terça-feira, 8 de abril de 2025

NÃO, NÃO E ... SIM

Nos últimos tempos face a diversos episódios de mal-estar, violência, delinquência ou abusos que envolvem crianças, adolescentes e jovens e também com o impacto da série da Netflix, “Adolescência” as referências à relevância de regras e limites na educação dos mais novos e em diferentes áreas do seu funcionamento destacando-se a questão dos comportamentos, dos consumos de natureza diversa e, naturalmente, a exposição a ecrãs e a tudo o que por eles chega no telemóvel, no tablet ou no pc.

Ao longo da minha actividade profissional e desde há muito tenho abordado estas matérias, quer na formação dos meus futuros colegas, quer em trabalho com professores e pais com quem tive oportunidade de realizar muitos encontros interessantes, mas também com algumas inquietações, confesso, face a discursos que fui ouvindo.

E a verdade é que ao longo do tempo estas questões têm vindo a evoluir num sentido cada vez mais preocupante e, finalmente, parece que estão definitivamente na agenda familiar e institucional, designadamente, na área da educação, mas também na saúde mental.

Aqui no Atenta Inquietude têm sido múltiplas as referências a este universo.

Por curiosidade, deixo um texto de Abril de 2012, “Não, não e … sim”, que me parece manter a sua pertinência.

Já por aqui temos conversado, de forma mais séria ou através de estórias, sobre a ideia de como o ”não” e o ”sim” são bens de primeira necessidade na vida dos miúdos.

Acontece que, por diferentes razões, na vida das famílias, de muitas famílias, parece estar a ser progressivamente mais difícil administrar o “não” usando-se de forma, por vezes excessiva, o “sim”, seja de forma mais activa ou apenas por omissão do “não”.

Tal cenário acaba por estar associado a situações em que os miúdos evidenciam grandes dificuldades em perceber as regras e os limites do seu comportamento, uma das funções mais importantes do “não”. Como consequência, o comportamento dos miúdos torna-se despótico, desregulado, transformando-os no “pequeno ditador” de que alguns falam e muitos conhecem, gerando-se situações de grande embaraço e climas educativos e relacionais pouco saudáveis entre graúdos e miúdos.

Assistimos com muita frequência a cenas bem exemplificativas deste funcionamento, pais envergonhados e impotentes e meninos a fazer o que lhes passa pela cabeça, quando lhes passa pela cabeça.

Em muitas circunstâncias, os estilos de vida dos pais, o pouco tempo que têm para os miúdos, instalam de mansinho um sentimento de culpa que leva a que os pais, quase sempre sem se dar conta, se inibam, para evitar situações de tensão ou crispação que "estraguem" o pouco tempo que têm para os filhos, de dizer de forma firme e persistente, “não”, "não podes fazer isso". Acontece que o “não” inicial desencadeia no miúdo uma reacção de birra, mais ou menos exuberante, a que os pais não resistem e, é uma questão de tempo, o “não” passa a “sim” quase sempre acompanhado de um “só desta vez”, “só uns minutos” ou qualquer outra expressão que na circunstância atenue o desconforto.

Os miúdos são inteligentes, percebem muito facilmente quando um não é não ou quando o não passa rapidamente a sim. Aprendem com serenidade as regras e os limites. É, pois, fundamental que os pais se sintam confiantes e usem o “não” de forma adequada, ainda que flexível, sem medos das “birras” ou de perderem o afecto dos miúdos por serem “duros”. Na verdade, as crianças precisam dessas regras e dos limites para estabelecer relações de afecto positivas, a sua ausência é que é um risco.


segunda-feira, 7 de abril de 2025

JARDINEIROS E JARDINEIRAS DE CRIANÇAS

 A peça do Público sobre o trabalho no Jardim de Infância de Seide, Vila Nova de Famalicão, é reconfortante num contexto em que as notícias positivas sobre a educação escasseiam.

Os velhos, à medida que o são, vão olhando para trás, o futuro é mais curto e imprevisível e o que vivemos, o passado, está mais presente.

Há já uns anos atrás, em 2011, Eduardo Lourenço numa homenagem ao arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles, duas enormes figuras, considerava-o um “jardineiro de Deus” pela sua “criação de Paraísos”.

Relacionando as duas referências lembrei-me de outros jardineiros e jardineiras, os de miúdos.

Fröebel, uma figura importante entre os que dedicaram a sua vida e obra aos miúdos, é considerado o inspirador da educação pré-escolar. Na segunda metade do século XIX criou na Alemanha o que é considerado a primeira resposta educativa estruturada destinada aos mais pequenos. Fröebel, numa perspectiva indiciadora do seu pensamento, designou esta instituição por "Kindergarten", "jardim de crianças", jardim de infância ou jardim infantil como hoje são conhecidas estas instituições.

Tal como na formulação de Eduardo Lourenço acho muito bonita a ideia definida por Fröebel e inspiradora de muitas das práticas desenvolvidas em educação pré-escolar, "jardinar" as pessoas em crescimento, cuidar da qualidade do seu crescimento. Como todos hoje reconhecemos, a qualidade dos percursos das crianças nas primeiras idades é essencial para o seu futuro, quase tudo o que nos marca e nos fundamenta passa por estas idades.

Deste entendimento, resulta a importância por vezes vista de forma aligeirada do trabalho desenvolvido pelos jardineiros e jardineiras de crianças, educadores e professores, os que, para além dos pais, cuidam dos miúdos nos primeiros anos.

Estas jardineiros e jardineiras não têm como função tomar conta das crianças, é por demais importante o que realizam no trabalho diário de jardinagem, alimentam, cuidam, gostam, conversam, brincam, ensinam, organizam, estimulam, limitam, etc., tarefas que dão sustento às irredutíveis necessidades dos miúdos na fala de Brazelton, outra figura maior deste universo.

domingo, 6 de abril de 2025

"ABANDONADOS PELO SISTEMA DE ENSINO"

 Vão-se repetindo as referências às enormes dificuldades sentidas por pais e escolas na resposta adequada a alunos com necessidades especiais, desculpem a insistência na terminologia, não me dou muito bem com a inclusiva arrumação de alunos nas gavetas das medidas “universais”, “selectivas” ou “universais”.

No Público surge mais um trabalho elucidativo destas dificuldades “Pais de crianças doentes e com necessidades especiais são “abandonados pelo sistema de ensino". No trabalho são referidas situações dramáticas vividas pelas famílias e a impotência das escolas para providenciarem os apoios adequados.

Como há pouco escrevi a propósito do pedido de escusa de responsabilidade de um grupo de professores de educação especial de uma escola em Almada, os ventos não vão de feição para os mais vulneráveis.

Reconheço e conheço, aliás, como sempre conheci, excelentes e inspiradores trabalhos de professores, técnicos, pais, escolas ou instituições ao longo destas quase cinco décadas de paradigmas diferentes. No entanto, também importa reconhecer, veja-se os testemunhos da peça acima e outros, por exemplo de relatórios da IGEC, que propagandear discursos sobre inclusão assentes em “wishful thinking” ou torturar a realidade para que se mostre diferente não é assim muito eficaz. Não, muitos alunos não estão incluídos nem sequer integrados, estão “entregados” com as consequências que professores, técnicos e pais bem conhecem.

Desculpar-me-ão a heresia ou descrença, mas uma escola inclusiva é algo que não existe e, provavelmente, não existirá nos tempos mais próximos. Os modelos e estilos de vida actuais, económicos, políticos, sociais, culturais, as assimetrias brutais que se mantêm não são compatíveis com “uma escola inclusiva”, de todo, são brutalmente inquietantes os tempos que vivemos. Existem escolas, isso sim, que desenvolvem excelente trabalho com alguns alunos, o que é diferente de “uma escola inclusiva”.

Eu sei e gosto de acreditar que a escola é, também, uma alavanca de mudança, mas a verdade é que a escola, de uma forma ou de outra, é sobretudo um reflexo da sociedade que serve no tempo histórico em que vive.

No entanto, em nome dos meus netos que serão o futuro e das minhas convicções, e como disse acima, acredito numa escola que possa, quanto possível, tentar promover educação, a relação diária entre quem está na escola, assente em princípios de educação inclusiva. E neste sentido em todas escolas existirá educação inclusiva, há sempre quem a promova mesmo em contextos menos favoráveis.

Finalizo voltando ao início, as políticas públicas são onerosas, a política pública de educação é onerosa, a suficiência de recursos será sempre uma questão problemática, mas é, também, por aqui que se avaliam a competência e adequação das… políticas públicas.

E, fazendo bem as contas, a exclusão tem custo bem mais elevados.

Muitos pais, muitos alunos, muitos professores, muitos técnicos, não são “abandonados pelo sistema de ensino", estão abandonados na incompetência das políticas públicas e na retórica em matéria de educação inclusiva, seja lá isso o que for.

sábado, 5 de abril de 2025

OS DIAS MÁGICOS DA AVOZICE

 Os dias, todos os dias, nos mostram algo, nos dão algo ou nos tiram algo. O dia 5 de Abril assim é e, desculpar-me-ão, volto a sublinhar a perplexidade e o gozo da última grande descoberta nesta minha viagem que já vai longa, a avozice. É sempre assim a cada 5 de Abril ou 4 de Julho e sempre assim será enquanto não chegar o dia que nos tira tudo.

Cumprem-se hoje nove anos desde que entrei pela segunda vez no mundo encantado, no mundo mágico da avozice, nasceu o Tomás. O tempo voa e o tempo dos velhos parece que voa mais depressa.

Esta mudança de geração tem sido uma bênção em cada dia que passa e contribui decisivamente para cumprir a narrativa de um Homem de sorte, eu.

Felizmente, as circunstâncias têm mantido os netos por perto e de vez quando também no Monte, no Alentejo, como eles falam.

Às vezes, quando brincam, fico assim a olhar para eles, para os meus netos, o grande neto Grande, o Simão, que nasceu há onze anos e o grande neto Pequeno, o Tomás, a partir de agora com nove e fico a imaginar que viagens irão fazer. Nessas alturas sinto-me assim …  desculpem o atrevimento... um anjo da guarda.

Na verdade, que mais deve ser um pai ou um avô que não um anjo da guarda.

Às vezes, não sabemos, não percebemos, não queremos ou não podemos.

Mas é bonito, muito bonito.

A magia da avozice recorda-me frequentemente, já aqui o contei, a fala de um Velho de Cabo Verde, amigo do meu amigo Amílcar, que dizia a propósito do quanto gozava a sua condição de avô, "Se soubesse que ter netos era assim, tinha tido os netos antes dos filhos".

Acho engraçada a ideia e elucidativa deste mundo mágico, ser avô.

No entanto, a ordem das coisas é a ordem das coisas, cresce um filho até ser Gente, vão crescer os netos até serem Gente.

E eu espero estar por perto mais algum tempo.

sexta-feira, 4 de abril de 2025

RANKINGS ESCOLARES, UM PRODUTO SAZONAL

 Bom, aí está o produto sazonal que dá pelo nome de “ranking das escolas” nas suas diferentes declinações e leituras dos dados disponibilizados e bem pelo ME. Agora, relativos a 2024. Em linha com a sazonalidade, umas notas.

Apesar de continuar com dificuldade em defender a sua relevância, não tenho uma atitude fundamentalista face à sua construção. Sublinho, sobretudo, a evolução que se tem verificado nos últimos anos, quer na disponibilização de informação por parte do ME para além dos “meros” resultados da avaliação externa, quer na forma como essa informação é tratada e divulgada por diferentes entidades e imprensa. Este ano, em algumas abordagens é considerada a “capacidade de superação” das escolas, atingindo resultados “inesperados” para a população que servem. Deve ainda referir-se que também se  divulga algum do bom trabalho realizado em diversas escolas da rede pública.

Na verdade, se me parece muito pernitente a análise dos dados providenciados pelo ME, já me parece bem menos relevante a construção de listas classificativas de escola.

Continuo também a sentir-me incomodado com as estratégias de marketing dos negócios da educação a propósito da divulgação dos rankings, basta olhar para as páginas da imprensa que divulga rankings. A própria imprensa em algumas das peças que acompanham os rankings serve essas estratégias.

A mais frequente defesa da sua construção assenta na importância da avaliação externa. No entanto, é evidente que a imprescindível avaliação externa não tem que, necessariamente, obrigar à construção dos rankings que, aliás, alguns países não realizam.

Mas existindo e apesar das mudanças que se têm verificado que mostram, ou não, os rankings?

Dificilmente mostrarão algo de substantivamente diferente como parece claro.

Mostram que genericamente as escolas privadas apresentam melhores resultados e que também existem escolas privadas com resultados mais baixos. Mostram algumas notas simpaticamente altas.

Mostram que existem escolas públicas com bons resultados e escolas públicas com resultados menos bons.

Mostram uma descida dos resultados médios apesar de mais resultados positivos. Outros dados de avaliação externa têm apontado nesse sentido.

Mostram que existem escolas que face ao contexto sociodemográfico que servem conseguem bons resultados ou, pelo menos, progresso no trajecto dos alunos e que existem escolas públicas que ainda não conseguem contrariar o destino de muitos dos seus alunos.

Mostram que a tradição ainda é o que era, pais (mães) mais escolarizados, têm, potencialmente, filhos com melhores resultados.

Mostram que as escolas públicas são as que mais progressos promovem nos alunos embora não cheguem de forma significativa aos lugares superiores dos rankings da superação. E tal situação é tanto mais de registar quanto sabemos das dificuldades muito significativas e da falta de recursos que se verificam.  Seria interessante considerar a variável, alunos sem professores a todas as disciplinas, situação que envolve várias escolas e tem envolvido muitos alunos.

Mostram que nas escolas com melhores resultados, em regra, são as que têm menos alunos abrangidos pela Acção Social Escolar.

Mostram que a escola, os professores, fazem a diferença e promovem a “superação”

Mostram ainda que se continua a falar de “melhores escolas” e “piores escolas”.

Mostram que …

Enfim, os rankings mostram tudo, só não mostram o que se fará considerando a informação que os rankings mostram, com que meios, com que recursos humanos, com que políticas públicas. Na verdade, também não mostram o tanto que não se consegue medir, mas se pode avaliar e que é tão essencial como o que se mede.

Quatro notas finais.

1 - A propósito de rankings - Gert Biesta da Universidade Stirling numa obra notável, "Good Education in a Age of Measurement - Ethics, Politics, Democracy", afirma que uma obsessão centrada na medida, assenta na gestão continuada de uma dúvida, "medimos o que valorizamos ou valorizamos o que medimos?"

2 - Por onde andam nos rankings os alunos com necessidades educativas especiais?  (desculpem o termo não inovador dentro do novo paradigma, mas ainda não me habituei às novas "não categorias" como "adicionais", "selectivas" ou "adicionais").  Provavelmente à espera da operacionalização de um novo indicador-chave da avaliação das escolas, a inclusão de cuja consideração na construção dos rankings não me dei conta.

3 – Continuo com a dúvida expressa por Gil Nata e Tiago Neve do Centro de Investigação e Intervenção Educativas da U. do Porto que num texto no Público a propósito dos rankings de há três anos escreviam, “Assim, passados 20 anos, a pergunta impõe-se onde estão as evidências de que a publicação dos rankings tenha contribuído para a melhoria do sistema educativo?” Acresce a manutenção da dúvida relativa a alguma inflação das avaliações realizadas por alguns estebelecimentos.

4 – Há já algum tempo, ainda estava no activo, a directora de um agrupamento de escolas que ocupa posições bem abaixo nos rankings, situada num contexto social e económco complicado e à qual de me desloquei diversas vezes para colaborar em algumas iniciativas, dizia-me, “Como conhece algumas pessoas da imprensa diga-lhes para nos visitarem durante o ano a ver o que fazemos. É que quando aqui vêm é por causa do ranking, e nós fazemos tantas coisas com os alunos e com os pais”. E eu sabia que sim.

Para o ano cá estaremos e atentos ao que resulta deste ano duríssimo para a escola pública.

E voltarei a estas notas. São assim os produtos sazonais.

quinta-feira, 3 de abril de 2025

DO COMBATE À CORRUPÇÃO, ENTRE O NÃO QUERER E O NÃO PODER

 Desculpem a insistência. Nos últimos dias têm e sem surpresa entrado na agenda vários episódios que, apesar de lamentavelmente já não estranharmos e talvez por isso, nos fazem sentir algures entre a indiferença alimentada pela regularidade de situações desta natureza e uma raiva a crescer nos dentes alimentada pela indignação. Estou a referir-me às trafulhices, esquemas, “desvios”, tráfico de influências, casos de corrupção, roubos, enfim, dá para escolher a qualificação dada a criatividade e a alta incidência de situações.

Os indicadores produzidos regularmente pelo Barómetro Global da Corrupção, da responsabilidade da Transparency International, a rede global de Organizações Não-Governamentais que em Portugal é representada pela Transparência e Integridade mostraram que Portugal permanece sistematicamente numa posição pouco digna, antes pelo contrário, na tabela do índice de percepção da corrupção tendo praticamente estagnado o que segundo a Transparência e Integridade evidencia a inexistência de uma estratégia de combate à corrupção e aos designados crimes de "colarinho branco".

Sabe-se ainda que numa parte muito significativa dos casos conhecidos, registados e investigados não resulta condenação. São também regulares as referências à falta de meios e recursos humanos no sistema judicial, mas a coisa não se altera significativamente.

Lembro também que já em Fevereiro de 2016 a Comissão Europeia afirmava num relatório que em Portugal “não existe uma estratégia nacional de luta contra a corrupção em vigor”. Não sei se já temos uma estratégia nacional de combate à corrupção, somos bons a definir estratégias nacionais e até admito que sim, mas os resultados …

No entanto, sobretudo à entrada de cada novo governo ou em períodos pré-eleitorais, está sempre presente nos discursos partidários a retórica que sustenta o fingimento da luta contra a corrupção e a promoção da transparência na vida política portuguesa e, regularmente, emergem umas tímidas propostas que mascaram essa retórica, entram na agenda, por vezes até se dá mais um "jeitinho" nas leis (nada de substantivo) e rapidamente tudo se apaga até ao próximo fingimento.

Do meu ponto de vista, nenhum dos partidos do chamado “arco do poder” ou que a ele pretendem aceder, está verdadeiramente interessado na alteração da situação actual, o que, aliás, pode ser comprovado pelas práticas desenvolvidas enquanto poder nos diversos patamares. A questão, do meu ponto de vista, é mais grave. Os partidos, insisto no plural, mais do que não querer mexer seriamente na questão da corrupção e do seu financiamento, não podem e vejamos porque não podem.

Nas últimas décadas, temos vindo a assistir à emergência de lideranças políticas que, salvo honrosas excepções, são de uma mediocridade notável. Temos uma partidocracia instalada que determina um jogo de influências e uma gestão cuidada dos aparelhos partidários donde são, quase que exclusivamente, recrutados os dirigentes da enorme máquina da administração pública e instituições e entidades sob tutela do estado. Esta teia associa-se à intervenção privada sobretudo nos domínios, e são muitos, em que existem interesses em ligação com o estado, a banca, as obras públicas ou os grandes escritórios de advogados verdadeiramente os autores da legislação que depois irão aplicar ou sobre a qual darão, venderão, pareceres criteriosos e são apenas exemplos. Acresce o intenso tráfego de dirigentes entre entidades públicas e privadas sem qualquer sobressalto. Os últimos anos, meses, semanas, dias, foram particularmente estimulantes nesta matéria. A manutenção deste quadro, que nenhum partido estará verdadeiramente interessado em alterar, exige um quadro legislativo adequadamente preparado no parlamento e uma actividade reguladora e fiscalizadora pouco eficaz ou, utilizando um eufemismo, “flexível”. Assim, a sobrevivência dos partidos, tal como estão e da praxis que desenvolvem, exigem a manutenção da situação existente pelo que, de facto, não podem alterar. Quando muito e para nos convencer de que estão interessados, introduzem algumas mudanças irrelevantes e acessórias sem, obviamente, mexer no essencial. Seria um suicídio para muita da nossa classe política e para os milhares de amigos de diferentes cores que se têm alimentado, e alimentam do sistema.

O combate à corrupção, parece, assim, um problema complicado e fortemente dependente da inadiável criação de uma pressão cívica que obrigue à mudança. De quem faz parte do problema, não podemos esperar a solução.

Finalmente, estamos mergulhados num contexto internacional profundamente marcado pela desinformação, ataques à democracia, protecção da minoria que dita a vida, os problemas, da maioria.

É neste cenário diversificado que se cumpre a pantanosa pátria nossa amada.

quarta-feira, 2 de abril de 2025

O REGINO QUE É UM HERÓI E AS PALAVRAS QUE OFENDEM

 No calendário das consciências assinala-se hoje o Dia Mundial da Consciencialização do Autismo, uma questão de minorias e, portanto, pouco relevante para as maiorias.

Umas notas em dois sentidos

Uma primeira para chamar a atenção para a impressiva peça que se encontra no Público, “Regino não fala, mas quer que o mundo o escute”, sobre a vida e as circunstâncias que a envolvem de um jovem espanhol com 14 anos com um quadro de autismo. É uma peça que nos mostra um universo que muitos de nós desconhecemos.

Uma outra nota num sentido diferente. De há algum tempo para cá entrou no léxico comum da cena política uma terminologia vinda da área da saúde mental com efeitos que ainda não foram avaliados. Alguns exemplos. É muito frequente a referência a estados de depressão, o país está deprimido, os mercados estão deprimidos, algumas regiões portuguesas são consideradas deprimidas, etc. Diz-se tranquilamente que certos comportamentos políticos podem ser suicidas, seja de pessoas ou de partidos. Inventaram um quadro de claustrofobia democrática, seja lá isso o que for. Não há opinador, amador ou profissional, que não se refira a autismo, autista ou esquizofrénico para adjectivar discursos e comportamentos políticos. Aliás, deve recordar-se que a Assembleia da República aprovou há já algum tempo e sem grande resultado uma moção no sentido de se não utilizar tal terminologia nos debates parlamentares. Multiplicam-se as referências a pessoas que assumem compulsivamente estratégias de vitimização, a comportamentos obsessivos ou alucinados, etc. Abundam as análises que sublinham a grave baixa auto-estima dos portugueses.

Toda esta linguagem é usada como o maior à vontade.

Recordo que, creio que em 2016, a Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo do Douro entendeu por bem apresentar queixa pela utilização em duas novelas de referências ao autismo de forma depreciativa. No entanto, a Entidade Reguladora da Comunicação Social entendeu que o uso da palavra “autista” não é ofensivo. É elucidativo.

No final de 2015 a associação BIPP (Banco de Informação de Pais para Pais) – Inclusão para a Deficiência desencadeou uma campanha de sensibilização que visava inibir o uso de expressões como “deficiente mental” ou “atrasado mental” como insulto ou para censurar determinados comportamentos humanos. A campanha intitulava-se “Ser deficiente não é um insulto” e tinha como objectivo que o recurso a esta terminologia alimenta ou promove comportamentos de exclusão social dos cidadãos com deficiência.

Na verdade, para além das expressões citadas remetendo para o universo da deficiência, são também usados com demasiada regularidade termos próprios da área da saúde mental, esquizofrenia ou autismo, por exemplo, para adjectivar comportamentos e discursos em particular na vida política.

Dito de outra forma, a condição de deficiência, de doença mental ou de qualquer outra dimensão de vulnerabilidade é utilizada como insulto sendo que este comportamento é recorrente mesmo em pessoas com responsabilidade de natureza pública e social de relevo o que agrava o seu já inaceitável uso.

Sem querer assumir uma posição "politicamente correcta" este uso e abuso incomoda-me. Creio que ignora e ofende o sofrimento das pessoas e das famílias que lidam com quadros clínicos, de desenvolvimento ou de funcionalidade desta natureza. E retomo o trabalho que envolve o Regino e a sua família. A decisão em tempos tomada pela Entidade Reguladora da Comunicação Social foi lamentável.

No entanto, este é apenas mais um exemplo das palavras que ofendem e que tão frequentemente ouvimos.

terça-feira, 1 de abril de 2025

OS DIAS DAS MENTIRAS

 Como acontece com quase tudo o que está no nosso mundo, as mentiras também têm o seu dia, o 1 de Abril. Lembro-me que, ainda miúdo, o dia 1 de Abril era aguardado com alguma excitação. Numa rígida matriz judaico-cristã em que a ideia do pecado desempenha um papel essencial, ter um dia em que se pode pecar, mentir, era algo de estimulante. Esmerávamo-nos na tentativa de criar a melhor das mentiras.

A imprensa tinha, alguma tem ainda, o hábito de colocar uma mentira e ficaram célebres algumas das que ao longo dos anos fizeram primeiras páginas de jornais ou abertura de noticiários televisivos.

O problema grande é que nos tempos que atravessamos não temos O Dia das Mentiras. Numa espécie de concorrência desleal vivemos nos dias das mentiras. Com a capacidade de inovação que caracteriza a humanidade agora fala-se “pós-verdade”, “factos alternativos” ou, em inglês é mais sofisticado, em “fake news”. O processo de “fact check” tornou-se imprescindível e nem sempre esclarecedor.

Os padrões éticos da nossa vida política, económica e social baixaram e a mentira, as mentiras, são regra, deixaram de ser excepção seja qual for a designação.

Mente-se para alimentar relações laborais precárias e lesivas dos direitos das pessoas a projectos de vida viáveis e positivos.

Mente-se para proteger agendas pessoais ou interesses corporativos.

Mente-se para manipular ou alimentar clientelas que sirvam de patamar para o poder, os poderes, pequenos ou grandes e de natureza diferenciada.

Mente-se para fazer ou pedir um “jeitinho” que só varia na escala, dos cêntimos aos milhões.

Mente-se para legitimar decisões incompreensíveis.

Mente-se para vender ilusões ou promessas.

 

Não faltará muito para que criemos um Dia das Verdades. Provavelmente e devido à força do hábito também já não acreditaremos.

segunda-feira, 31 de março de 2025

(QUASE) TODOS BATEM NOS PROFESSORES

 Todos batem nos professores, até os professores que estão como directores. Os directores não são directores, insisto, são professores que estão alguns anos, demais para alguns, como directores. Uma parte preferiria, certamente, eternizar-se como directores, mas, por enquanto, ainda não é assim.

As situações denunciadas numa reportagem do canal NOW envolvendo seis docentes em situação diversa de problemas de saúde são absolutamente inquietantes pelo desrespeito pelas circunstâncias de saúde, pelo incumprimento de recomendações relativamente ao horário atribuído ou à distribuição de serviço. São referidas situações de assédio moral num contexto de sofrimento de pessoas que apenas querem continuar a fazer o seu trabalho de uma forma minimamente compatível com as suas condições de saúde e com um quadro legal que o permite.

Apenas a mediocridade humana, ética e profissional de alguns directores sustenta a incompetência do seu comportamento.

Acresce que, de acordo com Sofia Neves, da Associação Jurídica pelos Direitos Fundamentais, existirão “milhares” de professores que com problemas de saúde são vítimas de abuso e vêem dificultado o acesso e cumprimento das recomendações da Medicina do Trabalho.

É evidente que esta gente medíocre dormirá de consciência tranquila. Não sabem ou esqueceram o que significa consciência ou perderam-na embriagados pela volúpia do poder para o qual lhes falta competência, estrutura ética e moral para exercer.

Uma nota final. Ao longo de quase cinco décadas e considerando, sobretudo, o período após o estabelecimento da direcção unipessoal de escolas e agrupamentos, cruzei-me com professores extraordinários que estavam na função de directores, mas não esqueciam a sua pertença. Esses, por estes dias devem sentir-se profundamente incomodados com o que se vai sabendo.

domingo, 30 de março de 2025

DO FECHAMENTO DAS ESCOLAS DO 1.º CICLO

 No Expresso encontra-se uma peça interessante sobre as escolas do 1.º ciclo que têm menos de 20 alunos e a pertinência da sua manutenção em funcionamento.

Depois do estudo do Edulog, “Necessidade de Professores: Deficit ou ineficiência na gestão da oferta de ensino?”, ter referido a existência de 40% de escolas do 1.º ciclo com menos de 15 alunos a realidade, maldita realidade que não diz sempre o que queremos que diga, está longe deste cenário. As escolas com menos de 20 alunos serão cerca de 10%, 351 em 22/23, e numa decisão acertada assim se manterão uma vez que as alternativas para os seus alunos não são adequadas.

Na verdade, em muitas comunidades, sobretudo no interior, naturalmente, a manutenção das escolas do 1.º ciclo em funcionamento são um suplemento de vida. Aliás, está a verificar-se um aumento da população discente em diferentes geografias devido também à presença de imigrantes o que se reflecte positivamente na vida comunitária.

Também importa considerar que alguns estudos realizados nos últimos anos sustentam que, de forma geral, os alunos dessas escolas realizam processos bem-sucedidos de entrada no 2.º ciclo.

Retomo umas notas sobre esta questão do encerramento de escolas que também está associado à criação de mega-agrupamentos que, muitos deles, se transformam em mega-problemas, mas esta é uma outra matéria. Muitas das questões que se colocam em educação, como noutras áreas, independentemente da reflexão actual, solicitam algum enquadramento que nos ajudem a melhor entender o quadro temos no momento.

Como já tenho escrito e abordado em alguns encontros, durante décadas de Estado Novo, tivemos um país ruralizado e subdesenvolvido o que, evidentemente não é nada de novo.

Em termos educativos e com a escolaridade obrigatória a ideia terá sido “levar uma escola onde houvesse uma criança”. Tal entendimento minimizava a mobilidade e a abertura de espírito, algo a evitar naqueles tempos. No entanto, como é sabido, os movimentos migratórios e emigratórios explodiram e o interior entrou em processo de desertificação o que, em conjunto com a decisão de política educativa referida acima, criou um universo de centenas de escolas, sobretudo no 1º ciclo, com pouquíssimos alunos. Como se torna evidente e nem discutindo os custos de funcionamento e manutenção de um sistema que admite escolas com 2, 3 ou 5 alunos, deve considerar-se a questão se tal sistema favorece a função e o papel social e formativo da escola. Creio que não e a experiência e os estudos revelam isso mesmo.

Parece, pois, ajustada a decisão de em muitas comunidades proceder a uma reorganização da rede.

É também verdade que muitas vezes se afirma que a “morte da escola é a morte da aldeia”. No entanto, creio que será, pelo menos de considerar, que os modelos de desenvolvimento económico e social promovem a litoralização e desertificação do interior. Apostas políticas erradas não contrariam este processo, antes pelo contrário, promovem-no fechando os equipamentos sociais, incluindo as escolas, uma das formas evidentes de fixação das pessoas. Cria-se assim um ciclo sem fim, as pessoas partem, fecham-se equipamentos, as pessoas não voltam ou continuam a partir. E este processo de definhamento vai-se alastrando. Talvez a manutenção das escolas em funcionamento ajude a fixar e atrair famílias como já parece ser a situação em diferentes comunidades.

Torna-se fundamental e urgente a coragem e a visão para outros caminhos.

Por outro lado, como referia acima, a concentração excessiva de alunos em centros educativos ou mega-agrupamentos não ocorre sem riscos, tornam-se mega-problemas. Para além de aspectos como distância a percorrer, tipo de percurso e apoio logístico, importa não esquecer que escolas demasiado grandes são mais permeáveis a insucesso escolar e exclusão, absentismo, problemas de indisciplina e outros problemas de natureza comportamental como bullying.

Neste cenário, a decisão de encerrar escolas não deve ser vista exclusivamente do ponto de vista administrativo e económico, não pode assentar em critérios generalizados esquecendo particularidades contextuais e, sobretudo, não servir como tudo parece servir em educação, para o jogo político.

Vamos ver como vai evoluindo a situação.

sábado, 29 de março de 2025

DA IRRESPONSABILIDADE

 Lê-se no CM que cerca de 44 mil alunos estão sem professor a pelo menos uma disciplina. Estamos perto do final do segundo período e, curiosamente, não encontrei esta notícia noutro órgão de informação. A notícia parecia assentar em dados credíveis e não eram do ME cujas contas raramente dão certo. Provavelmente, um problema de relação dos responsáveis com a Matemática. Recordo a tese dos professores a mais sustentada pelo então ministro Nuno Crato, um especialista em números.

Vivemos tempos estranhos. Lidamos diariamente com “novos normais”, por assim dizer. A existência de tantos alunos sem professor já quase nas férias da Páscoa passa quase despercebida. Claro que os próprios alunos, a família e, naturalmente, os outros professores destes alunos sentem o que é, de facto, um problema sério e com consequências óbvias no trajecto escolar destes alunos.

Há décadas que a falta de docentes estava escrita nas estrelas e sucessivas equipas ministeriais, para além de más políticas públicas que afastaram milhares de professores das escolas negavam a evidência, ouvia-se o mantra dos “professores a mais”. Maria de Lurdes Rodrigues e Nuno Crato, que já referi, foram dois exemplos de incompetência e irresponsabilidade nesta matéria e nem um rasgo de seriedade no assumir do que é óbvio, falharam. Continuam serenos e de consciência tranquila, provavelmente, também com uma outra percepção, está na moda, do que é consciência tranquila.

O resultado está à vista, o atropelo a um direito fundamental, o direito à educação, e o desempenho escolar de muitos alunos prejudicado pela falta de docentes.

As famílias com mais recursos recorrem ao ensino privado ou a explicações externas, as outras … lamentam.

As escolas tentam o milagre de que não podemos depender.

A questão é que cada vez se torna mais difícil falar de responsabilidade. Entrámos no mundo da irresponsabilidade.

Com que preço? Pago por quem?

E não acontece nada?

sexta-feira, 28 de março de 2025

A NET, UM MUNDO DE ALÇAPÕES, UM MUNDO DE OPORTUNIDADES

 Muitas vezes e de há muito que aqui no Atenta Inquietude tenho abordado a questão dos ecrãs, em particular a utilização da net em diferentes formas e circunstâncias por parte dos mais novos. Também foi matéria muitas vezes integrada na minha actividade docente na área da Psicologia da Educação. Para além disso, foi objecto de muitas intervenções com grupos de docentes e de pais.

As questões e os riscos têm motivado diferentes abordagens sendo que, em Portugal, tal como noutros países, muitas escolas têm limitado o acesso aos telemóveis. No entanto, independentemente da proibição escolar, creio que o tempo de ecrã, quer na duração, quer nos conteúdos e potencial impacto negativo se coloca, sobretudo, fora da escola, designadamente, nos contextos familiares.

Toda esta problemática tem sido objecto de trabalhos, notícias e reflexões nos últimos tempos potenciados pelo impacto que a série “Adolescência” tem tido.

Os dados que múltiplos estudos nacionais e internacionais relativos à utilização da net, considerando tempo e conteúdos, devem ser reflectidos, mas, peço desculpa, do meu ponto de vista e apesar de conhecer riscos e comportamentos graves, cyberbullying, por exemplo, ou situações como as retratadas em “Adolescência”, julgo que devemos ter alguma serenidade e evitar discursos extremos.

Para as gerações mais novas não fica muito fácil imaginar um mundo sem a net. Quando ainda há pouco tempo, conversava com os meus alunos(as), já jovens e adultos, e lhes conto como era estudar sem net e sem computadores, as máquinas usadas eram as de escrever e de calcular, julgo que eles estarão, por assim dizer, a “ver” um filme de ficção científica ao contrário.

Como costumo afirmar, sou um utilizador conservador, sem conhecimento muito sólido, conto com o apoio de colegas e de gente mais nova como o meu filho, para as muitas dúvidas que vou sentindo. Aliás, já passei pela situação de não saber como realizar uma operação qualquer no telemóvel e o meu neto Simão, agora já com onze e um “nativo digital” como agora lhes chamam, me ter dito tranquilamente como proceder. A minha auto-estima aguentou-se sempre encostada ao meu perfil de utilizador, basicamente “ligo-me” para corresponder a alguma necessidade enquanto profissional, de conhecimento, de informação, de utilização de serviços, etc.

E não é raro que ainda me sinta “maravilhado” com as possibilidades abertas e que têm progredido enormemente, quer ao nível de equipamentos, de “software”, recursos, e que, certamente, ainda estaremos longe de esgotar como agora estamos a descobrir com a inteligência artificial.

A verdade é que se a net abriu um mundo inesgotável de oportunidades, também abriu um mundo de alçapões. Ligado desde sempre ao mundo dos mais novos, muitas vezes aqui tenho falado desses alçapões e como, apesar da vulgaridade e massificação da sua utilização, muitos pais me dizem desconhecê-los mesmo sendo eles próprios utilizadores regulares da net.

Em primeiro lugar sublinho que, como é evidente, não está em causa qualquer diabolização destas ferramentas, apenas um alerta para riscos e da necessidade de regulação da sua utilização pelos mais novos.

Como múltiplos estudos revelam aumentou exponencialmente o tempo que crianças, adolescentes e jovens, tal como muitos adultos, estão em frente do ecrã. Os confinamentos durante a pandemia fizeram subir exponencialmente esse tempo, a escola estava no ecrã. Naturalmente os riscos também aumentaram como o cyberbullying que já referi, chantagem e roubo, exposição a conteúdos inadequados às idades, pornografia infantil, etc.

Trata-se de mais um factor de pressão para a supervisão imprescindível, mas muito difícil dos mais novos na sua relação com a net.

É importante sublinhar que dados do Estudo Internacional de Alfabetização em Informática e Informação (ICILS) envolvendo 11 países e divulgados em 2020 sugerem que os alunos portugueses são os mais bem preparados para usar a internet de forma responsável. No entanto, os dados relativos aos riscos que aqui tenho referido, são, de facto, geradores de preocupação.

Podemos considerar mais um sinal dos tempos as múltiplas referências ao tempo excessivo e dos riscos associados que muitas crianças e adolescentes com a ligação à net nas suas múltiplas possibilidades designadamente as redes sociais. Os indicadores relativos ao cyberbullying, insisto e muitas vezes aqui tenho referido, são inquietantes.

Nesta perspectiva e tal como noutras áreas o recurso privilegiado a estratégias proibicionistas não funciona. É mais eficiente a promoção da utilização auto-regulada e informada. A net e o mundo de oportunidades, benefícios e riscos que está presente em todas as suas potencialidades é uma matéria que deve merecer a reflexão de todos os que lidam com crianças e jovens embora não lhes diga exclusivamente respeito. É o nosso trabalho.

Sabemos que muitas crianças têm um ecrã como companhia durante o pouco tempo que a escola "a tempo inteiro" e as mudanças e constrangimentos nos estilos de vida das famílias lhes deixam "livre". Também é verdade que a crescente "filiação" em redes sociais virtuais pode “disfarçar” o fechamento, juntando quem “sofre” do mesmo mal e o tempo remanescente para estar em família, frequentemente, ainda é passado à sombra de uma televisão.

Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos e os riscos potenciais, por estranho que pareça, são problemas menos conhecidos para muitos pais. Aliás, as dificuldades sentidas por muitas famílias na ajuda aos filhos em tempo de ensino não presencial, mostrou isso mesmo, baixos níveis de literacia digital. Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível e útil seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes minimizando os riscos existentes nos “alçapões da net”. Existem demasiadas situações em que desde muito cedo os “smartphones” ou outros dispositivos funcionam como “babysitters”.

Por outro lado, a experiência mostra-me que muitos pais desejam e mostram necessidade de alguma ajuda ou orientação nestas matérias. Sabemos que estratégias proibicionistas tendem a perder eficácia com a idade. Neste contexto, julgo muito interessante o conjunto de trabalhos que a Visão desta semana dedica a esta matéria.

Creio que o caminho terá de passar por autonomia, supervisão, diálogo e muita atenção aos sinais que crianças e adolescentes nos dão sobre o que se passa com elas.

quinta-feira, 27 de março de 2025

DO TEATRO

 Li algures que hoje se assinala o Dia Mundial do Teatro.

Recordo uma afirmação muito bonita de Luís Miguel Cintra, um enorme Homem do Teatro, no discurso de aceitação do Prémio Pessoa de 2005. Escolheu o teatro "para continuar a fazer em adulto aquilo que fazemos em crianças, para continuar a brincar contra toda a solidão".

Nestes tempos de sobreutilização de ecrãs e nas redes sociais, tanta gente vive isolada.

Às famílias, sobretudo, com crianças, é solicitada uma multiplicidade de papéis que a encenação não previu e que tentamos desempenhar com as ferramentas que possuímos e aprendendo cada dia a melhor forma de criar ou recriar cada papel, todos bem exigentes e para todos os protagonistas.

Não teremos os aplausos ou os assobios no fim desta peça, mas espero e desejo que tenhamos tentado e conseguido “brincar contra toda a solidão”.

quarta-feira, 26 de março de 2025

FINALISTAS, UM ESPÍRITO E UM NICHO DE MERCADO

 Lê-se na imprensa que GNR e PSP estão a levar a efeito junto de escolas e alunos finalistas do ensino secundário de campanhas de sensibilização e fiscalização envolvendo as viagens de finalistas que se realizarão daqui a poucos dias.

Embora possa parecer estranho, o universo da educação também tem produtos sazonais, as viagens de finalistas são um deles.

De facto, por esta altura surge inevitavelmente um fenómeno migratórío que atinge um grupo social extremamente importante e organizado por camadas etárias, os diversos grupos de finalistas, sobretudo os do secundário.

Assim que me lembre e tanto quanto consigo acompanhar, temos finalistas da educação pré-escolar, os finalistas do ensino básico (1.º e 2.º ciclo), no 9º ano, os finalistas do ensino secundário, os finalistas do 1º ciclo do ensino superior, a licenciatura inventada pela bolonhesa ideia e os finalistas do 2º ciclo do ensino superior, os que abandonam o superior após cinco anos de estadia sendo mestres.

Os finalistas transformaram-se num nicho de mercado apetecível e rentável. Realizam-se festas e viagens de finalistas em todas as faixas etárias, iniciativas que as instituições acarinham e às quais os pais não sabem como resistir, é o espírito da escola, o convívio, a juventude, o divertimento, etc. etc. Parece que tudo regressou á normalidade, seja lá isso o que for nos tempos que correm, e a coisa parece bem, oferta esgotada, lista de espera, etc.

Sem estranheza também este produto tem riscos de contrafacção e qualidade, são recorrentes as queixas e as situações de incumprimento ou expectativas criadas e não cumpridas.

Nos últimos anos a migração, sobretudo no que respeita aos alunos do secundário, tem tido alguma vigilância das autoridades, que se manterá, e parece haver alguma maior preocupação dos pais face à experiência iniciática e aos riscos decorrentes dos excessos nos consumos e na adrenalina. São conhecidas situações muito sérias com consequências graves e experiências radicais como o “balconing”, salto do quarto de hotel para a piscina ou os consumos na sua criativa diversidade.

Como já tenho escrito, devo sublinhar que estas notas não têm qualquer intenção moralista e também gostava de dizer que o meu filho fez parte, provavelmente, das primeiras gerações de estudantes do secundário que rumaram a Lloret de Mar, já lá vão uns anos.

Eu ainda sou do tempo da viagem de finalistas do secundário se quedar por três ou quatro dias a viajar pelo norte do país, isto lá para os idos de sessenta.

A oferta nas estâncias balneares olha para este nicho de mercado, os estudantes portugueses e não só, como uma fonte extremamente significativa de receitas em época baixa no turismo com destino praia. Nesse sentido, de forma mais ou menos explícita, toda a estrutura, hotelaria, restauração, divertimento nocturno ou lazer, esmeram-se no sentido de criar a apetência por uma “histérica” e desregulada “desbunda” cheia de pica e adrenalina, o famoso espírito de Lloret, dos vários “Llorets” que o mercado vai gerando. No “espírito de Lloret” tudo cabe, os jovens soltam-se e apesar de causarem uns "estragos", uns distúrbios e alguns excessos, no final das contas, a operação compensa, aliás, segundo a opinião expressa dos empresários locais, os ingleses são piores, claro, não é novo, somos gente habitualmente bem-comportada, não criamos muitos problemas e deixamos os apetecidos euros.

Talvez seja mesmo necessário adequar a fiscalização da oferta nestas paragens, por exemplo das campanhas indutoras do consumo de álcool.

Para não variar, isto é conversa de velho, a malta precisa de se divertir, depois de dois períodos de árduo estudo e antes da dura recta final dos exames.

Para o ano há mais.

Entretanto … quando lá estiverem divirtam-se.

terça-feira, 25 de março de 2025

MAIS UMA VEZ, UMA FAMÍLIA É UM BEM DE PRIMEIRA NECESSIDADE

 Foi divulgada nas notícias dos últimos dias a situação, mais uma de muitas, relativa a uma mãe que viu a sua casa demolida e com três filhas foi alojada numa pensão sem condições para que as crianças aí vivam e para que a mãe possa trabalhar. Entretanto, foi mãe de novo e corria o risco da retirada da tutela das crianças o que, aparentemente, está por agora afastado face à pressão criada por vários grupos de cidadãos em defesa desta família, eu diria, da família.

Ainda a propósito desta situação e da importância de políticas públicas adequadas e assentes no cumprimento e promoção dos direitos das pessoas e não assentes, basicamente, em modelos ou respostas assistencialistas e que correm o risco de fomentar a institucionalização, vale a pena ler a entrevista no Público do procurador jubilado Rui do Carmo com conhecimento deste universo, a protecção de menores e famílias e experiência no Tribunal de Família e Menores em Coimbra.

Como é óbvio não está em causa a existência de situações limite em que a protecção das crianças sustenta a sua retirada da família.

Como tantas vezes aqui tenho escrito, uma família é um bem de primeira necessidade.

segunda-feira, 24 de março de 2025

CRIANÇAS E JOVENS SEM EIRA NEM BEIRA

Lê-se no Público que, de acordo com dados do Projecto Rua constantes no Relatório de Actividades do IAC para 2024, o número de crianças e jovens acompanhados tem estado sempre a aumentar desde 2022. De 564 nesse ano, passou para 953 em 2024, um aumento de 47% face a 2023, com 648 casos na área metropolitana de Lisboa, a área de intervenção do IAC.

São crianças e jovens até aos 18 anos que com relações familiares vulneráveis ou inexistentes, situações de fuga de instituições, abandono escolar e a vaguear pela comunidade, sujeitos a riscos e perigos múltiplos.

O Projecto Rua do IAC é desenvolvido em parceria e com apoio de diversas entidades públicas e privadas. A intervenção tem eixos como o trabalho das equipas de rua, apoio psicológico e jurídico, actividades com crianças e jovens nas comunidades

stes dados são do Projecto Rua e estão no Relatório de Actividades do IAC para 2024, a que o PÚBLICO teve acesso, e que esta organização não governamental, que trabalha em cooperação e conta com o apoio de entidades públicas e privadas, começará em breve a divulgar em diferentes momentos por temática de intervenção: equipa de rua, mas também apoio psicológico ou jurídico, actividades junto das crianças na comunidade, entre ouras dimensões.

É um cenário dramático e expõe a falência de várias dimensões das nossas políticas públicas nestas áreas.

Já me cansa o discurso de que o país está bem, as contas estão bem, mas … as pessoas, em particular as mais vulneráveis estão mal. Seja na infância e juventude, seja a habitação nos adultos que deixa milhares de pessoas sem um tecto seguro, sem o cumprir de direitos básicos garantidos constitucionalmente.

As respostas a este universo de problemas, está sempre aquém das necessidades e os recursos são sempre insuficientes, mas sempre com mais ou menos anúncios de Projectos e Planos que deixam as pessoas de lado.

O trabalho desenvolvido junto de crianças e jovens em situação altamente vulnerável por várias entidades, desde logo escolas ou Comissões de Protecção, estão muito longe do que seria necessário.

Este contexto leva a que ocorram situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que, sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não têm, ou não tiveram, o apoio e os procedimentos necessários. Ouve-se então uma das expressões que me deixam mais incomodado, a criança ou o jovem estava “sinalizada(o)” ou “referenciada(o)” o que foi insuficiente para a adequada intervenção. Em Portugal sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver os problemas referenciados ou sinalizados.

A falta de eficácia e de recursos nos processos de intervenção em situações mais precoces tem como consequência a emergência de problemas e situações com custos pessoais e socias severos e, como consta do Relatório, a aumentar em número.

Tudo isto tem custos insustentáveis para os próprios e para as comunidades.

Vamos entrar em campanha eleitoral, já se ouve de tudo menos o que podemos esperar das políticas públicas dirigidas às pessoas, mais novas e mais velhas.

Gostava de estar optimista, mas não vejo muito por onde.


domingo, 23 de março de 2025

UMA MEMÓRIA. SE ELE QUISESSE

 Os Srs. Algoritmos que tratam da memória no FB, recordaram-me uma lembrança de há 11 anos. A história deste Rapaz talvez ainda mantenha alguma actualidade. Aqui fica.

Era uma vez um rapaz. Deste, não me lembro bem do nome, mas creio que se chamava Rapaz. Na escola as coisas não corriam muito bem, os resultados eram baixos e o comportamento também não era muito positivo. O curioso é que toda a gente que falava do Rapaz e dos problemas que ele dava, acabava sempre por afirmar, “se ele quisesse”.

Todos os professores que o foram conhecendo, invariavelmente, acabavam por achar, “se ele quisesse”.

A direcção da escola, sempre que recebia mais uma queixa, lá afirmava, “se ele quisesse”.

Os funcionários da escola, também já tinham aprendido que, quando se falava do Rapaz, a conclusão era, obviamente, “se ele quisesse”.

Até os colegas, parte deles, também já se tinham habituado a pensar o Rapaz a partir do “se ele quisesse”.

Um dia, uma das professoras da escola falava com o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, e, claro, a conversa foi ter aos problemas levantados pelo Rapaz e, finalmente, no inevitável “se ele quisesse”.

O Velho pensou e falou naquele jeito baixo. “Quando algum de vocês falar com o Rapaz, experimente perguntar porque é que ele não quer, mas espreitem bem para dentro dos olhos dele. Para sossegar o medo que ele deve sentir, e para que o Rapaz veja nos vossos olhos que vocês querem que ele queira, porque, talvez, ele não saiba isso”.

sábado, 22 de março de 2025

O FASCÍNIO DO COMBOIO

 Li no Público um extenso trabalho sobre os planos da CP para criar novas rotas e redesenhar uma rede que representará ”uma verdadeira revolução ferroviária no país”.

Gostava mesmo de acreditar que algo de substantivo possa acontecer, mas vivendo por cá 70 anos o optimismo tem sido progressivamente revisto em baixa.

No entanto e se alguma coisa de significativo acontecer sei que os meus netos irão apreciar, adoram ir para o Alentejo de comboio ainda que, lá está, os horários não sejam muito amigáveis

Durante muitos anos, sempre que podia as minhas idas a Aveiro, Coimbra, Porto ou Braga no âmbito da actividade universitária realizavam-se de comboio.

As viagens de comboio sempre foram para mim um fascínio desde miúdo, ainda gosto do embalo da viagem De vez em quando ainda recorremos ao comboio e à serenidade e tranquilidade que, quase sempre, as viagens de comboio permitem. Registo, no entanto, que não é possível uma viagem directa de Lisboa para Beja, importa trocar de comboio em Casa Branca. Mas Beja também só é uma capital de distrito.

É também verdade que, não raramente, os atrasos pregam partidas, mas ainda assim gosto do comboio.

Aliás, creio que boa parte das pessoas terá ainda algum encantamento pelos comboios e as viagens. Acho mesmo que este encantamento é uma das tarefas da infância e perdura pela vida, provocando sempre alguma nostalgia, independentemente da maior ou menor utilização.

A verdade é que, irresponsavelmente, em muitas regiões do nosso país, sobretudo no interior, temos vindo assistir a um continuado fechamento de linhas.

A ferrovia foi sendo substituída pelo asfalto da auto-estrada numa opção política que deixou populações com problemas de acessibilidade e custos, encerrou linhas em troca de auto-estradas desertas que foram um bom serviço prestado aos parceiros privados das respectivas PPP e um mau serviço às comunidades e ao erário público.

Eu gostava, insisto, de acreditar na notícia de hoje relativa aos planos da CP. Mas, provavelmente, não se conseguirá contrariar o progresso, a modernização e, sobretudo, o mercado.

Deixem lá ver, como se fala aqui no meu Alentejo. 

sexta-feira, 21 de março de 2025

PAIS, FILHOS E PRÁTICA DESPORTIVA

 A propósito de uma peça interessante, “Os pais, os filhos e o desporto” de José Manuel Meirim no Público uma notas que não se circunscrevem apenas ao conteúdo da peça.

É com demasiada frequência que se conhecem episódios de violência no âmbito da prática desportiva envolvendo os escalões mais novos, designadamente no futebol, uma paixão que me acompanha desde miúdo e que me incomoda ver assim maltratado.

Parece claro que os sucessivos incidentes não serão alheios ao clima explosivo que se tem vindo a instalar, aliás, com a prestimosa e esforçada colaboração de dirigentes e “comentadores”, promovendo o risco cada vez maior de violência e agressão e acabando definitivamente com a velha fórmula do desporto como escola de virtudes. Torna-se cada vez mais difícil sustentar que assim é, embora continue, obviamente, a acreditar que assim pode ser.

Por outro lado, é apenas uma questão de escala, trata-se de mais um retrato de como feias estão as relações entre as pessoas, comunidades ou países.

Na verdade, a forma negativa como alguns pais se comportam quando assistem à prática desportiva dos filhos seja em treino, seja em competição. Assisti a episódios deploráveis. Estamos a falar de desporto e praticado por crianças ou jovens. Lamentavelmente, será o espelho de um quadro de valores instalado.

No entanto e sendo isto verdade, é importante também dizer que ainda hoje é o empenho e o voluntarismo de muitos pais que permitem que muitas crianças pratiquem algum desporto em clubes e estruturas muito pequenas e com meios e recursos insuficientes.

Ainda sobre a forma como alguns pais se relacionam com os filhos a propósito da prática desportiva deixo uma cena a que também assisti e que também aqui divulguei que parece elucidativa de uma atitude muito generalizada, infelizmente.

 Actores principais - Pai e filho com uns 6 ou 7 anos

Actores secundários - A mãe que entre chamadas no telemóvel grita incentivos para o filho

Cenário - uma zona relvada com dois pinos colocados de forma a simular uma baliza.

Assistentes discretos - o escriba

Guião - O pai ensina o filho a dar pontapés numa bola de futebol em direcção à baliza dos pinos

Cena e diálogo (reconstruído a partir de excertos ouvidos pelo escriba)

O pai apontando para uma zona do pé do miúdo que tem botas de futebol calçadas - Já te disse que é com esta parte do pé que tens de acertar na bola, vê se tomas atenção.

O miúdo em silêncio faz mais uma tentativa que não sai muito bem, não acerta na baliza.

O pai - Assim não vale a pena, não fazes como te digo, tens que estar concentrado, (aqui lembrei-me do Futre, um homem concentradíssimo e, certamente por isso, um grande jogador).

O filho - Mas eu dei com esta parte.

O pai - És parvo, se tivesses dado com essa parte a bola tinha ido para a baliza. Faz outra vez.

O miúdo com um ar completamente sofredor executa o que em futebolês se chama o gesto técnico e a bola teimosamente voltou a não sair na direcção desejada.

O pai - Pareces burro, se queres ser jogador de futebol, tens que te aplicar, (será que o miúdo quer mesmo ou será o pai que quer viver um sonho que foi dele e que agora cobra no filho?).

O miúdo, desesperado, sentou-se no chão com ar de quem espera o fim do jogo.

O pai, irritado, mandou a bola para longe com um forte pontapé.

O escriba pensou que se o árbitro tivesse visto, o pai merecia um cartão vermelho por comportamento incorrecto.

É isto.

quinta-feira, 20 de março de 2025

FAZER PERGUNTAS À CONTA, A HISTÓRIA DO ALGORITMO

 Com alguma regularidade acompanho os meus netos na realização dos TPC. Felizmente, não me parecem excessivos, mas não é o que agora está em causa.

Num dos últimos dias, perguntei ao Tomás, 3º ano, se tinha TPC e queria que os realizássemos juntos.

Concordou e disse que havia TPC de Matemática. Pega na mochila e no caderno e diz-me que tinha contas para fazer com o algoritmo. Fiquei curioso e ainda mais atento.

O trabalho era resolver quatro operações, soma, subtracção, multiplicação e divisão. Uns dias antes tinha-me dito que já tinha aprendido a divisão, a que faltava no arsenal do conhecimento matemático.

Fui acompanhando o trabalho atento ao algoritmo.

Com rapidez e sucesso, atestado pela calculadora do meu telemóvel, as três primeiras operações rapidamente estavam feitas.

Então começou a magia da divisão feita com o algoritmo que espero conseguir explicar.

“Montou” a conta da forma clássica, quatro ou cinco algarismos no dividendo e um no divisor, creio que o primeiro algarismo era 6, depois um 5 e o divisor era 4.

Então começa realização da conta. Com ar sério pergunta à conta, “Qual é o número que na tua tábua (a do 4), que dá 6 ou próximo?”. E, é notável, inclina a cabeça e “ouve“ a resposta da conta. Escreveu o 1 no quociente que multiplicou pelo divisor e subtraiu ao 6, deu 2. Em seguida, diz, agora o 5 (o número no dividendo a seguir ao 6) vai entrar na conta, e “baixou” o 5 para o lado do 2 e voltou a perguntar, inclinando a cabeça para a conta “qual é o número na tua tábua que dá 25 ou próximo?”, o 24. Escreveu 6 no quociente, multiplicou pelo divisor e subtraiu ao 25. E convidou o número seguinte no dividendo a entrar na conta. E assim continuou até a completar de forma acertada.

Face à minha estranheza relativa ao método, o diálogo com a conta e com os algarismos, quis fazer mais algumas e, naturalmente, as últimas já as realizava sem inclinar a cabeça para “perguntar à conta”, perguntava a si próprio.

Tantos anos no mundo mágico da educação ainda me consigo surpreender com a magia de professores e alunos, ou seja, a magia do ensinar e do aprender.  

Protejam e valorizem este mundo mágico com políticas públicas adequadas, com valorização dos profissionais e numa perspectiva de equidade e oportunidade para o sucesso educativo de todos os alunos.

É, “só” o futuro que está em jogo, com algoritmo ou sem algoritmo.

O Tomás, como todos os outros, estão a caminho.

quarta-feira, 19 de março de 2025

A CARTA

 Pai,

 Trouxe esta prenda para ti lá da escola. É para o Dia do Pai. Demorou três dias a fazer.

Desculpa lá, mas é outra vez a mesma coisa do outro ano. Desta vez eu acho que está mais bem feita. A professora diz que nós somos descuidados, pediu à D. Maria, a empregada, para ir com a gente para o recreio e acabou ela as nossas prendas para o Dia do Pai.

Não sei porquê, mas temos sempre que fazer assim, eu acho que os pais gostavam à mesma se fossem feitas só por nós.

Sabes uma coisa? Um dia a professora perguntou se os nossos pais brincavam com a gente. Eu disse que nós os dois não brincamos muito, mas estamos sempre a falar. Ela riu-se e disse que isso também é brincar. Eu já sabia.

O que ela não sabe é que a gente fala muito, mesmo que tu estejas nesse lugar muito alto, para onde a mãe diz que foste quando morreste. Mas isso é um segredo.

Agora vou brincar e tu ficas a ver. Olha Pai, depois conto-te uma história muito engraçada que aconteceu à minha amiga Joana.

 José

 Hoje e sempre. Ao Meu Pai que partiu demasiado cedo, mas não sem antes me ter mostrado o que nunca viu e caminhos para onde nunca esteve.

terça-feira, 18 de março de 2025

UMA BOA SEPARAÇÃO, UMA MÁ FAMÍLIA

 No JN encontra-se uma peça sobre um problema que afecta o bem-estar de muitas crianças, a separação conflituosa dos pais. Em 2021, não conheço dados mais recentes, chegaram aos tribunais de família e menores 31 181 processos cíveis relativos a responsabilidades parentais, sendo que 11 356 (36,4%) foram por incumprimento. Foram registados 12 790 (41%) pedidos de regulação.

Trata-se de uma situação potencialmente causadora de enorme sofrimento em todos os envolvidos independentemente das responsabilidades que cada um dos elementos possa ter em todo o processo.

É uma situação também muito complexa no que respeita à intervenção e regulação. Recordo que em 2017 o Instituto de Segurança Social lançou em 2017 dois manuais, “Manual da Audição da Criança” e o “Manual de Audição Técnica Especializada”, uma ferramenta de apoio aos técnicos envolvidos em processos conflituosos de separação parental em que estão crianças e não raras vezes em processo de sofrimento significativo, tal como, aliás, os adultos.

É verdade, felizmente, que existem múltiplos casos de reconstrução bem-sucedida de famílias após situações de divórcio em que adultos e crianças encontraram forma de viverem situações de bem-estar depois de quebrar relações anteriores. Seria esta a situação desejável em caso de separação.

No entanto, existem muitas circunstâncias em que os processos de separação são de grande tensão e conflito nos quais crianças e adultos entram em processos de sofrimento muito elevados como a peça ilustra de forma inquietante.

Os riscos que a separação dos pais pode implicar para os filhos são alvo de recorrentes abordagens na imprensa, como agora no JN, e no âmbito da minha experiência são também objecto de frequentes pedidos de ajuda, orientação ou apenas inquietação.

Na maioria das situações as coisas correm bem e é sempre preferível uma boa separação a uma má família, mas existem separações familiares extremamente conflituosas desencadeando níveis elevados de sofrimento e o arrastar dos processos de regulação parental com custos emocionais muito elevados, designadamente para as crianças, mas também para os adultos.

Neste quadro, podem emergir nos adultos, ou num deles, situações de sofrimento, dor e/ou raiva, que “exigem” reparação e ajuda. Muitos pais lidam sós com estes sentimentos pelo que os filhos surgem frequentemente como “tudo o que ficou” e o que “não posso e tenho medo de também perder”. Poderemos assistir então a comportamentos de diabolização da figura do outro progenitor, manipulação das crianças tentando comprá-las (o seu afecto), ou, mais pesado, a utilização dos filhos como forma de agredir o outro.

Nestes cenários mais graves podem emergir quadros do designado Síndrome de Alienação Parental que, apesar de alguma prudência requerida na sua análise, nem a utilização como conceito parece consensual em termos clínicos e jurídicos, são susceptíveis de causar graves transtornos nas crianças, daí, naturalmente, a necessidade de suporte e ajuda.

É obviamente imprescindível proteger o bem-estar das crianças em situações de separação, mas não devemos esquecer que, em muitos casos, existem também adultos em enorme sofrimento e que a sua eventual condenação, sem mais, não será seguramente a melhor forma de os ajudar. Ajudando-os, os miúdos serão ajudados.

Assim sendo, importa estar atento e a experiência diz-me serem frequentes as situações de separação em que os adultos sentem insegurança e ansiedade e até exprimem a necessidade de ajuda. Acresce que as questões relativas à família, às novas famílias, são ainda objecto de discursos muito contaminados pelos sistemas de valores éticos, morais, religiosos e culturais.

O volume de opiniões sobre estas situações é extenso, oscilando entre considerações de natureza moral e/ou ética e um entendimento mais científico sobre a forma como as famílias e sobretudo as crianças e jovens lidam ou devem lidar com as circunstâncias. Por mim, creio “apenas” que o(s) ambiente(s) familiar(es) deve ser suficientemente saudável para que a criança se organize também saudavelmente e faça o seu caminho sem uma excessiva preocupação geradora de ansiedade e insegurança em todos os envolvidos, miúdos e crescidos.

No entanto, como sempre afirmo, há que estar atento e perceber os sinais que sobretudo as crianças mostram e, na verdade, com alguma frequência, os pais estão tão centrados no seu próprio processo que podem negligenciar não intencionalmente a atenção aos miúdos e à forma como estes vivem a situação. Pode ser necessário alguma forma de apoio externo, mas sempre encarado de uma forma que se deseja serena e não culpabilizante.

segunda-feira, 17 de março de 2025

DE PEQUENINO É QUE SE TORCE O ... DESTINO

 No Conselho de Ministros realizado a semana passada, já em época de despedida, foi aprovada a celebração de contratos de associação com os sectores privado e associativo visando a abertura de 200 salas de educação pré-escolar em zonas carenciadas.

de Ministro já em época de despedida. O Ministro Leitão Amaro referiu a existência de um universo de 10000 crianças sem acesso à educação pré-escolar.

Em Novembro de 2024, na audição parlamentar sobre o OE para 2025 o MECI referia a falta de 800 salas para responder a 12000 crianças incluindo crianças abrangidas pelo programa Creche Feliz.

De acordo com dados da DGEEC relativos a 22/23, 99,8% das crianças com cinco anos frequentavam o pré-escolar, 96,8% das que tinham quatro anos também, mas apenas 82,8% das crianças com três anos estavam na mesma situação. O MECI, ainda na apresentação do OE, estabeleceu o objectivo de 90% de cobertura para os 5 anos.

De acordo com o relatório Education at a Glance 2024 da OCDE, dada a resposta muito significativa de natureza privada, o Estado suporta 67% da despesa, menos 19 pontos que a média da OCDE em que o Estado suporta 86 e as famílias 33% o valor mais alto OCDE.

Apesar deste cenário, Portugal é um dos países com taxas mais elevadas de crianças a frequentar a educação pré-escolar, obviamente, com um esforço enorme das famílias. Ainda de acordo com o Education at a Glance 2024, em Portugal, à semelhança da maioria dos países da OCDE, as famílias com menor rendimento experimentam maior dificuldade no acesso a educação de infância no período até aos 2 anos. A diferença para as famílias com maior rendimento é de 25%, de 45 para 70%. Também esta diferença é superior à média que é de 19%.

A garantia do acesso à educação pré-escolar em Portugal é aos 3 anos, uma posição intermédia no contexto europeu. No entanto, a escolaridade obrigatória inicia-se aos seis anos tal como na maioria dos países europeus e como sabemos existem fortes dificuldades e assimetrias na resposta pública na educação pré-escolar o que explica os custos elevadíssimos suportados pelas famílias.

Sou dos tenho alguma reserva face à obrigatoriedade da frequência do jardim-de-infância aos três anos, mas defendo a universalidade do acesso. Dito de outra maneira, nenhuma criança com três anos deve ser obrigada frequentar jardim-de-infância, mas qualquer família que precise de aceder a esta resposta deve ter acesso e em condições acessíveis e com qualidade.

Assim, mais do que discutir sobre o alargamento da escolaridade obrigatória a partir dos três anos importa, isso sim, assegurar, a universalidade e acessibilidade da resposta o que ainda está longe de ser conseguido.

Sabemos que existem listas de espera de creches e jardins-de-infância no chamado sector social em que as mensalidades são indexadas aos rendimentos familiares. Esta situação afecta sobretudo zonas mais urbanas e a alternativa da resposta privada é inacessível para muitas famílias.

Acresce que para além da dificuldade de encontrar respostas os custos elevados do acesso aos equipamentos, boa parte privada ou da rede social, são dos mais altos no contexto europeu de acordo com o relatório "Starting Strong 2017" da OCDE e agora reforçados com o Education at a Glance 2024. Aliás esta questão é contributiva para a baixa natalidade tal como vários outros aspectos das políticas públicas, designadamente as políticas de família.

Reafirmo as dúvidas sobre a obrigatoriedade da frequência, mas tenho a maior convicção na necessidade de garantir a universalidade do acesso à educação pré-escolar aos três anos criando uma rede de oferta com respostas de qualidade, acessíveis, logística e economicamente.

Sabemos todos e a evidência sustenta que o desenvolvimento e crescimento equilibrado e positivo dos miúdos, bem como o seu trajecto educativo e escolar são fortemente influenciados pela qualidade das experiências educativas familiares e institucionais nos primeiros anos de vida, de pequenino é que ...

Assim, existem áreas na vida das pessoas que exigem uma resposta e uma atenção que sendo insuficiente ou não existindo, se tornam uma ameaça muito séria ao futuro, a educação de qualidade universalmente acessível para os mais pequenos é uma delas.

No entanto e mais uma vez, a educação pré-escolar é bastante mais que a “preparação” para a escola, não deve ser entendida como uma etapa na qual os meninos se preparam para entrar na escola embora se saiba do impacto positivo que assume no seu trajecto escolar.

domingo, 16 de março de 2025

CHEGARAM AS FLORES DAS ESTEVAS

 Quase sempre assinalo aqui o surgimento das primeiras flores nas estevas do monte. Este ano chegaram num período em que, felizmente, a água tem sido farta e parece continuar nos próximos dias. A terra está prenhe de água não dá para fabricar. Ontem foi difícil criar mais um canteiro de coentros de tão encharcada que está, mas os coentros novos fazem falta, são imprescindíveis na nossa mesa. Ainda há pouco almoçámos uma açordinha de coentros. É interessante como algo tão simples pode ser tão saboroso. Merece, pelo menos, uma estrela Alentejo, aquilo do Michelin não parece comida de gente.

Voltando ao que hoje aqui me trouxe, as estevas, a filigrana da forma, as cores e a delicadeza ao mesmo tempo forte das suas flores tornam o monte mais bonito, ainda mais bonito. E alimentam as abelhas que também estão na foto.

Acresce que as estevas também espalham um cheiro inconfundível, a campo. Hoje menos evidente, não há sol, o tempo está muito húmido, a chuva voltará no fim da tarde

E são assim, também cabaneiros, os dias do Alentejo.



sábado, 15 de março de 2025

OS TEMPOS DA ABSURDIDADE

 Os tempos vão estranhos e inquietantes. Os discursos que circulam nos inúmeros suportes são excessivamente contaminados por agendas, muitas vezes ocultas. A produção e circulação de informação e conhecimento são excessivamente determinadas pela “pós-verdade”, pelos “factos alternativos” ou, em inglês é mais sofisticado, em “fake news”.

Os padrões éticos da nossa vida política, económica e social estão abaixo da linha de água e a mentira, as mentiras, são regra, deixaram de ser excepção seja qual for a designação. Os últimos tempos em múltiplas geografias têm sido particularmente elucidativos e preocupantes.

Lembrei-me, nesta inquietação, de uma obra lamentavelmente pouco divulgada, do Professor António Bracinha Vieira, um homem enorme, um Mestre que me marcou e recordo de vez em quando pela sua lucidez e densidade cultural e científica. 

O livro, "Ensaio sobre o termo da história - trezentos e sessenta e cinco aforismos contra o Incaracterístico" é um notável ensaio de Bracinha Vieira sobre o que designa como tempo da Absurdidade em que predomina o Incaracterístico e organiza-se em 365 parágrafos antológicos, os "aforismos", que combatem esse personagem dominante, o Incaracterístico. A primeira edição do livro é de 1994, foi objecto de alguma discussão num círculo diminuto e é evidente em muitos dos aforismos uma espécie de premonição do que agora vivemos

Partilho convosco os aforismos 15 e 18.

"Instalou-se no jargon cripto-anglófono do Incaracterístico uma inversão radical do sentido das palavras liberal, liberalismo (ainda presas a um étimo comum com liberdade) insinuando sob o totalitarismo da Absurdidade uma negaça de democracia. Decidido a desnaturar conceitos prestigiosos dos quais nem sequer consegue discernir o alcance, o Incaracterístico investe esses termos de um significado oposto ao que lhes cabia."

"A democracia da Absurdidade exerce-se num cenário oposto ao da cidade-estado: o Incaracterístico elege o Incaracterístico, e todas as alternativas em jogo a ele conduzem. Os sujeitos cujos nomes são designados logo surgem nos ecrãs-circo da Grande Absurdidade, preenchendo hiatos entre a publicidade mercantil, sem se aperceberem que são mercadoria de outras espécies. Dali debitam os seus sirénicos e sorumbáticos cantos e a escolha entre eles é o fiel da liberdade do Incaracterístico".

A pensar.

A pensar.

A pensar.

sexta-feira, 14 de março de 2025

AGRESSÃO A UMA DOCENTE. MAIS UMA VEZ

 Mais um episódio. Desta vez numa escola da Moita. Um aluno com 10 anos terá agredido uma professora com uma cadeira. De registar a idade do protagonista que torna a situação ainda mais inquietante. 

Andam negros os tempos para os professores. Repetindo-me, sempre que escrevo sobre esta questão, agressões ou insultos a professores e dadas as circunstâncias faço-o com regularidade, é sempre com preocupação e mal-estar, mas é preciso insistir pelo que retomo notas já aqui referidas. Não parece necessário encontrar outras palavras para tratar a mesma questão.

As notícias sobre agressões a professores ou funcionários, cometidas por alunos ou encarregados de educação (?!), continuam com demasiada frequência embora nem todos os episódios sejam divulgados. Aliás, são conhecidos casos de direcções que desincentivam as queixas dado o “incómodo” e “publicidade negativa” para a escola que trará a divulgação e ouvem-se discurso de relativização.

Os testemunhos de professores vitimizados são perturbadores e exigem atenção e intervenção.

Cada um dos recorrentes episódios poderá ser um caso de polícia, mas não pode ser “apenas” mais um caso de polícia e julgo que, para além de ser notícia, importaria reflectir nos caminhos que seguimos.

Esta matéria, embora seja objecto de rápidos discursos de natureza populista e securitária, parece-me complexa e de análise pouco compatível com um espaço desta natureza.

Justifica-se uma breve reflexão em torno de três eixos: a imagem social dos professores, a mudança na percepção social dos traços de autoridade e o sentimento de impunidade que me parecem fortemente ligados a este fenómeno.

Já aqui tenho referido que os ataques, intencionais ou não, à imagem dos professores, incluindo parte do discurso de gente dentro do universo da educação que tem, evidentemente, responsabilidades acrescidas e também o discurso que muitos opinadores profissionais, mais ou menos ignorantes ou com agendas implícitas, produzem sobre os professores e a escola, contribuíram para alterações significativas da percepção social de autoridade dos professores, fragilizando-a seriamente aos olhos da comunidade educativa, sobretudo, alunos e pais. Também com demasiada frequência os discursos produzidos pela tutela sobre os professores que são parte do problema e não contributo para a solução.

Esta fragilização tem, do meu ponto de vista, graves e óbvias consequências, na relação dos professores com alunos e pais.

No entanto, importa registar que a classe docente é dos grupos profissionais em que os portugueses mais confiam o que me parece relevante.

Em segundo lugar, tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade. Os professores, entre outras profissões, polícias ou profissionais de saúde, por exemplo, eram percebidos, só pela sua condição de professores, como fontes de autoridade. Tal processo alterou-se, o facto de se ser professor, já não confere, só por si, “autoridade” que iniba a utilização de comportamentos de desrespeito ou de agressão. O mesmo se passa, como referi, com outras profissões em que também, por razões deste tipo, aumentam as agressões a profissionais da área da saúde, médicos e enfermeiros.

Finalmente, importa considerar, creio, o sentimento de impunidade instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa que não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a grandes, o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”. Acresce a mansa construção de um clima social em que a violência verbal ou física parecem normalizados.

Considerando este quadro, creio que, independente de dispositivos de formação e apoio, com impacto quer preventivo, quer na actuação em caso de conflito, obviamente úteis, o caminho essencial é a revalorização da função docente e de todos os que estão nas escolas, tarefa que exige o envolvimento de toda a comunidade e a retirada da educação da agenda da partidocracia para a recolocar como prioridade na agenda política.

Definitivamente, a valorização social e profissional dos professores, em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade sendo esta valorização uma das dimensões identificadas nos sistemas educativos mais bem considerados.

É ainda fundamental que se agilizem, ganhem eficácia e sejam divulgados os processos de avaliação ou julgamento e a punição e responsabilização sérias dos casos verificados, o que contribuirá para combater, justamente, a ideia de impunidade.