores.

O MAL ESTAR DA JUSTIÇA

Muitas vezes tenho referido no Atenta Inquietude que uma das dimensões fundamentais para uma cidadania de qualidade é a confiança no sistema de justiça. É imprescindível que cada um de nós sinta confiança na administração equitativa, justa e célere da justiça. Assim sendo, a forma como é percebida a justiça em Portugal, forte com os fracos, fraca com os fortes, lenta, mergulhada em conflitualidade com origem nos interesses corporativos e nos equilíbrios da partidocracia vigente constitui uma das maiores fragilidades da nossa vida colectiva.
Neste contexto, a divulgação hoje de um Relatório da Comissão Europeia para a Eficácia da Justiça no âmbito do Conselho da Europa contem alguns dados verdadeiramente interessantes e que merecem reflexão atenta. Duas pequenas notas. A seguir à Itália somos o país com a justiça mais lenta entre os 45 países considerados. Um processo demora em média cerca de 430 dias a ser resolvido. Um outro dado significativo é que somos um dos países com um rácio maior de profissionais de justiça por 100 000 habitantes, 294,9, (envolve juízes, advogados, procuradores e notários). É notável, este facto transmite a ideia que esta gente toda se atropela, engarrafando processos e procedimentos.
Estando em aberto um inaceitável conflito, nos termos em que é colocado, entre o governo e os representantes sindicais da classe dos juízes devido a cortes no subsídio de habitação, o estudo da Comissão Europeia também mostra que os juízes portugueses são em final de carreira dos mais bem remunerados entre o países considerados, ganham cerca de 4,2 vezes o salário médio bruto nacional. Para comparação, na Bélgica, França, Finlândia, Noruega, Suécia, Áustria, Holanda, Dinamarca ou Alemanha o valor é de 2,1.
Este cenário global é verdadeiramente preocupante, temos recursos razoáveis e temos um sistema em que não temos confiança, ineficaz e lento.
Finalmente, a maior preocupação decorre da percepção de que ninguém parece verdadeiramente interessado em alterar este quadro. Sofrem os cidadãos individualmente e sofre a qualidade da vida cívica do país.

A HISTÓRIA DO PAPAGAIO

Há mais de 40 anos estava eu a assistir à prova oral do meu colega Fernando na disciplina de Ciências Naturais, acho que era assim que se chamava, do 5º ano do antigo curso do Liceu, quando o Setôr Jardim, professor competente mas demasiado sério para o nosso gosto, disse ao meu colega para ir buscar uma peça que se encontrava numa mesa com materiais de apoio às provas. Tratava-se de um papagaio embalsamado, empoleirado num pequeno tronco.
Com o papagaio na mão do Fernando, o Setôr Jardim exigiu a classificação do bicho. O meu colega respondeu terminando com a referência à pertença ao grupo das Trepadoras, não sei se será ainda uma designação actual. Inquirido sobre a justificação, respondeu que se devia ao facto de estar equipado com dedos opostos nas patas que optimizavam a função de trepar.
Num raro momento de humor, mas mantendo a habitual sisudez, o professor perguntou-lhe como sabia ele tal coisa se desde o início agarrava o papagaio pelas patas. Pois o meu amigo Fernando respondeu tranquilamente que tinha um papagaio em casa. O exame acabou por ali, com sucesso, diga-se.
Tal como naquele tempo, creio que uma parte da nossa escola ainda desconhece, ou não quer conhecer, o que os miúdos já sabem quando se sentam, seja aprendido em casa, nos ecrãs onde se fecham ou noutro qualquer cenário que não a sala de aula. O que há para saber está dentro do manual, dos manuais. O que os miúdos carregam, bom ou mau, muito ou pouco, ou não é valorizado ou nem sequer é conhecido.
A escola é sempre melhor sucedida quando conhece o que os miúdos sabem e os leva a um passo adiante.
Como sempre digo, a gente só aprende a partir do que já sabe. Por isso é que muitos miúdos experimentam sérias dificuldades para darem passos na aprendizagem que, algumas vezes, são maiores que as suas pernas.

domingo, 24 de outubro de 2010

PARA JÁ AOS DOMINGOS À TARDE, MAS A LUTA CONTINUA

Finalmente, a partir de hoje as grandes superfícies comerciais vão estar abertas aos Domingos e pode ser até à meia-noite, para já, porque a luta continua até à vitória final, as 24 horas de abertura. Claro que existem sempre vozes que se levantam brandindo a retórica do costume, o impacto no pequeno comércio, o fomento do consumismo, os estilos de vida e o tempo das famílias, etc. Este argumentário é de uma ignorância confrangedora, esquece a relevância que as grandes superfícies comerciais e os centros comerciais que as acolhem assumem para a nossa qualidade de vida.
Para nós portugueses, um centro comercial não é apenas um espaço, maior ou menor, onde se realizam compras. Aliás, comprar o que quer que seja, está cada vez mais difícil por razões óbvias, daí as lojas com pouca gente e os corredores cheios. Um centro comercial é um espaço de ocupação de tempos livres. Como vários estudos mostram, Portugal tem um baixo consumo de actividades de lazer no exterior, de actividades desportivas e de actividades culturais. É nos centros comerciais que gastamos boa parte dos nossos tempos livres o que os transforma em excelentes ATLs. Para os reformados e, sobretudo, para a população escolar em tempo de férias são uma excelente alternativa para as famílias e com custos relativamente baixos, o hamburger e a cola para o almoço e a miudagem passa lá o dia. Com o fim dos cafés tradicionais, os centros comerciais ocupam também uma boa parte desse espaço de convívio e tertúlia, quando precisamos de nos encontrar com alguém á fácil marcar o encontro para qualquer espaço no centro comercial com a enorme vantagem de ter estacionamento disponível. Se juntarmos a tudo isto a abertura dos hipermercados, onde entramos para comprar um cestinho de bens e saímos a rebocar um carro a abarrotar de imprevistas compras, cujo preço as tornou irrecusáveis, ainda bem que entrámos, concluímos.
Uma outra razão prende-se com a falta de qualidade genérica da construção para habitação em Portugal. As nossas casas estão mal preparadas, quer para o frio, quer para o calor. Assim sendo, que melhor e mais confortável espaço para se passar o tempo que um climatizado centro comercial, com bancos para descanso, palmeiras em plástico, água a correr em fontes, sempre fresquinho no verão e quentinho no inverno.
Por este conjunto de razões, mais algumas haverá de que não me lembrei, um muito obrigado pela decisão, só espero que as autarquias não se armem em desmancha-prazeres e colaborem activamente na liberalização do horários bem como na facilidade para a instalação de novas superfícies.

sábado, 23 de outubro de 2010

CERTIFICAÇÃO E QUALIFICAÇÃO NÃO SÃO SINÓNIMOS

A entrevista de hoje ao Público de Luís Capucha, o responsável pela Agência Nacional para a Qualificação que tutela o Programa Novas Oportunidades, a propósito da avaliação externa leva-me a voltar ao tema.
Antes de me referir à avaliação algumas notas retomadas de textos anteriores. Estamos todos de acordo que um dos nossos principais problemas e, portanto, um dos principais desafios que como país enfrentamos, é o da qualificação dos nossos cidadãos. Já aqui me tenho referido a esta questão e à importância transcendente que ele assume em termos de futuro viável para Portugal. Recorrentemente são disponibilizados números pelas diferentes agências internacionais que sublinham esta questão.
Dito isto, parece obviamente importante que sejam desenvolvidos os dispositivos adequados à qualificação das pessoas. É neste contexto que apareceu o inevitável Programa Novas Oportunidades, sobre o qual afirmei no início "O lançamento de um Programa com o objectivo de estruturar e incrementar os processos de qualificação de sujeitos que abandonaram o sistema é, obviamente de saudar. Parece-me também de sublinhar o interesse e significado que o Reconhecimento e Validação de Competências, a génese do Novas Oportunidades, pode assumir para pessoas com largo trajecto profissional, sem certificação escolar, mas que tiveram acesso a um processo de reconhecimento de competências profissionais entretanto adquiridas e a aquisição de equivalências aos processos de escolarização formal".
No entanto, o desenvolvimento posterior do Programa e as sucessivas intervenções os responsáveis do Programa rapidamente evidenciaram, e evidenciam, o enorme equívoco, ou melhor, embuste, de confundir qualificação com certificação, ou seja, é possível passar milhares de certificados de 9º e 12º anos em pouco tempo mas é, obviamente, impossível qualificar milhares de pessoas em pouco tempo. É neste quadro que se tem desenvolvido o Programa e que é bem conhecido por parte de quem acompanha os Centros Novas Oportunidades onde, pese o esforço e dedicação de muitos técnicos, se verifica uma enorme pressão para que se "produzam" certificados. O Professor Capucha bem pode afirmar o contrário mas o contacto com os profissionais envolvidos pode ser elucidativo.
No que respeita à avaliação e aos seus resultados parece-me que estamos perante um novo equívoco. É óbvio que as pessoas envolvidas terão de expressar uma opinião genericamente positiva, acedem a diplomas que lhes certificam competências, acedem a algumas experiências e competências, a equipamentos informáticos, etc. Parece-me aliás, estranho que apenas um terço revelem que o Programa teve pelo menos um aspecto positivo e dessas nem todas. É interessante que dos 32% que referem um aspecto positivo, apenas 27% refiram alargamento de competências. A questão central é, de facto, a qualificação que efectivamente recebem, sublinho, qualificação e sobre isso a avaliação não incide. O Professor Capucha retoma ainda um argumento demagógico habitual, são as elites que contestam alguns dos aspectos do Programa. Não sei exactamente quais são as elites a que se refere ou o que entende por elites, mas como é óbvio, são as pessoas melhor informadas, mais conhecedoras dos programas de formação e qualificação, que em melhor condição estarão para reflectirem sobre os mesmos.
Gostava de poder afirmar que as muitas histórias e exemplos que se conhecem sobre todo este processo fossem irrelevâncias residuais. O problema é que todos nós sabemos que não são, apesar dos esforços e empenhamento, repito, dos técnicos envolvidos nos Centros Novas Oportunidades.
Voltando ao início, o aumento exponencial de pessoas com certificados seria uma boa notícia, se todo este processo não estivesse inquinado por um fingimento que embaraça.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A DESESPERANÇA

O Público de hoje aborda as prováveis implicações do enorme corte de 11,2% no orçamento previsto para a educação, designadamente no impacto em aspectos profissionais dos professores e titula “Sem alvo óbvio, os professores tardam em transformar o desânimo em revolta”, comparando a actual situação, de aparente acalmia, com a mobilização atingida no consulado de Maria de Lurdes Rodrigues. No trabalho cujo título parece revelar uma certa estranheza pela ausência, para já, de revolta, são ouvidas várias opiniões que parecem convergir na ideia de que os professores “ainda não se deram conta” dos problemas ou, numa versão mais popular, “ainda não sentiram na pele” os efeitos.
Devo dizer que não partilho muito deste entendimento. Os professores estão, creio, conscientes dos problemas e dos efeitos, a sua aparente desmobilização pode, é minha convicção, ser interpretada como consequência de um clima instalado, não só entre os professores, de desesperança. Esta desesperança, a que aqui já me tenho referido, promove e acumula um capital devastador de acomodação, de falta de confiança, de descrença que, do meu ponto de vista pode ter efeitos mais significativos que o corte previsto no orçamento.
Na legislatura anterior o cenário era, do meu ponto de vista, razoavelmente diferente, as decisões incompetentes e arrogantes da equipa ministerial faziam acreditar, pela sua própria inconsistência, que a mudança poderia ser possível.
Actualmente, a percepção social da possibilidade de mudança parece bem mais frágil, bem mais desesperada, pelo que o desânimo poderá estar instalado mas a revolta parece tardar. Vamos a ver se, e como, acontecerá.

FAZ DE CONTA

Passo o tempo a fazer de conta. Mas não sou só eu.
Faço de conta que gosto da escola e que tenho algum interesse pela maior parte das aulas.
Faço de conta que tenho a certeza do que quero fazer quando chegar a adulto.
Faço de conta que estudo a sério mas apenas me preocupa ir passando.
Os meus pais fazem de conta que ficam contentes, mas bem queriam que eu fosse como a minha irmã, sempre tudo bem feito.
Os meus amigos, muitos deles, também fazem de conta que andam numa boa mas andam tão às voltas com o caminho como eu.
Alguns professores fazem de conta que se preocupam com a gente e que querem ensinar mas nunca me perguntaram o que é que eu acho da vida.
O meu pai faz de conta que adora a minha mãe e a minha mãe faz de conta que gosta do meu pai mas não podem um com o outro, discutem o tempo todo quando a gente não está ao pé.
Às vezes, a gente anda a divertir-se e a fazer disparates a fazer de conta que está tudo bem mas sabemos que não está.
Um dia gostava de não fazer de conta.
Como é que será?

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

FALTOU A MENSAGEM VÍDEO

O Conselho Nacional de Educação no seu importante relatório hoje divulgado, coloca algumas questões que têm sido recorrentemente abordadas e identificadas por quem conhece minimamente o nosso sistema educativo.
Numa primeira reflexão regista-se as dificuldades e ineficácia dos apoios aos alunos em dificuldades no seu percurso escolar e sublinha também a importância dos apoios sociais de que beneficia um número muito significativo de alunos. Como já referi, esta constatação é algo de familiar a quem se move nos sistema.
Em reacção a esta divulgação do CNE e às preocupações expressas pela sua Presidente, o Ministério emite um comunicado em que se responsabiliza e garante que todas as crianças frequentarão a escola "com todas as condições de aprendizagem" e que nenhuma criança abandonará o sistema por "dificuldades económicas".
Devo dizer que me parece estranho o ME vir a Público afirmar o que obviamente é da sua responsabilidade.
A questão, essa sim preocupante e que não é de todo estranha, é que o ME tem falhado muitos dos aspectos que são da sua área de competência, o que, aliás, o relatório do CNE também evidencia.
Vir a terreiro "descansar" o País sem enunciar as iniciativas que pretende desenvolver face aos problemas identificados, parece-me uma iniciativa que se enquadra no estilo materno-voluntarista à deriva da Ministra Isabel Alçada. Faltou uma mensagem em vídeo.

A POBREZA, AINDA E SEMPRE, A POBREZA

Lamentavelmente a pobreza e o risco de pobreza em Portugal continuam na agenda. Os dados do INE referentes a 2009, que certamente estarão desactualizados em 2010 e ainda mais desactualizados em 2011, mostram que 21,4 % da população vive em condições de privação material. Isto quer dizer, por exemplo, dificuldade em pagar rendas sem atraso, manter a casa aquecida ou fazer uma refeição de carne ou de peixe pelo menos de dois em dois dias. Apesar dos apoios sociais, há algumas semanas, Bruto da Costa, um dos mais conhecidos especialista nestas matérias para além dos verdadeiros pobres, naturalmente, alertava para a ineficácia genérica da Acção Social na diminuição dos números da pobreza. O INE também sublinha a maior vulnerabilidade ao risco de pobreza por parte de família monoparentais com mais de dois filhos bem como os mais idosos, muitos a viver só. Creio ainda ser de relembrar o impacto que as situações de pobreza familiar têm na qualidade de vida dos miúdos e a ameaça que representam na construção de projectos de vida viáveis e bem sucedidos traduzidos, por exemplo, na desejável quebra do ciclo de pobreza.
Não é novidade o baixo impacto que políticas centradas quase que exclusivamente no subsídio, obviamente necessário em muitas circunstâncias, têm no combate à pobreza e exclusão uma vez que não atingem o aspecto essencial que é autonomia na produção de recursos que minimizem as dificuldades económicas.
É óbvio que grupos sociais como idosos exigem modelos e dispositivos de apoio social diferenciados de populações mais jovens e em idade produtiva. É certo que existem algumas iniciativas nesse âmbito como, por exemplo, a promoção de formação profissional no âmbito de programas de apoio.
Acontece, no entanto, que essa oferta é, por vezes, desfasada das necessidades e particularidades contextuais sendo ainda desvalorizada pelos próprios beneficiários que a encaram apenas como condição de acesso a apoios e não como oportunidades de desenvolvimento pessoal e reconstrução de projectos de vida. É pois fundamental que estas iniciativas sejam devidamente avaliadas e regulado o seu desenvolvimento.
Neste quadro importa ainda a coragem de, mais uma vez, ponderar os modelos de desenvolvimento económico e social, diminuir efectivamente o fosso intolerável entre os mais ricos e mas pobres, caminhar no sentido da construção de uma dimensão ética que seja reguladora da atribuição de privilégios incompreensíveis e obscenos para poucos e tolerância face a situações de exclusão extrema para bastantes outros.
Eu sei que escrever sobre estas questões em espaços desta natureza tem alcance zero, mas continuo convencido que é fundamental não deixar cair a preocupação com a pobreza e exclusão. Por isso, a insistência.

A HISTÓRIA DAS CONTAS COM TRANSPORTE

Aqui há tempos numa conversa com o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, ele contou-me uma história engraçada.
Andava lá na escola uma Menina que experimentava dificuldades nas contas com transporte. Lembram-se? Aquelas do "e vai um" como dizíamos em pequenos e que agora certamente terão uma nova designação. A professora da Menina tinha alguma dificuldade em perceber o que se passava pois ela parecia perceber a lógica do transporte a partir da ideia de dezena. Tudo parecia entendido, no entanto, quando a Menina experimentava fazer as contas, lá vinha o erro, sendo que se não houvesse necessidade do "transporte" a coisa corria bem.
A Ana, a professora, comentava esta sua dificuldade com uma colega e o Professor Velho que estava por perto sugeriu-lhe que perguntasse à Menina porque não lhe saíam bem as contas com transporte. A Ana achou que o Velho estava brincar e riu-se, "vou agora perguntar à Menina porque erra, ela não vai saber responder". "Experimenta pedir-lhe para tentar resolver as contas mas pensando em voz alta o que vai fazendo, vais ver que percebes porque erra".
O engraçado da história é que o Professor Velho tinha razão, quando a Menina tentou fazer as contas em voz alta imediatamente ficou clara a razão do erro.
A Menina fazia as contas da esquerda para a direita, tal como lia e não da direita para a esquerda com as contas pedem.
Quanto melhor percebermos os processos que conduzem aos erros, em melhores condições estaremos de os modificar, os processos e os erros, disse ainda o Velho.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

OS CUSTOS DA DEFICIÊNCIA

Os dados de um interessante estudo realizado pelo Centro de Estudos Sociais da Fac. de Economia da Univ. de Coimbra, citado no Público, apontam para que uma pessoa com deficiência possa ter um gasto anual entre 6 000 e 27 000 € decorrentes especificamente da sua condição e considerando diferentes quadros de deficiência. Estes dados estão incompletos porque os investigadores não conseguiram elementos sobre os gastos no âmbito do Ministério da Saúde.
O estudo revela também que apesar de algumas melhorias a situação deste grupo social é ainda muito complicada. São referidos aspectos como"a morosidade das respostas, que se torna dramática em situações urgentes", a dependência da “pessoa que está no guichet" e da permeabilidade ao tão português “dar um jeitinho” que permite acelerar ou desbloquear processos. A falta de eficácia na fiscalização ou a escassez de recursos são também aspectos referenciados. As dificuldades são reconhecidas pela Secretaria de Estado que tutela estas matérias.
Finalmente, o estudo sublinha os enormes custos sociais, não quantificáveis facilmente, envolvidos na vida destes cidadãos e que têm impacto no contexto familiar, profissional, relacional, lazer, etc.
Como é óbvio, os recursos são finitos e o tempo é de contenção. No entanto, pode afirmar-se que para as pessoas com deficiência os tempos sempre foram de recursos finitos e de contenção, ou seja, as dificuldades são recorrentes e persistentes.
Creio também que é justamente no tempo em que as dificuldades mais ameaçam a generalidades das pessoas que se avoluma a vulnerabilidade das minorias e, portanto, se acentua a necessidade de apoio e de políticas sociais mais sólidas, mais eficazes e, naturalmente, mais reguladas.
Assim sendo, exige-se a quem decide uma ponderação criteriosa de prioridades que proteja os cidadãos dos riscos de exclusão, em particular os que se encontram em situações mais vulneráveis.

IMAGEM

Os tempos que atravessamos evidenciam, entre muitíssimos outros aspectos, o papel que a imagem e, mais globalmente, a comunicação assumem em todas as áreas do nosso funcionamento e também, como é obvio, na acção política. Diria até, que actualmente parte importante da acção política assenta na comunicação e na imagem. Não existe serviço ou entidade que não tenha o seu gabinete de imagem e comunicação e respectivo assessores.
Ontem o DN titulava em 1ª página que o Governo prevê um gasto de 23 000 € em seminários e publicidade, hoje o Público que refere que em 2009 o Estado gastou 408 milhões em publicidade o que corresponde a 10,1 % do mercado global sendo que 89 % desse volume se destinou a publicidade televisiva.
Não tenho nenhuma reserva contra a importância atribuída à comunicação e imagem, negá-la seria tapar o Sol com uma peneira. Sabemos todos que o suporte a comunicação podem transformar uma má ideia em boa ideia, se for bem "vendida", e uma boa ideia pode transformar-se em má ideia, se for mal "vendida".
O que me deixa mais embaraçado e inquieto é a frequência com que assistimos por parte dos actores políticos, de todos os actores políticos sublinho, ao despudor e à manipulação de factos, ideias ou sentimentos no sentido de venderem aquilo que em cada momento possa servir os seus interesses particulares.
Se assistirmos a um jornal televisivo ou lendo da imprensa escrita é muito evidente a forma como através da publicidade, mascarada de "opinião" ou mais grave ainda apresentada como "saber", se procura "vender" ao "consumidor" um qualquer produto (ideia, opinião, etc.) que se queira promover.
Este cenário é certamente um dos contributos para a falta de confiança nos políticos que os cidadãos revelam, em estudos de imagem, é claro.

NÃO SOMOS UM PAÍS DE DOUTORES (Take 2)

O Relatório do Conselho Nacional de Educação mostrando que apenas 32% dos alunos portugueses concluem os 12 anos de escolaridade sem conhecer o "chumbo" e o número ainda significativo dos que não concluem vem, mais uma vez, demonstrar a falsidade de uma ideia instalada na opinião pública e muitas vezes alimentada pela ignorância e irresponsabilidade de alguma imprensa, a ideia de que somos um "país de doutores", ou seja, temos um excesso de mão de obra qualificada e condenada ao desemprego. Este entendimento é obviamente falso e frequentemente aqui tenho procurado demonstrá-lo. Sabemos, é conhecido, que temos umas dezenas de milhares de jovens licenciados em situação de desemprego mas, de uma vez por todas, é fundamental que percebamos que, primeiro, eles não estão no desemprego por serem licenciados, estão no desemprego porque temos um mercado pouco desenvolvido e ainda insuficientemente exigente de mão de obra qualificada e estão no desemprego porque, por desresponsabilização da tutela, a oferta de formação do ensino superior é completamente enviesada distorcendo o equilíbrio entre a oferta e a procura como muitas vezes afirmo. Muitas empresas, sobretudo as de menor dimensão, provavelmente devido ao baixo nível de qualificação dos empresários (um dos mais baixos da UE), parecem também mais avessas à contratação de mão de obra qualificada.
Por outro lado, se atentarmos em dados da OCDE e do INE sabemos que um trabalhador licenciado ganha em média mais 80% que alguém com o ensino secundário. Um indivíduo com a escolaridade básica recebe em média menos 57% que alguém com o Ensino Secundário. Apenas 7.5% de pessoas com o 9º ano recebem duas vezes mais que a média nacional enquanto licenciados a receber duas vezes mais que a média são quase 60%. Os filhos de pais licenciados têm 3,2 vezes mais probabilidades de obter uma licenciatura. Entre os 25 e os 34 anos, 19% dos jovens tem uma licenciatura enquanto na OCDE a média é 32%. Em Portugal, o número de licenciados é metade da média da União Europeia. Na franja entre os 35 e 44 anos a percentagem ainda baixa para 13%. Um indivíduo com apenas o básico corre um risco de pobreza 20 vezes superior ao de um indivíduo com um curso superior.
Deste quadro releva a absoluta imprudência de passar a mensagem de que a formação é irrelevante, o desemprego é o destino.
A qualificação profissional, de nível superior ou não, é essencial como também é essencial a racionalidade e regulação da oferta do ensino superior.
Deixem definitivamente de lado a ideia de que somos um país de doutores, é um tiro no pé.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

TUDO SE COMPRA, TUDO SE VENDE, ATÉ AS PESSOAS

A agenda das consciências marca para hoje a preocupação com o Tráfico de Seres Humanos que segundo o Alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados gera um negócio de 2,5 mil milhões de euros na União Europeia e tem como vítimas mais comuns mulheres e crianças. Segundo o relatório há tempo divulgado do Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH), 84 pessoas foram sinalizadas no último ano em Portugal como eventuais vítimas de tráfico de seres humanos. Com alguma dramática frequência são também conhecidos casos de cidadãos portugueses que se encontram em situação de escravatura em explorações agrícolas espanholas.
Parece estranho como é possível em tempos actuais, em sociedades desenvolvidas ou consideradas como tal, a existência de tráfico de pessoas.
Este negócio, um dos mais florescentes e rentáveis em termos mundiais, alimenta-se da vulnerabilidade social, da pobreza e da exclusão o que, como sempre, recoloca a imperiosa necessidade de repensar modelos de desenvolvimento económico que promovam, de facto, o combate à pobreza e, caso evidente em Portugal, às escandalosas assimetrias na distribuição da riqueza.
As pessoas, muitas pessoas, apenas possuem como bem, a sua própria pessoa e o mercado aproveita tudo, por isso, compra e vende as pessoas dando-lhe a utilidade que as circunstâncias, a idade, e as necessidades de "consumo" exigirem.
O que parece ainda mais inquietante é o manto de silêncio e negligência com que este drama.

PAI E FILHO - uma improvável cena


- Isto vai ensinar-te que não deves bater nas pessoas.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

VIVÊNCIA E SOBREVIVÊNCIA

Desde que se abateu a crise financeira e depois económica, não antecipada na sua dimensão pela maioria dos gurus que sempre endeusaram o mercado e a sua resiliência, o quadro tem vindo a piorar e, mais grave ainda, a instalar-se a desesperança. Lembrar-se-ão certamente das afirmações de responsáveis governamentais que produziram pérolas como "Portugal está preparado para a crise" ou "a crise acabou".
Durante estes dois últimos dois anos começamos por ouvir os discursos que sugeriam a necessidade de mudar hábitos e estilos de vida, quer à escala familiar quer à escala do país. É preciso poupar, conter despesas, não podemos viver acima das nossas possibilidades, etc. têm sido discursos recorrentes e tal situação é traduzida, por exemplo, no aumento exponencial do crédito malparado das famílias.
Neste cenário, surge a proposta de Orçamento para 2011 que dadas as dificuldades e as prioridades com que parece ser concebido faz desabar sobre as famílias e os trabalhadores por conta de outrem a fatia mais pesada das dificuldades. Deve ainda acrescentar-se o abaixamento também previsto da fatia orçamental destinada às políticas sociais.
Por outro lado, reportando-se a dados de Junho, o INE informa que o salário médio nacional é de 777 € e que 1,44 milhões de pessoas têm salários abaixo dos 600 €, a que importa a acrescentar um milhão de reformados e pensionistas com pensões mínimas.
Este quadro implicará certamente um salto no trajecto de dificuldades que a maioria das pessoas tem vindo a fazer. Começámos por nos preparar para alterar as vivências, a forma como organizamos a nossa vida e as prioridades que definimos. Agora passamos para o patamar da sobrevivência, como aguentar o impacto das enormes dificuldades que temos pela frente tão mal equipados para o combate.
Adivinham-se tempos ainda mais complicados, a luta pela sobrevivência quase sempre tem coisas muito feias.

LINGUAGEM E PODER

Há uns dias o Governo decidiu que a legislação publicada deveria ser acompanhada por um resumo em "português comum" para que o cidadão comum (o que fala português comum) possa entender o texto que no original estará escrito em "juridiquês". O Bastonário dos Advogados manifestou-se contra tal ideia pois a interpretação das leis é matéria de exclusiva competência dos juízes.
O Bastonário, como por vezes lhe acontece, pensou à pressa e como o cidadão comum que fala português comum costuma dizer, "depressa e bem, não há quem". O Dr. Marinho Pinto não entende que aos juízes cumpre administrar a justiça com base nas leis em vigor e que nós os cidadãos comuns temos o direito, sublinho o direito, de entender o que está escrito nas leis que nos regem nos diferentes domínios da nossa vida.
Os códigos de comunicação fechados, sejam de natureza científica ou profissional são nas mais variadas áreas instrumentos de poder, ou seja, apenas os "membros da tribo" dominam a linguagem utilizada pelo que os outros, os comuns, estão impossibilitados de estabelecer relações simétricas e, por exemplo, discutir matérias que lhes dizem respeito porque não percebem a linguagem utilizada.
No nosso quotidiano são inúmeras as situações que ilustram este poder advindo de uma linguagem hermética e desconhecida. A relação de muitos de nós com os técnicos de saúde, com a escola, com serviços públicos, com a informação de natureza económica etc. é, frequentemente uma "comunicação" de sentido único, uns falam, outros escutam mas não entendem e, por isso, não discutem.
No caso particular da justiça é sabido como boa parte do nosso edifício legislativo é produzido por escritórios de advogados que, posteriormente, ganham elevadíssimos montantes em pareceres e interpretações da legislação que eles próprios produziram cheia de armadilhas e alçapões, mais ou menos sofisticados e inacessíveis ao "cidadão comum".
O Dr. Marinho Pinto na apressada defesa dos interesses corporativos que representa, ficou assustado com o facto de um "português comum" poder estar informado sobre as leis que o obrigam sem estar dependente de um douto e caro parecer jurídico. Entende-se.

domingo, 17 de outubro de 2010

SR. POBREZINHO, TENHA PACIÊNCIA

Não deixa de ser uma coincidência curiosa estarmos ainda no rescaldo da apresentação da proposta do Governo de Orçamento Geral do Estado para 2011 e das suas consequências para as famílias no dia em que a agenda das consciências determina o Dia Internacional de Erradicação da Pobreza, e ainda em pleno Ano Europeu de Luta contra a Pobreza e Exclusão. Com cerca de dois milhões de cidadãos em risco de pobreza, 300 000 dos quais crianças, 650 000 desempregados e um terço das famílias com orçamentos encostados ao limiar de pobreza a situação está grave.
Como é habitual nos dias que em que a consciência se debruça sobre a problemática agendada, surge a retórica e mediatização dos problemas. Por um lado, tem a vantagem óbvia de chamar a atenção para essas matérias mas, por outro lado, permite a emergência de discursos e exemplos de atitudes voluntaristas muito mediatizadas, que numa lógica de proteccionismo de natureza caritativa, sendo naturalmente importantes em alguns aspectos, não questionam seriamente os modelos de desenvolvimento (!) e sistema de valores que verdadeiramente produzem a pobreza e a exclusão que se propõem combater, meritoriamente, aliás.
Neste contexto, lembrei-me de alguns episódios da minha infância que ainda agora me causam alguma perplexidade. Na zona onde na altura habitava, era relativamente frequente a aparecerem pessoas a bater à porta para, numa humilhante circunstância, pedir esmola, o mais degradante dos pedidos, que aliás começa a reaparecer. Nessa altura, sem a actual paranóia securitária, ainda eram as crianças que acudiam a ver quem era. Eu assim fazia. E depois de verificar que era “um pobrezinho” (o tal tranquilizante fórmula no diminutivo a que já me referi no Atenta Inquietude) avisava a minha mãe. Sem eu nunca conseguir entender com critérios, ela decidia dar ou não dar esmola, em dinheiro ou em géneros. Mas a minha grande perplexidade, que se mantém até hoje, tem a ver com o facto de que, quando decidia não ser caridosa, a minha mãe mandava-me de volta para dizer ao pobrezinho “tenha paciência”. Devo dizer que ainda hoje esta memória me deixa embaraçado. Então o homem, ou mulher, não tem que comer, não tem trabalho, não leva ajuda ou apoio e ainda tem que ter paciência. É extraordinário como até como caridade se oferecia conformismo. E o que hoje me fez lembrar esta história foi exactamente isso, a normalidade conformista da pobreza e da exclusão.

sábado, 16 de outubro de 2010

SAÚDE, NEGÓCIO E ÉTICA

De há uns anos a esta parte aumentou exponencialmente o recurso aos partos por cesariana produzindo em Portugal a segunda taxa mais elevada da Europa. Como não parece haver justificação de ordem clínica para que as mulheres portuguesas recorram mais a este tipo de parto, resta o óbvio, a cesariana é um negócio tal como muitos outros nessa importantíssima área de mercado que é a saúde. Pode aliás verificar-se que nos serviços de saúde privados a taxa de cesarianas é quase o dobro da média global nacional, segundo dados de 2005 temos 65.9% e 34.8%, respectivamente.
Por iniciativa de um grupo de especialistas na Região Norte vai ser apresentado um plano de redução do recurso à cesariana que contempla, entre outras medidas, um incentivo individual aos médicos que recorram menos a esta opção. A medida parece levantar alguma polémica e o Bastonário acorre rapidamente considerando “um grave atentado à ética médica … Nenhum médico pode tomar uma decisão por estímulo financeiro”.
Como não podia deixar de ser, concordo com o Senhor Bastonário, as decisões em matéria de actos médicos não devem decorrer de questões financeiras. Só não percebo muito bem é como o Senhor Bastonário explicará o facto de nos hospitais privados a realização de cesarianas ser quase o dobro do que se passa em termos médios nacionais. Certamente não poderá ser explicado pelos quadros clínicos das mulheres que recorrem a essas unidades de saúde privadas.
Um pormenor certamente irrelevante, a quantia paga aos hospitais por uma cesariana é maior que por um parto vaginal. Mas não estamos a falar de dinheiro porque, obviamente, seria eticamente inaceitável.
Claro.

ESCOLAS GRANDES, PROBLEMAS MAIORES, RESULTADOS MENORES

Das linhas conhecidas sobre a educação, depois da divulgação genérica do Orçamento Geral do Estado para 2011, queria sublinhar dois aspectos positivos, a universalização da educação pré-escolar a partir dos 3 anos e a intenção de “reajustamento do plano curricular” uma necessidade imperiosa sobretudo no ensino básico, e uma preocupação que já vem de trás, a continuidade da política de mega-agrupamentos e estabelecimentos educativos de grande dimensão. Como já tenho afirmado é necessário prosseguir no processo de reordenamento da rede escolar mas a insistência em grandes escolas e agrupamentos é, de facto, preocupante se soubermos que o ME estabelece como média os 1700 alunos e como limite os 3000 como critério. Estes números são completamente comprometedores da qualidade e, portanto, inaceitáveis.
De há muito que se sabe que um dos factores mais contributivos para o insucesso, absentismo e problemas de disciplina é o efectivo de escola. Não é certamente por acaso, ou por desperdício de recursos, que os melhores sistemas educativos, lá vem a Finlândia outra vez, e agora os Estados Unidos na luta pela requalificação da sua educação optam por estabelecimentos educativos que não ultrapassam a dimensão média de 500 alunos. Sabe-se, insisto, de há muito que o efectivo de escola está mais associado aos problemas que o efectivo de turma, ou seja, simplificando, é pior ter escolas muito grandes que turmas muito grandes.
É fundamental que a comunidade tenha consciência deste universo de modo a tentar travar o movimento de construção de autênticos barris de pólvora e contextos educativos que dificilmente promoverão sucesso e qualidade apesar do esforço de professores alunos, pais e funcionários.
Não conheço nenhuma justificação de natureza educativa que sustente a existência vantajosa de escolas grandes. A razão para a sua criação só pode, pois, advir da vontade de controlo político do sistema, menos escolas envolvem menos directores ou de questões economicistas que a prazo se revelarão com custos altíssimos pela ineficácia e problemas que se levantarão.
As dificuldades económicas não podem justificar o compromisso com a qualidade, sobretudo quando verificamos que as prioridades estabelecidas estão longe de parecer justas e equilibradas.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

RANKINGS, UM PRODUTO SAZONAL

O Outono, entre outras coisas bem mais interessantes, traz-nos a sazonal divulgação das classificações das escolas mais conhecida pela questão dos “rankings”. O Ministério divulga os resultados e dados relativos às escolas, alguma imprensa entretém-se a olhar para esses dados e produzem-se umas classificações “criteriosas”, com “indicadores ponderados”, utilizando “diferentes critérios”, etc. etc. Curiosamente, os estudos publicados concluem invariavelmente pela “supremacia das escolas privadas face às públicas”, que as escolas do litoral apresentam genericamente melhores indicadores que as do interior, como seria de esperar num país assimétrico e litoralizado, sendo ainda que os pólos de Lisboa, Coimbra, Porto e Braga acolhem as escolas que genericamente melhores resultados evidenciam, que as escolas das regiões autónomas mostram globalmente piores indicadores, etc. Parece-me claro que, para quem conhece minimamente o país, em particular o país educativo, estes dados são obviamente previsíveis. Embora entenda que os dados relativos aos resultados dos alunos possam e devam ser tratados e divulgados, a minha questão é “QUAL O CONTRIBUTO SIGNIFICATIVO QUE A ORGANIZAÇÃO E DIVULGAÇÃO DESTES “RANKINGS” OFERECE PARA A MELHORIA DA QUALIDADE DO SISTEMA?”. No meu entendimento a resposta é: “pouco relevante”, porque é possível antecipar os seus resultados sem grande margem de erro e porque não se traduzem em medidas de política educativa. E tanto mais relevante o será quanto menor é a qualidade de vida social, económica e cultural das populações, comprometendo de forma inaceitável princípios de equidade. Rankings? Uma ideia de teor liberal que alimenta a obsessão pela excelência que, sendo de promover, não pode transformar-se numa cruzada “neo-darwinista” que produz exclusão. Como hoje no Público mais uma vez se reconhece existem escolas, é um facto por muitos conhecido, que recusam matrículas para proteger a sua posição no ranking.
Sendo um defensor intransigente de uma cultura e prática de exigência, avaliação e qualidade, parece-me bem mais importante o aprofundamento dos mecanismos de autonomia e responsabilização e a constituição obrigatória em todos os agrupamentos ou escolas de Observatórios de Qualidade que integrem também elementos exteriores à escola. Existem capacidade técnica e recursos suficientes. O trabalho realizado por esses Observatórios, este sim, deveria ser divulgado e discutido em cada comunidade e passível de leituras cruzadas com os resultados nacionais.

AS OBRAS DE ARTE

A terminologia que usamos e que, naturalmente, está em permanente construção oferece, por vezes, algumas situações menos esperadas.
Até à altura em que devido a circunstâncias familiares a comecei a ouvir, não conhecia a expressão "obras de arte" como designação das estruturas mais conhecidas, por mim pelo menos, por pontes. De facto, no mundo da construção civil uma ponte não é uma ponte, é uma obra de arte. Devo dizer que me parece ser uma opção mais bonita e que desconheço a sua origem.
No entanto, depois de alguma surpresa inicial, acho que a designação é apropriada. Uma ponte é um dispositivo, por assim dizer, que, em muitas circunstâncias, permite a ligação mais fácil, ou é mesmo a única forma de ligar dois pontos, duas instâncias, que uma qualquer barreira separa. Dito de outra forma, uma ponte é algo que permite a comunicação.
Embora estejamos, diz-se, num mundo cuja característica mais marcante é a comunicação, tenho para mim que atravessamos uma séria e generalizada dificuldade em comunicar. Devo dizer que gostava de ser eu a estar enganado mas um olhar sobre o que nos rodeia, seja à escala individual, miúdos sós, famílias com baixos níveis de comunicação, seja a escalas de outra dimensão, as dificuldades ou até a ausência de diálogo, de comunicação, é preocupante.
Neste contexto e pela sua importância, acho que qualquer dispositivo que promova a comunicação, que aproxime distâncias, que facilite a relação, só pode mesmo ser uma obra de arte.
E como estamos necessitados de obras de arte. A questão é que a arte nunca parece ser uma prioridade.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

A AJUDA NO BERÇO. De pequenino é que ...

O Público refere-se hoje às dificuldades que atravessa a instituição de solidariedade social Ajuda de Berço que apoia cerca de 40 crianças para aí encaminhadas pelas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens.
Nos tempos que correm ninguém estranhará certamente a referência a dificuldades de natureza económica. A crise é grande e, como diz o povo, o dinheiro não chega para tudo. Também penso que será consensual que em tempo de vacas magríssimas temos que ser altamente cautelosos com o rigor dos gastos mesmo na chamada área social.
A questão que se me coloca sempre é a natureza da definição de prioridades que quem decide assume.
Ainda hoje é noticiado no I um estudo defendendo que a redução em 20% do orçamento dos 350 institutos públicos, estruturas de que frequentemente não percebemos as competências e o resultado da sua intervenção, partindo do pressuposto que intervêm em alguma coisa permitiria não aumentar o IVA. Isto quer dizer que se estabelecessem prioridades ajustadas no combate ao desperdício, na promoção do rigor e na justificação dos gastos públicos, talvez pudéssemos evitar notícias como a que serve de base a este texto.
De facto, miúdos que já nasceram em ambientes de exclusão que são retirados das famílias pelas mais variadas razões, continuando vulneráveis e sem voz voltam a estar ameaçados.
É verdade, há gente que não vai livrar-se nunca da sua condição de "em risco" ou de "excluído". A responsabilidade é, também, nossa.

A HISTÓRIA DO NADA

Era uma vez um homem chamado Nada. O seu nascimento não foi mais que um nada numa família de Nadas pelo que nada de relevante se registou, apenas mais um Nada.
A escola do Nada foi uma passagem que quase nada lhe deixou, aliás, abandonou-a antes da altura devida pois sentia que ali não fazia nada e para nada lhe serviria. Pelo facto do Nada ter saído da escola nada aconteceu.
O Nada atravessou a adolescência sem que nada lhe mostrasse um futuro. Já de pequeno quando alguém, raramente pois as pessoas não se interessam muito por Nadas, lhe perguntava o que queria ser quando fosse grande, respondia num indiferente encolher de ombros, nada.
A vida do Nada era pois composta dos pequenos nadas que se sucediam com nada de mudança.
Um dia, sem que nada dissesse, o Nada partiu daquela terra onde nada tinha, à procura de uma terra onde nada teria.
Ninguém sentiu a falta do Nada, nem a família que nada sabia dele desde um tempo sempre.
No meio de tantos Nadas, a ausência de um passa completamente despercebida. É assim a vida dos Nadas, um nada feito de nadas.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

GOSTAVA DE TE ADICIONAR COMO AMIGO

No Público divulga-se um estudo sobre o envolvimento em redes sociais. Este estudo que inquiriu indivíduos de 40 países conclui que os portugueses estão em quarto lugar entre os 17 países da Europa que participaram. Têm em média 196 amigos, repito 196 amigos, nas várias redes sociais em que se integram. Considerando o intervalo dos 16 aos 20 anos ascendemos ao segundo lugar, notável.
Estes dados vêm ao encontro da minha experiência mais recente. Nos últimos tempos tenho andado francamente entusiasmado com a quantidade de pessoas que se me dirigem convidando-me para amigo e propondo-me a integração numa rede social. De facto, numa época em que nos referimos, aqui no Atenta Inquietude tenho-o feito com frequência, ao isolamento em que muita gente parece estar, surpreende-me a disponibilidade solidária com que tanta gente encara o risco de eu estar sem, ou com poucos amigos. A surpresa é tanto maior quando verifico que a esmagadora maioria dos convites vem de pessoas que não tenho ideia de conhecer de lado algum.
Já pensei que será gente que assumiu uma espécie de missão em regime de voluntariado na qual se empenham em oferecer amizade a eventuais necessitados. É bonito e cria uma ilusão de esperança na humanidade, afinal as pessoas continuam a empenhar-se na relação com o outro e a preocupar-se com a amizade.
Por outro lado, uma das fórmulas divulgadas "gostava de te adicionar como amigo" é particularmente feliz, eu acho. A ideia de ir somando amigos, chegando a centenas ou, quem sabe, a milhares, permite sonhos de popularidade e amizade nunca antes imaginados. Estou completamente rendido.
Por favor, não desistam de enviar a toda a gente, a mim também, as fantásticas mensagens que contêm os criativos e solidários "gostava de te adicionar como amigo" ou "tituxa enviou-te um Pedido de Amizade".
Bem-haja pela atenção.

A HISTÓRIA DO ARTESÃO

Uma vez conheci um Artesão como não há muitos, era um homem de uma sabedoria e de um amor à sua arte que impressionava.
Desde miúdo que sonhava dedicar-se à arte que viria a ser a sua. Preparou-se bem e mesmo já a trabalhar sempre procurou compreender mais, falando com outros mestres e outras pessoas que o Artesão entendia que o podiam ajudar a ser melhor.
Mesmo sendo um Artesão muito experiente e trabalhando sempre com a mesma matéria, quando começava cada trabalho estudava e pensava em cada peça que iniciava. Muitas vezes fazia o mesmo tipo de trabalho mas sabia que os materiais nunca são exactamente iguais e por isso não podem ser sempre trabalhados da mesma maneira. O Artesão dizia muitas vezes que temos de respeitar as diferenças nos materiais, só assim conseguiremos que eles acabem por se transformar em peças valiosas e, na verdade, as peças que saíam das mãos do Artesão eram peças valiosas, muito valiosas.
O Artesão referia frequentemente que algumas das peças se tornavam muito fáceis de produzir, tinham características próprias que lhe facilitavam o trabalho, outras, como ele dizia, davam luta, resistiam ao trabalho, às vezes nem corria bem, mas, quase sempre conseguia algo de interessante e bonito.
Este Artesão tinha uma outra qualidade que o tornou conhecido, não guardava a sua arte só para si, gostava de falar dela, de ajudar os mestres que estavam a começar e que também apreciavam o seu trabalho e a sua ajuda.
Coisa estranha, agora que estou a acabar a história do Artesão reparei que não referi a arte a que se dedicava. Era Professor. A sério.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

SOS Pais

O DN de hoje toca numa matéria que algumas vezes tenho abordado no Atenta Inquietude e que entendo nem sempre merecer a atenção que justifica. Refiro-me às dificuldades, diria incapacidade, que muitos pais sentem para lidar com os problemas colocados pelos filhos.
No ano passado 2342, 8.8% do total, casos de pedido de ajuda às Comissões de Protecção de Crianças e Jovens foram realizados pelos pais.
Na maioria dos pedidos tratava-se obviamente de situações em que os pais já não conseguem controlar os comportamentos e atitudes de adolescentes, ou mesmo crianças, pelo que recorrem às Comissões. Estas, através de um esforço de mediação procuram evitar a situação, por vezes desejada pelos pais, da retirada da criança ou jovem do agregado familiar com recurso à institucionalização.
De facto, de há muito afirmo que o exercício da parentalidade não é tarefa fácil, as crianças e adolescentes colocam problemas novos com que muitos pais, e até profissionais, têm dificuldade em lidar. Embaraça-me a excessiva ligeireza com que frequentemente se culpam os pais pelos problemas dos filhos. Enquanto pais serão responsáveis, mas por vezes os problemas estão para além da capacidade de resposta das famílias. Não estou a falar dos casos de negligência, que também existem e devem ser objecto de intervenção, mas de dificuldades reais sentidas por pais que querem ser bons pais e da inexistência de estruturas de apoio acessíveis e generalizadas a essas dificuldades.
Neste contexto e porque os problemas das crianças e jovens em idade escolar não podem deixar de envolver as escolas parece-me imprescindível que nos estabelecimentos educativos ou próximo e com funcionamento articulado existam dispositivos de apoio às famílias e ao exercício da parentalidade que ajudem no trabalho dos pais e à relação destes com a escola.

DE AVIÁRIO

É com alguma frequência que me lembro duma mulher enorme de quem já vos tenho falado, a minha avó Leonor, que já partiu há muito. Hoje, olhando para dentro e atento ao que se passa por fora, recordei uma expressão que lhe era comum e que aplicava a tudo o que não lhe parecesse genuíno e de qualidade, "é de aviário". Tal hábito radicava no facto de vivendo numa quinta, tudo o que dela tirava era genuíno e criado como deve ser, sem os truques de aviário que abastardam os produtos. Foi incapaz de comer alguma vez, por exemplo, frango que não fosse criado por ela, com o que a quinta dava.
Pois recordei-a e assustei-me. Se a avó Leonor voltasse iria achar que já é tudo de aviário, não só os produtos de alimentação, aliás, ela não iria certamente acreditar que parte do peixe que se consome já é de aviário.
Na verdade, a sociedade parece estar a aviarizar-se. Os miúdos são criados fechados, alimentados a fast-food. Curiosamente dizemos que nos preocupamos e os protegemos, mas eles nunca foram tão dependentes e nós bem nos esforçamos para que assim seja.
A rua e a comunicação presencial substituem-se pela realidade virtual, o sozinhismo impera, e ainda lhe chamamos redes sociais, o que é notável.
As lideranças já não se alimentam de causas, desígnio, missão, bem comum mas de subprodutos como influência, poder pequenino, calculismo. São lideranças de aviário, bem querem parecer genuínos e sérios mas quando falam ou agem, percebe-se a contrafacção. Nós já não decidimos o que deve acontecer nos mercados, os mercados decidem o que deve acontecer em nós.
O pensamento divergente de quem é criado ao ar livre, é substituído pelo pensamento convergente ditado pelos diferentes aparelhos instalados que debitam a ração certa, à hora certa.
Não, a avó Leonor não iria acreditar como nos vamos tornando progressivamente uma sociedade de aviário.
Bom, tenho de terminar, está na hora do leite magro com flocos de cereais integrais e de uma fatia de pão sem sal com sementes que combatem o colesterol, barrado com um pouco de manteiga de óleos vegetais e rica em Ómega 3.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

OS MIÚDOS A QUEM DÓI A ALMA

No DN de hoje aborda-se a meritória acção dos Gabinetes de Apoio ao Aluno e à Família, existentes em várias escolas, sublinhando os bons resultados obtidos em situações de bullying com intervenção junto de vítimas e de agressores. Estes gabinetes, a funcionar no âmbito de um programa do Instituto de Apoio à Criança, dedicam ainda a sua atenção a situações relativas aos consumos, à sexualidade e à utilização segura da Net. De uma forma geral, os técnicos dos GAAFs têm desenvolvido um bom trabalho embora, do meu ponto de vista, passado um eventual período experimental, esse trabalho devesse ser desenvolvido por técnicos integrados nas escolas e não com a habitual dispersão que se verifica em Portugal.
Na verdade, esta intervenção é de uma necessidade. Os tempos estão difíceis e crispados para os adultos, seguramente para boa parte dos adultos, e para os miúdos a estrada também não está fácil de percorrer. Alguns vivem, sobrevivem, em ambientes familiares disfuncionais que comprometem o aconchego do porto de abrigo, afinal o que se espera de uma família. Alguns percebem, sentem, que o mundo deles não parece deste reino, o mundo deles é um bairro insustentável que, conforme as circunstâncias, é o inferno onde vivem ou o paraíso onde se acolhem e se sentem protegidos. Alguns sentem que o amanhã está longe de mais e um projecto para a vida é apenas mantê-la. Alguns convencem-se que a escola não está feita para que nela caibam. Alguns sentem que podem fazer o que quiserem porque não têm nada a perder e muito menos acreditam no que têm a ganhar.
Alguns destes miúdos vão carregar para a escola a dor de alma que sentem mas não entendem, por vezes.
Não, não tenho nenhuma visão idealizada dos miúdos, nem acho que tudo lhes deve ser permitido ou desculpado e também sei que alguns fazem coisas inaceitáveis e, portanto, não toleráveis. Só estou a dizer que muitas vezes a alma dói tanto que a cabeça e o corpo se perdem e fogem para a frente atrás do nada que se esconde na adrenalina dos limites.
Espreitem a alma dos miúdos, sem medo, com vontade de perceber porque lhes dói e surpreender-se-ão com a fragilidade e vulnerabilidade de alguns que se mascaram de heróis para uns ou bandidos para outros, procurando todos os dias enganar a dor da alma.

A COMICHÃO DO CRESCER

Não é raro que a entrada na pré-adolescência e adolescência seja acompanhada pelo aparecimento de uma irritante comichão decorrente das "borbulhas" do crescimento. Ainda menos raramente, os pais dos miúdos que entram nesta fase desenvolvem também uma fortíssima comichão resultante dos comportamentos, nem sempre esperados e entendidos, dos seus miúdos.
A esta fase de comichão em filhos e pais corresponde também com alguma frequência uma espécie de afastamento e abaixamento dos níveis de comunicação recíprocos o que, naturalmente, acentua a comichão que sendo ela irritante, acaba por deixar todos muito irritados.
Como também é previsível nestas idades, os miúdos tendem a procurar os anti-histamínicos junto dos amigos que, claro, também atravessam um período em que sentem a comichão do crescer e "padecem" das mesmas inquietações.
Por outro lado, os pais, muitas vezes assustados, não sabem como procurar os miúdos e viram-se, na melhor das hipóteses para outros pais com comichão e falam deles, dos filhos, não falando com eles, os filhos. Na pior das hipóteses, os mais assustados escondem, tentam esquecer e não sentir a preocupação com a comichão, esperando que a simples passagem do tempo, que se deseja rápida, a cure.
Talvez fosse de recordar que a comichão do crescer é algo de absolutamente natural, como talvez se lembrem nem sempre é fácil crescer, ficar diferente.
Assim, a gente mais crescida, mais experiente, estando atenta aos sinais, pode contribuir para tranquilizar os miúdos, não se assustando, dando-lhes espaço e tempo para perceber que vão ser capazes de lidar com a comichão do crescer.