terça-feira, 12 de novembro de 2024

PSICÓLOGOS, PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO. MAIS UMA VEZ

 Há alguns dias li no Público que o Governo anunciou para o primeiro trimestre de 2025 o concurso para vinculação dos cerca de dois mil técnicos especializados, psicólogos, terapeutas da fala, informáticos ou assistentes sociais que desempenham funções nas escolas há anos com contratos a termo e que tinham sido há pouco uma vez mais reconduzidos. Trata-se de uma situação de precariedade inaceitável e alimentada por sucessivas tutelas das pastas da Educação e das Finanças.

Retomando algumas notas e direccionando mais para a área que melhor conheço, a psicologia, existem de facto múltiplas situações de precariedade na situação dos psicólogos a intervir no sistema educativo.

Considerando o recente Referencial para a Intervenção dos Psicólogos em Contexto Escolar, o estado da arte em matéria de psicologia da educação e de contextos de intervenção carregados de constrangimentos, o empenhamento e a competência dos profissionais pode dar um contributo sólido para a qualidade dos processos educativos de todos os alunos. Para além do trabalho com alunos é crítica a colaboração e intervenção com professores, funcionários, direcções e pais e encarregados de educação, para além de outras respostas na comunidade dirigidas à população em idade escolar.

No entanto, como tantas vezes tenho escrito e afirmado, desde 1991 a presença dos psicólogos em contextos educativos tem vivido entre as declarações dos vários actores, incluindo a tutela, sobre a sua necessidade e importância e a lentidão, insuficiência e precariedade no sentido da sua concretização.

É recorrente a afirmação por parte de sucessivas equipas do ME da prioridade em promover o alargamento do número de técnicos e a estabilidade da sua presença nas comunidades educativa, mas é algo que, como se percebe, tarda em concretizar-se e insisto em notas já por aqui escritas e marcadas pelo óbvio envolvimento pessoal, quer na formação quer na intervenção ao longo de algumas décadas.

No entanto, para além da precariedade, o número de psicólogos a desempenhar funções no sistema educativo público está ainda longe do rácio aconselhado para um trabalho mais eficiente.

Temos situações em que existe um psicólogo para um agrupamento com várias escolas e que envolve um universo com mais de 2000 alunos e a deslocação permanente entre várias escolas numa espécie de psicologia em trânsito. Não é uma resposta, é um fingimento de resposta que não serve adequadamente os destinatários, a comunidade educativa, como também, evidentemente, compromete os próprios profissionais.

Temos também inúmeras escolas onde os psicólogos não passam ou têm “meio psicólogo” ou menos e ainda a prestação de apoios especializados de psicologia em “outsourcing” e com a duração de meia hora semanal uma situação inaceitável e que é um atentado científico e profissional e, naturalmente, condenado ao fracasso de que o técnico independentemente do seu esforço e competência será responsabilizado. No entanto, dir-se-á sempre que existe apoio de um profissional de psicologia. O Referencial orientador da intervenção dos psicólogos nos contextos escolares é um documento positivo, mas corre o risco ser inaplicável em muitas situações face ao alargado espectro de funções e actividades previstas associado ao universo de destinatários.

Neste cenário, a intervenção dos profissionais, apesar do esforço e competência, tem um potencial de impacto aquém do desejável e necessário. Áreas de intervenção como dificuldades ou problemas nas aprendizagens, questões ligadas aos comportamentos nas suas múltiplas variantes, alunos com necessidades especiais, trabalho com professores e pais, trabalho ao nível da prevenção de problemas, etc., exigem recursos e tempo que não estão habitualmente disponíveis.

Acresce que o recurso ao modelo de “outsourcing” ou a descontinuidade do trabalho é um erro em absoluto, é ineficaz, independentemente do esforço e competência dos profissionais envolvidos.

Como é que se pode esperar que alguém de fora da escola, fora da equipa, técnica e docente, fora dos circuitos e processos de envolvimento, planeamento e intervenção desenvolva um trabalho consistente, integrado e bem-sucedido com os alunos e demais elementos da escola?

Das duas uma, ou se entende que os psicólogos sobretudo, mas não só, os que possuem formação na área da psicologia da educação podem ser úteis nas escolas como suporte a dificuldades de alunos, professores e pais em diversos áreas, não substituindo ninguém, mas providenciando contributos específicos para os processos educativos e, portanto, devem fazer parte das equipas das escolas, base evidentemente necessária ao sucesso da sua intervenção, ou então, é uma outra visão, os psicólogos não servem para coisa alguma, só atrapalham e, portanto, não são necessários.

A situação existente parece-me, no mínimo, um enorme equívoco que além de correr sérios riscos de eficácia e ser um, mais um, desperdício (apesar do empenho e competência que os técnicos possam emprestar à sua intervenção), tem ainda o efeito colateral de alimentar uma percepção errada do trabalho dos psicólogos nas escolas.

Cheguei ao fim de uma carreira de 46 anos ligada à psicologia da educação e ainda aguardo que a importância e prioridade sempre atribuídas ao trabalho dos psicólogos em contextos educativos se concretizem de forma suficiente e estável.

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

PALMADA AFECTIVA OU PEDAGÓGICA É COISA QUE NÃO EXISTE

 No âmbito da realização da 1.ª Conferência Mundial sobre Maus Tratos na Infância, da Organização das Nações Unidas em Bogotá na semana passada em Bogotá, mais alguns países decidiram proibir os castigos corporais a crianças alargando o já significativo número de países em que isso acontece. Relembro que o Código Penal Português estabelece desde 2007 no Arº 152 a proibição dos “castigos corporais”.

No entanto, a realidade para muitas crianças ainda integra os castigos corporais.

Em 2022 o Instituto de Apoio à Criança apresentou a campanha “Nem Mais uma Palmada” que tem como objectivo o minimizar ou acabar com os castigos corporais e promover outros procedimentos no âmbito da acção educativa familiar. Realizou também um estudo, “Será que uma palmada resolve?”, sobre procedimentos adoptados no âmbito da acção educativa familiar. Responderam 1943 pessoas, 73% com filhos e 44% a trabalhar com crianças. Cerca de 30% dos inquiridos “ainda consideram poder usar-se castigos corporais” em situações como o não-cumprimento de regras ou limites definidos por familiares, a “má criação” ou a desobediência.

Quer em termos profissionais, designadamente em muitas conversas com pais, quer em notas aqui deixadas, tenho abordado frequentemente esta temática.

Num trabalho divulgado em 2021 desenvolvido por investigadores da Universidade de Xangai evidenciou-se uma relação autoritária dos pais para com os filhos tem impactos negativos no seu desenvolvimento. O estudo, recorrendo a técnicas de electroencefalografia, evidenciou atraso no desenvolvimento das funções cerebrais em comparação com outras crianças educadas através de estilos parentais menos autoritários.

Ao abordar estas questões prefiro a terminologia “parentalidade severa" que me parece mais adequada e também usada na literatura e envolve recorrer com regularidade ao gritar, bater ou outro tipo de comportamento coercivo, humilhação, além de ameaças físicas e verbais como forma de punição.

A referência ao impacto negativo da parentalidade severa não é nova, embora seja importante sublinhar nesta investigação as consequências no desenvolvimento de funções cerebrais.

Recordo um trabalho desenvolvido pela Universidade de Pittsburgh nos EUA divulgado na Society for Research in Child Development em 2017, “Harsh parenting predicts low educational attainment through increasing peer problems”. Considerando diferentes variáveis foram seguidos 1482 alunos durante nove anos e evidenciou-se uma relação sólida entre o que foi considerado “parentalidade severa” e baixo rendimento escolar e problemas de comportamento nas crianças envolvidas nesse “modelo” de educação familiar.

Em 2018 a Academia Americana de Pediatria produziu novas orientações sobre a parentalidade afirmando veementemente que bater nas crianças, insultá-las, humilhá-las ou envergonhá-las são comportamentos a banir.

Um trabalho mais recente de Liz Gershoff divulgado em 2021 é também elucidativo sobre a mesma questão.

Dados divulgados em 2019 relativos ao Projecto Geração XXI, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, que acompanha desde o nascimento um número muito significativo de crianças na área metropolitana do Porto, mostraram que 75% das crianças com 7 anos serão vítimas de agressão psicológica ou castigos corporais em contexto de educação familiar. Cerca de 10% sofreram agressões graves (como bater com cinto ou objecto contundente ou queimar) com frequência. As avaliações mostram que que impacto na saúde é significativo, 58% apresentam valores de inflamação elevados, quase o dobro das que não são vítimas de maus-tratos.

Como acima referi, no trabalho realizado com pais é muito frequente estas questões serem afloradas assim como é habitual que quando na imprensa se refere comportamentos menos positivos de crianças ou adolescentes são inúmeros os comentários e discursos sobre a alegada falência das famílias na definição de regras e limites nos comportamentos de crianças e adolescentes. Muitos destes discursos e comentários têm sido acompanhados de referências ao facto de não se recorrer a umas “palmadas”, à “pedagogia do chinelo” ou outras variações no mesmo tom, com uns “tabefes” a coisa resolvia-se. Muitas vezes as referências são mitigadas com o recurso à ideia de “palmada educativa” ou a variante “palmada pedagógica”.

As alusões às dificuldades das famílias ou da escola na regulação dos comportamentos de crianças e adolescentes podem ser justificáveis, mas lidar com estas dificuldades através do bater parece-me na verdade preocupante para além da sua potencial ineficácia. Ninguém pode garantir que foram ou que são as “tareias” que constroem pessoas de bem.

Confesso que sinto alguma dificuldade em compreender como um comportamento de violência de várias formas dirigido a uma criança possa ser algo de educativo.

No entanto e dito tudo isto, também entendo que comportamentos inadequados ou incompetentes não significam necessariamente que estejamos perante pessoas, pais, más ou incompetentes.

Todos nós, alguma vez, agimos de uma forma menos ajustada ou adequada com os nossos filhos e isso não nos transforma em pessoas más, significa que somos apenas pessoas, que somos imperfeitos, por assim dizer e para utilizar uma expressão actual.

Assim sendo, creio que devemos ser cautelosos, quer na defesa da "palmada ou estalada educativa", quer na diabolização definitiva de pais que numa situação eventualmente esporádica e de tensão assumem um comportamento de que podem ser os primeiros a arrepender-se.

Esta nota, não branqueadora ou desculpabilizante de nada, pode não ser particularmente simpática, mas estou cansado, tanto de discursos de legitimação do efeito "educativo" da violência e outros comportamentos integrados na parentalidade severa dirigidos a crianças, como de discursos demagógicos e, por vezes hipócritas, que clamam pelo "crucificação" cega de uma pessoa, o outro que bate, mas são produzidos por gente desatenta ou mesmo autora ou apoiante doutros comportamentos dirigidos a miúdos tão indignos quanto a "palmada" ainda que menos visíveis.

Finalmente, a experiência mostra-me que muitos pais desejam ou exprimem a necessidade de alguma ajuda ou orientação nestas questões.

PS – O texto de Beatriz Imperatori, Directora Executiva – UNICEF Portugal, “Violência contra crianças. É tempo de agir!” no Público é um retrato preocupante da situação mundial e portuguesa no que respeita à forma como são (des)tratadas muitas crianças.

“Mas as crianças, Senhor, porque lhes dais tanta dor?!....”, já se interrogava Augusto Gil.


sábado, 9 de novembro de 2024

O DESEMPENHO ESCOLAR

 O IAVE divulgou os resultados das provas de aferição do 2.º, 5.º e 8.º ano realizadas em 2024. Sem surpresa, mas com preocupação, os resultados continuam globalmente a baixar existindo domínios em algumas disciplinas com níveis em que os alunos demostram fortes dificuldades.

Mais uma vez é de reflectir na discrepância de avaliações externas, provas de aferição, exames finais ou estudos internacionais que expressam resultados significativamente diferentes dos dados da avaliação interna traduzidos nos chamados percursos de sucesso, o completar de um ciclo nos anos previstos para esse ciclo.

Sabemos, e é bom que assim seja, que neste ano as provas de aferição serão realizadas no fim do ciclo e com modelo diferentes ainda que, lamentavelmente, em suporte digital. No entanto, é preciso mais.

Se atentarmos nos indicadores dos percursos de sucesso e como aqui já tenho referido, poderemos interpretar a transição de ano como sucesso na aprendizagem de competências e conhecimentos que, estranhamente não se traduzem em resultados da avaliação externa ou teremos de considerar que ter sucesso é a “a passagem de ano” na velha fórmula de “transita, mas não progride”? Conhecem-se relatos de escolas em que se verifica alguma “pressão” para a “transição” colocando isto de forma leve.

Importa sublinhar com muita clareza que levantar esta questão não significa a defesa da retenção como ferramenta de sucesso e qualidade. Não é, ainda há pouco aqui abordei a questão, sabemos que o “chumbo”, só por si, não gera sucesso e qualidade. Nenhuma dúvida sobre isto.

E volto a insistir. A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens e com regulação externa, sim, naturalmente, mas também com a avaliação justa e competente do trabalho dos professores e das escolas, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.

É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar e que significam conhecimentos e competências adquiridas.

É o que ainda não conseguimos fazer acontecer de forma consistente, generalizada e sustentada em Portugal, apesar da imensidade de projectos, iniciativas, inovação, actividades, ondas de capacitação, que, demasiadas vezes, chegam do exterior às escolas. Podem ser interessantes, mas … não são mágicas, por mais que num exercício de "wishful thinking" os queiramos entender e vender como tal.

Não poderá ser este o caminho.

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

A LER, "QUANDO A CRIANÇA-REI TEM ESCOLA A TEMPO INTEIRO"

 Mais uma vez merece leitura o texto de Paulo Prudêncio no Publico, “Quando a criança-rei tem escola a tempo inteiro”.

Muitas vezes aqui tenho abordado a necessidade urgente a reflexão e intervenção adequada relativamente aos problemas dos alunos, aprendizagens e comportamentos, às questões sérias que envolvem os professores incluindo as de natureza profissional, às relações interpessoais e clima social ou de organização, ao funcionamento e governação das escolas. No entanto, tal como Paulo Prudêncio, não simpatizo com a alimentação da ideia de que todos os que diariamente chegam às escolas entram no inferno.

Ainda assim, este entendimento não invalida o saber que para alguns professores, funcionários e alunos a escola será mesmo … o inferno.

A verdade é que, apesar de todos os constrangimentos e dificuldades e do que ainda está por fazer, o trabalho desenvolvido por professores, técnicos, funcionários e alunos é bem-sucedido na maioria das situações e isso deve ser sublinhado. De uma forma geral, professores, técnicos, funcionários e alunos, quase todos, fazem a sua parte.

Mas há quem não faça.

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

ASSUSTADOR!

Comentar o quê? Como?

Onde estamos a falhar?

Que mundo estamos a construir?

Estamos num tempo de perplexidade dúvida face ao crescimento de discursos populistas e demagógico, apelando à intolerância, ao xenofobismo e a valores de direita radical. A eleição de Trump, o que se tem vindo a passar na Europa do Norte, Central ou na América do Sul, são exemplos deste caminho que nos deixa inquietos face ao futuro.

Milhões de excluídos e pobres e de jovens sem presente e sem futuro são um alvo fácil para discursos populistas e radicais.

As sementes de mal-estar que que estes milhões de pessoas carregam, muitos deles desde criança são muito facilmente capitalizadas e mobilizadas.

Como muitas vezes tenho escrito, a mediocridade da generalidade das lideranças e o que lhes permitimos fazer criaram, por exemplo, a actual União (?!) Europeia onde, grosso modo, 25% da sua população mais nova e 18% da sua população mais velha é pobre ou corre risco de exclusão e pobreza.

É aqui que incuba e nasce o que nos assusta. É esta a batalha que não podemos perder e não sei se a estamos a ganhar.

Os nossos filhos e netos e ... não nos perdoarão.


quarta-feira, 6 de novembro de 2024

DA EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR

 Segundo dados divulgados pelo Governo existirão cerca de 12000 crianças sem lugar em instituições de educação pré-escolar, incluindo algumas abrangidas pelo programa Creche Feliz.

O objectivo será atingir em 2025 uma taxa de frequência nos jardins de infância de 90% aos três anos. O valor actual é de 83%.

De acordo com o relatório Education at a Glance 2024 da OCDE, dada a resposta muito significativa de natureza privada, o Estado suporta 67% da despesa, menos 19 pontos que a média da OCDE em que o Estado suporta 86 e as famílias 33% o valor mais alto OCDE.

Apesar deste cenário, Portugal é um dos países com taxas mais elevadas de crianças a frequentar a educação pré-escolar, obviamente, com um esforço enorme das famílias. Ainda de acordo com o Education at a Glance 2024, em Portugal, à semelhança da maioria dos países da OCDE, as famílias com menor rendimento experimentam maior dificuldade no acesso a educação de infância no período até aos 2 anos. A diferença para as famílias com maior rendimento é de 25%, de 45 para 70%. Também esta diferença é superior à média que é de 19%.

A garantia do acesso à educação pré-escolar em Portugal é aos 3 anos, uma posição intermédia no contexto europeu. No entanto, a escolaridade obrigatória inicia-se aos seis anos tal como na maioria dos países europeus e como sabemos existem fortes dificuldades e assimetrias na resposta pública na educação pré-escolar o que explica os custos elevadíssimos suportados pelas famílias.

Sou dos tenho alguma reserva face à obrigatoriedade da frequência do jardim-de-infância aos três anos, mas defendo a universalidade do acesso. Dito de outra maneira, nenhuma criança com três anos deve ser obrigada frequentar jardim-de-infância, mas qualquer família que precise de aceder a esta resposta deve ter acesso e em condições acessíveis e com qualidade.

Assim, mais do que discutir sobre o alargamento da escolaridade obrigatória a partir dos três anos importa, isso sim, assegurar, a universalidade e acessibilidade da resposta o que ainda está longe de ser conseguido.

Sabemos que existem listas de espera de creches e jardins-de-infância no chamado sector social em que as mensalidades são indexadas aos rendimentos familiares. Esta situação afecta sobretudo zonas mais urbanas e a alternativa da resposta privada é inacessível para muitas famílias.

Acresce que para além da dificuldade de encontrar respostas os custos elevados do acesso aos equipamentos, boa parte privada ou da rede social, são dos mais altos no contexto europeu de acordo com o relatório "Starting Strong 2017" da OCDE e agora reforçados com o Education at a Glance 2024. Aliás esta questão é contributiva para a baixa natalidade tal como vários outros aspectos das políticas públicas, designadamente as políticas de família.

Reafirmo as dúvidas sobre a obrigatoriedade da frequência, mas tenho a maior convicção na necessidade de garantir a universalidade do acesso à educação pré-escolar aos três anos criando uma rede de oferta com respostas de qualidade, acessíveis, logística e economicamente.

Sabemos todos e a evidência sustenta que o desenvolvimento e crescimento equilibrado e positivo dos miúdos, bem como o seu trajecto educativo e escolar são fortemente influenciados pela qualidade das experiências educativas familiares e institucionais nos primeiros anos de vida, de pequenino é que ...

Assim, existem áreas na vida das pessoas que exigem uma resposta e uma atenção que sendo insuficiente ou não existindo, se tornam uma ameaça muito séria ao futuro, a educação de qualidade universalmente acessível para os mais pequenos é uma delas.

No entanto e mais uma vez, a educação pré-escolar é bastante mais que a “preparação” para a escola, não deve ser entendida como uma etapa na qual os meninos se preparam para entrar na escola embora se saiba do impacto positivo que assume no seu trajecto escolar.

terça-feira, 5 de novembro de 2024

PANDEMIA, APRENDIZAGENS E SUCESSO

 Foi lançado ontem um livro, "Improving National Education Systems After Covid-19 - Moving Forward After PIRLS 2021 and PISA 2022", que de acordo com a imprensa aborda os efeitos da pandemia nas aprendizagens dos alunos em doze países, incluindo Portugal.

A este propósito e com base nas curtas referências que encontrei umas notas pedindo antecipadamente desculpa pela extensão do texto.

Não sei quanto mais tempo poderemos associar os resultados escolares aos efeitos da pandemia e é minha convicção que, apesar da necessidade de medidas de políticas públicas que se reflictam na conjuntura, muito mais importantes e necessárias são medidas que tenham impacto em questões estruturais e para além da pandemia.

É claro que mudanças estruturais têm custos pelo que será de considerar a necessidade de investimento sério em educação, 6% do Produto Interno Bruto o que está definido pela UNESCO como meta para 2030.

Uma primeira referência à dimensão associada aos professores, modelo de carreira valorizada, justa e atractiva.

Quanto à escola, parece crítico a desburocratização asfixiante e reflectir sobre modelos de governança das escolas mais adequados, competentes e participados.

Com real autonomia, com mais recursos e com modelos organizativos mais adequados e desburocratizados as escolas poderiam certamente fazer mais e melhor. que quem vem de fora numa passagem transitória, mais ou menos longa, mas transitória. Sim, tudo isto deveria ser objecto de escrutínio, regulação e avaliação também externa, naturalmente.

Escolas com mais auxiliares, auxiliares informados e formados podem ter um papel importante em diferentes domínios.

Directores de turma com mais tempo para os alunos e professores com menos alunos poderiam desenvolver trabalho útil em múltiplos aspectos do comportamento e da aprendizagem.

Psicólogos e outros técnicos em número mais adequado poderiam acompanhar, promover e desenvolver múltiplas acções de apoio a alunos, professores, técnicos e pais.

Mediadores que promovessem iniciativas no âmbito da relação entre escola, pais e comunidade seriam, a experiência mostra-o, um investimento com retorno. Repetindo e sintetizando, os professores sabem como avaliar e identificar as dificuldades dos alunos. O que verdadeiramente é imprescindível é dotar as escolas de forma continua e estável dos recursos necessários para minimizar tanto e tão rápido quanto possível as dificuldades que identificam.

Recursos suficientes para recorrer a apoios tutoriais ou ao trabalho com grupos de alunos de menor dimensão, apoios específicos a alunos mais vulneráveis, técnicos, psicólogos, por exemplo, num rácio que possibilite um trabalho multidimensionado como é exigido, etc., são essenciais e serão sempre essenciais. Torna-se também necessária a existência de dispositivos de regulação que sustentem o trabalho desenvolvido e de processos desburocratizados.

Uma nota final para sublinhar a necessidade de estabilização curricular e da questão da avaliação e percurso escolar dos alunos e reafirmo a importância da avaliação externa como reguladora do trabalho realizado.

Desculpem a extensão do texto, mas como muitas vezes aqui tenho referido, devemos reflectir seriamente sobre as discrepâncias sérias entre os resultados dos percursos de sucesso, as avaliações internas e os resultados dos nossos alunos em estudos internacionais ou nas provas de aferição e exames nacionais, a avaliação externa

Considerando como indicador de sucesso concluir o ciclo no tempo esperado, coloca-se a questão que já aqui tenho abordado. Poderemos interpretar a transição de ano como sucesso na aprendizagem de competências e conhecimentos ou teremos de considerar que ter sucesso é a “a passagem de ano” na velha fórmula de “transita, mas não progride”? Conhecem-se relatos de escolas em que se verifica alguma “pressão” para a “transição”.

Dito isto, também quero com muita clareza que levantar esta questão não significa a defesa da retenção como ferramenta de sucesso e qualidade. Não é, sabemos que o “chumbo”, só por si, não gera sucesso e qualidade. Nenhuma dúvida sobre isto.

Recordo um Relatório do CNE de 2017 no âmbito do Projecto aQeduto em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos, em que se realizou uma análise ao custo de medidas de combate ao insucesso escolar. Parece-me perfeitamente actual do ponto de vista da reflexão necessária.

 Em termos económicos e recorrendo aos estudos já desenvolvidos o impacto económico da retenção é estimado em cerca de 6000€ por aluno em cada ano.

Adaptando o modelo desenvolvido pela Education Endowment Foundation, o Projecto aQeduto identifica o grau de eficácia e custo económico de um elenco de medidas de combate ao insucesso. Das medidas analisadas, a retenção tem o custo mais elevado e a eficiência é negativa, promove um atraso de 4 meses. Ensinar a estudar é a medida mais económica, 87€, e mais eficiente, promove um ganho de 8 meses de aprendizagem.

 


Estes dados são importantes, mas a sua substância não é nova.

Também no Relatório “Low-Performing Students - Why They FallBehind and How To Help Them Succeed” divulgado pela OCDE em 2017 se referia que o “chumbo”, a retenção, é para os alunos portugueses o principal factor de risco para os resultados na avaliação posterior, dito de outra maneira, os alunos chumbam … mas não melhoram.

De facto, definitivamente, não adianta discutir se o chumbo transforma o insucesso em sucesso. Não transforma, repetir só por repetir não produz sucesso, aliás gera mais insucesso conforme os estudos mostram.

Confesso sempre alguma surpresa e dificuldade em compreender quando ao discutir-se os efeitos pouco positivos da retenção algumas vozes, mesmo dentro do universo da educação, clamam que se está a promover o "facilitismo" ou a defender que "então passam sem saber". A leitura das caixas de comentários às notícias sobre estas questões é elucidativa.

Nesta conformidade e do meu ponto de vista, a questão central não é o chumba, não chumba, e quais os critérios ou o número de exames, mas sim que tipo de apoios, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores e famílias desde o início da percepção de dificuldades com o objectivo de evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo.

Este discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem sempre se resiste. Pelo contrário, “facilitismo” é acreditar que a retenção resolve o problema do insucesso.

É essencial promover e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É fundamental não esquecer que o insucesso continua a atingir fundamentalmente os alunos oriundos de famílias com pior condição económica e social pelo que inibe o objectivo da mobilidade social. A associação entre o insucesso e a pobreza em Portugal é, aliás, a mais forte entre os países europeus. Em Portugal os bons alunos são os que mais trabalham em casa, TPCs e explicações, dado a que, evidentemente, não é alheio ao nível de escolaridade dos pais e ao estatuto económico.

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

O HOMEM QUE PRECISAVA DE UM PARECER

 Bom dia, por favor, precisava de um parecer sobre esta questão.

Bom dia, deixe-me ver.

Depois de uns minutos de leitura atenta.

Bom, assim à primeira vista e de acordo com a nova redacção da Portaria 7/2015 que regulamentou o parágrafo 8, alíneas a) e b) do artigo 4º do DL 18/2012 que tinha revogado os artigos 4º, 7º, e 9º do DL 15/2007 ao abrigo do Despacho Conjunto 5/2009 e considerando ainda as disposições também aplicáveis que resultam da interpretação dada ao artigo 7º do DL 15/2011 pela portaria 18/2019, a situação parece clara.

Obrigado, então parece-lhe que posso proceder assim.

Poder pode, mas sei de colegas que entendem que a essa situação se podem aplicar também as disposições do DL 19/1996 que apenas viu revogados os artigos 3º, 4º e 6º. Por outro lado, a regulamentação posterior do artigo 8º do mesmo DL pela Portaria 12/2000 conjugada com o Despacho 7/2002 e com os artigos 5º e 6º do DL16/2005 e 3º e 5º do DL 7/2008 também pode ser considerada e assim a situação merecer um outro parecer. Assim, parece-me ser melhor o senhor colocar um pedido de parecer por escrito e depois receberá, também por escrito, o parecer.

E o parecer demorará muito tempo? É que eu tenho uma certa urgência, acha que numa semana posso ter o parecer.

Bom, como calcula, um parecer é algo de muita responsabilidade e tem de ser elaborado com calma, com muita atenção e rigor. Além disso, também temos sempre muitos pedidos de parecer.

Quer dizer que não terei o parecer numa semana?

Parece-me que não.

Quando saiu a pensar na situação olhou para o papel que tinha na mão e pensou desalentadamente, "e ainda tenho de ir a mais cinco serviços pedir um parecer". Sentou-se no primeiro banco que encontrou e ainda hoje, todos os dias, lá está.

Pede pareceres a quem passa.

domingo, 3 de novembro de 2024

CASAMENTO FORÇADO

 Existem situações que, apesar de sabermos que acontecem, permanecem demasiado na sombra, só quando são notícia, damos conta da sua existência. É o caso do casamento forçado de menores.

A divulgação do "Livro Branco: Recomendações para Prevenir e Combater o Casamento Infantil, Precoce e/ou Forçado” com base num inquérito junto de um número significativo de instituições que lidam com as problemáticas dos menores mostra que, entre 2015 e 2023, foram registados 836 casos de união entre menores, 126 dos quais entre crianças entre os dez e os catorze anos. Estima-se que seja um número que não traduz a verdadeira dimensão do problema.

Sem surpresa, os pais são “os maiores incentivadores” destas uniões. As justificações para a existência deste abuso são diferenciadas, e, obviamente, inaceitáveis.

Os menores envolvidos sentem os seus direitos e bem-estar fortemente ameaçados e com consequências graves de diferente natureza incluindo insucesso e abandono escolar.

Os pais não são donos dos filhos e estes não podem ser maltratados em nome seja do que for. E sim, é também uma questão de cidadania e desenvolvimento.

Parece de recordar a ideia atribuída a Mandela, a educação e o ensino são as mais poderosas armas para mudar o mundo.

sábado, 2 de novembro de 2024

POR UM MINISTÉRIO DA ATURAÇÃO

 A experiência quotidiana mostra que uma das constantes no discurso dos portugueses remete para o problema do “aturar” ou, inventando, a “aturação”. De facto, a referência ao aturar e à dificuldade ou falta de paciência para aturar, constituem uma das mais recorrentes fórmulas de descrição ou retrato da realidade diária. Vejamos alguns exemplos.

Ando com uma falta de paciência para aturar os miúdos, que eu sei lá!”. D. Esmeralda, empregada administrativa e mãe, entre o jantar, a novela e a cama, de duas adoráveis crianças que só se acalmam quando dormem, à pressa.

Quem devia aturá-los era o Ministro!”. Setôra Lina, tenta ser professora de inglês numa escola do 2º ciclo.

Então uma pessoa tem que aturar esta bicha de 5 horas para marcar uma consulta só para pedir umas análises?!” – D. Maria, reformada e “graças a Deus vou andando” em part-time.

Meu, a cena é secante bué, não dá p’aturar tás a ver!”. Tójó, escolante, isto é, aluno de 8º ano que só vai à escola, mas não vai às aulas.

Quando aparecem os políticos, mudo logo de canal. Um gajo já não pode aturá-los!”. Sr. Santos, empregado de café, usa o comando da TV na bandeja.

Ainda tenho de aturar mais 2!” Dr. Marques Cansado, médico de um Centro de Saúde suburbano, ao fim da 37ª consulta.

Já não os posso aturar. É só más notícias, não acha?!”. D. Celeste, cabeleireira de bairro, admiradora do Sr. Manuel Luís Goucha.

Agora ainda tenho que aturar o chefe com mais calminha por causa da avaliação!” Sr. Silva, funcionário da repartição onde se compra o papel e se põe o selo.

Tou farta bué de os aturar, agora o meu pai quer que eu esteja em casa antes das 5 da matina!”. Geninha, 14 anos, amiga do Tójó e da Kátia. Também é escolante.

Estas medidas põem em causa os objectivos da empresa, não é possível aturar tanta falta de visão estratégica! Assim, dificultam-nos o acesso aos prémios de gestão”. Eng. Tranquilo da Cunha, gestor de uma empresa pública deficitária.

Não dá para aturar. Estes gajos agora querem que passe facturas!” Zé Manel, mecânico de biscates na oficina de tunning do Licas.

E os exemplos poderiam multiplicar-se infinitamente.

Neste quadro e porque entendo que o modelo de organização administrativa deve estar ao serviço dos cidadãos, proponho que no âmbito do ímpeto reformista que todos os Governos afirmam seja criado o Ministério da Aturação com o objectivo central de implementar, (tinha que ser), medidas de combate à falta de paciência e que estimulem e desenvolvam a nossa capacidade de aturar, seja o que for.

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

AS BRUXAS

 É sempre importante preservar as nossas mais ancestrais tradições. A comemoração do Halloween que, felizmente se mantém, deve, hoje mais do que nunca, ser considerada.

Os tempos andam embruxados ou, como me diziam quando era pequeno mesmo sem se ter inventado o Halloween por cá, temos de ir à bruxa, o mundo inteiro precisa, por assim dizer, de ir à bruxa.

E não é por falta de mágicos que dizem querer contrariar o “bruxedo”, existem muitos e com várias cores e poderes afirmados. A questão é que muitos dos mágicos são parte do problema e não parte da solução.

Criam mundos mágicos no qual aparentemente só eles vivem, a generalidade das pessoas vive num mundo real e muita gente, demasiada gente passa mal no seu mundo real.

Os mágicos fazem truques com as palavras, com os números, com habilidades e manhas que mais do que mostrarem os seus poderes, mostram as suas fraquezas e inventam poções que não resultam ou são boas apenas para alguns e muito más para muitos mais.

A verdade das coisas, com demasiada frequência, fica escondida nas mangas dos mágicos que fazem mais uns truques criando inverdades, meias-verdades, quase verdades, verdades falsas, no fundo … mentiras que sustentam o discurso mágico dos mágicos e a sua visão mágica do mundo.

Acho que vou pedir boleia na vassoura de uma bruxa e tentar dar umas vassouradas embruxadas nesses mágicos, maiores ou mais pequenos.

Agora reparo, tenho um problema ... não acredito em bruxas.

É, teremos mesmo de ser nós a não aceitar os truques dos mágicos.

Mais a sério, quando era miúdo, o dia primeiro de Novembro era, é, o Dia de Todos os Santos e nós, miúdos, andávamos de casa em casa a pedir o “pão por Deus”, fruta, frutos secos, uns doces, tudo era o “pão por Deus”.

Depois chegaram as bruxas.