sábado, 14 de junho de 2025

PROIBIÇÃO DE TELEMÓVEIS NA ESCOLA (1.º E 2.º CICLO)

 Lê-se na imprensa que no Programa do Governo entregue hoje na Assembleia da República se contempla a proibição de telemóveis no 1.º e 2.º ciclo e no 3.º ciclo define um uso limitado.

Face à sua utilização desregulada pelos mais novos (mas não só) desde muito cedo e que importa contrariar em nome da saúde e bem-estar, a proibição é tentadora, mas pode não ser a decisão mais adequada.

Muitas vezes aqui tenho tratado esta questão e recupero a referência a um trabalho publicado pela The Lancet relativo a uma investigação realizada pela Universidade de Birmingham envolvendo mais de mil alunos de 30 escolas secundárias. O estudo teve como objectivo avaliar o impacto da proibição de utilização de telemóveis nas escolas no comportamento dos estudantes, na saúde mental e no desempenho escolar.

Os resultados “sugerem que as políticas escolares restritivas actuais não influenciam significativamente a utilização do telemóvel e das redes sociais nem se traduzem em melhores resultados ao nível dos domínios mentais, físicos e cognitivos”,

Verifica-se ainda que não diminui o tempo de exposição a ecrãs, boa parte dos alunos “compensam” a restrição da escola com mais tempo em casa.

Também abordei esta questão em muitas sessões de trabalho com pais com filhos de diferentes idades e tenho sustentado que, ainda que se possam compreender as razões que sustentam as proibições, o uso excessivo e desregulado, as decisões de proibição não me parecem consensuais. Aliás, também não tenho a convicção de que uma estratégia de proibição, só por si, devolva crianças e adolescentes à interacção pessoal e a outros hábitos comportamentais mais interessantes embora, obviamente, seja imprescindível a regulação do seu uso o que não significará, necessariamente, uma “lei seca” para telemóveis.

Por outro lado, também não é rara a utilização de telemóveis associada a actividades de aprendizagem.

Do meu ponto de vista seria importante também colocar a questão a montante, a utilização que todos damos a estes dispositivos. Seria muito interessante e desejável que se discutisse a sério (incluindo crianças e jovens) nas comunidades educativas a regulação dos comportamentos e definição de regras e limites, sem “superpais”, sem “superfilhos” ou “superprofessores”. No entanto, esta discussão tem de ser acompanhada pela nossa, adultos, pais e/ou profissionais, regulação da sua utilização. Se olharmos para muitas famílias em “convívio” ou para muitos contextos profissionais em “reunião” verificaremos os ecrãs que muitos terão à sua frente e perceberemos o que está por fazer, comportamento gera comportamento. A sobreutilização por parte dos adultos parece-me ser uma variável crítica desta equação.

Como também tenho referido, creio que este movimento deve ser enquadrado na mudança que felizmente também parece estar a emergir refreando o deslumbramento pela “transição digital” que, enquadrando de forma ajustada a inevitabilidade de incorporar estas ferramentas nos processos educativos, também volta a defender a importância de abordagens metodológicas ou didácticas “antigas”, “conservadoras”, tais como escrever à mão, desenhar, brincar na rua, ler em suporte papel, interagir presencialmente ou promover relações afectivas literalmente mais próximas, tudo ferramentas importantes de desenvolvimento e aprendizagem.

A ver vamos com a coisa evoluirá por cá, mas não me parece que a proibição de telemóveis nas escolas venha a ter o efeito regulador que todos desejamos. A regulação do uso por parte dos adultos, pais em particular, poderia ter um efeito mais positivo minimizando a tentação dos mais novos de “compensar” em casa a “companhia” do telemóvel que não têm na escola.

3 comentários:

Rui Ferreira disse...

Caro Zé Morgado, não é um estudo que serve de argumento de autoridade. Até porque, neste caso, muitos outros existem, bem mais robustos, no âmbito das ciências cognitivas que apontam no sentido contrário que o Zé Morgado defende. Quem como eu está na escola entende que, para bem das crianças e jovens, o uso dos tlm deve estar limitado. Nunca irei perceber como é que se poderá EDUCAR sem PROIBIR.

Zé Morgado disse...

Olá Rui, obrigado pelo comentário. Seria mais tranquilo conversar, mas umas notas breves. Nenhuma dúvida sobre proibições no processo educativo. Os meus netos não tocam em alguns materiais e extistem múltiplas actividades que lhes estão vedadas, por exemplo (na escola deles) o tm na escola, ponto. Também me parece claro que na escola existem variadíssimas situações em se confrontam com uma proibição. Nenhuma dúvida. No caso particular do telemóvel, como disse no texto não tenho uma posição fechada relativamente à proibição. Creio que será mais eficiente a promoção de auto-regulação acompanhada, obviamente de regras e limites que apenas a definitiva proibição. Se assim não for, existe a tentação de "compensar" a proibição na escola, corre o risco de sustentar uma já preocupante ligação ao tm que se agudizará a partir do 3.º ciclo. Existem outras áreas que mostram que apenas estratégias de proibição não são suficientes, a questão dos consumos ou do comportamento social, em casa ou na escola, são exemplos.
Tudo isto daria uma longa conversa, boas férias quando for o caso.

Rui Ferreira disse...

Não acredito na "... auto-regulação acompanhada, ...". Uma turma tem de tudo e, na sua grande parte, os alunos não têm (nem têm que ter, daí a palavra inimputável) maturidade cognitiva, emocional e afetiva para se auto-regularem. Para além da escola, acumulo função docente na UTAD e os meus alunos de mestrado (já doutores, assim o dizem) denotam igual característica.