AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

domingo, 28 de fevereiro de 2010

PORDATA

Um lamentável esquecimento e o hábito, mau, de não falar das coisas boas, muitas, que ainda emergem no nosso país, levou a que não registasse o agrado e o interesse suscitado pela disponibilização gratuita da maior base de dados estatísticos sobre os últimos 50 anos em Portugal.
A Fundação Francisco Manuel dos Santos, presidida por António Barreto, através de um notável trabalho da responsabilidade de Maria João Valente Rosa produziu uma potente ferramenta de trabalho.
O volume de informação disponível em www.pordata.pt é riquíssimo e de uma utilidade extraordinária para todos os que, por necessidade, curiosidade ou investigação desejam aceder a informação relevante e caracterizadora de variadíssimas dimensões da nossa vida nos últimos 50 anos.
Embora muitas vezes, a propósito do tratamento escolhido para alguns dados e da forma manipulada e manipuladora como é produzido algum conhecimento decorrente de dados estatísticos, me lembre de que "Estatisticamente tudo se explica, pessoalmente tudo se complica" como diz Daniel Pennac no "Mágoas da escola", creio que a Fundação e a equipa que operacionalizou a Pordata fizeram um excelente trabalho que é justo sublinhar.

EDUCAÇÃO ESPECIAL - NOTAS SOLTAS

Não poderia deixa de me referir ao trabalho apresentado no Público sobre a situação, má digo eu, dos apoios educativos a crianças e adolescentes com necessidades educativas especiais. Por questões de economia deixo apenas algumas notas retiradas de textos anteriores no Atenta Inquietude.
Em 02/04/2009 dizia, "O trabalho de monitorização da aplicação do DL 3/2008 utiliza como referência para a existência de problemas 1.8% (até 2.2%). Conheço circunstâncias em que a linguagem utilizada foi “limpeza” na lista de apoios ou em que os nomes dos meninos foram pura e simplesmente riscados. Estes indicadores são, obviamente, incompatíveis com a realidade. Apenas no mundo virtual do Dr. Lemos estes números têm credibilidade.
O Dr. Lemos deveria saber que, mesmo quando existe alguma legislação ao abrigo da qual se apoiam crianças, não é a legislação que as apoia, é a existência de professores e técnicos competentes e em número suficiente que as pode ajudar. Tal situação não se verifica."
Em 21/01/2009 afirmei, "Mas também interessante é organização da avaliação externa anunciada. O dispositivo de avaliação da utilização da CIF é da responsabilidade do Professor Rune Simeonsson, o autor da … adivinharam, da CIF. Que avaliação resultará? Um doce a quem acertar. A coordenação da avaliação é da responsabilidade da Professora Manuela Sanches Ferreira que num Congresso Internacional sobre Funcionalidade Humana realizado em Lisboa, em Novembro de 2008, apresentou uma comunicação intitulada “A CIF como novo paradigma de intervenção e avaliação” integrado num painel sobre a temática educação. Adivinhem qual será o resultado da “avaliação” da utilização da CIF em educação? Mais um doce a quem acertar (vou esgotar os doces). Não quero duvidar da integridade ética e científica das pessoas em causa, mas dos critérios de escolha do ME, esses sim, de duvidosa integridade.
O Dr. Lemos deveria saber que não é sério entregar um estudo sobre o impacto da CIF aos seus autores e seguidores tal como anunciou há algum tempo. Não precisa de divulgar resultados já se antecipam."
Mais recentemente, em 16/02/2010 escrevi, "Sobretudo desde a entrada em vigor de uma criminosa e incompetente legislação, o DL 3/2008, que retomou a questão da elegibilidade, (como se uma criança com dificuldades possa não ser elegível para ter qualquer forma de apoio), era previsível a situação agora descrita. Por decisão de um delinquente ético, Valter Lemos, de 50 000 crianças apoiadas passámos, através da criminosa utilização do conceito de elegibilidade, para 34 000 o que corresponde a 2.85% do universo dos alunos. As orientações do Dr. Lemos, ainda não se conhece o pensamento da actual equipa sobre esta questão, iam no sentido de apoiar apenas 1,8% dos alunos pelo que será de esperar ainda menos alunos em apoio. Sabe-se que internacionalmente se aceita que existirão entre 8 e 12% de alunos com necessidades educativas especiais mas o Dr. Lemos entendeu que em Portugal, porque ele assim decretava, só teríamos cerca de 1,8%. O resultado que sempre denunciámos é este, milhares de crianças com necessidades e sem apoios."
Acresce a esta situação o cenário hoje referido no Público, nada estranho a quem conhece as escolas, insuficiência de recursos, a falta de formação de muitos dos profissionais que desempenham funções no âmbito do apoio educativo, inadequação da rede das escolas de referência. Aguarda-se o que dirá a nova equipa do ME sobre esta realidade esperando eu que não promova mais um "mero ajuste" como se vislumbra na reorganização curricular do 3º ciclo.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

OS ESTRAGOS DOS MIÚDOS E O PAI CUIDADOR

Aqui no Atenta Inquietude é recorrente a abordagem ao universo das crianças e das famílias. Nesta linha, a propósito de dois trabalhos jornalísticos interessantes, mais umas notas sobre estas questões.
No DN diz-se que está a aumentar significativamente o número de famílias que recorre a seguros de responsabilidade civil acautelando os eventuais danos causados pelos seus rebentos. A peça conta o exemplo de meninos que partiram telemóveis ou estragaram canalizações, estragos que as seguradoras indemnizaram. Mais uma etapa do amadorismo ultrapassada. Acabaram-se aquelas cenas patéticas dos papás envergonhados, corados a torcerem as mãos, a desfazerem-se em desculpas e a afirmarem timidamente “eu pago, peço mil desculpas” depois de uma daquelas “tragédias” causadas pela traquinice dos miúdos. Agora, qualquer papá face ao “acidente” saca da “declaração amigável” e diz de forma tranquila, “o seguro paga” e vai à vida calmamente. As seguradoras, sempre atentas às necessidades das famílias, oferecem descontos a quem segurar mais do que um filho. Notável. Fico a aguardar a possibilidade dos filhos contratarem seguros de responsabilidade civil face a danos causados por incompetência parental.
No I diz-se que começam a aparecer com mais frequência pais a utilizarem as licenças decorrentes do nascimento dos filhos quebrando o exclusivo das mães. Esta possibilidade, legalmente prevista, tem causado alguma estranheza nos serviços sociais ou nas empresas em que os pais trabalham. De facto, para algumas pessoas ainda deve ser esquisito ouvir de um homem qualquer coisa como “estou de licença de parto”, perdão, de “licença de nascimento” ou “estou com o bebé e com a lida da casa, a minha mulher passa aí”. Mas os tempos estão em mudança, mesmo quando muita gente quer parar o tempo, note-se, por exemplo, parte dos discursos e posições assumidas face ao casamento entre pessoas do mesmo género.
Como de costume, lembro-me de Camões, “todo o mundo é composto de mudança”.

NÃO POSSO QUERER SER NADA

                                (Foto de João Monteiro)

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

(Álvaro de Campos)

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

A DOR E OS MIÚDOS

Nesta noite cabaneira aqui no meu Alentejo, como cidadão que se quer informar, assistia ao jornal televisivo da RTP1. Inevitavelmente, parte substantiva do tempo foi ocupado com a tragédia da Madeira. Entre as várias peças uma, previamente anunciada, fixou a minha atenção. A jornalista Rita Marrafa de Carvalho foi à Escola Básica do Livramento saber como se estava a processar o regresso à escola dos meninos face à perda trágica de alguns colegas. E foi assim.
A jornalista entrevistou a professora Luzia (presumo que educadora pois tratava-se de uma sala de jardim de infância) na sala com um grupo de meninos sentados no chão a ouvir. Seguiu-se uma animada conversa onde a senhora educadora explicava os sentimentos e os problemas que as crianças sentiriam, mostrava os desenhos que fizeram e explicava o significado de cada desenho e a forma como estavam a viver estes dias, enquanto aquelas almas estavam sentadinhas no chão a ouvir todas as explicações da senhora educadora.
De vez em quando aparecia um plano dos rostos dos miúdos que estavam, naturalmente, com cara de “tirem-me daqui” enquanto a jornalista procurava aprofundar e explicitar as interpretações da senhora educadora sobre a dor das crianças.
Eu acho que elas, as crianças, não mereciam isto. A sua dor, não sendo exactamente aquilo que a senhora educadora e a jornalista traduzem, justificava, no mínimo, um respeito e um pudor suficientes para que aquela peça não tivesse sido feita, assim.
Mas parece que vale tudo, pobres crianças.

A PAZ NAS ESCOLAS, NÃO ERA?

Quase um ano depois do mítico 8 de Março de 2009, o dia da que creio ter sido a maior manifestação de professores da história, os professores voltam à rua. Ao que parece e segundo a Fenprof, irão protestar contra alguns dos aspectos contidos no Acordo de Princípios assinado com o ME e que na perspectiva sindical não estará a ser cumprido. Sempre aqui defendi que entendi e entendo as razões dos professores, por exemplo em questões centrais como a incompetente avaliação e a indefensável divisão entre titulares e outros, mas também entendo que a educação é, seguramente, o mais apetecível terreno de luta político-partidária pelo impacto fortíssimo que tem na vida das famílias, ou seja, a educação é um universo extremamente sensível às agendas políticas e aos interesses da partidocracia. Aliás, foi curiosíssimo assistir a alianças tácticas entre PSD, CDS, PCP e BE no contrariar de políticas do PS que alguns daqueles partidos sempre defenderam. Ao mesmo tempo, o partido do poder, como sempre, procurava capitalizar politicamente as questões em discussão diabolizando os professores aos olhos da opinião publica. O acordo assinado com a nova equipa da 5 de Outubro traria, dizia-se a paz às escolas, devolveria tranquilidade ao trabalho de professores, alunos e famílias. Ingenuidade das ingenuidades.
A paz nas escolas é um sonho impossível, pelo menos no actual quadro de valores em matéria de ética política. A luta pelo poder leva a que os interesses de todos os actores envolvidos, os partidos, os donos das decisões políticas, estejam sempre acima do bem comum, do interesse de todos. Nesta perspectiva, a paz nas escolas não é um bem desejado pelas estruturas partidárias, ainda que por razões diferentes. O resto é a retórica habitual e gasta da defesa do supremo interesse da criança.

PERFEITO

Era excelente a situação que criara e por muitas razões. Podia decidir o que queria fazer, escolher a ou as actividade que lhe apetecesse e podia escolher as pessoas que melhor pudessem corresponder aos seus desejos para realizar o que escolhia e também durante o tempo que considerasse adequado.
Podia ainda escolher o local em que quereria estar e como iria para esse local. Podia viajar de avião, carro, comboio ou, se bem o entendesse, ir a pé. Tinha o tempo todo para si e tudo podia decidir, escolher e ter.
Dominava de tal maneira a situação que as pessoas que desejava para estar consigo, a passear, trabalhar ou em qualquer outra circunstância lhe diziam como se sentiam bem na sua companhia o que o deixava muito contente, sentindo-se apreciado.
A sua família era construída e escolhida por si e todos tinham as características que entendesse dar a qualquer dos elementos.
O seu controlo sobre a situação era de forma eficaz que poderia assumir qualquer personagem e sair-se sempre bem.
Sentia-se a pessoa mais feliz do mundo.
Tinham inventado o jogo perfeito, sentava-se ao computador e passava horas sem fim a jogar "La vie en rose".

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

O VERBO SABER

Eu sabia que não sabia se sabia
Tu sabias que eu não sabia se sabia
Ele sabia que tu e eu não sabíamos se sabíamos
Nós sabíamos que não sabíamos se sabíamos
Vós sabíeis que todos sabiam que não sabiam
Eles que se lixem se souberem que nós sabíamos que não sabíamos

DE PEQUENINO

Um estudo da responsabilidade da DECO sobre o universo das creches e jardins de infância mostra alguns dados curiosos. Cerca de 30% das crianças até aos dois anos passam cerca de nove horas na creche e 71% dos pais revelam insatisfação com a oferta nesta área. Um primeiro comentário retomando o que aqui já tenho referido. A inexistência de respostas para a idade dos 0 aos três anos é um dos grandes obstáculos ao aumento da natalidade, as famílias não têm como resolver a guarda das crianças após a licença de maternidade. O estudo revelou que a maioria das crianças foi inscrita muito antes de iniciar a frequência no sentido de garantir lugar. Assim, um eficaz política de apoio à família e à natalidade terá de passar obrigatoriamente pelo aumento da resposta ao nível de creches mas também de jardins de infância.
Um outro conjunto de dados interessantes deste estudo tem a ver com as formas de guarda das crianças nas instituições. Em cerca de 73% dos casos analisados a televisão é um dos recursos para "entreter" as crianças, em metade dos casos todos os dias, sendo o valor mais elevado dos quatro países envolvidos neste estudo.
Esta situação, como costumo referi-la, a televisão como "baby sitter", é assim e desde o início uma rotina na vida dos miúdos, que além de se verificar no contexto familiar também se passa nas instituições onde se esperariam outras formas de entretenimento.
Como também refiro habitualmente, não se trata de diabolizar, neste caso a televisão, trata-se de defender a qualidade dos processos educativos, de proteger a criança da exposição a conteúdos que genericamente têm pouca qualidade e são inadequados, bem como prevenir formas de isolamento em frente a um ecrã que estão bem patentes nas crianças mais velhas.
Como o povo diz, de pequenino é que se torce o ..., escolham, pepino ou destino.

UM IMPROVÁVEL DIÁLOGO EDUCATIVO

Na primeira reunião promovida pela Professora Sónia, depois de iniciadas as aulas e destinada aos pais e encarregados de educação dos seus alunos do 1º ano, gaiatos de 6 anos, após algumas informações foi aberto um espaço de debate e esclarecimento de dúvidas que os pais pudessem ter.
Depois de alguma hesitação e de se aconselhar com a mulher se deveria falar ou não, o pai do Fábio colocou timidamente uma questão à professora Sónia.
Senhora professora, eu só estudei até à 4ª classe e ao perguntar ao Fábio o que ele fazia na escola, ele disse-me que fazia muitos desenhos. Perguntei-lhe se aprendia a ler e a escrever e a fazer contas e ele disse que ainda não, fazia era muitos desenhos. Acho que na escola também se faziam desenhos mas quando eu era miúdo a gente fazia muitos trabalhos de ler e escrever e contas, não fazíamos tantos desenhos como o Fábio diz que faz.
Sabe Sr. Pai do Fábio, as coisas agora são diferentes, já não se trabalha como antigamente. O desenho é uma actividade muito importante. Repare, estimula a criatividade e imaginação. Desenvolve a coordenação óculo-manual e ao mesmo tempo a motricidade fina. Representa também um importante contributo para o desenvolvimento cognitivo das crianças e estimula a sua capacidade de representação gráfica. Deve ainda considerar-se que a educação visual e, globalmente, toda a área das actividades expressivas são indispensáveis ao desenvolvimento equilibrado das crianças, entende?
Ah, bom, se faz bem a isso tudo, pois …
À saída da reunião o pai do Fábio vinha a perguntar à mulher, ”Percebeste o que a Professora disse?”
Como referi no título, este é um improvável diálogo.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

A CIDADANIA DO ESQUEMA

Um estudo do Observatório de Economia e Gestão e Fraude da Universidade de Economia do Porto revela que o peso da chamada economia paralela no PIB é de 22% em Portugal. Envolve cerca de 22 000 milhões de euros. Em termos comparativos a média na OCDE é de 16.3 e nos Estados Unidos de 8.4.
É de facto um valor impressionante mas não surpreendente. O esquema faz parte da nossa cultura e, provavelmente teríamos dificuldade em viver sem o esquema, a qualquer escala.
Quem de nós não se confronta diariamente com o servicinho feito sem recibo, "ó chefe c'o papelinho é mais caro por causa do IVA". Certamente que nalgum consultório já nos perguntaram se queremos o recibo ou não para decidirem quanto nos cobram. E são naturalmente, conhecidos os esquemas de grande escala de que o processo em curso Face Oculta é um bom exemplo.
Esta cultura do esquema que legitimamos implícita ou explicitamente com discursos desculpabilizantes do tipo, "já descontamos tanto que não preciso do recibo", "os impostos são para eles se encherem", "pá, um gajo tem que se desenrascar", ou a quase indiferença e alguma pontinha de inveja face aos negócios e lucros provenientes dos esquemas, que só condenamos nos outros, para além dos óbvio efeitos do ponto de vista económico, são um bom indicador da nossa vida cívica e do entendimento da cidadania, a cidadania do esquema.

COPY E PASTE

De há uns tempos para cá instalou-se na agenda a preocupação com o “Copy e Paste”, a cópia, o plágio, de textos em trabalhos escolares, nas mais das vezes através da consulta na net e recorrendo às ferramentas copy e paste. Esta preocupação afecta quem lida com alunos mais novos, básico e secundário, bem como com os alunos mais velhos, no ensino superior.
Devo dizer que me parece curiosa a inquietação com o que poderemos classificar de síndrome de “Copy e Paste”. Parece então que os miúdos ou adultos, não investigam, não produzem pensamentos, discursos ou textos originais limitando-se a copiar, tal e qual, o que encontram já feito, bem ou mal, disponível na net sobre a temática dos trabalhos solicitados. Para além do atropelo à ética, esbate-se a aprendizagem, quem se limita a copiar baixa significativamente a probabilidade de ficar a saber. Concordo genericamente com este entendimento.
O que de facto acho curioso, é que a condenação do “Copy e Paste” é feita paralelamente à intolerância à diferença, à divergência, à criatividade. De facto, vivemos numa era de normalização, vivemos sob uma fortíssima pressão para a semelhança. As reacções ao que é diferente extremam-se, quer nos comportamentos individuais, quer nos discursos sociais ou institucionais. Temos exemplos fortíssimos na forma como são percebidas e entendidas as minorias, culturais, sociais, religiosas ou de qualquer outra natureza.
A pressão educativa é no sentido de se ser igual, não de se ser diferente. Copia-se, imita-se, ficamos iguais, normalizados e, espera-se, felizes.
O “Copy e Paste” é, assim, apenas uma ferramenta de normalização, não percebo de que se queixam muitas das pessoas que oiço.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

OS TRATOS DOS MIÚDOS

A capacidade de pessoas adultas, aparentemente saudáveis, para infligir maus-tratos a crianças parece não ter limites. A situação hoje relatada no Público da mãe que provocou, lê-se, de forma intencional queimaduras com um ferro de engomar a uma criança de dois anos é uma dessas impensáveis situações. A situação de maus-tratos desta mãe aos miúdos seria recorrente e só uma queixa despoletou a situação que agora vai a tribunal.
Um dia destes vinha pela rua a pensar para dentro e, portanto, não reparando para fora, quando oiço uma voz bem alto “não comeces com essa merda, levas já uma chapada nos cornos”. Assustei-me, poderia, na minha distracção ter feito algo de estranho e indevido e quando atentei, tinha-se cruzado comigo uma senhora com uma gaiata de uns 3 anos pela mão. A miúda ia com uma cara pouco tranquila e ainda ouvi da mãe o tão português “ouvistes?”.
Fiquei parado a olhar para aquela gente que se afastava. Tentei imaginar como poderia ser o dia a dia daquela miúda e a relação com aquela mãe. Posso ser injusto mas não me ocorreu um pensamento optimista.
Aquela mãe seria doente? Foi apenas um incidente casual e sem repetição? Quem protegerá aquela miúda? Não é suposto proteger os filhos dos pais.

MAIS FORÇA, MAIS PRISÃO, MAIS POLÍCIA

O trabalho realizado pela Universidade Fernando Pessoa e divulgado no I oferece um retrato interessante sobre um dos aspectos mais presentes na vida das pessoas, a segurança, ou melhor, a sua percepção de segurança. O trabalho incidiu sobre a apreciação da PSP e da sua actuação.
Alguns indicadores sugerem reflexão. A opinião da maioria dos inquiridos evidencia uma imagem social positiva dos agentes mas uma apreciação maioritariamente negativa da acção da polícia. A maioria elege como primeira causa da criminalidade a pouca severidade para com os infractores. A maioria dos inquiridos entende também que a polícia deveria utilizar mais a força e identifica como maior dificuldade a falta de meios.
Resumindo, os polícias são gente séria, trabalha mal, batem pouco, são poucos e faltam meios.
Esta síntese, eventualmente abusiva, parece indiciar a tentação por um estado musculado, por assim dizer. Tal sentimento emergiu pela percepção de insegurança, pelo aumento efectivo de algumas dimensões da criminalidade, por medidas legislativas erradas, designadamente no Código Penal e também sustentado num discurso conservador e securitário que, aproveitando-se das inquietações legítimas das pessoas, reforça a ideia de quanto mais policial e policiado for um estado melhor.
Tenho como toda a gente preocupações com a segurança, quero como toda a gente leis justas, eficazes na punição e promotoras de prevenção, quero como toda a gente forças policiais suficiente e bem preparadas.
Mas não quero viver num estado policial.

TRAZ OUTRO AMIGO TAMBÉM

Hoje, 23 de Abril, completam-se 23 anos após a morte de José Afonso. Caberia o lugar comum de os Grandes não morrem, mas o Zeca não iria gostar, não se dava bem com estatutos e muito menos de Grande. Mas na verdade, o Zeca foi e continua Grande e os Grandes fazem sempre falta.
Ficámos com a música é certo, que, mais um lugar comum, quando se ouve é sempre a primeira vez. Mas ficámos sobretudo com a vida e com o exemplo, Grande, naturalmente.
Um homem de uma probidade e generosidade espantosas e com um voluntarismo generoso que contagiava. Diziam-no ingénuo, talvez fosse a ingenuidade que os puros carregam.
O Zeca, gosto de recordar, foi professor enquanto o deixaram. É que embora alguns não saibam, tenham esquecido ou queiram esquecer, já tivemos, mesmo, censura e prisão por delito de opinião.
O Zeca haveria de gostar de algumas coisas que por aí andam, há sempre gente solidária e generosa, mas espantar-se-ia com os vampiros que pairam nestes tempos.
E mesmo nesta turbulência manhosa em que este mundo se transformou, o Zeca continuaria a dizer "traz outro amigo também".

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

É UM SINAL, BOM, DIGO EU

Ficámos a saber que PSD e PS receberam bastante menos fundos vindos de donativos do que esperavam para as eleições de 2009. A diferença é grande, o PSD previa receber 140 000 € e recebeu uns miseráveis 5875 e o PS, o poder vende, recebeu 91 237 € mas ficou longe da meta que estabeleceu, 600 000 €. É interessante também comparar com 2005 em que o PSD recebeu 353 000 € e o PS 450 000.
É certo que 2009 foi o ano da crise mas também sabemos que os portugueses bateram recordes de donativos em campanhas de solidariedade como as promovidas pelos Bancos Alimentares, AMI e Caritas, mais recentemente, mostraram também grande generosidade para com as vítimas no Haiti. Decorre daqui que a menor comparticipação para os partidos não se terá devido a questões económicas.
Este abaixamento tão significativo dos donativos dos portugueses para financiar a vida dos partidos talvez seja, isso sim, um bom indicador para aferir a representação que se instalou nas comunidades sobre os partidos.
Também me parece que a responsabilidade deste processo de descredibilização se pode encontrar na própria praxis partidária. A instalação de aparelhos partidários que promovem gente sem currículo, mas com filiação, que assalta os lugares da administração pública e das empresas de tutela pública é um dos expoentes dessa praxis, com a óbvia conivência e participação das lideranças.
Esta abaixamento dos donativos parece um claro sinal de que embora a partidocracia domine a vida cívica dos portugueses, estes começam a evidenciar algum cansaço, por assim dizer. Outros sinais emergem, os crescentes níveis de abstenção e o recente anúncio da candidatura presidencial de Fernando Nobre, vão no mesmo sentido.
Será que as lideranças partidárias saberão interpretar estes sinais ou fechar-se-ão na teia dos seus interesses, o poder, os poderes?

À DISTÂNCIA DE UM CLIQUE

Umas das expressões que provavelmente melhor caracteriza os tempos que vivemos é "à distância de um clique". Na publicidade, no dia a dia e nas mais variadas ocasiões, sempre alguém nos diz que qualquer coisa que queremos encontrar ou saber está "à distância de um clique".
E na verdade, o clique, um gesto que muitos de nós executam uma imensidade de vezes, aproximou-nos de tudo. A distância física, em variadas circunstâncias, transformou-se em distância virtual, a distância que obviamente se percorre, claro, num clique.
E assim, quase sem darmos isso, o mundo ficou perto, ainda hoje fiz uma prolongada visita ao Château de Versailles, para ajudar no trabalho escolar de um adolescente da família. De clique em clique cumprimos a visita e o trabalho.
A questão é que me parece que estamos a correr o risco de que o clique se interponha entre cada um de nós e cada outro.
Construímos com cliques um tipo de estrutura a que chamamos redes sociais, encontramo-nos em salas de chat, no mail e no twitter, não nos afastamos do telemóvel que difunde sms ou do computador e até, frequentemente, usamos phones para que o outro que está perto não interfira na comunicação com o outro que está do outro lado do clique.
Talvez seja de estar atento para que um dia destes, na relação entre as pessoas, não se recorra a uma outra fórmula, "não funciona, falta ali um clique". Vai um passo pequeno, do positivo "à distância de um clique" à "clique-dependência".

domingo, 21 de fevereiro de 2010

UM MERO AJUSTE NO DISCURSO DO MINISTÉRIO

Quando há algum tempo se anunciou a intenção de proceder a mudanças no currículo do ensino básico, designadamente no 3º ciclo, tive oportunidade de apoiar a ideia. Do meu ponto de vista, não existe nenhuma justificação de natureza científica ou pedagógica para que os alunos lidem nesta fase do seu trajecto escolar com 14 disciplinas. A suspensão da entrada em vigor dos novos programas de Português foi também justificada com a anunciada alteração da estrutura e conteúdos curriculares.
Estranhamente, ou nem por isso, afinal a mudança anunciada traduz-se em "meros ajustes". A explicitação dos meros ajustes é realizada através de afirmações da Ministra de que citamos "Nos tempos curriculares por disciplina não vamos mexer. Vamos pensar nas áreas não curriculares, embora seja importante manter Educação para a Cidadania.", "Não se pode cortar disciplinas, nem fazer áreas multidisciplinares. É importante que as aprendizagens se façam com clareza." ou ainda passar por "dar mais autonomia aos professores e às direcções das escolas para fazer uma gestão mais flexível do currículo". Estas afirmações não constituem um bom augúrio face à necessária mudança.
Parece, portanto, que não se mexe na estrutura do currículo, que as aprendizagens se farão com clareza, coisa de que se não vislumbra o significado, e que os professores e escolas farão uma gestão mais flexível do currículo, o que pode ser enunciado, seja qual for o currículo.
Não era bem este o discurso que esperava sobre uma anunciada mudança curricular. O aparente recuo deve-se a quê?

FEIO


A tragédia é sempre feia. Apesar disso, uma tragédia feia pode ainda ficar mais feia.
Ontem à tarde assistia na SIC às primeiras notícias e imagens sobre a tragédia da Madeira, algo de inimaginável e de pavoroso. Noticiavam-se as primeiras informações confirmadas da existência de vítimas e passavam imagens não editadas do caos em que se tinha transformado o Funchal.
De repente, surge o que ainda tornou a tragédia mas feia, uns rapazes, referidos como deputado do PS, elemento do BE e, não posso garantir, alguém ligado ao PCP, todos da Madeira, ouvem-se ao telefone num inoportuno e descabido, na altura, ataque às políticas do Governo Regional. Corei.
Esta indignação não tem rigorosamente nada a ver com qualquer espécie de simpatia para com o Governo Regional da Madeira, considero Alberto João um ditador, que tolera a democracia, e que apenas é tolerado pela necessidade dos votos das sucessivas lideranças do PSD. Considero-o aliás, já que está na agenda, a face não oculta da asfixia democrática e do condicionamento da liberdade de expressão.
Dito isto, retomo os feios discursos dos representantes da oposição. Em primeiro lugar esperava-se, esperava eu, uma palavra de solidariedade e disponibilidade para auxilio e cooperação. A política partidária não podia, não devia, estar ali.
É por este tipo de comportamentos que entendo que, cada vez mais, a partidocracia e os seus interesses têm menos a ver com as pessoas.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

NÃO VÁS AO MAR

Como já disse, desisti de acompanhar o alarido emergente da Face Oculta pois às tantas perdi-me, não sei quem disse o quê a quem, nem quem escutou o quê, nem se Sócrates sabia ou não sabia já não sei o quê sobre que negócios e sobre que pressões exerceu sobre quem. Enfim uma história verdadeiramente edificante da qual aguardo os episódios finais, se acontecerem.
Para além disto, a cena política parece agitada com a ousada intromissão de Fernando Nobre nas águas territoriais dos políticos mas aguardo desenvolvimentos. Uma pequena nota para sublinhar que o ano passado os cinco maiores bancos portugueses aumentaram os lucros face a 2008. Ao que parece pagaram menos IRC, sempre pagam, e o ano de 2009 foi o ano da famosa crise que, já percebemos, quando nasce não é para todos.
Uma situação que tem passado relativamente despercebida é a sucessão de tragédias que tem afligido os pescadores portugueses. Nos últimos dias afectou pescadores de Peniche e Viana do castelo. Mas estas tragédias têm merecido uns directos dos Telejornais e pouco mais.
Talvez fizesse sentido tentar perceber as origens de tantos episódios dramáticos. Tratar-se-á de negligência, de falta de condições de segurança das embarcações ou dos portos, insuficiência dos dispositivos de auxílio ou de tudo isto e de mais alguma coisa que nos possa escapar?
Creio que seria importante procurar esclarecer e, se possível evitar novos episódios trágicos.

AMIGAS

                                (Foto de Mico)

E assim mando-te mensagens e toques. Depois ficas minha amiga, pode ser?

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

A INDIGÊNCIA QUE NÃO É INSÓLITA, É HABITUAL

Antes de ouvir alguma declaração mais substantiva do Dr. Fernando Nobre não pensava retomar esta matéria, mas não resisto. O Dr. Alfredo Barroso, homem com um currículo de uma solidez inquestionável, foi até Chefe da Casa Civil do Dr. Mário Soares, aqui o apelido Barroso é coincidência, porque a função foi atribuída por mérito, veio a terreiro afirmar que falta currículo ao Dr. Fernando Nobre para se candidatar a Presidente da República. Entende, assim, que a sua candidatura é “insólita”. O Dr. Barroso tece ainda uma série de considerações indigentes e típicas dos boys sem espinha, as vozes dos donos, que povoam a nossa cena política.
Quando há dias comentei a candidatura do Dr. Fernando Nobre, sublinhei o meu receio pela reacção dos aparelhos partidocratas que, certamente, tentariam trucidá-lo pelo enorme e “insólito” atrevimento de se intrometer e desafiar a tribo. Começam os cães a ladrar. O Dr. Barroso, não foi o primeiro e não será certamente o último.
Creio que o Dr. Fernando Nobre, tendo no seu paupérrimo currículo enfrentado cenários devastados e devastadores, poderá estar consciente e preparado para o que o espera.
O cenário no qual ele se propõe mover é também devastador. Terá a matilha açulada às suas canelas. Reparem que ainda não se conhecem as suas ideias e ao que se propõe, embora se conheçam as competências constitucionais do presidente e, à cautela e mesmo antes de o ouvirem, já lhe estão a bater. É a vida. Veremos o que dizem, se dizem, se entendem sequer, o pensamento do candidato “insólito”.

DIÁLOGO

João, já te tenho dito que não deves fazer isso.
Pai, sabes que na vida importa ser persistente.
João, será que nunca estaremos de acordo?
Pai, sabes como a diferença de opiniões é positiva.
João, consegues sempre surpreender-me e fazer o que não espero que faças.
Pai, toda a gente sabe como a inovação e a criatividade são importantes.
João, fazes-me exasperar.
Pai, como sabes devemos ser tolerantes.
João, às vezes não consigo entender-te.
Pai, acho que não preciso de te dizer que é a dúvida que nos faz crescer.
João, porque teimas em ser diferente de toda a gente.
Pai, sempre me disseste que deveria ser eu próprio, não ser igual a ninguém. Aliás, como sabes, ninguém é igual a ninguém.
João, tens que ganhar sempre.
Pai, hoje em dia, como sabes, é importante ser competitivo.
João, confessa, por vezes não te sentes cansado de ser assim.
Pai, como muitas vezes me dizes, temos que ter resistência, a vida não é fácil.
João, desisto.
Pai, isso é fraqueza, assim não vais ser ninguém na vida.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

NÃO TEM JEITO PARA A ESCOLA, VAI PARA O CAMPO

Já não deveria conseguir ficar mais preocupado do que estou com a situação política do país mas consegui. De facto, ao ler a entrevista de Paulo Rangel ao I, em particular no que respeita à educação, fiquei mais preocupado.
O Dr. Paulo Rangel, enquanto candidato a presidente do PSD, pode sempre vir a ser Primeiro-ministro pelo que se torna importante estar atento às suas ideias. Vejamos então alguns aspectos.
O Sr. Dr. defende que a formação profissional possa acontecer cerca dos 12 anos. Se o Sr. Dr. tivesse algum conhecimento de como funciona a cabeça das generalidade das crianças nesta idade perceberia sem grande dificuldade que a "escolha" seria uma decisão dos adultos, pais ou professores já se vê. Por acaso, a OCDE divulgou há dias um relatório sublinhando a fortíssima relação existente em Portugal entre o nível de escolaridade dos pais e o nível de escolaridade dos filhos, ou seja, pais pouco escolarizados terão filhos pouco escolarizados. Se juntarmos esta constatação às ideias do Dr. Rangel teremos então, preto no branco e de forma estruturada, os meninos com pais com bom nível escolar a prosseguir estudos e os meninos com pais pouco escolarizados a ser canalizados para a formação profissional logo cedo, porque como diz o Dr. Rangel, precisamos de um canalizador que, obviamente, não será alguém, com um pai licenciado em Direito e professor universitário. Sabemos ainda como a escola tende a discriminar positivamente os meninos com melhores resultados e com pedigree académico pelo que as próprias escolas poderiam, caso existisse a oferta proposta pelo Dr. Rangel, orientar logo os miúdos que só atrapalham e dão problemas, para a formação profissional. Esta proposta lembra-me um tempo em que se dizia, "não tem jeito para a escola, não faz mal, vai para o campo" e eram sempre os mesmos a ir para o campo. Devo dizer que subscrevo de há muito a diversificação dos percursos de formação, mas não nestas idades e nestes termos.
A esta notável ideia acresce o sempre presente equívoco da liberdade de escolha e, mais um vez, me parece necessário sublinhar a ineficácia e a demagogia da ideia. Mesmo com um cheque na mão para pagar a cara mensalidade de uma escola privada, todos nós sabemos que miúdos de famílias não escolarizadas e de baixo estatuto social NÃO SERIAM ADMITIDOS em muitos dos melhores colégios. Não é porque não possam pagar, teriam o tal cheque providenciado pelo estado, é uma questão de estatuto e decisão das escolas. Esta situação não é desconhecida.
A questão é sempre, sempre, repito, qualidade e exigência na escola pública.

UM HOMEM CHAMADO CÓDIGO DE BARRAS

Era uma vez um homem a quem os pais, certamente enganados por alguma publicidade mais agressiva, puseram o nome de Código de Barras.
A vida do homem foi completamente determinada pelo nome. Desde pequeno perdeu a hipótese de ter uma vida discreta, privada, pessoal como devem ser as vidas. Para qualquer lado que o levassem havia sempre um leitor, um aparelho, que identificava o Código de Barras. Em pequeno não lhe parecia importante, primeiro não dava por isso e depois achava uma certa graça identificarem-no logo que o viam.
À medida que crescia as coisas começaram a complicar-se, sabia-se sempre onde estava, o que fazia, com quem estava, etc. Agora o Código de Barras sentia-se verdadeiramente incomodado.
Ao chegar a adulto a vida tornou-se um drama para o Código de Barras. Não conseguiu construir a família e a relação que desejava e com que sonhara. Não encontrava ninguém disposto a passar a vida junto de um Código de Barras, sempre exposto. Os empregos sucediam-se sem que o Código de Barras encontrasse a tranquilidade que ansiava. Para onde andasse, em qualquer lugar que estivesse, lá existia um maldito leitor que o identificava e controlava até ao limite.
A pressão cresceu tanto que o Código de Barras não aguentou e cedeu. Suicidou-se dentro de um ecoponto esperando renascer reciclado e sem código de barras o que lhe garantiria uma vida anónima.
Desde então, naquela terra nunca mais foi permitido considerar alguém um Código de Barras.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A ALEGRIA E A TRISTEZA

Quando há algum tempo atrás surgiram os primeiros rumores de que parte do PS veria com bons olhos a candidatura de Fernando Nobre à Presidência da República, fiquei com uma sensação ambígua que hoje se acentuou com a confirmação da candidatura.
O estado de lodaçal em que se encontra a política portuguesa é demasiado grave para que continue na mão dos políticos. Neste momento as elites políticas à vista são parte do problema e não parte da solução. Apesar dos poderes limitados do PR, para além da “bomba atómica” que é a demissão do Governo resta a famosa magistratura de influência, parece-me francamente interessante e positiva a possibilidade da Presidência ser ocupada por alguém fora do “sistema”, eu diria do pântano. Para além disso, o Dr. Fernando Nobre é uma das figuras de maior densidade humanista, ética e moral que possuímos, tem um trajecto de vida e luta por causas que, seguramente, trariam para o universo político uma dimensão de valores que a tecnocracia e a partidocracia parecem incapazes de restaurar. Por aqui a alegria.
Alguma tristeza pelo risco de ver uma figura que admiro profundamente ser devorada por um sistema que, pensado por pessoas, supostamente ao serviço das pessoas, facilmente trucida pessoas. Espero que o Dr. Fernando Nobre, não por falta de coragem, mas por boa vontade e voluntarismo não seja uma das vítimas.
Quanto a potenciais efeitos colaterais, creio que a base de apoio ao dono das esquerdas, Manuel Alegre, vai entrar em período de reflexão e a colagem precipitada do BE ao poeta que ninguém cala vai certamente criar alguns embaraços ao Prof. Louçã. É que entre Fernando Nobre e Manuel Alegre existe um mundo de diferença, o mundo da política, da má política.

NOVAS OPORTUNIDADES NO SUPERIOR?

Lamento, mas devo ser dos poucos cidadãos portugueses que tem dificuldade em entender como a assinatura de um contrato de confiança com os estabelecimentos de ensino superior, na altura da assinatura questionei-me se não seria um contrato de desconfiança, vai promover em quatro anos 100 000 novos licenciados para podermos apanhar o comboio estatístico europeu. O Ministro Mariano Gago aconselha aulas ao fim de semana, à noite, em regime não presencial e outros dispositivos de que as universidades se lembrem para chegar aos 100 000.
Tenho a maior das desconfianças sobre este processo e lembro-me repetidamente do que se passa com o Programa Novas Oportunidades que, insisto, assentando num bom princípio e objectivos, rapidamente derrapou para uma cruzada estatística confundindo inaceitavelmente qualificação com certificação.
Temo que no ensino superior também se enverede por este rumo, estatística “oblige”. Imagino que se possam certificar 100 000 pessoas em quatro anos com o grau de 1º ciclo, licenciatura, mas duvido que se qualifiquem, de facto, essas pessoas.
Este discurso não tem a ver com qualquer espécie de elitismo relativo ao acesso ao ensino superior. Remete exclusivamente para a imperiosa necessidade de pessoas qualificadas e não de pessoas com um papel debaixo do braço onde conste uma certificação de uma habilitação e competência que, em muitos casos, ficarão longe de possuir.
Se assim for, é grave. Não estranharei, mas é grave.

OS SINAIS

Em política, e não só, usa-se muito termo "sinal" ou o seu plural na elaboração de expressões como "dar sinais de" "é importante um sinal" , etc. Esta utilização advém da importância reconhecida de que "um sinal" no âmbito de uma qualquer matéria pode influenciar ou modificar o entendimento público sobre tal matéria. Temos exemplos vários como "as palavras do Presidente são um sinal de que está atento" ou "a nomeação de um independente seria sinal de isenção".
Vem esta introdução a propósito de, segundo trabalho hoje publicado, e devido à introdução nos contratos entre o Estado e as empresas públicas dos objectivos de gestão, os gestores destas empresas ganharão um montante significativamente superior em prémios durante 2010.
Numa época em que o Governo, a contas com a redução do défice das contas públicas e com a pressão para a diminuição da despesa, "decretou" o congelamento salarial para os funcionários da administração pública, fica difícil de entender o aumento, na ordem dos milhões, dos prémios de gestão nas empresas públicas. Acresce ainda, por exemplo, a situação dramática de milhares de desempregados sem subsídio de desemprego.
Voltando ao início, os sinais, este é um sinal que poderia, mas não deveria ser dado. Não se trata de demagogia, nem de populismo, trata-se de coesão social, de probidade e seriedade.
Como é evidente, sinais deste tipo alimentam o popular discurso "eles enchem-se a, gente lixa-se" e minam a confiança nas lideranças políticas.
Parece-me ainda que nesta fase, seria um elementar gesto de bom senso prescindir dos aumentos nos prémios de gestão. É certo que se fala no aumento do imposto que incide sobre estes prémios mas é curto.

OS MIÚDOS QUE GRITAM E OS ADULTOS QUE SÃO SURDOS

Um destes dias em férias escolares estava a almoçar com um gaiato da família num daqueles espaços de restauração que sempre têm gente nova, adivinharam, é isso mesmo, um McDonald's. Numas mesas perto de nós estavam dois casais, gente ainda nova, que tinha à volta três ou quatro crianças. Não tenho a certeza, mas creio que algumas das crianças estavam com fatos de carnaval.
Bom, nem vos conto, aquelas alminhas pequenas já teriam almoçado pelo que, enquanto os papás continuavam na "tranquilidade" do repasto, os pequerruchos entretinham-se a gritar, a correr de um lado para o outro, tropeçando nas mesas, entornando papéis e lixo, enfim, animando o almoço dos presentes.
Os papás, de vez em quando, soltavam um distraído e ineficaz, "estejam quietos", "portem-se bem" e continuavam "tranquilamente" na conversa que, dado o barulho, não me parecia sequer fácil de manter.
Às tantas, tinha uma fada com uns quatro anos a gritar-me aos ouvidos. Olhei para a mocinha com uns olhos que tenho guardados para quando é preciso, uns que aprendi com o meu pai quando me dizia o que deveria ser feito, que ela recuou, mas foi gritar para o pé de outro sortudo.
Fiquei a pensar como gritam estes miúdos, muitos miúdos, a estes acho que nem os ouvi usar um tom de voz normal, seja lá isso o que for, apenas gritos.
Há quem diga que é por causa da educação que levam, ou da falta dela, que os meninos passam o tempo gritar. Eu acho que não é um problema de educação.
Eu creio que os miúdos gritam muito porque, de uma forma geral, os adultos estão mais surdos. Quando os miúdos falam mais baixo os adultos não os ouvem e, por isso, os putos desatam a gritar a ver se alguém lhes liga. O problema é que, muitas vezes, nem assim.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

TAL PAI, TAL FILHO

Desde há muito que os estudos, designadamente no âmbito da sociologia da educação, associam a carreira escolar e o estatuto profissional dos filhos ao nível de escolaridade e estatuto económico dos pais. Também sabemos que isto é tanto mais evidente quanto maiores são os níveis de desigualdade. Em Portugal verifica-se um dos maiores fossos entre ricos e pobres da União Europeia pelo que a relação entre os níveis escolar e salarial dos pais e os dos filhos é ainda mais forte. A situação sempre assim foi, ainda me lembro de quando era pequeno haver quem se admirasse do meu pai, um serralheiro, ter decidido que eu continuaria a estudar.
Deste quadro resulta uma complexa situação que poderemos de forma simplista colocar nestes termos, a escola ao acabar por reproduzir a desigualdade social à entrada, compromete o papel fundamental que lhe cabe na promoção da mobilidade social, ou seja, a escola que deveria ser parte da solução, na prática corre o risco de continuar a ser parte do problema. No entanto e apesar disto, creio que muito poderá e deverá ser feito no sentido da promoção efectiva da chamada e distante igualdade de oportunidades.
Do meu ponto de vista, muitas vezes aqui afirmado, a questão central é a qualidade na escola pública. Esta qualidade deverá assentar em dois eixos fundamentais, a qualidade considerando resultados, processos e gestão optimizada de recursos e, segundo eixo, qualidade para todos, a melhor forma de combater os mecanismos de exclusão e a desigualdade de entrada.
Continuo a insistir que a desigualdade se combate dentro da escola pública e não subsidiando a frequência do subsistema privado como algumas vozes defendem com a crença, ingénua ou demagógica, de que as boas escolas privadas aceitarão o filho da minha empregada, que não tem grandes notas, só porque no fim do mês ela terá um cheque do estado para pagar a elevada mensalidade.
Finalmente, volto ao que nos últimos dias aqui tenho repetidamente referido, urge a definição de uma política educativa para o médio prazo, estabelecida com base no interesse de todos, com definição clara de metas, recursos, processos e avaliação. A continuar na deriva a que nas última décadas nos entregamos, daqui a algum tempo OCDE virá dizer exactamente o mesmo.

APOIOS EDUCATIVOS, A QUEM E POR QUEM?

A situação verificada no que respeita aos apoios a crianças e jovens com necessidades educativas especiais hoje referida no Público e denunciada pela Fenprof, tem sido frequentemente abordada por mim aqui no Atenta Inquietude. Sobretudo desde a entrada em vigor de uma criminosa e incompetente legislação, o DL 3/2008, que retomou a questão da elegibilidade, (como se uma criança com dificuldades possa não ser elegível para ter qualquer forma de apoio), era previsível a situação agora descrita. Por decisão de um delinquente ético, Valter Lemos, de 50 000 crianças apoiadas passámos, através da criminosa utilização do conceito de elegibilidade, para 34 000 o que corresponde a 2.85% do universo dos alunos. As orientações do Dr. Lemos, ainda não se conhece o pensamento da actual equipa sobre esta questão, iam no sentido de apoiar apenas 1,8% dos alunos pelo que será de esperar ainda menos alunos em apoio. Sabe-se que internacionalmente se aceita que existirão entre 8 e 12% de alunos com necessidades educativas especiais mas o Dr. Lemos entendeu que em Portugal, porque ele assim decretava, só teríamos cerca de 1,8%. O resultado que sempre denunciámos é este, milhares de crianças com necessidades e sem apoios. Talvez não se recordem mas o Dr. Lemos afirmou uma vez que não era coisa que o preocupasse. Nós demos por isso.
Acresce a esta situação o cenário hoje referido no Público, bem conhecido por quem conhece as escolas, a falta de formação de muitos dos profissionais que desempenham funções no âmbito do apoio educativo. É este o resultado da desastrada e inadmissível actuação da anterior equipa do ME.
Agora aguardamos o que dirá a nova equipa do ME sobre esta realidade.
Ainda nesta área, uma boa notícia. Em Sesimbra decorre uma experiência muito interessante de trabalhar a Língua Gestual com as crianças dos jardins de infância. Tal iniciativa é um bom contributo no sentido de entender e conviver com diferença. Aliás, a Língua Gestual está consagrada constitucionalmente como segunda língua oficial portuguesa.

O RAPAZ QUE ESTAVA SEMPRE A RIR

Era uma vez um Rapaz que tinha uma cara que as pessoas achavam estranha. Como sabem as pessoas não gostam, inquietam-se, têm medo de caras que acham estranhas. O Rapaz parecia que estava a rir, sempre a rir. Nas mais variadas circunstâncias as pessoas olhavam para o Rapaz e pensavam "lá está o Rapaz a rir-se".
Como podem imaginar, nas aulas o Rapaz tinha um problema sério com a generalidade dos professores. Ninguém gosta de ter nas aulas um Rapaz que parece estar sempre a rir. Mesmo que ele afirmasse e repetisse que não estava, raramente acreditavam nele. Eram frequentes os conflitos, o Rapaz exasperava-se e, quase sempre, a coisa não acabava bem.
Com os colegas a situação não era muito diferente. Muitos não lhe ligavam, limitavam-se a achá-lo estranho. No entanto, tinha outros colegas que pensavam que o Rapaz estava a gozar mesmo quando ele negava. De vez em quando azedava-se a relação e lá acontecia uma briga de que o Rapaz era quase sempre considerado responsável.
Com a vida meio atribulada o Rapaz isolava-se um bocado, refugiava-se num canto, nas aulas tentava, muitas vezes sem sucesso, passar o mais despercebido possível e fugia do contacto com a generalidade das pessoas. Sentia-se impotente para contrariar a forma como os outros, quase todos os outros, o viam.
Há mesmo histórias esquisitas. Como esta de um Rapaz que toda a gente acha que está sempre a rir e ele se sente o mais infeliz dos rapazes.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

MORRER DE SOLIDÃO

Normalmente funciona assim. Depois da tragédia os problemas que a envolvem entram na agenda até serem substituídos por outros ligados a nova tragédia. É a espuma dos dias.
Tem-se falado nas últimas horas da morte de quatro idosos em Lisboa. Segundo fontes policiais, as pessoas que viviam sós terão, presumivelmente, morrido devido às baixas temperaturas que se fazem sentir.
Não sou, não quero ser, especialista nestas matérias mas creio que as pessoas terão morrido de solidão e não de frio. Quem não vive só dificilmente terá frio. As pessoas são, espera-se, fonte de calor. Aliás, Lino Maia, presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade coloca bem o problema quando sublinha a questão do isolamento em que parte da população sénior vive. Segundo dados relativos a Lisboa, verifica-se uma "realidade de total isolamento diário para 59 por cento da população que reside sozinha, evidenciando um risco de solidão”.
Esta é que é verdadeiramente a causa de morte daqueles idosos. Por isso e como sempre, para além das necessárias políticas sociais emergentes do estado e das instituições privadas de solidariedade impõe-se a percepção pelas comunidades, designadamente pelas famílias, do drama da solidão de que o frio, traduzido na falta de um aquecedor, não passará de uma metáfora.

O VERDADEIRO PROBLEMA

Um estudo hoje divulgado no DN e realizado no Canadá vem sublinhar algo que sendo, creio, do conhecimento geral, me parece pouco valorizado.
O estudo procurou seguir o percurso de vida, durante 10 anos, de um grupo significativo de estudantes, cerca de 30 000, e, em traços gerais, concluiu que os jovens que mais cedo, até aos quinze anos, revelavam baixo rendimento escolar ou insucesso são, passados dez anos, os que mais expostos estão ao desemprego e os menos qualificados. Pelo contrário, os alunos que iniciam carreiras escolares mais bem sucedidas são também os que mais qualificação adquirem, os mais bem pagos e os que menos estão em risco de desemprego.
Como costumo dizer, já o afirmei frequentemente no Atenta Inquietude, a exclusão (insucesso) escolar é, na maioria das vezes, a primeira etapa da exclusão social. O nosso país, apesar de alguns progressos de difícil objectivação por razões conhecidas, enfrenta aqui o que eu creio ser o seu maior problema, formação e qualificação das pessoas, o nosso grande recurso. Embora centrada na formação e qualificação escolar e profissional, é bom não esquecer a formação e qualificação éticas.
É por isso que se torna imperioso o estabelecimento de políticas educativas assentes em consensos alargados que estabeleçam metas e objectivos a prazo e que sejam consistentes, integradas e, claro, competentes.
Importa retirar a educação da agenda partidária e mantê-la na agenda política, evitando medidas avulsas, dispersas, muitas vezes incongruentes que resultam de uma política de navegação à vista, ao sabor dos ventos partidários e da marca que cada equipa que ocupa a 5 de Outubro entende querer deixar no sistema. A única marca que interessa, é mesmo a marca de qualidade.
Esse é, do meu ponto de vista, o nosso verdadeiro problema.

A HISTÓRIA DAS PALAVRAS QUENTES

Estava o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, de animada conversa com um livro bom conversador, quando entrou a Professora Paula para entregar uns materiais que tinha requisitado para umas aulas.
Então Paula, correu bem o trabalho?
Muito bem Velho, os miúdos aderiram, trabalharam, aprenderam e acho que se divertiram, os materiais eram interessantes.
A professora deles também ajudou comentou o Professor Velho, rindo-se.
Fazemos o que podemos Velho, mas o Fábio continua a preocupar-me. Sabes quem é?
Sim conheço o Fábio, desde que ele entrou para a nossa escola. Mas que te preocupa nele?
Foi o que menos participou no trabalho, fez o mínimo possível. Sempre distante, nunca se envolvendo com os outros. Há já algum tempo que ele anda assim e depois, nem sei bem como descrever, tem um olhar frio, sem expressão. Até parece que ele próprio está frio. Quando o olhamos e ele devolve aquele olhar tão frio, acho que até eu gelo.
Tens tentado falar com ele?
Não consigo Velho, procuro ajudá-lo nos trabalhos na sala mas acho que ele não está muito disponível.
Falaste com palavras quentes?
Palavras quentes?! Não entendo Velho.
Estou a falar de palavras que aquecem quando são ditas a alguém, "gosto de ti", "estou preocupada contigo", "gosto de conversar contigo" e outras assim. Talvez o Fábio tenha o coração com gelo, não sabemos como se formou mas podemos tentar derretê-lo um pouco para depois compreender.
Velho, tu és estranho. Gosto de ti.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

FUTURO, ISSO É O QUÊ?

Não é muito habitual mas hoje sinto-me um pouco como Vasco Pulido Valente, já não consigo acompanhar o que vai acontecendo no pântano, quem disse o quê, quem falou com quem, quem escutou o quê, quem queria o quê, quem mentiu a quem, quem decide o quê, quem engana quem, etc. etc. etc.
Tenho um estômago sensível e achei por bem desistir de perceber.
No meio disto tudo, sinto uma enorme tristeza, alguma revolta e muita inquietação. Os portugueses, de uma forma geral, atravessam um conjunto de dificuldades que deveriam mobilizar todo o esforço e empenho da comunidade, das lideranças, no sentido de construir um rumo e estabelecer níveis de confiança nos dias que virão.
Em vez disso, temos um lodaçal de comportamentos, mentiras contradições, oportunismos e verborreia de que todos procuram tirar dividendos partidários embora sempre em nome de Portugal e dos portugueses.
Assiste-se a toda a gama de manhosices políticas e a descaradas formas de propaganda e intoxicação d opinião pública. A opinião publicada parece sempre com uma agenda escondida que lhe retira rigor e seriedade.
Princípios éticos esbatem-se ou hipotecam-se ao dividendo imediato e à luta pelo poder, dos poderes, partidários, regionais, centrais, na imprensa ou outros. Veja-se a "coragem" com que o Sol afronta a providência cautelar que o quer "amordaçar" e não inclui na edição para Angola a transcrição de escutas "incómodas" para a elite política angolana com uma insultuosa desculpa da hora de fecho da edição.
Tudo isto é demasiado mau e profundamente inquietante. Quem se atreve a pensar no que será o futuro próximo de Portugal e dos portugueses? Mas também quem estará verdadeiramente interessado nisso?

sábado, 13 de fevereiro de 2010

FALTA DE PROGRAMA

Parece consensual a necessidade de introduzir mudanças significativas na estrutura e conteúdos curriculares, designadamente, do ensino básico. Fiquei, por isso, satisfeito com a intenção anunciada pelo ME de promover este processo de revisão. Por decisão anterior estava decidida a introdução de novos programas de Português dos três ciclos do E. Básico em 2010/2011. Para tal, para além do trabalho normal da construção dos novos programas desencadeou-se o processo paralelo de construção de manuais e formação de professores. Aliás, também novos programas de Matemática entrarão em vigor no mesmo calendário.
Entretanto, a actual equipa do ME, baseando-se nas mudanças anunciadas, decide suspender a entrada em vigor dos programas de Português, mantendo o processo para a Matemática cuja “revisão se encontra mais adiantada”.
Em termos factuais, pode fazer sentido, ou seja, parece necessário mudar significativamente toda a estrutura curricular, por isso, talvez não seja ajustado iniciar novos programas sem que se defina o que vai ser a nova estrutura e conteúdos curriculares. Creio que se entende, apesar dos custos, económicos e de esforço e empenhamento de centenas de professores já envolvidos na formação relativa aos programas que entrariam em vigor no próximo ano.
A questão central, do meu ponto de vista, é o carácter errático e avulso do que se vai fazendo no sistema educativo. È absolutamente necessário que se estabeleçam programas e metas a prazo, que introduzam um fio condutor e coerente à evolução do sistema. Não podemos ter uma política educativa à deriva, sem consistência e promotora de níveis impensáveis de desperdício.
Um outro exemplo recente. Desde o início que a generalidade dos actores no cenário educativo contestavam muitas das disposições e conteúdos do Estatuto do Aluno. Só a arrogância e incompetência da equipa de Maria de Lurdes Rodrigues teimou em não entender tal constatação. A equipa actual anunciou o fim das provas de recuperação contempladas no Estatuto devolvendo, como sempre deve ser, aos professores a gestão do processo educativo dos seus alunos. Em vez de procurar de forma aprofundada e envolvendo o maior consenso possível um novo enquadramento global, aparece uma medida avulsa, correcta é certo, mas que não resolve questões de fundo relativas ao Estatuto.
Este tipo de procedimento é causador de ruído, é menos eficaz, e, sobretudo, alimenta um quadro normativo disperso, incongruente e complexo.

PROVA DE VIDA

                                (Foto de José Pessoa)

Naquele dia … o Sol até se pôs mais cedo. Passou o filho do Manel dos Jornais a dizer que ele tinha morrido. Nunca tive parceiro como o Manel, aqui no Jardim ninguém nos ganhava.
Já foram quase todos. Só estamos nós.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

O CORSO

Apesar de se terem procurado tomar algumas providências de natureza cautelar o Sol, apareceu para aquecer e iluminar o Corso. Ainda bem, o Carnaval e o Corso precisam do Sol. Os figurantes irão certamente sentir-se melhor.
O Corso em andado em preparação de há muito e nos últimos dias parece ter atingido o auge da capacidade de animação das gentes.
Os personagens e intervenientes no Corso são de uma variedade e riqueza que deixarão a concorrência internacional roída de inveja.
Podem encontrar malabaristas com números que fazem com que estes digam tudo o querem ouvir. Temos ilusionistas que mostram realidade e truques que nos fazem duvidar dos nossos olhos. Temos pantomineiros que contam histórias e lengalengas que nos fazem rir ou chorar conforme a natureza. Temos vendedores de banha da cobra que todos os problemas prometem resolver.
Temos gigantes que se acham omnipotentes e têm pés de barro e pigmeus que usam andas para se tornar visíveis. Temos inquisidores justiceiros e virgens ofendidas na sua falsa virtude.
Também entram os mascarados com a autoridade que não têm e os fingidores de um saber que não possuem. Não faltam oráculos, adivinhadores do futuro e profetas da desgraça.
No meio do Corso não faltam bobos que ainda mais animação procuram promover. Enfim, ainda bem que o Sol apareceu para que o Curso prossiga.
Entretanto, o povo que assiste já sente as mãos a doer. Não, não é de aplaudir, é de as apertar de raiva.

COISAS DE MIÚDOS, COISAS DE GRAÚDOS

Quando se olha e atenta nos tempos que vão correndo parece que o mundo anda do avesso. Reparamos nos comportamentos das pessoas, nos seus discursos e atitudes e quando achamos que estão a passar das marcas, seja no que for, alguém avalia, “parecem miúdos” ou “piores do que os miúdos”, etc. No fundo, parece que os adultos quando se portam mal agem como miúdos, quando se portam bem, bom, nesse caso serão adultos.
Por outro lado e curiosamente, quando olhamos para os miúdos e reparamos nos seus comportamentos menos positivos achamo-los tremendamente parecidos com os adultos. Aliás, de vez em quando ouvem-se vozes a defender que quando os miúdos fazem as asneiras semelhantes às dos adultos devem ser tratados como adultos, por exemplo, prendendo-os.
De facto, o mundo parece um bocado esquisito e do avesso. Os miúdos quando se portam mal parecem adultos e os adultos quando se portam mal parecem miúdos.
Será a isto que se entende por trocas entre gerações? E que tal os graúdos deixarem de fazer concorrência aos miúdos na forma como agem, para que também estes não sintam a tentação de parecer adultos a fazer asneiras?
No meio destas inquietações ainda tenho uma dúvida acrescida. Porque será que me lembrei disto hoje?

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

TERRORISMO

É um lugar comum afirmar que a realidade ultrapassa a ficção mas sempre aparecerá alguma circunstância que nos faz recordar isso mesmo. O I relata num oportuno trabalho a situação de delinquência terrorista que se passa, pelos vistos frequentemente, na zona do Vale do Cávado, uma região flagelada pelo drama do desemprego.
Aproveitando-se do quadro legal exigir aos desempregados a receber subsídio que façam prova de que procuram emprego, muitas empresas cobram dinheiro, 5 €, para colocarem um carimbo num papel que prove que a pessoa ali esteve a procurar trabalho. Mas como a criatividade e ausência de escrúpulos é imensa, em várias situações é proposto ao trabalhador que trabalhe alguns dias "à experiência" sem remuneração e recebendo apenas o comprovativo de que procurou trabalho. De acordo com a informação recolhida, sob anonimato por medo de represálias, esta situação é frequente e muitas pessoas vêem-se na contingência de aceitar tal situação.
Muitas vezes aqui tenho afirmado que o desemprego me parece constituir uma das piores, senão a pior, ameaça à dignidade de alguém, roubar o trabalho é roubar a dignidade.
Tenho uma tremenda dificuldade em entender como é possível que um indivíduo ainda consiga montar um qualquer dispositivo de exploração a alguém que já está despojado do seu maior bem, a dignidade. É uma indignidade.
Gostava de acreditar no contrário mas temo que tendo-se verificado a denúncia destas práticas terroristas nada aconteça aos seus responsáveis como é, aliás, habitual no país da impunidade. Vergonha.

A HISTÓRIA DO RAPAZ DESENCANTADO

O Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, ia a atravessar o pátio da escola e cruzou-se com o Paulo, um seu "velho conhecido".
Olá Paulo, tudo bem contigo?
Tá-se bem Velho, olha lá, quando é que eu já não preciso de vir à escola?
Não percebo.
Sou obrigado a vir para a escola até quando? É até ao 12º?
Sim, tu já vais ter de cumprir 12 anos de escolaridade obrigatória. Porque perguntas isso?
Velho, até aos 18 anos é bué da tempo, eu já sei ler, sei escrever, sei resolver problemas, já não preciso de saber mais coisas.
Mas isso é pouco para teres uma profissão que gostes.
Velho, a minha irmã Joana andou bué da tempo na escola, foi para a universidade para ser, parece que engenheira e não trabalha, não arranja trabalho.
Certo, às vezes é difícil mas a maioria das pessoas tem trabalho.
Mas são as pessoas que conhecem gente bué importante e que pedem, é o que diz o meu pai.
Não é bem assim, as coisas da vida das pessoas não estão fáceis mas podem mudar.
Não Velho, não muda nada, as pessoas que mandam passam o tempo a dizer mal uns dos outros, só pensam nos interesses deles e não querem saber dos outros, diz o meu pai.
Eu acredito que as coisa podem ficar melhores e que era bom que continuasses na escola mais tempo, mas estou preocupado contigo.
Não te preocupes Velho, amanhã ainda venho, tenho teste de História e quero safar-me.
E lá foi o Paulo, deixando o Professor Velho inquieto com a dificuldade que todos sentimos em ajudar os mais novos a acreditar que lá para diante haverá uma vida que mereça um esforço.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

CREDIBILIDADE, CONFIANÇA

Nos últimos dias acentuou-se a discussão em torno da credibilidade, designadamente, no que respeita à credibilidade do Primeiro-ministro, ao que parece e de acordo com o Público, mesmo no interior do PS. De facto, creio que importa reflectir na credibilidade.
Em primeiro lugar, parece-me de considerar que credibilidade significa, sobretudo, confiança e sabemos todos como a confiança naqueles que estão à nossa volta, nas mais variadas circunstâncias, é fundamental para que nós próprios nos sintamos confiantes e tranquilos no presente e face ao futuro. Isto é tanto mais importante quanto mais adversos sejam os cenários em que vivemos.
Por outro lado, estarão certamente lembrados que em diversos estudos de opinião realizados em Portugal, os políticos são a classe profissional que merece menos confiança por parte dos inquiridos.
Neste contexto, temos um cenário extremamente adverso em termos económicos e financeiros, em termos de emprego e, sobretudo, com uma baixa expectativa de melhoria no curto médio prazo, a que acresce uma classe política em que não se confia, que se entretém em perigosos jogos na defesa de interesses pessoais ou partidários e que não mostra capacidade de entendimento face às necessidades do bem comum.
É neste quadro, do meu ponto de vista, que se joga verdadeiramente a questão da credibilidade, da confiança. Não é um problema exclusivamente centrado na figura do Primeiro-ministro, é bem mais grave que isso.

UM PAÍS DE TAMPAS AOS SALTOS

Sempre achei graça à expressão “salta-me a tampa” no sentido em que mais frequentemente é utilizada, significando a ideia de se ficar numa situação algures entre o perplexo, o reactivo e desorganizado. De facto, se imaginarmos qualquer objecto que use tampa sem a mesma, ficamos com a sensação desconfortável do à vista, do exposto, no fundo, do destapado.
É por este tipo de questões, ridículas certamente, que me inquietam os cenários em que vivemos e que a toda a hora nos fazem “saltar a tampa”, ou seja, ficamos perplexos, com vontade de … seja o que for, a quem for, sem saber o que fazer e para onde nos virarmos em busca de um rumo.
Ouvimos declarações de gente com a responsabilidade de nos governarem ou de gente com vontade disso, que são assustadoras e nos fazem “saltar a tampa”.
Assistimos e tomamos conhecimento de comportamentos e atitudes que são um atentado à ética e à seriedade que nos fazem “saltar a tampa”.
Convivemos com situações de desrespeito por direitos básicos e pela sagrada dignidade das pessoas que nos fazem “saltar a tampa”.
Todos os dias sentimos que nos “salta a tampa” ou nos cruzamos com gente a quem “salta a tampa”.
Reparem na cacofonia em que este país se transformou, com tantas “tampas aos saltos”.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

QUERER

Todos os dias as dramáticas condições em que muitas pessoas (sobre)vivem nos fazem acreditar em milagres. De facto, parece altamente improvável que se possam suportar situações que afligem muita gente miúda, mais crescida ou mais envelhecida e continuar vivos. Aliás, não é raro de um de nós, mais privilegiados, ouvir qualquer coisa como “eu não aguentava” face a um relato de sofrimento.
Esta introdução vem a propósito de ainda ter sido encontrado um sobrevivente no meio dos destroços do Haiti perto de um mês depois da catástrofe conforme notícia no Público. Esta sobrevivência desafia os limiares e as probabilidades de resistência humana. E é esta resistência cujos limites sempre nos surpreendem que, simultaneamente, nos indiciam a infinita dimensão do querer. Do querer viver, por exemplo.
Nas áreas em que me movo tenho tido acesso e ou conhecimento de situações absolutamente devastadoras presentes na vida de algumas crianças e jovens que, contra tudo o que seria de esperar e apesar da imensidão do sofrimento, sobreviveram e são. São pessoas, são sobreviventes, porque quiseram ser, pessoas.
São as pessoas assim, tão grandes, que me fazem sentir pequeno. Eu não aguentava.

NOVA VIAGEM, NOVA CORRIDA

Devo dizer que não tenho acompanhado com atenção a questão dos protestos das pessoas ligadas aos equipamentos de diversão. Creio que, como em tudo o que respeita ao consumo, se deve estabelecer um equilíbrio entre os direitos dos consumidores, designadamente a segurança, e os regulamentos e exigências que se querem eficazes e razoáveis.
Quando ouvi que a situação ameaça a actividade do sector fiquei inquieto. Uma das memórias da minha infância é a ida à feira e andar nos "carrinhos de choque", o meu preferido. Não simpatizava muito com os carrosséis nem com aqueles que nos obrigavam a andar alto e depressa como as cadeirinha presas a correntes ou outros do mesmo tipo, os que mais entusiasmavam muitos dos meus amigos, mais corajosos, naturalmente.
Há dezenas de anos que não voltei a andar nos carrinhos, mas ainda tenho na cabeça o "nova viagem, nova corrida" que indicava o início de mais um período, depois de introduzida a moedinha, é claro.
Estes equipamentos de feira parecem-me ainda de certa forma uma metáfora da vida que levamos, o gozo, o susto, a companhia, o risco, o inesperado, os altos e os baixos, o lento e o rápido. Não é, aliás, raro a referências ao carrossel em que muitas vezes a nossa vida se transformou.
Por isso, desejo ardentemente que se estabeleça, também aqui, um entendimento que possibilite que uns milhares de miúdos larguem por um tempo as consolas e o ecrã e andem, seguros espera-se, nos carrosséis, carrinhos de choque ou seja lá o que o for numa qualquer feira.

GOSTAVA DE TE ADICIONAR COMO AMIGO

Nos últimos tempos tenho andado francamente entusiasmado com a quantidade de pessoas que se me dirigem convidando-me para amigo e propondo-me a integração numa rede social. De facto, numa época em que nos referimos, aqui no Atenta Inquietude tenho-o feito com frequência, ao isolamento em que muita gente parece estar, surpreende-me a disponibilidade solidária com que tanta gente encara o risco de eu estar sem, ou com poucos amigos. A surpresa é tanto maior quando verifico que a esmagadora maioria dos convites vem de pessoas que não tenho ideia de conhecer de lado algum.
Já pensei que será gente que assumiu uma espécie de missão em regime de voluntariado na qual se empenham em oferecer amizade a eventuais necessitados. É bonito e cria uma ilusão de esperança na humanidade, afinal as pessoas continuam a empenhar-se na relação com o outro e a preocupar-se com a amizade.
Por outro lado, uma das fórmulas divulgadas "gostava de te adicionar como amigo" é particularmente feliz, eu acho. A ideia de ir somando amigos, chegando a centenas ou, quem sabe, a milhares, permite sonhos de popularidade e amizade nunca antes imaginados. Estou completamente rendido.
Por favor, não desistam de enviar a toda a gente, a mim também, as fantásticas mensagens que contêm os criativos e solidários "gostava de te adicionar como amigo" ou "tituxa enviou-te um Pedido de Amizade".
Bem-haja pela atenção.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

O SONO E A NET

A imprensa de hoje aborda a questão da qualidade do sono de crianças e adolescentes. Alguns estudos citados sustentam que os mais novos estarão a dormir menos que gerações anteriores. A falta de qualidade do sono e do tempo necessário acaba, naturalmente, por comprometer a qualidade de vida das crianças e adolescentes. Alguns especialistas ouvidos remetem esta alteração para questões ligadas a stress familiar e sublinham o aumento das queixas relativas a sonolência e alterações comportamentais durante o dia.
É certo que as situações de stress familiar serão importantes mas parece-me necessário não esquecer alguns aspectos relacionados com os estilos de vida. Segundo alguns estudos, perto de 50% das crianças até aos 15 anos terão computador ou televisor no quarto, além do telemóvel.
Acontece que durante o período de sono e sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes estarão diante de um ecrã, pc, tv ou telemóvel. Com é óbvio, este comportamento não pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida. Esta questão, utilização excessiva e não regulada pelos pais da net é, aliás, tratada pelo Público a propósito da realização de trabalhos escolares que frequentemente não passam de plágios realizados a partir de operações "copy e paste".
Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos, são problemas novos para muitos pais, eles próprios com níveis baixos de alfabetização informática. Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais de forma a que a utilização imprescindível seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes.

HISTÓRIA COM PODER DENTRO

Finalmente no meu Alentejo o tempo permitiu que se semeassem as favas e ervilhas, tarefa dura que a terra está muito carregada. No fim da lida, um copo e umas lérias com o Velho Marrafa. No meio, a propósito das voltas da vida e dos trambolhões das pessoas, o Velho Marrafa contou a história parecida de duas pessoas, o Manel Soldado e o Zé Curto mas vamos por partes. O Manel Soldado era um manajeiro, um homem que, como certamente saberão, angariava o pessoal para o trabalho nas herdades. Naquele tempo era coisa de muito poder, decidia quem trabalhava e quanto recebia, ganhando aliás com isso. Pois o Manel Soldado era tratado com o maior respeitinho, as pessoas descobriam-se à sua chegada e calavam-se para ouvir a sua voz, os que têm mais poder têm mais voz, diz o Velho Marrafa. Havia até muita gente que o tratava por Parente Manel Soldado o que, de acordo com o Mestre Marrafa, significava o apreço que lhe queriam mostrar.
Acontece que devido às mudanças na vida a herdade desfez-se e o Manel Soldado perdeu o lugar de manajeiro, ou seja, perdeu o poder. Passava então o tempo na taberna onde sempre tinha sido uma presença especial. Só que se alguém perguntava quem estava na taberna, a resposta que se ouvia era, ninguém, só o Manel Soldado. O Velho Marrafa mostrava como sem o poder o respeitado Parente Manel Soldado passou a Ninguém.
A outra história é quase uma repetição, apenas muda o personagem, o manajeiro Zé Curto, homem que, quando chegava a cavalo e devido ao poder que tinha, logo apareciam três ou quatro homens a oferecer-se para segurar o cavalo, também era tratado por Parente Zé Curto. Tal como na história do Manel Soldado, os tempos mudaram, a vida complicou-se e o Zé Curto passou a andar aos fretes com um carroça e uma besta e a fazer alguma "searita" que lhe davam. Deixou de ser o Parente Zé Curto e ganhou até a estranha alcunha do Tarraia.
O Velho Marrafa concluiu que são lérias que vieram de histórias que aconteceram. Ele sabe e nós também que estas histórias continuarão a acontecer, algumas viram lérias.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

IRRESPONSABILIDADE IMPUNE

Os números hoje divulgados num excelente trabalho do Público sobre os custos de manutenção dos estádios de futebol construídos para o Euro 2004 são uma (in)feliz amostra de algo que marca Portugal nas últimas décadas, irresponsabilidade e desperdício.
Não é a primeira vez que abordo este tipo de questões e não pretendo assumir um olhar de santidade e demagogia sobre estas matérias. Sou um grande adepto de futebol mas nunca percebi a necessidade de dez estádios, a própria UEFA achava que seis seriam suficientes. Os interesses regionais e a irresponsabilidade impune levaram a que se construíssem dez elefantes brancos sem um cêntimo de rentabilidade e com custos de manutenção astronómicos, 20 milhões ano. Não adianta a conversa de alguns, enunciada também na recente discussão sobre a lei das finanças regionais, de que, no fundo, esta verba não passa de "trocos". É uma questão de princípios, competência, responsabilidade e racionalidade na gestão da coisa pública.
Quer da responsabilidade do governo central, quer da responsabilidade do poder autárquico, o país está pejado de exemplos desta natureza. Obras de fachada, inúteis, dispendiosas na construção e manutenção que apenas alimentam a feira de vaidades e o umbigo de quem manda.
A peça jornalística tenta ouvir opiniões sobre o que fazer com este problema mas não aborda um aspecto essencial, de quem a responsabilidade e o que acontece a quem decidiu o que obviamente seria um desastre. É esta cultura de impunidade e de irresponsabilidade que constituem a verdadeira asfixia democrática. E atenção, o eterno Madail já fala na remodelação de estádios a propósito da candidatura luso-espanhola à organização do Mundial de 2018.
Livrem-nos desta gente, ou melhor, livremo-nos desta gente.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

CIDADANIA SOLIDÁRIA

A campanha relativa ao Ano Europeu Contra a Pobreza e a Exclusão Social inicia-se hoje com uma cerimónia na Fundação Gulbenkian. Começa bem.
Não consta que os dois milhões de pobres existentes em Portugal tenham sido convidados o que se deverá certamente a questões de logística.
Inicia-se assim oficialmente a retórica dirigida à pobreza. É melhor que nada. Sabendo-se que os apoios financeiros têm um impacto reduzido na redução da pobreza, a retórica tem apenas a vantagem de manter a pobreza na agenda e ajudar a descansar algumas consciências.
Apesar da situação económica não ser favorável é ela também responsável por parte significativa dos números da pobreza e, por isso, deve ser também a economia a suportar parte dos custos da pobreza, por exemplo através do aprofundar da responsabilidade social das empresas que, mais do que incentivada, deveria ser “obrigatória”.
O combate à pobreza, para além dos apoios económicos transitórios e casuísticos, deveria ter como eixos fundamentais, a formação, o trabalho e a promoção da dignidade.
Estes princípios deveriam servir de guarda-chuva a todas as iniciativas que também deveriam ser concertadas evitando a dispersão e o carácter avulso e voluntarista muito frequente.
Finalmente, seria desejável que se desenvolvesse uma perspectiva de cidadania solidária de que fala Fernando Nobre e que as lideranças políticas percebessem que o combate à pobreza é infinitamente mais importante que os interesses partidários.

ANJO DA GUARDA

    (Foto de Mico)

Eu tenho um guarda
Que é um anjo
Que me protege
De noite e de dia
A toda a hora
E em todo lado
Posso contar
Com a sua vigia
Não usa arma
Não usa a força
Usa uma luz
Com que ilumina
A minha vida

(António Variações)