AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

segunda-feira, 31 de maio de 2010

CULPA E RESPONSABILIDADE

Na altura da morte trágica do Leandro em Mirandela e depois de concluído o inquérito da Inspecção-geral de Educação escrevi o seguinte.
"Segundo a conclusão da Inspecção-geral de Educação a escola e os colegas estão isentos de responsabilidades na morte do Leandro, o miúdo de Mirandela que morreu no rio Tua.
Não seria necessário fazer um grande esforço para antecipar os resultados do inquérito. Seria completamente improvável que ele viesse a estabelecer um nexo de causalidade entre os factos, mais conhecidos ou menos conhecidos, e a morte do Leandro. Por aqui nada de novo num país de brandos costumes que não saberia o que fazer se não fossem estas as conclusões, não saberíamos como lidar com tal culpa.
Também nada de novo no que respeita a um dos equívocos mais frequentes entre nós, a confusão entre culpa e responsabilidade que não são de todo a mesma coisa.
Nesta tragédia, com a criança encontrada e a família em luto, sou capaz de entender que não seja possível encontrar culpados, também não o faço. No entanto, tenho uma enorme convicção, a morte de uma criança naquelas condições tem certamente responsáveis, todos os que fazemos parte da comunidade."
Face às conclusões agora conhecidas do inquérito sobre a morte do professor Luís na Escola de Fitares apenas é necessário alterar os protagonistas para que o texto se adapte, tragicamente, a esta situação.
Não se comprova nexo de causalidade, não se comprova negligência ou incompetência das estruturas da escola face a sucessivos alertas que terão sido feitos pelo professor Luís. Como disse e repito, neste drama também acredito que não seja possível encontrar culpados, mas a morte de um professor nas circunstâncias em que ocorreu tem responsáveis, nós os que fazemos parte de comunidades desatentas aos sinais de sofrimento de miúdos e graúdos.

OS CICLOS DE ENSINO E AS DISCIPLINAS

O Conselho Nacional de Escolas discutirá hoje uma proposta de reorganização da estrutura curricular considerando já o cenário de 12 anos de escolaridade obrigatória. Por diversas vezes aqui tenho referido a necessidade imperiosa de introduzir alterações nesta matéria. A proposta de considerar a existência de 3 ciclos de igual duração parece uma boa base de trabalho. Do que é conhecido, parece também importante que no 3º ciclo a criar, que envolverá o actual 9º ano e ensino secundário, se considere um primeiro ano comum, organizador das escolhas dos alunos e os três anos seguintes que diversifiquem a oferta educativa possibilitando diferentes vias de formação de modo a que seja possível proporcionar formação, quer de natureza profissionalizante, quer preparatória para a entrada no ensino superior.
No entanto, a proposta deixa de fora a organização disciplinar em cada ciclo e, naturalmente, os conteúdos curriculares a leccionar. Do meu ponto de vista e em matéria de currículo, esta é verdadeiramente a questão central. Considero aliás, que o número de disciplinas e a extensão e natureza dos conteúdos curriculares se associam às questões mais frágeis do sistema educativo, designadamente no 3º ciclo, insucesso, absentismo e indisciplina, tudo dimensões fortemente ligadas aos níveis de motivação e funcionalidade percebida dos conteúdos curriculares. O ME desencadeou, o que aplaudi, um processo de reflexão sobre esta questão. No entanto, a Ministra veio logo a seguir assegurar que se tratará de "mero ajuste", deixando, provavelmente, o essencial por fazer.
Também importa considerar as diferentes reacções que, com base no que poderemos chamar de corporativismo científico, produzem discursos ambíguos sobre a necessidade de alterar as disciplinas "desde que não seja a minha", alimentando a pressão para que não se altere um modelo excessivamente disciplinarizado. Esta lógica tem informado o sistema educativo mas também o sistema de formação de professores durante demasiado tempo, o que suporta esta disciplinarização sem sentido, 14 disciplinas para 25,5 horas de aulas no 3º ciclo. É curioso notar, se bem estivermos atentos, a frequência com que a propósito de qualquer saber, se defende a existência de mais uma disciplina.
Deixar que a discussão se enrede neste corporativismo disciplinar é comprometer a imprescindível mudança.
É por isso que embora a proposta do Conselho Nacional de Escolas me pareça uma boa base de trabalho, o essencial continuará por analisar.

A HISTÓRIA DO DESAJEITADO

Era uma vez um rapaz chamado Desajeitado, um nome um bocado estranho. Toda a gente o chamava assim.
Na escola, os professores achavam-no mesmo um Desajeitado. Quase nunca realizava as tarefas do modo que lhe era pedido. Quase nunca dava as respostas que eram solicitadas, arranjava sempre umas conversas assim um pouco ao lado, como se costuma dizer. A maioria dos seus colegas também achavam que o Desajeitado não era muito habilidoso considerando-o um desastrado nas brincadeiras pelo que não era uma companhia muito apreciada. A sua estrada, desde que entrara para a escola, tinha sido sempre percorrida desta forma.
Em casa a situação não era, nem nunca tinha sido, muito diferente. Os pais também achavam que o Desajeitado poucas coisas, ou nenhumas, fazia bem feitas. Estavam sempre a criticá-lo pela forma pouco cuidada como fazia o que lhe era pedido. Os pais, para tentarem que o Desajeitado fosse um pouco melhor, comparavam-no muitas vezes à sua irmã Desejada que era um modelo, tudo fazia bem feito, era perfeita, nunca errava. Estranhamente, tal discurso não fazia o Desajeitado sentir-se melhor e funcionar de uma forma que agradasse mais às pessoas.
Na verdade, Desajeitado foi nome que lhe começaram a chamar desde pequeno, o seu nome verdadeiro era Enjeitado.
Como sabem os Enjeitados não têm jeito para quase nada, apenas para se sentir mal o que produz muita falta de jeito, ficam Desajeitados.

domingo, 30 de maio de 2010

TAL PAI, TAL FILHO, OU COMO NÃO SOMOS UM PAÍS DE DOUTORES

Desde sempre que os estudos, designadamente no âmbito da sociologia da educação, associam a carreira escolar e o estatuto profissional dos filhos ao nível de escolaridade e estatuto económico dos pais. Também sabemos que isto é tanto mais evidente quanto maiores são os níveis de desigualdade. Em Portugal verifica-se um dos maiores fossos entre ricos e pobres da União Europeia pelo que a relação entre os níveis escolar e salarial dos pais e os dos filhos é ainda mais forte. O Relatório da OCDE hoje citado pelo Público vem, mais uma vez, confirmar a realidade que conhecemos. O nível de escolaridade média dos portugueses é o segundo mais baixo da OCDE, apenas a Turquia está pior, situação que em 1960 já se verificava, ou seja, aumentámos o nível de escolaridade mas menos que todos os outros países, à excepção da Turquia. O Relatório sublinha de novo a incapacidade da escola de promover mobilidade social, ou seja, o nível de escolaridade dos pais marca de forma excessiva o nível atingido pelos filhos. A situação sempre assim foi, ainda me lembro de quando era pequeno, haver quem se admirasse do meu pai, um serralheiro, ter decidido que eu continuaria a estudar. Tal constatação que, insisto, todos conhecemos, não autoriza, portanto, o discurso irresponsável e ignorante, mas muitas vezes tolerado sem discussão na comunicação social, de que vivemos num país de doutores. Não, definitivamente, vivemos num dos países do mundo desenvolvido com uma das mais baixas taxas de escolarização.
Deste quadro, resulta uma complexa situação que poderemos de forma simplista colocar nestes termos, a escola ao acabar por reproduzir a desigualdade social à entrada, compromete o papel fundamental que lhe cabe na promoção da mobilidade social, ou seja, a escola que deveria ser parte da solução, na prática, corre o risco de continuar a ser parte do problema. No entanto e apesar disto, creio que muito poderá e deverá ser feito no sentido da promoção efectiva da chamada e distante igualdade de oportunidades.
Do meu ponto de vista, muitas vezes aqui afirmado, a questão central é a qualidade na escola pública. Esta qualidade deverá assentar em três eixos fundamentais, a qualidade considerando resultados, processos e gestão optimizada de recursos, segundo eixo, qualidade para todos, a melhor forma de combater os mecanismos de exclusão e a desigualdade de entrada e, terceiro eixo, diversificação dos percursos de educação e formação. Esta diversificação deve passar, e temos registado progressos nesta área, por uma oferta bastante mais variada ao nível do secundário possibilitando a muitas jovens completar este nível de ensino com competências profissionais, isto é que é fundamental. Também ao nível do ensino superior, com o trabalho no âmbito do ensino politécnico se criam condições para processos de qualificação mais curtos e mais diversificados.
Finalmente, volto ao que sempre aqui tenho repetidamente referido, urge a definição de uma política educativa para o médio prazo, estabelecida com base no interesse de todos, com definição clara de metas, recursos, processos e avaliação. A continuar na deriva a que nas última décadas nos entregamos, daqui a algum tempo a OCDE virá dizer exactamente o mesmo.

sábado, 29 de maio de 2010

OS DESPERDÍCIOS

A partir da constatação dos efeitos devastadores da crise que se instalou, começaram a emergir alguns discursos no sentido de que estes efeitos poderiam ter um efeito positivo no sentido de alterações nos modelos de desenvolvimento e organização das instituições e e no comportamento das pessoas, isto é combater o desperdício e a ineficácia e promover racionalidade e poupança nos gastos. Agora, pressionados pelo PEC, parece finalmente que se percebe os custos incomportáveis que o funcionamento da administração comporta e de que toda a gente conhece os excessos. Agora parece reconhecer-se a existência de uma teia de entidades e organismos inúteis e dispensáveis que apenas existem para alimentar as clientelas partidárias, de todos os partidos que chegaram ao governo. Sempre que se verificam auditorias e inspecções a diferentes serviços e organismos da administração local ou central, emergem níveis assustadores de ineficácia e desperdício no funcionamento e gestão dessas estruturas. Lamentavelmente, como todos sabemos, não é um problema novo nem conjuntural, é velho e estrutural. A grande questão é a irresponsabilidade e a impunidade negligente com que as sucessivas lideranças políticas têm lidado com esta questão. Os interesses partidários, a distribuição de jobs pelos diferentes boys prevalecem em detrimento do bem comum.
No actual quadro de crise pode acontecer, vou ser optimista, que finalmente se verifique um empenho verdadeiro no combate ao desperdício que é um dos mais gigantescos sugadouros de recursos, praticamente um poço sem fundo. Chamo, no entanto, a atenção para as diferentes áreas de desperdício. A título de exemplo, considere-se o tempo, um bem de primeira necessidade, que se desperdiça em inutilidades, por má gestão ou organização, que se dedica a discussões estéreis e ruidosas seja em reuniões improdutivas ou em debates inconclusivos por incompetência, demagogia ou intenção.
Considere-se ainda o desperdício de competências e de pessoas que, por falta de oportunidade ou de políticas ajustadas, públicas ou privadas, são completamente subaproveitadas.
Lembro-me também de algo a que costumo chamar de “agitação improdutiva” que envolve muitíssimas situações de pessoas que aos mais diversos níveis e em diferentes circunstâncias se empenham, se esforçam, mas com baixos níveis de qualidade e rentabilidade por má gestão ou organização penalizadora das pessoas e das instituições.
Enfim, são múltiplos os exemplos de desperdício e são ainda mais e mais graves as consequências desta espécie de cultura instalada.

OS BRINQUEDOS QUE NÃO SÃO PARA BRINCAR

Hoje passei num espaço onde vi um miúdo a brincar com um daqueles carros telecomandados. Na verdade, o miúdo não brincava, vi o pai em grande agitação e entusiasmo a tentar conduzir o carro ainda que sem bom resultado aparente.
Fiquei a pensar a quem teria sido oferecido ou para quem teria sido comprado aquele brinquedo, para o miúdo não parecia.
A cena lembrou-me uma situação que acontecia na minha infância e a que a distância dá a tranquilidade que substitui a enorme zanga que na altura sentia.
Sou da geração que teve acesso aos primeiros brinquedos a pilhas que vinham substituir os ultrapassadíssimos brinquedos de corda. Acontece que os primeiros brinquedos a pilhas tinham como forma única de interacção, de brincadeira com eles, ligar e desligar, o que apesar de tudo nos introduzia na língua inglesa, com a aprendizagem do "on" e do "off".
Com estes brinquedos apenas havia uma coisa de inteligente a fazer, desmanchá-los, pois outra coisa não era possível. Ainda me lembro de os meus tios me oferecerem uma locomotiva enorme de chapa, cheia de cores e com muitas luzes. No entanto, brincar com tal máquina era uma decepção. Pegava na locomotiva, colocava o botão no "on" e ela brincava sozinha. Andava, apitava, acendia luzes intermitentes e quando tropeçava num obstáculo, andava para trás até tropeçar de novo e voltar a andar para a frente, mais nada. Claro que a vontade de mexer era tanta que comecei mesmo a desmanchar a locomotiva e então é que foi gozar. Resultado, na minha casa e noutras, havia uns brinquedos que estavam em cima do guarda-fatos porque nós não podíamos brincar com eles, estragávamo-los. Assim, apenas serviam para adorar. A tentação de subir e pegar neles para os desmanchar era grande mas não podia ser.
Eram brinquedos que não prestavam. Hoje também há brinquedos que não prestam para coisa alguma.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

O FECHAMENTO DAS ESCOLAS

Muitas das questões que se colocam em educação, como noutras áreas, independentemente da reflexão actual, solicitam algum enquadramento histórico que nos ajudem a melhor entender o quadro temos no momento. Durante décadas de Estado Novo, tivemos um país ruralizado e subdesenvolvido. Em termos educativos e com escolaridade obrigatória a ideia foi “levar uma escola onde houvesse uma criança”. Tal entendimento minimizava a mobilidade e a abertura sempre evitadas. No entanto, como é sabido, os movimentos migratórios e emigratórios explodiram e o interior entrou em processo de desertificação o que, em conjunto com a decisão de política educativa referida acima, criou um universo de milhares de escolas, sobretudo no 1º ciclo, pouquíssimos alunos. Como se torna evidente e nem discutindo os custos de funcionamento e manutenção de um sistema que admite escolas com 2, 3 ou 5 alunos, deve colocar-se a questão se tal sistema favorece a função e papel social e formativo da escola. Creio que não e a experiência e os estudos revelam isso mesmo. Neste quadro emerge a necessidade de redimensionar a rede de escolas.
É também verdade que muitas vezes se afirma que a “morte da escola é a morte da aldeia”. No entanto, creio que será, pelo menos de considerar, que os modelos de desenvolvimento económico e social possam começar a matar as aldeias e, em consequência, liquidam os equipamentos sociais, e não afirmar sem dúvidas o contrário.
Por outro lado, a concentração excessiva de alunos não ocorre sem riscos. Para além de aspectos como distância a percorrer, tipo de percurso e apoio logístico importa não esquecer que escolas demasiado grandes são mais permeáveis a insucesso escolar, absentismo, problemas de indisciplina e outros problemas de natureza comportamental.
Neste cenário, a decisão de encerrar escolas não deve ser vista exclusivamente do ponto de vista administrativo e económico, não pode assentar em critérios cegos e generalizados esquecendo particularidades contextuais e, sobretudo, não servir como tudo parece servir em educação, para o jogo político.
O bem-estar educativo dos miúdos é demasiado importante.

MAIS UM EPISÓDIO DE INDISCIPLINA

Numa escola pública da periferia de Lisboa, um aluno do 9º ano envolveu-se numa discussão com um colega durante um trabalho de grupo na aula da Inglês e acabou por dizer um palavrão. A cena foi, como de costume, registada num telemóvel e rapidamente apareceu no Youtube. Procurámos alguns comentários a mais este grave incidente que afectou o espaço escolar português. Começámos pelos grupos parlamentares.
Um deputado do PS referiu que graças à eficácia e à bondade das políticas educativas do governo do PS a situação estava incomparavelmente melhor pois na semana anterior o mesmo aluno tinha dito dois palavrões na aula de Matemática.
Ouvimos um deputado do CDS-PP que, depois de um "Oiça", disse que, tal como o CDS-PP sempre tem afirmado, o PS transformou o espaço escolar num espaço de delinquência e insegurança frequentado por imigrantes e filhos de utentes do Rendimento Social de Inserção, pelo que problemas desta natureza são frequentes e, também num frémito de pálpebras, citou Paulo Portas, "se não prendem esta gente, nada será como antigamente".
O deputado do PCP que ouvimos referiu-nos que até a própria juventude começa a dar sinais de contestação tomando posições firmes contra a ditadura das políticas de direita da 5 de Outubro. Um membro do grupo parlamentar dos Verdes que ia a passar disse não ter mais nada a acrescentar. Entretanto, um deputado do Bloco manifestou a sua satisfação pela atitude não conformista do adolescente e a capacidade de erguer a sua voz minoritária para dizer o palavrão que mais ninguém disse.
Finalmente, ouvimos um deputado do PSD que nos referiu a falta de credibilidade do Primeiro-ministro como causa para incidente tão grave.
Ainda conseguimos obter um comentário de alguém da Fenprof que, em contacto telefónico, afirmou que tal incidente se deveu ao facto da docente envolvida já ter duas horas de aula nesse dia e estar fragilizada pelos ataques do ME aos professores. Acrescentou que a Fenprof já apresentou ao ME uma proposta no sentido de que ao quinto palavrão ouvido, os docentes ascendam automaticamente ao patamar acima na carreira.
Uma representante de um pensamento educativo conhecido por "eduquês", seja lá isso o que for, afirmou que se tratou de uma expressão positiva de desconforto por parte do adolescente, na afirmação da sua autonomia e competências interpessoais no quadro de uma sala de aula interactiva. Pois.
Conseguimos ainda a opinião de três especialistas, Medina Carreira, Nuno Crato e Mário Crespo. Em simultâneo, Medina Carreira e Nuno Crato afirmaram que isto é o sinal de que o país está afundado, de como é necessário muito mais rigor e, pelo menos, mais 35 exames até ao 9º ano para que se saiba verdadeiramente quem deve estar na escola e quem deve ir fazer outra coisa qualquer, logo se vê o quê. O terceiro especialista, Mário Crespo, abanava embevecido a cabeça e quis oferecer-nos uma t-shirt. O conhecido opinador Santana Castilho, que ia a passar, disse também qualquer coisa que não se percebeu muito bem, mas clamava que estava contra e que tinha saudades do tempo em que foi Secretário de Estado e a educação em Portugal era um paraíso.
Desistimos do trabalho.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

MENOS ALUNOS E MENOS PROFESSORES

Está em decurso, por iniciativa do Movimento Escola Pública, uma petição no sentido de se estabelecer que na constituição das turmas do pré-escolar e 1º ciclo, o número máximo de alunos passe de 24 para 19 e no 2º, 3º ciclo e ensino secundário diminua de 28 para 22. É ainda solicitado que cada professor não leccione para mais do que 110 alunos, ou seja, 5 turmas com o máximo de alunos que a petição propõe.
Não são conhecidas as disponibilidades físicas do parque escolar no sentido de suportarem o acréscimo de turmas que a medida proposta implicaria, nem, como refere o CDS-PP, o impacto financeiro da medida, mas alguma notas soltas sobre esta questão que está permanentemente em cima da mesa.
Por princípio óbvio, turmas com menos alunos favorecem a qualidade do trabalho dos professores e dos alunos com naturais consequências nos resultados escolares e no comportamento. No entanto, é também necessário considerar as diferenças de contexto, isto é, a população servida por cada escola, as característica da escola, a constituição do corpo docente, etc.. Tal significa que, apesar da concordância genérica com princípio de reduzir o número de alunos, pode admitir-se alguma flexibilidade.
Já a ideia de reduzir o número máximo de alunos com que cada professor trabalha só peca por tardia. Parece óbvio que menos alunos permite melhor conhecimento de cada um, menos turmas permitiria, por exemplo, que um professor no seu horário pudesse assegurar duas disciplinas do seu grupo científico na mesma turma (existem casos em que é possível e muitas escolas já praticam) aumentando o tempo de contacto do professor com os mesmos alunos com naturais reflexos positivos.
O actual modelo de organização das escolas e do trabalho dos professores leva a que um número extraordinário de horas de trabalho docente seja dedicado a tarefas sem fim na escola, em inúmeras tarefas de natureza quase administrativa, para além das reduções inerentes à progressão na carreira e de outras funções não lectivas. Tudo isto contribui para que em termos práticos tenhamos um modelo menos eficiente e facilitador do trabalho dos alunos e os próprios professores, cujo empenho e profissionalismo esbarra muitas vezes com modelos inadequados de organização e funcionamento das escolas.

OS HABITANTES DE SEVER, MOIMENTA

Ao iniciar um olhar pelo mundo através da imprensa a expectativa era bem negativa. Pensava ir agarrar a pouco sustentável decisão de incluir no controle da despesa pública a retirada de medidas de apoio aos desempregados. Não se entende, quando todos os dias sabemos e constatamos os elevados níveis de desperdício que se verificam na administração, central e local, e nas centenas ou milhares de organismos inúteis que apenas servem de emprego às clientelas do costume. Estava a pensar como me referir a isto mais uma vez e meio deprimido com o que ia encontrando, quando vi na capa do JN algo de positivo e bonito, do meu ponto de vista, é claro.
Os habitantes da aldeia de Sever, Moimenta da Beira, precisavam de ter caminhos arranjados que lhes permitissem, de forma mais rápida e em melhores condições, trazer a fruta dos seus pomares para a Cooperativa. Para os recursos da Junta de Freguesia tal empreendimento era impossível. Assim, organizaram-se e com os seus tractores e esforço, contando com o apoio possível da Junta andam a colocar os caminhos da aldeia em bom estado. Ao que o JN refere o trabalho tem sido duro e contínuo.
Esta atitude esteve em voga há umas décadas e foi-se perdendo. O sentimento de comunidade e de entreajuda é um bem em vias de extinção. Espera-se que alguém tudo resolva e tudo faça. Esse alguém é, quase sempre, aquela entidade indefinida que designamos genericamente por "eles", "eles" os que têm de fazer e não fazem nada, "eles" os que têm de resolver e não resolvem nada, sempre eles. O "nós" está a perder-se. Talvez um dos caminhos que teremos de percorrer seja o da recuperação da noção e sentimento de comunidade. Eu sei que apesar de pouco divulgado e estimulado ele existe. Provavelmente, se não fosse o espírito de comunidade que se vai mantendo muitas famílias estariam em pior situação do que estão.
Os habitantes de Sever salvaram-me o dia.

EM FAMÍLIA, OUTRO DIÁLOGO IMPROVÁVEL

Estavam na sala e como um tom de voz já estava um pouco alterado dava para ir apanhando.
...
És a pessoa mais estúpida que conheço. Cada vez sou menos capaz de perceber como alguma vez gostei de ti.
Não sejas idiota, o enganado fui eu. Deixei-me arrastar pela tua conversa de menina fina e com estudos. Longe estava de imaginar como alguém pode ser tão desagradável e egoísta.
Algumas amigas avisaram-me de que não prestavas, demorei a entender, mas ao fim de doze anos de casamento, se é que pode chamar casamento a este inferno, já não tenho dúvidas, odeio-te.
Não fosse o que a família acharia de tudo isto não aguentava nem mais um minuto nesta casa. A tua presença e proximidade é insustentável.
Olha, vê se te calas que a Andreia vem aí.
...
Quando é que jantamos, tenho o TPC para acabar.
Vamos já jantar, estávamos mesmo a falar sobre ti e como estamos contentes contigo. Daqui a cinco minutos podes vir para a mesa. E depois, enquanto jantamos aproveitamos para conversar. Não gosto daquelas famílias que mal falam uns com os outros.
Então vou ao quarto mandar uma mensagem à Carla.
...
Devem pensar que sou parva. Já não posso mais. Nunca mais cresço para não ter que estar em casa a aturá-los, sempre a fingir. Ganda seca.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

JÁ NÃO AGUENTO

Há poucos dias, coloquei um texto aqui no Atenta Inquietude a propósito dos comportamentos autodestrutivos em adolescentes e jovens, sobretudo dos casos de suicídio. Referi na altura que na consulta de prevenção do suicídio dos Hospitais Universitários de Coimbra, metade dos atendidos tem menos de 24 e cerca de 20% repetem a consulta. Em 2007 ocorreram 8 casos de suicídio entre os 11 e os 20 anos e nos primeiros 6 meses de 2008 também se verificaram 8 casos.
Segundo os elementos do departamento de Psiquiatria do Hospital de Santa Maria os comportamentos autodestrutivos em adolescentes são mais frequentes do que se pensa, estudos internacionais apontam para cerca de 10% da população em idade escolar com comportamentos de auto-mutilação.
Este quadro é um indicador do mal-estar que muitos adolescentes e jovens sentem. Em muitas situações não conseguimos estar suficientemente atentos. Acontecem com alguma frequência situações de sofrimento com as mais diversas origens, relações entre colegas, bullying por exemplo, ou relações degradadas em família que facilitam a instalação de sentimentos de rejeição, ausência de suporte social, facilitadoras de comportamentos autodestrutivos. Começa também a emergir como causa deste mal estar a dificuldade que algumas crianças e adolescentes sentem em lidar com situações de insucesso escolar. Esta dificuldades são frequentemente potenciadas pela pressão das famílias e pelo nível de competição que por vezes se instala.
Neste quadro não é surpreendente o facto de em dois dias, dois adolescentes, em Torres Vedras e Guimarães, terem tentado o suicídio, resultando na morte de um deles e na situação grave do outro.
Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa mas é necessário insistir. Muitas crianças e adolescentes evidenciam no seu dia a dia sinais de mal-estar a que, por vezes não damos atenção, seja em casa, ou na escola espaço onde passam a muito tempo. De facto e na maior parte dos casos, designadamente, nas tentativas de suicídio, pode ser possível perceber sinais e comportamentos indiciadores de mal-estar. Estes sinais não podem, não devem, ser ignorados ou desvalorizados.
O resultado pode ser trágico.

A HISTÓRIA DO RAPAZ CHAMADO PUZZLE

Era uma vez um rapaz chamado Puzzle. É um nome um bocado estranho para um rapaz ter, mas era mesmo o nome dele.
Quando nasceu, através de um exercício frequente nas famílias, descobriram que ele tinha os olhos da mãe Maria, a testa e o nariz do pai João, o cabelo do avô paterno Manuel e a boca da avó materna Leonor.
À medida que crescia o Puzzle ficava mais complexo, tinha o andar e o feitio do pai João, a maneira doce de falar da mãe Maria e um ar esperto e atento do avô materno António. Na escola a esperteza era a da mãe Maria e o comportamento era o do pai João e tinha ainda a vontade de despachar tudo bem depressa, mesmo se não estivesse muito perfeito, que era tal e qual o avô Manuel.
O Puzzle foi crescendo e um dia, um sobressalto daqueles muito grandes, que por vezes a vida proporciona sem se esperar, fê-lo dar um tombo, um tombo muito sério que deixou o Puzzle quase desfeito. Com a energia que a vontade de continuar vivo lhe emprestava, tentou erguer-se de novo mas sentiu a maior das dificuldades para juntar aquelas peças todas de que era feito.
Após muitos esforços e recaídas, decidiu que ficaria só com aquilo que era seu e até mudou o nome, agora chama-se Eu.

terça-feira, 25 de maio de 2010

O SHOT É COOL

Um estudo promovido pela Deco vem evidenciar algo de que todos temos consciência, mesmo contra as disposições legais os menores de 16 anos conseguem comprar bebidas alcoólicas. De facto, em mais de metade dos estabelecimentos visitados foram vendidas bebidas a adolescentes. Algumas reflexões breves retomando uma temática que já aqui tenho abordado.
Uma primeira nota é o facto de os adolescentes comprarem cerveja e outras bebidas, as litrosas como lhes chamam, no comércio mais habitual, lojas de conveniência ou pequenos estabelecimentos de bairro, a um preço bem mais acessível que nos estabelecimentos que frequentam na noite e recorrendo à “toma” simples ou com misturas ao longo da noite, comprida aliás. Esta venda processa-se com a maior das facilidades e sem qualquer controlo da idade dos compradores, tal como o estudo da Deco comprovou. Muitos adolescentes evidenciam e quando inquiridos referem-no, a ausência de regulação dos pais sobre os gastos, sobre os consumos ou sobre as horas de entrada em casa, que muitas vezes tem que ser discreta e directa ao quarto devido ao “mau estado” do protagonista. Também, sobretudo nos tempos que correm, não podemos confiar no cumprimento das disposições legais que impedem a venda de álcool a adolescentes.
Como é evidente, já muitas vezes aqui o tenho referido com base na minha experiência de contacto com pais de adolescentes, não estamos a falar, sempre, de pais negligentes. Pode haver negligência mas, na maioria dos casos, trata-se de pais, que sabem o que se passa, “apenas fingem” não perceber, desejando que o tempo “cure” porque se sentem tremendamente assustados, sem saber muito bem o que fazer e como lidar com a questão. De fora parece fácil produzir discursos sobre soluções, mas para os pais que estão “por dentro” a situação é muitas vezes sentida como maior que eles.
É preciso que a comunidade esteja atenta a estes adolescentes de 13 ou 14 anos que, ilegalmente” compram as litrosas e aos seus pais que estão tão perdidos quanto eles.

CRECHES, JARDINS DE INFÂNCIA, EDUCADORES, MIÚDOS, FAMÍLIAS, FENPROF E SEUS INTERESSES

Já aqui tenho referido que uma das medidas em matéria de políticas de família mais impacto pode ter é a garantia de disponibilidade e acesso a creches e jardins de infância por parte das famílias. É sabido que nas zonas urbanas a oferta é claramente abaixo da procura. O DN de hoje refere que existem muitas instituições que já nem em lista de espera aceitam novas inscrições. Como também não se estranha, esta situação é mais evidente no chamado sector social, Instituições Privadas de Solidariedade Social, pois a mensalidade é decorrente do rendimento familiar. O facto de as famílias, ao construir dos seus projectos de vida conhecerem a dificuldade e os custos para assegurar a estadia dos filhos após as licenças de parto, é um sério obstáculo ao à natalidade.
Por coincidência, a Fenprof vem defender que os calendários de funcionamento do pré-escolar sejam semelhantes ao do ensino básico. A justificação remete para a necessidade de participação da(o)s educadoras de infância nas reuniões de avaliação e planeamento dos respectivos estabelecimentos e agrupamentos.
Do ponto de vista profissional e corporativo entendo, o discurso dos representantes sindicais habituou-nos a uma defesa quase exclusiva dos interesses profissionais e corporativos dos professores, muitas vezes com razão, e menos dirigida para os interesses da comunidade educativa, miúdos e pais, por exemplo. Não se discute a necessidade de reuniões de avaliação e planeamento na educação pré-escolar, mas equiparar o calendário dos jardins de infância ao ensino básico, considerando as especificidades curriculares, pedagógicas, idade dos miúdos e impacto social, parece-me apenas sustentável à luz de uma posição meramente corporativa e destinada a manter em aberto a conflitualidade imprescindível às agendas políticas que tomaram conta da educação em Portugal.

A HISTÓRIA DA PALAVRA COM PROBLEMAS DE IDENTIDADE

Um dia destes, com algum tempo de espera pela frente, sentei-me num café, ainda não perdi o hábito antigo de marcar encontros num café. Enquanto tomava a bica entrou uma Palavra que estranhamente, pois o café tinha mesas vagas, perguntou se podia sentar-se. A Palavra estava com um ar de quem queria falar, eu gosto de conversar e tinha algum tempo, acedi.
Como imaginava a Palavra começou logo.
O mundo dá comigo em maluca, está tudo desorganizado ninguém se entende. Às tantas nem eu me entendo, nem eu sei o que ou, quem sou.
Com esta entrada achei por bem ficar-me por um prudente, "É?"
É verdade. Para algumas pessoas sou uma Palavra normal e usam-me sem problemas em diferentes circunstâncias. Por outro lado, algumas pessoas, felizmente menos, pensam que sou uma Palavra vulgar, assim um pouco sem nível, pelo que deveria ser evitado o meu uso. Existem até pessoas que entendem que sou uma Palavra completamente desqualificada, sem o mínimo de competência para aparecer nas suas conversas, por vezes chamam-me asneira, presunçosos.
Realmente não fica assim muito fácil, comentei a medo.
Apesar de tudo e ainda bem, algumas pessoas, sobretudo crianças e adolescentes, dizem que sou engraçada, que gostam de mim e usam-me muitas vezes nas conversas deles. Aborrece-me um bocado que quando me escrevem, não o fazem como deve ser, usam uma abreviatura, mas no fundo não me importo, é para escrever mais depressa e o que me interessa é que gostam de mim. De qualquer forma já estou farta desta confusão, gostava de ser uma Palavra que toda a gente entendesse da mesma forma. Olhe, tenho que me ir embora entraram dois miúdos, acho que faço falta n a conversa deles. Agradeço a companhia.
Com a pressa e a surpresa esqueci-me de perguntar que nome tinha aquela Palavra.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

VIDA DE ESTUDANTE

A imprensa de hoje aborda três questões respeitantes à vida dos alunos que merecem alguma reflexão.
O DN refere que cerca de um terço dos estudantes, à volta de 500 000 alunos, recebem apoios da Acção Social Escolar. Este apoios incidem sobre o acesso a refeições, muitos alunos dependem das refeições na escola para satisfazerem o mínimo das suas necessidades, e no apoio para manuais e material escolar. Ainda assim, muitas famílias experimentam sérias dificuldades, acrescidas com um ensino, sobretudo no 3º ciclo, com excesso de disciplinas e que está altamente dependente dos manuais e respectivos livros de fichas, estes sem apoios na sua maioria mas considerados imprescindíveis pela generalidade dos professores que se acomodaram a um ensino altamente manualizado. Este cenário, dificuldades na Acção Social Escolar, requer a maior das atenções quando se fala de redução nas políticas sociais. É mais difícil aprender e ter sucesso quando se passa mal.
A segunda questão prende-se com um estudo divulgado no Público referindo que 13% dos adolescentes inquiridos terão sido vítimas de violência e 16% vítimas de abuso emocional. Para além do facto dos dados terem sido recolhidos em 2000 e de, aparentemente, o estudo conter outras fragilidades, importa sempre sublinhar que os maus-tratos são uma realidade a que não podemos deixar de estar atentos e que alguns comportamentos não podem ser envolvidos num perigosa ideia de "normalidade" desculpabilizante.
Finalmente, a terceira nota sobre a vida de estudante. As escolas de ensino superior estabelecem acordos com os bancos no sentido da produção dos cartões dos estudantes. Como é óbvio, a banca não brinca em serviço nem tem vocação altruísta, pelo que usa esses acordos para através de um marketing agressivo e, provavelmente, nos limites dos quadros legais, fidelizar e "impor" serviços indesejados pelos alunos, muitos milhares de alunos, aos quais estes não sabem como resistir. Às escolas de ensino superior também interessa o envolvimento nestes processos com as entidades bancárias porque, naturalmente, beneficiam, delegando, por exemplo, a produção dos cartões ou obtendo outro tipo de vantagens nas suas próprias operações.
Durante muito tempo era comum afirmar-se que a vida dos mais novos é que era boa e fácil, as dificuldades chegavam com a idade. Os tempos estão em mudança, a cruz pesa logo de início.

A MINHA CASA

Eu acho que é difícil escrever sobre a minha casa, mas vou tentar.
A minha casa em alguns dias é uma casa grande, noutros dias é uma casa pequena. Às vezes nem consigo perceber muito bem se é pequena ou grande. A minha casa tem muita gente, os meus pais, a minha irmã Maria e o Daniel, o meu irmão, e às vezes vem mais família e amigos e então parece pequena. Muitos dias a minha casa está muito vazia, não aparece ninguém, é quando ela parece muito grande.
Eu quase sempre gosto de estar na minha casa, tenho as coisas de que gosto e preciso, mas às vezes sinto-me um bocado só. Olho à volta e não vejo ninguém. Quando minha casa me faz sentir mais só fico com algum medo, não sei bem de quê, falo com os meus amigos e eles, quase todos, também dizem isso.
A minha casa é bonita, eu acho, embora nos dias mais escuros, quando está vazia e me parece grande eu não gosto assim muito dela e acho-a feia. Até tenho vontade de mudar de casa mas sei que não posso.
Eu e os meus amigos encontramo-nos na minha casa e umas vezes ficamos contentes, outras vezes falamos das coisas mais aborrecidas e já não fica tão bem, até parece que não gostamos das nossas casas.
Professora, não diga à Diana, mas eu gostava que ela também estivesse mais tempo na minha casa. Acho que ela ia gostar e a minha casa ficava melhor.
E é assim a minha cabeça. É a minha casa.

Francisco, nº 5, 8º B

domingo, 23 de maio de 2010

O AUTOMÓVEL É UMA ARMA

O DN dedica um trabalho ao comportamento que muitos condutores assumem ao volante. É referido um quadro, "road rage", "raiva ao volante", que evocando variadíssimas razões, umas mais sofisticadas que outras, procura explicar o irresponsável e agressivo comportamento ao volante de algum pessoal. Apareceram os sociólogos e os psicólogos e o tão incontornável quanto verdadeiro "o automóvel é uma arma" que por vezes transforma pacatos cidadãos em perigosos delinquentes.
Não tenho nada a opor a esta conceptualização, mas creio que teremos de reflectir em alguns outros aspectos, o quadro de valores e a sua formação, estou a falar de educação.
Se bem atentarmos, além da "road rage", também conhecemos a "school rage", a "street rage", a "night rage", a "work rage", a "home rage", etc. De facto, os tempos, por muitas razões, são tempos de raiva. Também são tempos em que, por causas diferentes, se instalou um sentimento de impunidade que favorece a desregulação dos comportamentos.
Como é obvio, os comportamentos inadequados e criminosos devem ser combatido e punidos. No entanto, a forma mais eficaz de construção de valores é a educação. Assim sendo e como sempre digo, tenho a maior das dificuldades em entender os destratos que são dados à educação e aos miúdos. O carro será apenas uma das armas que terão à mão, depois da própria mão, é claro.

sábado, 22 de maio de 2010

A EDUCAÇÃO EM TRIBUNAL

Depois da partidocracia e dos seus interesses terem tomado conta do universo educativo, tornando qualquer reflexão fora das agendas partidárias quase clandestina, entrámos na fase da judicialização. Começámos com as famosas providências cautelares a propósito de variadíssimas situações, processos judiciais sobre a aplicação das leis e agora, mais recentemente, até o nó central do trabalho do professor, a relação com o aluno e com os pais, chegou ao tribunal. Primeiro a condenação de um pai que insultou um professor e, notícia de hoje, a condenação de um professor que insultou o aluno.
É interessante ver os comentários produzidos sobre este caso do professor que chamou “preto” ao miúdo de 12 anos cuja mãe apresentou a queixa que motivou a condenação. A grande maioria dos comentários é, pode dizer-se, a preto e branco, ou seja, é insulto racista condena-se, obviamente ou, afirmam outros, é uma irrelevância que não justifica nenhuma actuação.
Do meu ponto de vista e dando como adquirido que insulto é sempre condenável, fico mais preocupado com esta deriva dos fenómenos e processos educativos para fora da escola, aumentando a crispação e fomentando discursos populistas, demagógicos ou irrealistas sobre a educação.
Quem conhece as escolas sabe muito bem que todos os dias se verificam, tal como em qualquer estrutura humana, incidentes indesejáveis e negativos. As escolas devem ter dispositivos, por exemplo, a avaliação de professores e um quadro normativo eficaz e desburocratizado que lhes permita lidar com a generalidade das situações. Deveria existir uma figura pela qual me bato há muitos anos, um Provedor da Educação, que caso necessário, pudesse dirimir situações de maior complexidade e que transcendessem a escola.
Este caminho, deslocar os problemas da educação para os tribunais, embora legítimo, naturalmente, parece-me uma má escolha.

SÓ ME FALTA A HISTÓRIA

Chama-se Tiago e tem 12 anos. Frequenta a escola pública da zona onde habita, um bairro tranquilo de uma cidade de média dimensão e é o melhor aluno da sua turma, mesmo um dos melhores da escola. Durante a sua ainda curta vida escolar foi sempre bom aluno.
É uma criança simpática, com ar feliz e que gosta de brincar como qualquer um na sua idade tendo um grupo de amigos alargado. Pratica basquetebol num clube pequeno da cidade e, não sendo um jogador notável, empenha-se dando um bom contributo à equipa.
O Tiago vive numa família que gosta dele que sente isso e também gosta da família, dando-se muito bem com a irmã Andreia dois anos mais velha.
É um miúdo falador embora não excessivo, interessa-se pelo que acontece à sua volta e gosta de ajudar os outros, seja em tarefas em casa, seja em tarefas na escola em que está sempre disposto a colaborar, quer com colegas, quer com professores.
O Tiago é um rapaz tranquilo, cumpridor das regras definidas em casa ou na escola não gostando de se envolver em situações que possam ser mais complicadas.
O Tiago gosta particularmente do avô Luís em casa de quem passa sempre algum tempo nas férias.
Quando tem algum tempo em casa, depois de cumprir os trabalhos da escola gosta de estar no computador ou jogar com a Playstation, sem exagerar no tempo, e ouve alguma música enquanto lê livros de aventuras, os seus preferidos.

Bom, já tenho o personagem ideal, só me falta inventar a história.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

UM DIA ACABO COM TUDO

A propósito da realização do XXI Encontro Nacional de Psiquiatria da Infância e da Adolescência, o DN aborda a questão dos comportamentos autodestrutivos em adolescentes e jovens. São divulgados alguns dados que justificam umas notas simples. Na consulta de prevenção do suicídio dos Hospitais Universitários de Coimbra, metade dos atendidos tem menos de 24 e cerca de 20% repetem a consulta. Em 2007 ocorreram 8 casos de suicídio entre os 11 e os 20 anos e nos primeiros 6 meses de 2008 também se verificaram 8 casos.
Segundo os elementos do departamento de Psiquiatria do Hospital de Santa Maria os comportamentos autodestrutivos em adolescentes são mais frequentes do que se pensa, estudos internacionais apontam para cerca de 10% da população em idade escolar com comportamentos de auto-mutilação.
Este quadro é um indicador do mal-estar que muitos adolescentes e jovens sentem. Em muitas situações não conseguimos estar suficientemente atentos. Acontecem com alguma frequência situações de sofrimento com as mais diversas origens, relações entre colegas, bullying por exemplo, ou relações degradadas em família que facilitam a instalação de sentimentos de rejeição, ausência de suporte social, facilitadoras de comportamentos autodestrutivos.
Curiosamente, em muitas circunstância este mal-estar é drenado para comportamentos com carácter mais social e que são percepcionados como “cool”, estimulando a “pica”, a adrenalina. O Público de hoje refere a preocupação que em França se sente com a realização de concentrações de jovens, convocadas através das redes sociais, num determinado local de uma cidade com o único fim de beber, muito. Ao que a notícia refere já se verificaram acidentes fatais.
É por questões desta natureza que tenho sempre alguma reserva face aos discursos sobre a juventude de hoje “a quem não falta nada”, que “tem tudo”. Por vezes tendo “tudo”, apenas não tem atenção, um dos imprescindíveis bens de primeira necessidade.

OS MIÚDOS, ESSES RESPIGADORES

Já não é a primeira vez aqui no Atenta Inquietude que algo me faz lembrar e citar o lindíssimo "Os Respigadores e a Respigadora" de Agnès Varda. Hoje faço-o de novo a propósito da vida de alguns miúdos.
É verdade, um número demasiado elevado de crianças e adolescentes são uma espécie de respigadores, ou seja, a sua vida depende muito das sobras da vida dos adultos.
Existem crianças que apenas têm pais e mães no tempo que a estes sobre, pouco, dos estilos de vida a que estão obrigados ou escolhem.
Em muitas circunstâncias os miúdos têm apenas a voz que os silêncios dos adultos, curtos, lhes concede.
Existe muita gente miúda que na escola tem a atenção que sobra do cansaço e do esforço mal compreendido de muitos professores.
Todos conhecemos miúdos, mais pequenos e mais grandes, que se confortam com as sobras dos afectos que os adultos têm para distribuir.
Existem muitos miúdos que para brincar, a actividade mais séria que se faz quando se é pequeno, apenas têm o tempo que sobra da quantidade enorme de actividades com que são intoxicados em nome da excelência e do desenvolvimento.
Curiosamente e de forma paradoxal, muitos destes respigadores pequenos têm muitas coisas em excesso, que lhes não fazem falta alguma. Mas isso é outra história.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

DE PEQUENINO É QUE ...

De vez em quando, mesmo no meio dos problemas aparece algo de positivo que vale pena sublinhar e divulgar.
O Público informa que o Programa de Intervenção Precoce na Infância no Alentejo, que apoia cerca de 2400 crianças com deficiência ou problemas de desenvolvimento e respectivas famílias, recebe hoje, em Genebra, um prémio da Organização Mundial de Saúde (OMS).
É consensual que em crianças com sérios problemas, deficiência ou alterações no seu desenvolvimento, a intervenção precoce pode fazer a diferença entre um projecto de vida mais positivo e um destino sem oportunidades que envolve de forma dramática as famílias.
É interessante que mesmo numa região em que habitualmente são apontadas carências e dificuldades, o Alentejo, é possível promover bom trabalho e eficaz.
O que me parece também de sublinhar, sobretudo porque vivemos num país quintalizado, em que os donos dos quintais, ciosos das suas competências e pequenos poderes, dificultam a cooperação e a conjugação de esforços, o Programa de Intervenção Precoce envolve os Ministérios da Saúde, da Educação e da Segurança Social.
Curiosamente e espelhando a cultura que nos envolve, esta notícia quase não é objecto de comentários. Sinais dos tempos, já não somos capazes de ver coisas positivas.

QUANDO É QUE SE FICA CRESCIDO

Um dia destes, o João encontrou no recreio o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, e ficaram uns minutos à conversa, poucos que o intervalo é curto. O João vinha em animada conversa com o Pedro e pelos vistos a discussão estava empatada pelo que pediram arbitragem ao Professor Velho.
Velho, quando é que achas que a gente acaba de crescer? Eu acho que é quando o corpo já não fica maior e o Pedro diz que se pode dizer que é quando as pessoas têm de tomar conta da vida delas.
Não sei se sou capaz de vos ajudar, porque a resposta não é fácil. É verdade que pode dizer-se que quando o corpo já não fica mais alto, parámos de crescer. Mas também podemos dizer que, de uma forma geral, os mais crescidos, a partir de certa altura começam a ter de tomar conta da sua vida e por isso também se pode dizer que acabaram de crescer. Sabem, no entanto, que as pessoas podem continuar a aprender coisas ao longo da vida toda e por isso pode dizer-se que nunca se acaba de crescer. Há também pessoas que têm qualidades que vão ficando sempre melhores em alguma coisa pelo que também se poderá dizer que não acabam de crescer. Por outro lado, existe gente que ...
Chega Velho. Pedro, se calhar ficar crescido é isto, complicar, complicar. É melhor crescer devagar.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

GORDURA NÃO É FORMOSURA

Há uns meses atrás, a propósito de um estudo realizado em Portugal mostrando como a obesidade infantil é já um problema de saúde pública implicando, por exemplo, o disparar de casos de diabete tipo II em crianças, relatei aqui no Atenta Inquietude a cena de um extremoso pai que, ao meu lado, proporcionava a uma criancinha com 8 ou 9 anos um pequeno almoço composto de três salgados e uma lata de cola. Curiosamente esse texto despertou algumas reacções vindas, creio, de algumas pessoas que entendem que qualquer discurso ou iniciativa no âmbito dos comportamentos configuram uma intromissão e desrespeito dos direitos individuais. Insisto na necessidade de iniciativas e discursos que promovam comportamentos mais saudáveis sobretudo quando se trata de crianças que são obviamente mais vulneráveis e desinformadas.
Um estudo hoje divulgado pela Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade revela indicadores preocupantes. Entre os 2 e os 5 anos, 27,4 dos rapazes e 30,8% das raparigas estão em situação de pré-obesidade ou obesidade. Na faixa etária entre os 11 e os 15 anos a percentagem é de 28,6 para os rapazes e 27,8 para as raparigas. Em adultos e sem surpresa os números pioram, 50% dos homens e 30% das mulheres estarão em situação de pré-obesidade ou obesidade.
As consequências potenciais deste quadro em termos de saúde e qualidade de vida são muito significativas, quer em termos individuais, quer em termos sociais. Assim, e como já tenho referido no Atenta Inquietude, um problema de saúde pública desta dimensão e impacto justifica a definição de programas de prevenção, educação e remediação que o combatam.
Provavelmente, teremos algumas reacções contra o chamado “fundamentalismo nos hábitos individuais” mas creio que são também de ponderar as implicações colectivas e sociais do problema. Além de que todos nós sabemos que o excesso de peso não será, para a esmagadora maioria das pessoas nessa situação, uma escolha individual, é algo de que não gostam e sofrem, de diferentes formas, com isso.

DESESPERANÇA

A capa do JN de hoje é assustadora, "730 000 portugueses desempregados". Embora, o Primeiro-ministro tenha referido alguns sinais positivos, em Abril baixou pela primeira vez o número de pessoas inscritas nos Centros de Emprego, o desemprego é a consequência mais grave da crise económica, importando também considerar a existência de cerca de dois milhões em risco de pobreza. Este quadro é arrasador e dificilmente permite algum optimismo a curto e médio prazo.
Neste contexto e obrigado pela ditadura de Bruxelas a contrariar os efeitos de décadas de políticas públicas despesistas e desreguladas, o Governo opta pelo mais fácil e de rentabilidade imediata, o aumento de impostos o que parece, creio, agravar a situação de vulnerabilidade em que aquelas pessoas se encontram.
É muito difícil entender e aceitar, por exemplo, que se aumente o IVA envolvendo bens essenciais, que tanto atinge os mais pobres como os mais ricos e que não se vá mais longe no corte de despesas como aquisição de bens ou serviços por parte da administração pública, central, local ou de instituições com tutela pública. A título de exemplo, sabe-se que existem centenas de institutos e organismos de duvidosa eficácia e desconhecidas competências que são um sorvedouro de dinheiro em termos de salários para a administração, custos de funcionamento, manutenção, etc.
Este cenário torna possível a incubação de dois tipos de atitude que podem coexistir mas que são sempre de efeitos sociais muito complicados. A desesperança, que promove a desistência e a entrega ou, do outro lado, a revolta com desenvolvimentos e dimensões imprevisíveis.
A desesperança e a revolta, juntas, podem ser pólvora.

A TINTA INVISÍVEL

Um dia destes, alguns professores comentavam numa roda informal, lamentavelmente, cada vez mais difícil de fazer acontecer nas escolas, vários casos em que miúdos passavam por situações complicadas sem que, aparentemente, se tornasse visível o impacto dessas situações. Os professores percebiam, por vezes, que alguns miúdos parecem ter uma estranha capacidade de mascarar a sua vida, ou mesmo o seu mal-estar.
Na roda de professores também estava o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, que contou a história de um rapaz que ele tinha conhecido há muitos anos e que ia escrevendo a sua narrativa com tinta invisível. Os colegas, por um lado surpreendidos com a afirmação e por outro lado habituados às divagações do Velho, esperaram por alguma clarificação.
O Professor Velho falou então de um miúdo em que ele sentia que alguma coisa se passava que não o deixava sentir bem, mas não conseguia perceber o que era. Começou a ficar mais atento aos sinais e às falas do rapaz e chegou à conclusão de que ele escrevia a sua vida com aquela tinta que só com um truque se torna visível. No caso, o truque foi a atenção. Existem muitas narrativas que falam de medo, de desconforto, de desafecto, de abandono e solidão, de raiva, de perplexidade e que permanecem invisíveis. Só mesmo a atenção é que torna visível a tinta com que são escritas. O Velho acabou a referir que o problema é que a atenção que permite decifrar a tinta invisível de algumas narrativas nem sempre se consegue ensinar, embora sempre se possa aprender.
Aqueles professores pareciam atentos à fala do Professor Velho.

terça-feira, 18 de maio de 2010

PORTA-TE COM JUÍZO

Aquela velha máxima de que uma imagem vale mais do que mil palavras está bem patente na fotografia de capa do JN. O ministro das finanças do Luxemburgo, de pé por detrás do ministro Teixeira dos Santos, tem a mão poisada sobre a cabeça do ministro português e olha-o com um ar sério. A legenda, ausente, seria qualquer coisa do género, "Teixeirinha, vê lá se te portas como deve ser, senão o tio zanga-se".
Na verdade, o país tem feito um sério esforço no sentido de cumprir as imposições de Bruxelas, ou seja, dos países mais ricos. As opções, aumento de impostos, mais do que controlo da despesas criam e acentuam injustiças de que é exemplo o aumento do IVA, um imposto cego e injusto, que além de abranger bens essenciais do cabaz mais básico da alimentação, atinge os mais pobres e os mais ricos. Mas Bruxelas, com o apoio do FMI, determina e nós portamo-nos bem merecendo uma festa na cabeça destinada aos miúdos bem comportados.
Uma pequena nota que achei interessante neste quadro de crise que motivou, aliás, a promulgação do casamento gay pelo Presidente da República. O seleccionador nacional Carlos Queiroz ganha 1,35 milhões de euros ano, fora eventuais prémios. Tal salário justificado pela realização de meia dúzia de jogos por ano é mais um exemplo de uma sociedade coesa do ponto de vista social, que também se espelha numa notícia de um jornal de ontem que referia a existência de lista de espera para alguns modelos automóveis de luxo.
A crise quando nasce não é para todos.

A COLECÇÃO DE CROMOS

Um dia destes assisti a uma cena que, de certa forma, também ilustra os tempos em que vivemos e a forma como olhamos para as coisas dos miúdos.
Estava na papelaria do meu bairro a comprar o jornal, ainda não consigo viver sem um jornal em papel, e à minha frente estava um pai com um gaiato de uns sete ou oito anos. O senhor perguntou à D. Fátima se já tinha recebido os cromos de uma colecção de que não fixei o nome. A senhora respondeu que sim, já há uns dias que tinha as carteiras de cromos e as cadernetas. O miúdo referiu que sabia disso porque os colegas da escola já tinham começado a colecção e pediu ao pai para comprar umas carteiras e uma caderneta. O pai, certamente um pai cuidador e atento, pediu então a caderneta e umas dezenas de carteiras de cromos. É verdade, umas dezenas de carteiras de cromos. Gastou creio que um pouco mais de vinte euros e o miúdo levou carteiras para estar um bom bocado a abrir.
Devo estar a ficar velho, mas fiquei a pensar. Para além do valor gasto, não sei se muito ou pouco significativo para aquela família, lembrei-me que no meu tempo, é mesmo conversa de velho, mas também no tempo do meu filho, fazer uma colecção de cromos era isso mesmo, coleccionar, não era comprar uma colecção de cromos. Fazer uma colecção era entrar numa espécie de rede social antes do Facebook, era saber quem fazia a colecção, quem tinha cromos e quais para trocar, usar uma lista com os cromos em falta e passar muito tempo na rede social do coleccionadores para, de descoberta em descoberta, ir completando a colecção. Este processo arrastava-se no tempo e quando se aproximava o fim, quando já só faltavam um ou dois cromos, "os mais difíceis" a adrenalina subia e os negócios eram mais difíceis, por vezes conseguir um dos "tais" obrigava trocá-lo por muitos dos repetidos. Era o mercado a funcionar.
E quando a colecção ficava completa, era o triunfo, até à próxima colecção, claro.
Ainda gostava que aquele miúdo que estava na papelaria soubesse o que é fazer uma colecção de cromos, ia ser bom para ele.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

O CONTROLO DOS FILHOS

O DN refere-se hoje à utilização da rede social Weduc em quatro escolas privadas. Esta rede social, do tipo do Facebook, instalada numa plataforma on-line permite o contacto em tempo real entre pais e escola, possibilitando, segundo citação de capa do jornal, "Escolas permitem controlar aulas dos filhos pela net". Esta ideia do controlo é recorrente na utilização da rede social, "controlar o desempenho deles na escola", "saber o que os filhos fazem na escola minuto a minuto", são exemplos das potencialidades da rede que se destina fundamentalmente a pais muito ocupados e a "pais-galinha" de acordo com os responsáveis. Algumas notas a este propósito.
Como muitas vezes tenho aqui afirmado, qualquer dispositivo que incremente o envolvimento dos pais na vida escolar dos filhos é positivo. No entanto, esta ideia exacerbada do controlo merece alguma reflexão. Os tempos que atravessamos suportam o entendimento de que é possível e necessário controlar tudo. As novas tecnologias tornam-nos acessíveis, expostos, e instala-se com facilidade a ideia do controlo. Os miúdos têm desde muito cedo telemóveis porque, entre outras vantagens, dizem, isso permite maior controlo por parte dos pais.
Do meu ponto de vista e isto pode parecer paradoxal, apesar desta tentativa constante de aumentar o controlo, acho que os nossos miúdos não se sentem controlados, ou seja, os comportamentos de muitos miúdos e adolescentes evidenciam uma desregulação e mal-estar que contraria a ideia de que estão controlados.
Parece-me, portanto, que pode ser arriscado confundir a ideia de que o controlo à distância através de um "big brother", seja o caminho para que os miúdos e adolescentes cresçam controlados e desenvolvam comportamentos regulados e adequados socialmente. Vigiar, por mais importante que possa ser, não substitui educar, nem com pais ocupados, nem com "pais-galinha".

PAI E FILHO, OUTRO DIÁLOGO IMPROVÁVEL

Adeus Luís, até logo.
Vais sair pai?
Sim, vou ao futebol.
Vais com quem?
Com o Sr. Francisco do 1º esq. e com uns colegas lá da empresa.
Quais?
Tanta pergunta, é com o Mário, o Lopes e o Santos.
O Lopes e o Santos não são uns tipos que tu contas que de vez em quando arranjam confusão?
Não Luís, são uns tipos porreiros, podes ficar descansado.
Pai, vens logo para casa quando acabar o jogo?
Se o glorioso ganhar, vamos beber umas bejecas.
Vocês vão de carro?
Sim, o Lopes leva o carro dele.
Já te tenho dito que não gosto que vás beber uns copos quando estás de carro.
O Lopes é responsável, a gente bebe por ele.
Então vá, vão com cuidado e portem-se bem, sabes como hoje as coisas estão, toda a cautela é pouca. Não se metam em confusões. Não desligues o telemóvel e alguma coisa apita.

Pá, pessoal desculpem lá o atraso, ainda levei uma seca do meu filho antes de sair de casa.

domingo, 16 de maio de 2010

OS MIÚDOS VIAJANTES E OS VELHOS EM FAMÍLIA

Num tempo em que poucas vezes encontramos, ou estamos disponíveis para encontrar, aspectos positivos na acção política parece-me justo salientar dois aspectos hoje referidos na imprensa.
O primeiro, abordado no Público, remete para o trabalho que o Ministério da Educação tem feito no sentido de possibilitar que crianças e adolescentes pertencentes a famílias cuja actividade profissional obrigue a deslocações constantes, caso de feirantes e trabalhadores em artes circenses, possam acompanhar a escola através do apoio de professores via net. Os testemunhos ouvidos registam o agrado dos miúdos e a taxa de sucesso verificada permite que se considere um bom trabalho. Salienta-se ainda que as crianças e adolescentes envolvidas no Programa se encontram durante algumas semanas por ano numa boa oportunidade de contacto presencial também registada com satisfação por alunos e professores.
A segunda nota dirige-se para a intenção manifestada pela Misericórdia de Lisboa, ouvi num noticiário televisivo e não percebi se era intenção do governo e a nível nacional, de apoiar famílias que acolhessem idosos. Assim, o apoio e parte do valor da pensão dos idosos seriam direccionados para famílias que o recebessem evitando que sejam emprateleirados em lares ou permaneçam isolados a morrer devagarinho de solidão. Também não consegui perceber se esta iniciativa poderia envolver a família do próprio idoso. Neste quadro, creio que poderia ser estudado no âmbito da Segurança Social a possibilidade, generalizada ao país, de que a própria família do idoso pudesse ser subsidiada se mantivesse a pessoa consigo. Esse subsídio seria calculado com base nos apoios que o estado destina às instituições de solidariedade social que recebem idosos. Quero acreditar que muitas famílias tendo algum apoio que lhes permitisse, por exemplo, pagar algumas horas a alguém, quereriam ter os seus velhos consigo.
Como se costuma dizer actualmente, dois exemplos, um a funcionar, o apoio aos miúdos viajantes, o outro, em projecto, subsidiar famílias que recebam velhos, que vão no caminho da coesão social e da solidariedade.

sábado, 15 de maio de 2010

FAMÍLIA, FAMÍLIAS

A agenda das consciências determina para hoje o Dia Internacional da Família. Assim sendo, algumas notas.
Apesar dos discursos mais ou menos conservadores ou mais ou menos liberais, é ainda um consenso a importância de uma família, para miúdos e graúdos. Já não é possível falar de família mas sim de famílias ainda que alguns apenas queiram considerar família um determinado tipo de agregado.
Do meu ponto de vista, a preocupação central é que a família cumpra um papel de céu protector de quem a integra, independentemente do modelo de família. Existem muitos agregados familiares que não passam de um conjunto de pessoas com a chave da mesma casa e aparentemente serão uma família.
Nos discursos sobre a família que hoje certamente se produzirão será de lembrar os milhares de crianças e jovens institucionalizados sem que uma família faça parte do seu projecto de vida.
Será de recordar os milhares de velhos que vão morrendo devagar, de solidão por falta de uma família.
Será de recordar os milhares de famílias disfuncionais que por falta de atenção e recursos maltratam e se maltratam num ciclo inquebrável.
Nos tempos que correm, será de recordar os milhares de famílias em que o desemprego e a desespera no futuro comprometem a dignidade e sobrevivência de cada um dos seus elementos.
Finalmente, será de recordar e sublinhar a bênção de quem sente uma família, seja de que tipo for, é a sua família, um céu protector.

O MACACO DE ESTRADA E A CERTIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIAS

Estava a ler umas notas sobre a certificação de competências e lembrei-me de duas histórias. A primeira inserida num texto sobre formação que alguém me fez chegar à mão e provavelmente conhecerão. Uma mãe é chamada à escola e informada de que o filho, a frequentar o 9º ano pela segunda vez, vai chumbar porque não teve positiva a nenhuma das disciplinas. A mãe protesta veementemente, afirma que é uma injustiça pois ela só andou na escola até à 4ª classe, a Junta de Freguesia deu-lhe o 9º ano, ela apresentou um trabalho muito jeitoso que o filho tinha feito porque ela não se entendia com o computador, não era pois justo que não dessem o 9º ano ao filho. Como dizem os italianos, “Se non è vero, è ben trovato”.
A segunda história aconteceu comigo no meu Alentejo. Ao abrir o casão vejo que o tractor tem uma das rodas da frente em baixo e fico com um problema, como levantar o tractor para desmontar a roda? Enquanto eu olhava para o tractor chegou o Velho Marrafa que pergunta, “Então Sr. Zé, qual é o enleio?”. Um pneu furado e não ter macaco que levante o tractor é enleio que chegue, respondo desanimado. O Velho Marrafa ri-se com os olhos pequeninos e responde tranquilo “resolve-se com o macaco de estrada”. À minha cara de ignorante desconfiado, aponta para a lenha já cortada que está em frente ao casão à espera do frio do Inverno, “Ali há um moitão deles”. Com a mão avalia a distância entre o eixo do tractor e o chão, escolhe um tronco um pouco maior, entala-o entre o eixo e o chão, diz, “Ponha o tractor a trabalhar e ande um pouco” e, espanto, o tractor ficou em cima do tronco com a roda no ar pronta para desmontar.
O Velho Marrafa explicou que no meio do campo só com um macaco de estrada se desenrasca um furo num tractor e de caminho ainda me ensinou que se fosse uma motorizada ou bicicleta também se resolvia, tira-se a câmara de ar, enche-se o pneu com erva bem compactada e segue-se viagem.
Este homem, deve ser mesmo “ingenhêro”, ainda não tive um problema no monte que ele não resolvesse. Eu certifico as suas competências.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

A ANEDOTA, A PLAYBOY, O ESSENCIAL E O ACESSÓRIO

A história circulava na blogosfera mas acabou por ser de um conhecimento mais generalizado e o alarido ficou maior, num livro de anedotas destinadas a crianças aparece uma de particular mau gosto associando professores e vacas que, aliás, vai ser retirada em nova edição da obra. Ao mesmo tempo, junta-se a algazarra decorrente do aparecimento de uma professora do 1º ciclo em Mirandela nas páginas da Playboy em poses que algumas consciências consideram incompatíveis com a função de professora pedindo, por isso, o seu afastamento.
Independentemente do meu entendimento individual sobre estas duas situações, compreendo algumas das reacções e o desconforto expresso.
O argumento crítico mais utilizado remete para os danos na imagem dos professores e aqui é que me parece que bate o ponto, como se costuma dizer.
Parte substantiva do discurso político sobre a educação e a escola, incompetente e arrogante, incluindo o de muitos ocupantes da 5 de Outubro nas últimas décadas, parte do discurso dos representantes dos professores, parte de uma opinião publicada ignorante e ao serviço de agendas políticas da partidocracia instalada, causaram danos muito mais graves na imagem social dos professores que a anedota divulgada, quantas anedotas e histórias circulam, ou a fotografia da professora bonita que se expõe.
Como disse, entendo as preocupações presentes no alarido desenvolvido, mas estes dois incidentes são minudências face ao estrago que tem sido feito na imagem dos professores até por gente que agora parece incomodada.

O DIA DA ESPIGA

Como dizia Camões o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades. De manhã, logo cedo, entre o aumento dos impostos e a visita o Papa ouvi numa rádio uma breve referência ao facto de hoje ser o Dia da Espiga e aí fiquei, no Dia da Espiga, como nós dizíamos quando era pequeno, a Quinta-feira da Espiga. Acho que já muito pouca gente repara no Dia da Espiga, como já nenhuns miúdos aparecem a pedir Pão por Deus no 1º de Novembro, o Dia de Todos os Santos. Na verdade, surpreendi-me porque no último bateu-me à porta um grupo e não era à conta do Halloween, importação recente que se tornou moda, era mesmo a pedir Pão por Deus, achei graça e até tinha romãs em casa que tinham vindo do meu Alentejo.
Voltando ao Dia da Espiga e a umas dezenas de anos atrás, na minha casa íamos sempre buscar a sorte prometida no ramo da Espiga. Com o meu pai, pegávamos nas bicicletas, na altura o meio de transporte familiar e íamos à quinta onde vivia a Avó Leonor apanhar o ramo da Espiga, papoilas, flores silvestres, sobretudo malmequeres amarelos e brancos, o que se encontrasse de espigas de cereais e o ramo de oliveira. Fazia-se o ramo atado com ráfia, arranjávamos sempre mais do que um para oferecer aos vizinhos e colocava-se pendurado lá em casa por cima da mesa do jantar como chamariz da sorte. Saía apenas quando era substituído pelo novo ramo da Espiga. Nunca me lembro de termos conseguido associar a presença do ramo ao que de bom nos ia acontecendo, mas o ramo lá estava e a tradição era sempre cumprida.
Nas novas qualidades que o mundo vem tomando, não parece caber minudências como andar no campo, se houver campo, à cata de flores, espigas e um raminho de oliveira. Não sei se é bom, ou se é mau, mas eu gostava de ir à Espiga, mesmo se não confiava muito na sorte.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

BANDIDO DE QUATRO ANOS EXPULSO DE ATL

Creio que não foi nas páginas dedicadas ao crime, mas a notícia chamou a minha atenção no JN on-line. Em Vila do Conde, uma criança de 4 anos foi expulsa do ATL que frequentava devido aos seus problemas de comportamento, é agressivo, parte coisas e não trata bem as pessoas.
Num país em que parte da opinião publicada e do discurso político, é centrado na ineficácia do combate à delinquência e à violência, gerando um sentimento de impunidade que mina os alicerces sociais, é bom saber que existem pessoas corajosas, autênticos heróis, que correndo riscos imprevisíveis e sem qualquer tipo de apoio, tomam medidas a sério no combate ao banditismo.
De facto, expulsar de um Atelier de Tempos Livres um perigoso delinquente com quatro anos é um acto de cidadania e sacrifício exemplar, merecedor, aliás, da mais ampla divulgação e das maiores felicitações aos corajosos decisores. Com mais gente desta têmpera o país não teria chegado ao estado lamentável em que se encontra, com níveis de marginalidade. banditismo e violência dignos de qualquer videogame de má qualidade.
Esta atitude, a que certamente muita gente ficará a dever a vida, sabe-se lá onde o perigoso energúmeno de quatro anos poderia chegar, mostra o caminho, é como que um farol, que se exige e bem mais eficaz que a voz do Dr. Portas. Mesmo nas creches se devo estar atento. Bebé que chore muito e alto, faça mais do que o necessário nas fraldas, que reaja com caretas às tontices que lhe dizem, que não adormeça dois minutos depois do arroto, rua com ele. Se assim se proceder, evitar-se-ão seguramente os problemas gravíssimos que aos quatro anos já será tarde demais para corrigir.
Um grande bem-haja aos heróicos cidadãos que tomaram a corajosa medida de expulsar o bandido de quatro anos, mostrando aos juízes e à forças da ordem como deve ser tratada essa ralé.

PS - A sério. Por mais complicados que sejam os problemas levantados pelo miúdo e grande a dificuldade em encontrar ajuda, a criança tem quatro anos, não é possível entender a expulsão.

E SE DE REPENTE

Apesar da tolerância decorrente da oportuna tolerância de ponto a propósito da oportuna visita do Papa, que ajuda a esbater o impacto da esperada e hoje anunciada subida de impostos, não é possível evitar uma referência.
O descalabro a que as elites nacionais e internacionais conduziram a economia e os mercados financeiros determinou a necessidade de medidas que, como sempre, sobrariam para a generalidade dos cidadãos através do aumento de impostos e menos, apesar dos esforços, para o controlo da despesa, como aliás ontem referi.
Talvez inspirado pela estadia do Papa ou ainda pela euforia do benfiquismo porque não um nota de optimismo, não se zanguem, é só para não me deprimir.
E se de repente a elite política em Portugal, e não só, começasse a entender que a acção política deve ser norteada pelo bem-estar comum não por interesses partidários.
E se de repente se entendesse que um modelo de desenvolvimento social e económico que promove assimetrias e um fosso inaceitável entre os mais ricos os mais pobres deveria ser alterado.
E se de repente se percebesse que mesmo em mercado abertos e sociedades democráticas os princípios éticos não podem ser hipotecados.
E se de repente se percebesse que justiça social não é incompatível com um desenvolvimento económico.
E se de repente se decidisse que não são aceitáveis excessos obscenos em remunerações e regalias que ofendem a dignidade da generalidade das pessoas.
E se de repente percebêssemos que juntos, apesar de diferentes, é mais fácil.
E se repente ...
Ora, não acredito.

A MINHA ESCOLA QUE NÃO É MINHA

A experiência de vida ensina-nos que o espaço em que nos movemos, vivemos, é algo de importante e organizador do nosso funcionamento. Na grande maioria das famílias, desde que haja condições, os lugares à mesa são preenchidos sempre da mesma forma, o pai senta-se sempre no mesmo sofá, o quarto de cada utilizador é personalizado, etc., ou seja, cada um tem o seu canto e é fundamental para nós sentirmos que temos um canto, um canto, um espaço, que para além da dimensão física tem, sobretudo, uma dimensão afectiva. No mundo profissional, a maioria das pessoas, independentemente do trabalho que realiza, procura criar um canto, sente essa necessidade, é a secretária decorada e arrumada ao jeito de cada um, é o canto da oficina com as ferramentas e fotos dispostas com um critério pessoal, é o armário onde se guarda o que é nosso, é a cabine do camião ou do táxi que não encontramos duas iguais, etc.
Pois na maior parte das escolas não existe um canto do aluno, um canto do professor ou um canto do funcionário. Nas escolas pouca gente tem o seu canto. O director, alguns funcionários administrativos, alguns professores de áreas específicas e poucos mais. Os restantes são assim uma espécie de “homeless”. Os alunos mudam de sala, para uma sala igual não têm uma sala Sua, não têm uma mesa Sua, não têm um armário Seu, não têm o Seu canto. É óbvio que algumas disciplinas requerem espaços e equipamentos específicos sendo, por isso, de utilização comum. Mas algumas salas poderiam, existem escolas que o fazem, ser dedicadas a um grupo, sempre o mesmo. Os materiais que lá ficam seriam daqueles alunos, os trabalhos expostos seriam daqueles alunos, os armários seriam utilizados por aqueles alunos. Na verdade, muitos professores sentem a mesma “orfandade” espacial, não têm um canto que sintam como Seu, ainda que partilhado.
Neste cenário não fica fácil criar um sentimento de pertença, a Minha escola, onde eu tenho o Meu canto. Esse canto, quando existe, tem, como disse acima, uma dimensão afectiva, é, portanto, mais fácil gostar de um canto que é nosso. Como diz o Caetano Veloso, “quando a gente gosta, a gente cuida”. Assim, muitos miúdos falam da “minha escola” sem que no fundo a percebam como sua e por isso, muitos a destratam, ou seja, não a cuidam.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

OS PAIS E A ESCOLA

O DN de hoje trata uma questão, a relação entre os pais e encarregados de educação e a escola. Parece dispensável sublinhar a importância da questão assim como referir que se trata de uma dificuldade por resolver na generalidade os sistemas educativos.
É referido por algumas pessoas o aumento do afastamento dos pais traduzido na baixa participação em reuniões. Como causas referem-se as dificuldades em termos de legislação e horários laborais e algumas atitudes de menor empenhamento.
Como contributos releva a proposta de criar nas escolas uma sala de pais de cuja existência, simpática é certo, não vislumbro impacto, pois muitas escolas já possuem uma sala atribuída às Associações de Pais e mesmo nessas escolas, a questão mantém-se.
Como é óbvio, seria necessário, por exemplo em sede de Concertação Social, avançar com propostas de alteração legislativa e, sobretudo, na organização horária do trabalho que poderia, essa sim, ter impacto na disponibilidade dos pais.
No entanto julgo de considerar outros aspectos. Costumo afirmar que os pais, exceptuando os mesmo negligentes, que ainda que podendo, menos frequentemente vão à escola ou nunca vão, se podem dividir em dois grupos, os pais que não alcançam a escola e os pais que a escola não alcança. Os primeiros são os que entendem consciente, ou inconscientemente, que a sua presença é irrelevante, não sabem discutir a escola, a escola é que sabe e decide sobre os filhos. Os outros, são os pais que o discurso produzido pela escola sobre os seus filhos os leva a afastarem-se progressivamente. A experiência mostra que quando as crianças são mais pequenas, pré-escolar 1º ciclo, o pais aparecem e começam afastar-se sobretudo a partir do 2º ciclo.
Neste quadro, creio que se o desejo de maior envolvimento dos pais na vida escolar dos filhos for mais do que uma retórica, o sistema, através dos modelos de funcionamento e recursos das escolas, deverá introduzir alguns ajustamentos. Redefinição do papel dos Directores de Turma, peças nucleares no sucesso educativo e muitas vezes entregues a tarefas quase administrativas, definição de dispositivos com professores motivados, existem muitos, que possam ir ao encontro dos pais que a escola não alcança. Existem tantas horas de professores adjudicadas a trabalho não docente que estas seriam certamente mais úteis. Mudança nas formas e suporte do contacto entre a escola e a família, ou seja, por exemplo, tipologia e conteúdos das reuniões de pais. Utilização concertada do papel das Associações de Pais como mediadores entre a escola e os pais que não vindo à escola, também não são dos que integram as Associações.
O espaço é curto mas creio que no actual quadro é possível ir um pouco mais longe na tentativa imprescindível de maior envolvimento dos pais na vida escolar dos miúdos, questão em mudança, sempre, e que obriga a uma contínua reflexão sobre os papéis e os processos e formas de envolvimento.

QUE SE COMBATA O DESPERDÍCIO, A SÉRIO

Como sempre tenho de afirmar, de economia sei o que um cidadão minimamente atento e sem formação específica saberá. Quando as necessidades de financiamento do estado, as receitas, apertam o mais óbvio, imediato e simples é o aumento de impostos, designadamente o IVA, justamente o que sendo mais simples é o mais injusto pois penaliza toda a gente da mesma forma ou o corte, impopular naturalmente, nos salários da administração e mesmo no privado. A oposição admite este cenário mas exige um sinal, corte nos salários dos políticos. Esta ideia dos sinais é interessante do ponto de vista do marketing político e da mensagem social mas é, creio, de alcance curto.
Um caminho que me parecia bem mais relevante e de que algumas, poucas, vozes falam seria a redução de despesas e o combate ao desperdício. Aqui haverá muito fazer e muito por onde cortar.
Existem milhares de institutos, entidades e organismos públicos cuja eficácia é mais do que duvidosa. Só pelo facto de existirem são um sorvedouro de dinheiros públicos. Salários elevados da administração e chefias, máquina administrativa, edifícios e manutenção, logística e funcionamento, veículos afectos, etc. constituem-se como um saco de desperdício sem fundo. Os serviços de consultoria e aquisição de serviços em "outsourcing" são uma praga de altíssimo custo.
Na gestão autárquica existem milhares de empresas municipais com competências ininteligíveis e eficácia não perceptível, também com custos imensos só por existirem.
Os modelos de funcionamento em muitos organismos públicos centrais e locais são um convite ao desperdício sem controlo.
Como é evidente este universo está estruturado desde sempre para servir as clientelas que sustentam a partidocracia e por isso nenhum dos partidos que deseja chegar ao poder parece verdadeiramente interessado em mexer na estrutura que justamente suporta esse poder.
Enquanto assim for, não será pois estranho que quando a necessidade aperta, se aumentem os impostos e se dê um "sinal", baixar o salário dos políticos, que pouco mais é que marketing e demagogia. Sejamos sérios.

ESTE MIÚDO É UM TRATADO, OUTRO DIÁLOGO IMPROVÁVEL

Então Zé, quase no fim do ano, não é verdade?
Claro, tem sido difícil e esta ponta final é dura. Que tal achas os miúdos?
A maioria está aguentar-se, o Manel então, apesar dos problemas iniciais, o miúdo agora está um tratado não achas Maria?
Tens razão, é como dizes, o Manel anda um tratado. Lembrar-me que ele era um “cabeça no ar”, sempre distraído ou a falar, interrompendo as aulas. Tinha de passar o tempo a mandá-lo calar mas ele pouco ligava.
Comigo era a mesma coisa, aliás os outros colegas também se queixavam, lembras-te das reuniões, parte delas era destinada ao Manel. É curioso como os miúdos podem mudar imenso, o miúdo está mesmo um tratado. Tenho-lhe perguntado como vai nas outras disciplinas e também pelo que dizem os nossos colegas acho que ele vai passar sem grandes dificuldades.
Olha lá Zé, se o Manel que nos dava aqueles problemas todos agora está um tratado, achas que ainda vamos a tempo de mandar tratar os outros, ou mandam-se tratar logo no início do próximo ano?

terça-feira, 11 de maio de 2010

O MAL E A CARAMUNHA

Eu sei, sou estúpido, é a economia, mas já não há saco. Neste tempo em que a crise económica e as suas consequências mais graves, sobretudo o desemprego, se abatem sobre as classes menos favorecidas economicamente, aparecem de todo o lado as vozes a clamar pelos sacrifícios que é preciso fazer para salvar o país através desse tal PEC. A crise resultou, parece, de modelos errados e desregulados de desenvolvimento, do endeusamento do mercado, da ganância especulativa dos mercados financeiros com a complacência negligente, cúmplice ou incompetente das diversas entidades de supervisão, nacionais ou internacionais.
Neste contexto, acho de um atrevimento despudorado as movimentações de economistas, ex-ministros das finanças e outros iluminados que tendo sido parte do problema durante décadas vêm agora para a praça pública diariamente exigir sacrifícios e medidas draconianas que, obviamente, não os atingirão. Se bem se lembram o dinheiro dos contribuintes, em muitos países e também entre nós, tem sido usado para salvar a banca que continua a registar lucros não devidamente taxados.
Agora, até o sonolento Dr. Constâncio, que não percebeu ou não quis perceber, o que acontecia em Portugal e que está a caminho do Banco Europeu, certamente de cinto apertado, vem, claro, exigir sacrifícios, contenção, cortes sendo que estes atingirão os suspeitos do costume.
Como diz o povo, o que paga a crise, fazem o mal e a caramunha.

OS COELHOS NÃO SABEM O MEU NOME

Há muitos anos, era o meu irmão um gaiato pequenito e estava a brincar no quintal com o Rui, miúdo da mesma idade. Como duas cabeças pequenas a pensar, pensam sempre melhor que uma, resolveram dar um belo banho aos coelhos que estavam na capoeira, era um tempo em que os miúdos brincavam no quintal, havia capoeiras e coelhos, sorte a daqueles miúdos. Bom, continuando a história, os coelhos ficaram encharcados, motivo suficiente para que quando o meu pai chegou do trabalho quisesse saber o que lhes tinha acontecido. Estranhamente, o meu irmão não sabia de nada que pudesse ter deixado os animais naquele estado.
À noite, na hora da deita, o meu pai que tinha o bom hábito de conversar um pouco ou de nos contar uma história, voltou ao banho na capoeira e disse um segredo ao meu irmão, "Já sei, mas não digas nada a ninguém, como descobrir quem molhou os coelhos, vou-lhes perguntar". Já meio adormecido e bastante descansado o meu irmão ainda conseguiu dizer que os coelhos não sabiam o nome dele.
Em seguida dormiu profundamente, o sono dos inocentes. Os putos felizes dormem bem mesmo quando fazem umas asneiras.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

JUSTIÇA, O QUE NÃO PODIA ACONTECER

Nas actuais sociedades um dos aspectos que mais fragiliza ou fortifica a qualidade da vida cívica é a percepção que o cidadão comum tem da justiça, da sua eficácia, a oportunidade temporal da sua aplicação, a transparência das decisões e processos, ou seja, a percepção de que existe uma justiça justa, por assim dizer, e exercida em tempo.
Acontece que em Portugal o sistema de justiça e o quadro normativo e processual são objecto de crítica generalizada e apreciados negativamente, como ilustram a opinião pública quando inquirida e os trabalhos regulares do Observatório Permanente de Justiça coordenado por Boaventura Sousa Santos.
Vem esta introdução a propósito da manchete do JN que refere a libertação de quatro traficantes envolvidos num processo em que foi apreendida uma tonelada de cocaína. A libertação ocorreu por uma falha judicial deixando, refere a notícia, a PJ "irritada". Os eventuais responsáveis por esta incompreensível posição não se pronunciaram.
É exactamente este o tipo de situação que não pode acontecer. O efeito de uma capa divulgando a libertação de traficantes por erro judicial é mais devastador na opinião pública sobre a justiça, que a divulgação das taxas de delinquência e o seu uso na agenda política. O contributo desta notícia para alimentar o inaceitável sentimento de impunidade é enorme e tal situação não podia acontecer.
Curiosamente, hoje é lançado mais um programa, o Simplegis, destinado a combater, simplificar e clarificar o quase indecifrável quadro normativo português. Para este ano, o Simplegis tem como objectivo eliminar 300 leis (!) já ultrapassadas. Talvez fosse interessante estar atento e de caminho combater os lobbies envolvidos na produção legislativa e nas fortunas que circulam na sua interpretação e emissão de pareceres ou patrocínio nos grandes negócios, os grandes escritórios de advogados.