segunda-feira, 9 de junho de 2025

"A GUERRA É A GUERRA" - 9/6/2018

 Tinha pensado voltar às provas de velocidade de leitura que hoje se iniciam, mas as memórias do Facebook mostraram-me um texto de 9 de Junho de 2018, “A guerra é a guerra” que me pareceu de retomar. Dizia assim:

 Boa parte do que a imprensa e muitos opinadores tudólogos têm produzido sobre educação nos últimos dias, para além da indignação pela falta de seriedade intelectual, (não acredito na ignorância), tem-me causado alguma tristeza.

A questão da carreira dos professores é uma situação complexa sobretudo pelo impacto da reposição dos efeitos de congelamento verificado. Não estranho, pois, a discussão que tem gerado e a dificuldade de encontrar compromissos.

O que me parece mais curioso é que esta discussão seja alimentada também por uma agenda que dela se serve para diabolização dos professores, as pessoas a quem entregamos os nossos filhos todos os dias.

A discussão serve também para que se possa atacar a escola pública e o esforço e a competência da esmagadora maioria dos que nela trabalham.

Continuam a aparecer na comunicação social nos seus vários formatos intervenções que produzidas pelos “falcões” habituais ou caceteiros de ocasião são intelectualmente desonestas, escondendo realidades sobre os professores e o seu trabalho e o trabalho de alunos e escolas e recorrendo às tão em moda “fake news”, factos alternativos.

Como escrevi vejo muita gente ligada à educação considerar como ignorantes as afirmações de muitos desses opinadores. Não sejamos ingénuos, não é ignorância, é guerra política pura e dura.

Como cantava o Fausto, “a guerra é a guerra”.

A educação e a sua qualidade são ferramentas essenciais de desenvolvimento. Apesar do que falta fazer e de situações que não deveriam acontecer, de políticas de sinal errado, alunos e professores têm evoluído positivamente no seu trabalho e constroem saber, ou seja, constroem o futuro.

Como diz Ordine no estimulante ”A utilidade do inútil”, “Só o saber pode desafiar uma vez mais as leis do mercado. Eu posso comungar com os outros os meus conhecimentos sem empobrecer…. Ensinar é um processo virtuoso que enriquece. Ao mesmo tempo, quem dá e quem recebe”.

Não, não é um discurso ingénuo ou romântico, estes anos todos de estrada dão-me alguma lucidez, creio. Os Professores e Educadores e de uma forma geral quem passou pela escola e não tem preconceitos ou agendas implícitas reconhece que é verdade.

No entanto, sei também que acontecem verdadeiros atropelos no quotidiano escolar. Entendo de há muito que um dos pecados estruturais do sistema é justamente a falta de dispositivos de regulação o que permite que coexistam na mesma escola a excelência e a mediocridade sem sobressaltos aparentes.

É assim triste que tantos e tão manhosamente ataquem quem, na sua esmagadora maioria, lhes leva os filhos ao futuro e os trouxe ao presente que têm.

Uma comunidade que não valoriza os seus professores e o seu trabalho é uma comunidade certamente mais pobre e menos desenvolvida. A Educação, o Conhecimento, a Formação são ferramentas de construção e distribuição de riqueza. Os professores e os alunos, futuros adultos, são os obreiros desta empresa. Respeitem-nos!”

domingo, 8 de junho de 2025

DA EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR

 No Expresso encontra-se uma peça elucidativa da enorme dificuldade que muitas famílias sentem no acesso a creches para colocação dos filhos. Apesar do Programa Creche Feliz mantém-se a insuficiência de vagas como também acontece no acesso a salas de Jardim de Infância. Ainda não conseguimos atingir o objectivo definido para 2025, uma taxa de frequência de 90%, estava em 83% em 2024.

Apesar deste cenário, Portugal é um dos países com taxas mais elevadas de crianças a frequentar a educação pré-escolar, obviamente, com um esforço enorme das famílias. Ainda de acordo com o Education at a Glance 2024, em Portugal, à semelhança da maioria dos países da OCDE, sem surpresa são as famílias com menor rendimento que a creche no período até aos 2 anos. A diferença para as famílias com maior rendimento é de 25%, de 45 para 70%. Também esta diferença é superior à média que é de 19%.

A garantia do acesso à educação pré-escolar em Portugal é aos 3 anos, uma posição intermédia no contexto europeu. No entanto, a escolaridade obrigatória inicia-se aos seis anos tal como na maioria dos países europeus e como sabemos existem fortes dificuldades e assimetrias na resposta pública na educação pré-escolar o que explica os custos elevadíssimos suportados pelas famílias.

Sou dos tenho alguma reserva face à obrigatoriedade da frequência do jardim-de-infância aos três anos, mas defendo a universalidade do acesso. Dito de outra maneira, nenhuma criança com três anos deve ser obrigada frequentar jardim-de-infância, mas qualquer família que precise de aceder a esta resposta deve ter acesso e em condições acessíveis e com qualidade.

Assim, mais do que discutir sobre o alargamento da escolaridade obrigatória a partir dos três anos importa, isso sim, assegurar, a universalidade e acessibilidade da resposta o que ainda está longe de ser conseguido.

Sabemos que existem listas de espera de creches e jardins-de-infância no chamado sector social em que as mensalidades são indexadas aos rendimentos familiares. Esta situação afecta sobretudo zonas mais urbanas e a alternativa da resposta privada é inacessível para muitas famílias.

Acresce que para além da dificuldade de encontrar respostas os custos elevados do acesso aos equipamentos, boa parte privada ou da rede social, são dos mais altos no contexto europeu de acordo com o relatório "Starting Strong 2017" da OCDE e reforçados com o Education at a Glance 2024. Aliás esta questão é contributiva para a baixa natalidade tal como vários outros aspectos das políticas públicas, designadamente as políticas de família.

Reafirmo as dúvidas sobre a obrigatoriedade da frequência, mas tenho a maior convicção na necessidade de garantir a universalidade do acesso à educação pré-escolar aos três anos criando uma rede de oferta com respostas de qualidade, acessíveis, logística e economicamente.

Sabemos todos e a evidência sustenta que o desenvolvimento e crescimento equilibrado e positivo dos miúdos, bem como o seu trajecto educativo e escolar são fortemente influenciados pela qualidade das experiências educativas familiares e institucionais nos primeiros anos de vida. De pequenino é que ...

Assim, existem áreas na vida das pessoas que exigem uma resposta e uma atenção que sendo insuficiente ou não existindo, se tornam uma ameaça muito séria ao futuro, a educação de qualidade universalmente acessível para os mais pequenos é uma delas.

No entanto e mais uma vez, a educação pré-escolar é bastante mais que a “preparação” para a escola, não deve ser entendida como uma etapa na qual os meninos se preparam para entrar na escola embora se saiba do impacto positivo que assume no seu trajecto escolar.

sábado, 7 de junho de 2025

BRINCAR É UMA ACTIVIDADE MUITO SÉRIA, DESCULPEM A INSISTÊNCIA

 Peço desculpa de voltar à questão do brincar, mas é um tema sério e de relevo no desenvolvimento dos mais novos.

Há dias foi divulgado um estudo realizado pelo IAC em 2024 com indicadores interessantes e a merecer reflexão. Cerca de 52% das crianças brincam menos de uma hora por dia e se procurar quem brinca de duas a três horas diárias são apenas 9%.

Acresce que os pais participam pouco nas brincadeiras das e com as crianças e 40,4% aponta o cansaço “devido à carga de trabalho!”, valor que tem vindo a crescer desde 2018.

O estudo, “Portugal a Brincar” envolveu mais de 1100 famílias e cuidadores de crianças com idades até aos dez anos. 36% dos pais inquiridos desejava que os filhos brincassem pelo menos cinco horas por dia. Metade das famílias entende o tempo livre como factor necessário para permitir o brincar.

No entanto, 47% dos inquiridos reconhecem o brincar como actividade para a imaginação e criatividade e 21,5% como forma de promoção do desenvolvimento emocional.

Quem por aqui passa dá conta da frequência com que aqui abordo a questão do brincar, a actividade mais séria que as crianças realizam e na qual põem tudo o que são e o que virão a ser.

A última vez foi a propósito da entrevista ao Público Jenny Gibsond, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Cambridge e também centrada na importância do brincar no desenvolvimento e na aprendizagem das crianças sublinhando o impacto em crianças problemáticas específicas também no domínio do desenvolvimento.

Não é novo este entendimento nem os resultados do estudo do IAC que, tal como múltiplos outros trabalhos, apontam a necessidade de reflectirmos sobre os estilos de vida e a organização em contextos educativos, escolares e familiares.

 Assim e mais uma vez retomo notas que por aqui tenho escrito.

Durante os últimos anos, provavelmente associada às mudanças nos estilos de vida e quadro de valores, foi-se instalando a ideia de que o brincar é supérfluo, é perda de tempo, o foco deve ser em trabalhar, em rendimento e resultados, em nome da competitividade e da produtividade, condição para a realização e felicidade. Felizmente, nos últimos tempos começam a ouvir-se muitas vozes contrariando este entendimento como agora se regista ma entrevista de Jenny Gibsond. Os que por aqui vão passando reconhecerão a frequência com que aqui refiro esta questão e esta não será certamente a última.

Progressivamente foi-se retirando aos miúdos o tempo e o espaço que muitos de nós na sua idade tínhamos e empregam-nos horas sem fim nas fábricas de pessoas, escolas, chamam-lhes. Aí os miúdos trabalham a sério, a tempo inteiro, dizem, pois só assim serão grandes a sério, dizem também.

Às vezes, alguns miúdos ainda brincam de forma escondida, é que brincar passou a uma actividade quase clandestina que só pais ou professores “românticos”, “facilitistas”, “eduqueses” ou “incompetentes” acham importante.

Muitos outros miúdos vão para umas coisas a que chamam “tempos livres” e que, com frequência, de livres têm pouco, onde, frequentemente, se confunde brincar com entreter e, outras vezes, acontece a continuação do trabalho que se faz na fábrica de pessoas, a escola.

Numa história que já aqui contei ouvi uma mãe que se mostrava muito aborrecida com o Atelier de Tempos Livres em que o filho, gaiato de uns 10 anos, passa boa parte das férias, porque os técnicos responsáveis "dão poucas actividades às crianças e depois elas põem-se a brincar umas com as outras".

Também são encaixados em dezenas de actividades fantásticas, com nomes fantásticos, que promovem competências fantásticas e fazem um bem fantástico a tudo e mais alguma coisa.

É inquietante perceber alguma visão que, de mansinho, se foi instalando também em muitos pais.

O brincar da infância vai-se encurtando, algum dia os miúdos vão nascer crescidos para já não precisarem de brincar. Importa ainda lembrar que também existem crianças, muitas, em que a infância é encurtada, diria roubada, porque são mão-de-obra barata e coisificada.

Era bom escutar os miúdos. Se lhes perguntarem, (das diferentes formas de fazer perguntas e ouvir respostas), vão ficar a saber, como disse acima, que brincar é a actividade mais séria que realizam, em que põem tudo o que são, sendo ainda a base de tudo o que virão a ser e a saber.

Em 2018 a Academia Americana de Pediatria recomendou aos pediatras que na sua prática clínica prescrevam “tempo para brincar”, um bem de primeira necessidade para o bem-estar dos mais novos com impacto em diferentes dimensões.

Insistem que não se trata de uma ideia “frívola” e os actuais estilos de vida de muitas famílias, por diferentes razões, tornam ainda mais importante que se reafirme a importância de brincar.

No caso mais particular, mas também essencial do brincar na rua sabemos que as questões da segurança e, sobretudo dos estilos de vida e a mudança verificada nos valores e nos equipamentos, brinquedos e actividades dos miúdos, o brincar na rua começa a ser raro.

Embora consciente das questões como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível alguma oportunidade de “devolver” aos miúdos o circular e brincar na rua, talvez com a supervisão de velhos que estão sozinhos, as comunidades e as famílias conseguissem alguns tempos e formas de ter as crianças por algum tempo fora das paredes de uma casa, escola, centro comercial, automóvel ou ecrã.

Como muitas vezes tenho escrito e afirmado, o eixo central da acção educativa, escolar ou familiar, é a autonomia, a capacidade e a competência para “tomar conta de si” como fala Almada Negreiros. A brincadeira, a rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente, os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa autonomia.

Curiosamente, se olharmos às nossas condições climatéricas, Portugal é um dos países com valores mais baixos no tempo dedicado a actividades de ar livre, situação com implicações menos positivas na qualidade de vida, nas suas várias dimensões, de miúdos e crescidos.

Talvez, devagarinho e com os riscos controlados, valesse a pena trazer os miúdos para a rua, mesmo que por pouco tempo e não todos os dias.

É, pois, importante que todos os que lidam com crianças, em particular, os que têm “peso” em matéria de orientação, pediatras, professores, psicólogos, etc. assumam o brincar como uma das “guide lines” para a sua intervenção.

Os mais novos vão gostar e faz-lhes bem.

Desculpem a insistência e a extensão, mas brincar é mesmo uma coisa séria.

sexta-feira, 6 de junho de 2025

A ESCOLHA ACERTADA

 Lê-se Público que não se verificará no 1.º e 2.º ciclo a utilização de manuais digitais. A decisão decorre da avaliação da experiência do projecto-piloto em curso desde 20/21 e também considerando as experiências de outros países. Para os restantes ciclos continua em análise a utilização dos manuais digitais.

Anda bem o Ministério ao assumir esta decisão. Repetindo-me, continuo cada vez mais convencido da necessidade de inflexão relativa à utilização precoce de manuais digitais. reflexão sobre esta questão. Um Relatório da Unesco divulgado em 2023, “Technology in education: A tool on whose terms?” é um bom contributo para sustentar esta decisão assim como o que vai conhecendo de iniciativas e análises em diferentes sistemas educativos que pretendem repensar a utilização dos recursos digitais casos da Noruega e Suécia.

Na verdade, parece em perda o inquietante “deslumbramento digital” e alguma evidência robusta sugere a maior prudência relativa à “transição digital” que, enquadrando de forma ajustada a inevitabilidade de incorporar estas ferramentas nos processos educativos, também volta a defender a importância de abordagens metodológicas ou didácticas “antigas”, “conservadoras”, tais como escrever à mão, desenhar, brincar na rua, ler em suporte papel, interagir presencialmente ou promover relações afectivas literalmente mais próximas, tudo ferramentas importantes de desenvolvimento e aprendizagem.

Apesar do seu enorme potencial as ferramentas digitais não são a poção mágica para o ensino e aprendizagem. Os computadores ou tablets na sala de aula, os smart boards, não promovem sucesso só pela sua existência. A forma como são utilizados por professores e alunos é que pode potenciar a qualidade e os resultados desse trabalho. Aliás, o mesmo se pode dizer de qualquer outro recurso ou actividade no âmbito dos processos de aprendizagem.

É certo que múltiplos estudos e experiências valorizam estes recursos nos processos de ensino e aprendizagem pelo que é importante garantir o acesso pela generalidade dos alunos, mas, não podem passar a ser o tudo no trabalho escolar.

Neste contexto e como já tenho afirmado, com base no que se sabe em matéria de desenvolvimento das crianças e adolescentes, dos processos de ensino e aprendizagem e da sua complexa teia de variáveis, das experiências e dos estudos neste universo, mesmo quando aparentemente contraditórios parece de considerar:

1 – O contacto precoce com as tecnologias digitais é, por princípio, uma experiência positiva para os alunos, para todos os alunos, se considerarmos o mundo em que vivemos e no qual eles se estão a preparar para viver. Nós adultos ainda estamos a pagar um preço elevado pela iliteracia, os nossos miúdos não devem correr o risco da iliteracia informática. Os tempos da pandemia mostraram isso mesmo.

2 – O computador/tablet, kits robóticos, smart boards, etc., na sala de aula são mais uma ferramenta, não são A ferramenta, não substituem a escrita manual e a leitura em papel, não substituem a aprendizagem do cálculo, não substituem coisa nenhuma, são “apenas” mais um meio, muito potente sem dúvida, ao dispor de alunos e professores para ensinar e aprender e agilizar o acesso a informação e conhecimento. Reafirmo a importância atribuída à leitura em papel e à escrita manual em termos de desenvolvimento e aprendizagem.

3 - O que dá qualidade e eficácia aos materiais e instrumentos que se utilizam na sala de aula não é a tanto a sua natureza, mas, sobretudo, a sua utilização, ou seja, incontornavelmente, o trabalho dos professores é uma variável determinante. Posso ter um computador para fazer todos os dias a mesma tarefa, da mesma maneira, sobre o mesmo tema, etc. Rapidamente se atinge a desmotivação e ineficácia, é a utilização adequada que potencia o efeito as capacidades dos materiais e dispositivos.

4 - Para alguns alunos com necessidades especiais o computador pode ser mesmo a sua mais eficiente ferramenta e apoio para acesso ao currículo.

5 – Para além de garantir o acesso dos miúdos aos materiais é obviamente imprescindível promover o acesso a formação e apoio ajustados aos professores sem os quais se compromete a qualidade do trabalho a desenvolver bem como, evidentemente, assegurar as condições exigidas para que o material possa ser rentabilizado. São por demais conhecidas as dificuldades sentidas nas escolas com os recursos e acessibilidade.

6 – Finalmente, como em todo o trabalho educativo, são essenciais os dispositivos de regulação e avaliação do trabalho de alunos, professores e escolas. Estes dispositivos devem incluir avaliação externa.

Como referi acima, não existem poções mágicas em educação por mais desejável que possa parecer a sua existência. Não deixemos que o fascínio deslumbrado pelo que se julga ser as "salas de aula do futuro" faça esquecer os problemas das salas de aula do presente.

quinta-feira, 5 de junho de 2025

O MESTRE ZÉ MARRAFA PARTIU

 Contrariamente ao que é habitual, o meu Alentejo tem um dia triste, partiu o Mestre Zé Marrafa. Depois de mais de trinta anos a ajudar-nos aqui no monte e após três anos em que o Mestre Zé já não era o Mestre Zé.

É impossível não recordar as lérias, a histórias da vida de um Homem que começou a trabalhar aos nove anos guardando porcos e tinha 85 anos.

Até aos oitenta e dois sempre esteve com agente aqui na lida e muitas vezes me “envergonhei” com a resistência e capacidade. O que aprendi sobre o campo, os calendários, a utilização do tractor, as tradições deram-me um mundo de encantamento com o Alentejo. O Mestre Zé fazia parte de um dos Coros de Viana e cultivava o Cante, a alma do Alentejo.

Era um artesão uma vez, pelo Natal, apareceu no Monte com dois presentes. Duas miniaturas em madeira feitas por ele, um chambaril, dispositivo que se usa na época da matança para pendurar o porco para desmanchar e uma bota de ceifeira alentejana. Ainda ali estão a lembrá-lo.

 Era um Homem vontadeiro, um dos muitos termos que aprendi com ele, e com um sentido de humor fino que lhe fazia brilhar os olhos pequenos. Dois exemplos.

Lembro-me de uma vez, num dia quente com os deste tempo, ele se queixar de uma dor no joelho, queixas que nele eram raras. Sem saber como ajudar e para me meter com ele fiz aquele comentário inteligente e habitual em situações em que a queixa provém de alguém já com uma estrada longa, por assim dizer, "é da idade Mestre Zé".

O Velho Marrafa olhou para mim e no seu jeito de sempre decretou:

“Não Sô Zé, isto não é da idade, o outro joelho não me dói e eles são os dois da mesma idade”.

Noutra ocasião também em tempo de calor lhe disse que estava anunciado um alerta vermelho. O Mestre Zé olhou para mim e comenta, “alerta por causa de calor no Verão?! Se viesse muito frio é que deviam avisar, no Verão do Alentejo querem o quê”.

Pois é Mestre Zé, já não vamos cumprir o que combinámos.

Lembra-se que plantámos uns sobreiros em 2011 que deveriam dar cortiça 25 anos depois e nós cá estaríamos para tirar a primeira cortiça e eu já não faria golpes no tronco por mau uso do machado.

E agora Mestre Zé? Um dia vou ter consigo.

Até lá obrigado pelo que foi para nós, pela ajuda, pelo exemplo, pelo ensino … por ser o nosso Mestre Zé.

Até esse dia.

quarta-feira, 4 de junho de 2025

SEMENTES DE MAL-ESTAR

 É impossível não ficar impressionado com o grave episódio agora conhecido envolvendo um jovem de Santa Maria da Feira, com 17 anos, que através de uma rede social conseguiu convencer vários menores no Brasil a realizar atrocidades incluindo um massacre escolar que motivou a morte de uma aluna e a tortura de animais de companhia. Estão também em causa a partilha de vídeos de abuso sexual de menores, incluindo bebés, divulgando cenários de violência e brutalidade impressionantes.

É ainda causa de grande perplexidade a ocorrência de uma situação desta natureza desencadeada por alguém com 17 anos.

Dito isto, também sabemos que nos tempos que correm o clima social, relacional e emocional nas comunidades de que fazemos parte nem sempre é muito amigável e cria caldos de cultura relacional em que o clima nas comunidades é ele próprio menos favorável ao bem-estar. Acresce o mundo que se esconde nos alçapões da net, designadamente nas redes sociais

Apesar de em Portugal estes casos de violência extrema serem menos frequentes e de menor gravidade que noutros países, levam-nos a questionar os nossos valores, modelos educativos, códigos e leis pela perplexidade que nos causam.

Esta perplexidade exige a necessidade de tentarmos perceber um processo que designo como "incubação do mal" que se instala nas pessoas, muitas vezes logo na infância e adolescência, a partir de situações de mal-estar que podem passar relativamente despercebidas, mas que insidiosamente começam a ganhar um peso interior insuportável cuja descarga apenas precisa de um gatilho, de uma oportunidade e, cada vez mais, a net está ali à mão, discreta e potente ferramenta para acções em múltiplos sentidos, neste caso o pior.  

A fase seguinte pode passar por duas vias, uma mais optimista em que alguma actividade, socialmente positiva, possa drenar esse mal-estar, nessa altura já desregulação de valores, ódio e agressividade. Uma outra via em que aumenta exponencialmente o risco de um pico que pode ser um ataque numa escola ou noutro espaço público ou uma investida contra alguém arriscando a entrada numa espiral de violência cheia de "adrenalina", em nome de coisa nenhuma a não ser de um "mal-estar" que destrói valores e gente.

Um caminho mais difícil de rastrear, percorre-se à frente de um ecrã, com acesso a um sem fim de oportunidades para alimentar, criar e desencadear comportamentos incontroláveis de profunda e múltipla violência.

É evidente que a detenção constitui um importante sinal de combate à sensação de impunidade perigosamente presente na nossa comunidade, mas é minha forte convicção de que só punir e prender não basta para minimizar o risco de episódios desta dimensão trágica.

Sabendo que prevenção e programas comunitários e de integração têm custos, importa ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da violência, de delinquência continuada ou de insegurança.

Importa ainda estratégias mais proactivas e eficientes de minimizar, a exclusão, o abandono e insucesso educativos, o “mal-estar” psicológico e problemáticas de saúde mental, a guetização e "quase total" e, muitas vezes, a desocupação de quem não estuda, nem trabalha. Para esta gente, o futuro passa por onde, por quem e porquê?

Finalmente, a importância de uma precoce e permanente atenção às pessoas, ao seu bem-estar, tentando detectar, tanto quanto possível, sinais que indiciem o risco de enveredar por um caminho que se percebe como começa, mas nunca se sabe como acaba.

terça-feira, 3 de junho de 2025

O AVESSO DOS MIÚDOS

 Uma das questões que com alguma frequência me dá que pensar é a constatação de que, com excepções evidentemente, boa parte dos discursos que produzimos sobre crianças e adolescentes são muitas vezes formulados pela negativa, ou seja,  referem-se quase sempre a dificuldades ou características percebidas com negativas e menos vezes com conteúdos positivos.

Este comportamento observa-se tanto em pais como em professores, sobrevalorizamos o que nos parece de menos bom e não referimos como seria desejável o que de positivo observamos nos mais novos.

É verdade que entre adultos tendemos a funcionar da mesma forma, recordo o enunciado de Marguerite Yourcenar no imperdível Memórias de Adriano, "O nosso grande erro é querer encontrar em cada um, em especial, as virtudes que ele não tem e desinteressarmo-nos de cultivar as que ele possui." Dito de outra maneira, o nosso olhar direcciona-se sobretudo para o que de menos bom aos nossos olhos os outros parecem ter, olhamos para o seu avesso e não para o seu direito, por assim dizer.

Voltando às crianças, adolescentes e jovens, isto traduz-se no recurso a uma adjectivação e apreciação muitas vezes negativas sobre eles, "não sabem", "não se interessam", são "distraídos" ou desatentos, "desajeitados", "teimosos", "mal educados", "mal comportados", "ignorantes", etc.

Como é evidente, esta minha conversa não significa um entendimento idealizado e ingénuo sobre os mais novos, apenas significa que, como toda a gente, têm direito e avesso, a minha questão é porque tendemos a ver apenas o avesso.

Tenho ainda a convicção de que qualquer de nós, pequeno ou grande, só aprende a partir do que sabe, só é mais pessoa a partir da pessoa que já é, só cresce a partir do que já cresceu, só faz mais e melhor a partir do que já fez e não a partir do que não aprendeu, não sabe, não é ou não faz.

Conversa de velho, já se vê.

segunda-feira, 2 de junho de 2025

NA VERDADE ...

 Lê-se no Expresso a referência a um estudo realizado por oito organizações não-governamentais de refere diferentes países europeus agrupado pela Bridge EU envolvendo 63 projectos financiados pela União Europeia em seis países, Bulgária, Chéquia, Grécia, Polónia, Hungria e Roménia.

A substância da notícia é que estes projectos financiados pela UE com pelo menos 1,1 mil milhões de euros violam na sua realização os direitos de minorias ou comunidades marginalizadas.

Como exemplos referem-se, “construção de habitação segregada para comunidades ciganas em áreas periféricas, longe de serviços públicos e sem condições mínimas de habitabilidade, a construção de residenciais para crianças com deficiência, afastando-as das suas famílias em vez de lhes proporcionar apoio em casa ou centros de acolhimento para pedidos de asilo em locais remotos da Grécia, com condições de vida degradantes.”

É mau demais, o mundo anda cruel, as coisas nem sempre são o que parecem, o que pensamos que são ou mesmo o que gostávamos que fossem em múltiplos contextos.

Na verdade, há pais que fazem mal aos filhos.

Na verdade, há filhos que fazem mal aos pais.

Na verdade, há professores que fazem mal aos alunos.

Na verdade, há alunos que fazem mal aos professores.

Na verdade, há velhos que fazem mal aos novos.

Na verdade, há novos que fazem mal aos velhos.

Na verdade, há pessoas que fazem mal a pessoas.

Na verdade, ...

Na verdade, ... o mundo é um lugar estranho e ... às vezes ... muito feio.

domingo, 1 de junho de 2025

O DIA DA CRIANÇA. SERÁ QUE UM DIA SERÃO TODOS?

 A agenda das consciências determina em muitos países, incluindo Portugal, que se cumpra para hoje o Dia da Criança. A liturgia variada associada à efeméride vai acontecer como de costume. As visitas, os passeios, as festas, etc., a oferta de espectáculos de todas as naturezas mostrará uma comunidade preocupada em fazer as crianças felizes. Muitas estão e parecem divertir-se, ainda bem. Algumas outras terão de passar por um dia cansativo.

A imprensa fará eco dos múltiplos eventos dirigidos às crianças, ouvirá por uma vez as crianças e produzir-se-ão, certamente, muitos discursos e referências centrados nos miúdos e ao seu mundo. Esta é mais uma.

Claro, neste dia, ouviremos sobre o que pensam do mundo, do seu mundo e da vida das pessoas, é "giro". É verdade que passa depressa, amanhã já não as ouvimos sobre o que as inquieta e lá voltam os miúdos, muitos, a gritar e a agitar-se para se fazerem ouvir.

Tudo bem, pois que seja, este tipo de efemérides serve também para isso mesmo, a encenação, sempre bem-intencionada da preocupação que descansa as consciências.

É verdade, felizmente, que muitas crianças vivem felizes, por assim dizer, adoptadas pelos pais, acolhidas pela escola e pela comunidade, são o futuro a crescer. É bom que assim seja.

No entanto e nestas alturas, lembro-me com frequência do Mestre Almada que na Cena do Ódio falava sobre "a Pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões". De facto, apesar da vaga de discursos e iniciativas em nome das crianças, muitos passam mal, muito mal, todos sabemos.

Não cabem no Dia da Criança.

Não cabem os que diariamente são vítimas de crimes e maus-tratos.

Não cabem muitos dos que vivem numa instituição esperando por uma família que nunca virá.

Não cabem os que, por várias razões, são alvo de discriminação e a quem são negados direitos básicos.

Não cabem os que vivem em famílias que os não desejam e mal os suportam.

Não cabem os que a pobreza ameaça as suas necessidades básicas.

Não cabem os que vivem em famílias que sobrevivem envergonhadamente na pobreza que nos deveria envergonhar a nós.

Não cabem os que a escola não consegue ajudar a construir um futuro a que valha a pena aceder e sofrem políticas educativas nem sempre suficientemente amigáveis para os todos os miúdos.

Não cabem os que sofrem de solidão e isolamento sem que se perceba como não estão bem.

Não cabem os que vivem em situações de guerra das quais são sempre as vítimas mais vulneráveis.

Na verdade, estes miúdos de que acabei de falar, por vezes, parece que não existem, são transparentes, nem os vemos. Por isso, comemora-se o Dia da Criança com a convicção ingénua ou voluntarista de que, como dizia Pessoa, "o melhor do mundo são as crianças" e que elas são felizes, todas.

O que, obviamente, não corresponde à realidade, mas os poetas ... são uns fingidores.

E sabem o que é mais inquietante?

Este texto não prescreve.

sábado, 31 de maio de 2025

O CHARLATÃO

 Hoje, durante a viagem diária pela imprensa foi-se instalando de mansinho e de forma persistente na minha cabeça o Sérgio Godinho a cantar “O Charlatão”, uma canção de 1971 com música de José Mário Branco.

Ainda estou sem perceber porquê. Ou percebo e não gosto do que percebo?




sexta-feira, 30 de maio de 2025

MAS AS CRIANÇAS SENHORES?!

 Lê-se no Público que, de acordo com dados do INE, em 2024 o número de crimes contra menores registados atingiu um novo máximo.

Foram considerados 3237 crimes contra crianças e jovens abaixo dos 18 anos de idade. Os crimes de abuso sexual de crianças, adolescentes e menores dependentes ou em situação vulnerável e os registos de violência doméstica contra menores representaram por si, perto de um terço do total das queixas cada um, 32,2% e 31,9% do total, respectivamente. Em número de casos temos 1041 participações de abuso sexual de menores e 1033 de situações de violência doméstica.

Entre 2014 e 2024 o crime de abuso sexual tem sido o de maior incidência e o de violência doméstica contra menores o que mais aumentou, de 19,4% para 31,9%. Um dado ainda mais preocupante.

Esta realidade não pode deixar de criar um cenário de risco severo no que respeita ao desenvolvimento saudável e ao sucesso educativo destes miúdos e adolescentes e, portanto, à construção de projectos de vida bem-sucedidos.

Como é óbvio, em situações limite que envolvam carência alimentar, abuso, mendicidade, insucesso educativo e abandono escolar, estaremos certamente em presença de dimensões de vulnerabilidade que concorrerão para futuros preocupantes.

É este cenário inquietante que exige políticas públicas globais e sectoriais adequadas e com prioridades e objectivos identificados e sujeitas a regulação e avaliação.

quinta-feira, 29 de maio de 2025

DIA DA ESPIGA

 Muito provavelmente, com tantas coisas inquietantes a acontecer nestes tempos ásperos que vamos vivendo, já pouca gente notará que passa o Dia da Espiga, como se dizia quando era pequeno, para referir a Quinta-feira da Ascensão, 40 dias depois da Páscoa. A verdade é que cada vez menos nos iremos lembrando do Dia da Espiga. Os duros dias de hoje deixam pouco espaço e tempo para irrelevâncias ingénuas e poéticas como o Dia da Espiga.

No entanto, inevitavelmente, o Dia da Espiga leva-me umas dezenas de anos lá para trás no tempo.

Na minha casa íamos sempre procurar a sorte prometida no ramo da Espiga. Com o meu pai, pegávamos nas bicicletas, na altura o meio de transporte familiar, e íamos à quinta onde vivia a Avó Leonor apanhar o ramo da Espiga, papoilas, flores silvestres, sobretudo malmequeres amarelos e brancos, o que se encontrasse de espigas de cereais e o ramo de oliveira.

As espigas trariam o sustento, o pão, as papoilas a vida e o amor, os malmequeres a prosperidade, o ramo de oliveira a paz, o alecrim a saúde, a videira a alegria. De tudo isto resultaria o bem-estar e o ser feliz. Era bonita a ideia.

Fazia-se o ramo atado com ráfia, arranjávamos sempre mais do que um para oferecer aos vizinhos e colocava-se pendurado lá em casa por cima da mesa do jantar como chamariz da sorte. Saía apenas quando era substituído por um novo ramo da Espiga. Nunca me lembro de termos conseguido associar a presença do ramo ao que de bom nos ia acontecendo, mas o ramo da Espiga lá estava e a tradição era sempre cumprida.

Nas novas qualidades que o mundo vem tomando, não parece que possam caber minudências como andar no campo, se houver campo, à cata de flores, espigas e um raminho de oliveira. Por estes dias parece ainda menos provável.

Não sei se é bom, ou se é mau, mas eu gostava de ir à Espiga, mesmo se não confiava muito na sorte.

Resta dizer que o ramo da Espiga será construído daqui a pouco com o que encontramos aqui no monte. Cá em casa algumas tradições mantêm-se.

Coisas de velhos, já se vê.

Amanhã, voltamos à agenda e que a espiga nos traga sorte.

quarta-feira, 28 de maio de 2025

A HISTÓRIA DO PALHAÇO

Estamos perto do fim das aulas, ainda uma história da escola. 

Era uma vez um rapaz chamado Palhaço. O seu nome era dos mais conhecidos na escola onde andava. Desde o início que colegas e professores achavam um nome muito a propósito. É que o Palhaço passava o tempo a fazer, claro, palhaçadas.

Os colegas riam-se com ele e dele, estavam sempre à espera de qualquer cena ou situação inventada pelo Palhaço na sala de aula que os fizesse rir. Ele respondia ao que esperavam e todos os dias acontecia qualquer coisa de diferente, ou de repetido, mas sempre divertida, arranjada pelo Palhaço.

Os professores não achavam muita graça e inúmeras vezes o repreendiam ou até castigavam porque não suportavam as suas palhaçadas que atrapalhavam o funcionamento das aulas.

Toda a gente pensava que o Palhaço se divertia imenso com as suas palhaçadas pelo que, sobretudo os professores, se zangavam com ele, estava sempre a gozar, diziam, o que, obviamente, não se pode aceitar.

O mais curioso nesta história é que ninguém tinha percebido que o Palhaço detestava palhaços e palhaçadas. Por isso as fazia e se sentia infeliz a rir.

De tristeza.

terça-feira, 27 de maio de 2025

ALUNOS SEM PROFESSOR, (MAIS) UM NOVO NORMAL

 Lê-se no JN que, segundo dados divulgados pela Fenprof, na última semana existiriam cerca de 24000 alunos sem professor a, pelo menos, uma disciplina e estamos a poucos dias do final das aulas.

Como aqui escrevi há pouco, se bem se lembram, em Novembro foram divulgados pelo ME dados errados relativamente aos estudantes que, perto do final do 1.º período, não tinham ainda professor a todas as disciplinas.

Entretanto, foi solicitada, perdão, comprada, uma auditoria externa à consultora KPMG para encontra o mágico número de alunos sem docente a todas as disciplinas.  É ainda relevante que a segunda parte da encomenda à consultora é relativa a “propostas para a melhoria do sistema de apuramento do número de alunos sem aulas para os diferentes momentos do ano lectivo”. Parece até um bocadinho estranho que entre as diferentes estruturas do ME não exista conhecimento e competência para realizar algo que, obviamente, faz parte das suas atribuições. Mas nada de novo, as consultoras também precisam de trabalho e espera-se sempre que o relatório apresentado venha coberto por um manto de isenção.

A divulgação dos resultados reais esteve prevista para Março, depois para Abril, no princípio deste mês aguardava-se para “os próximos dias”.

Há alguns dias , o Ministro da Educação afirmou à TSF que “Não sabemos se vamos ficar a saber” e mais adianta, “Penso que não, a informação que nós temos é que não é possível contabilizar esse número de uma forma rigorosa.”

Dito de outra maneira, 52750 euros depois e no final das aulas deste ano lectivo continua a não existir a informação segura sobre a irrelevante questão de quantos alunos não têm professor a todas as disciplinas.

Talvez valha pena recordar que o MECI tem como estruturas: Secretaria-Geral, Inspecção-Geral da Educação e Ciência, Direcção-Geral da Administração Escolar, Direcção-Geral da Educação, Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, Instituto de Avaliação Educativa, Instituto de Gestão Financeira da Educação, I. P.

Será que nenhuma destas tem capacidade de resposta para esta questão tão fácil de enunciar, “Quantos alunos não têm professor a todas as disciplinas?”

Acresce ainda que, talvez por ignorância minha, é expectável que as direcções de escolas e agrupamentos tenham dados seguros sobre a falta de docentes para os seus alunos. Nem me parece que para agregar estes dados seja necessário um sistema altamente sofisticado.

A verdade é que tudo isto é mau demais, não parece sério e de competência tem nada.

Vivemos tempos estranhos. Lidamos diariamente com “novos normais”, por assim dizer. A existência de tantos alunos sem professor já no final do ano lectivo passa quase despercebida. Claro que os próprios alunos, a família e, naturalmente, os outros professores destes alunos sentem o que é, de facto, um problema sério e com consequências óbvias no trajecto escolar destes alunos. Como será o trajecto escolar destes alunos? Que está previsto que possa minimizar o impacto nas aprendizagens que não se realizaram? Que responsabilidades assumidas?

Há décadas que a falta de docentes estava escrita nas estrelas e sucessivas equipas ministeriais, para além de más políticas públicas que afastaram milhares de professores das escolas negavam a evidência, ouvia-se o mantra dos “professores a mais”. Maria de Lurdes Rodrigues e Nuno Crato foram dois exemplos de incompetência e irresponsabilidade nesta matéria e nem um rasgo de seriedade no assumir do que é óbvio, falharam. Continuam serenos e de consciência tranquila, provavelmente, também com uma outra percepção, está na moda, do que é consciência tranquila.

O resultado está à vista, o atropelo a um direito fundamental, o direito à educação, e o desempenho escolar de muitos alunos prejudicado pela falta de docentes.

As famílias com mais recursos recorrem ao ensino privado ou a explicações externas, as outras … lamentam.

As escolas tentam o milagre de que não podemos depender.

A questão é que cada vez se torna mais difícil falar de responsabilidade. Entrámos no mundo da irresponsabilidade.

Com que preço? Pago por quem?

E não acontece nada?

segunda-feira, 26 de maio de 2025

ECRÃS EM CASA E NA ESCOLA

 No Expresso e no Público encontram-se dois interessantes trabalhos relativos a uma dimensão significativa nos contextos educativos escolares e familiares.

No Expresso temos uma entrevista com Ivone Patrão a propósito do seu livro, "Ainda Vamos a Tempo" sobre a problemática do excesso de exposição a ecrãs, designadamente do telemóvel, nos contextos familiares. A sua experiência e conhecimento e orientações são merecedores de atenção.

No Público aborda-se a questão da utilização de videojogos em contextos escolares, sobretudo, mas também em contextos familiares. É tratado de forma que me parece interessante e adequada o difícil, mas necessário, equilíbrio entre as vantagens e os riscos da sua utilização.

A peça está organizada em torno dos resultados do estudo “Os Jogos na Escola 2023-2024” coordenado por Joaquim Fialho e dados do projecto “European Schoolnet e Video Games Europe​”.

Duas peças úteis para pais e docentes e a imprescindível reflexão sobre estas matérias.

domingo, 25 de maio de 2025

DA PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS

 Foi divulgado o Relatório de Actividade da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e da Protecção das Crianças e Jovens relativo a 2024. Vejamos alguns indicadores.

No ano anterior foram recebidos pelas Comissões de Protecção e Crianças e Jovens 89008 processos de Promoção e Protecção de crianças e jovens em risco. Este valor traduz um aumento de 5,5% relativamente a 2024.

A negligência é a situação de risco mais denunciado, 19 107 casos, 30,4% do total, depois surge a violência doméstica, 17295 casos, um abaixamento ligeiro comparando a 2023. Em terceiro lugar estão os comportamentos de perigo na infância e juventude com 11795 situações, 18,8% do total e uma subida de 1425 situações face a 2023.

 As Comissões de Protecção identificaram 13.373 crianças e jovens com diagnóstico de necessidade de aplicação de medida de promoção e protecção. A maior prevalência verifica-se na faixa etária dos 15 aos 17, 26,9% do total, com 3599 jovens, 1562 do sexo feminino e 2037 do sexo masculino.

As forças de segurança comunicaram 425 das situações e as escolas 18, 8%.

Verificou-se, naturalmente, um maior volume de actividade das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens.

De há muito e a propósito de várias questões afirmo que em Portugal, apesar de existirem diferentes dispositivos de apoio e protecção às crianças e jovens e de existir legislação no mesmo sentido sempre assente no incontornável “superior interesse da criança", não possuímos ainda o que me parece mais importante, uma cultura sólida de protecção das crianças e jovens como alguns exemplos regularmente evidenciam.

Por outro lado, as condições de funcionamento as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer um trabalho eficaz estão ainda longe de ser as mais adequadas e operam em circunstâncias difíceis. Na sua grande maioria, as Comissões têm responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta.

A parte mais operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, é composta por muitos técnicos em tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as integram.

Muitas vezes tenho aqui referido a necessidade maior investimento e eficiência no âmbito do sistema de protecção de menores. Para além do reforço dos recursos das CPCJ seria desejável uma melhor integração e oportunidade das respostas a situações detectadas, uma adequação às mudanças e novas realidades na área dos Tribunais de Família e Menores, etc. Os serviços de apoio às comunidades, ainda que regulados e escrutinados, deverão ser suficientes e adequados em recursos e procedimentos.

Este cenário permite que ocorram situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não tiveram, o apoio ou os procedimentos necessários. É então provável que, depois de se conhecerem episódios mais graves, possamos ouvir expressão que me deixa particularmente incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada”, mas dessa "sinalização" não decorreu a adequada intervenção.

Sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver os problemas das crianças referenciadas ou sinalizadas. Importa ainda não esquecer as que passam mal em diferentes aspectos sem que estejam sinalizadas ou referenciadas. Nos tempos que atravessamos os riscos serão maiores.

Por isso, sendo importante registar uma aparente menor tolerância da comunidade aos maus tratos aos miúdos, também será fundamental que desenvolva a sua intolerância face à ausência de respostas.

As crianças são resilientes, mas família, afecto, contextos educativos de qualidade, são bens de primeira necessidade.

Como afirma, Benedict Wells em “O fim da solidão”, “Uma infância difícil é como um inimigo invisível. Nunca se sabe quando nos vai atingir”.

sábado, 24 de maio de 2025

OS DIAS DO ALENTEJO

 Chegam os primeiros dias de calor ao Alentejo. Ainda não é o calor áspero que lá para Julho e Agosto é mais habitual e faz parte do que é o Alentejo.

Estes primeiros dias mais quentes parece que custam mais, o corpo ainda não se acostumou, como dizia o Mestre Marrafa, e a lida também parece ficar mais pesada.

Já vão umas horas em cima do tractor com o corta-matos a limpar caminhos e valados do monte cobertos de erva alta que as chuvas prolongadas que este ano, felizmente, tivemos. Há anos que não víamos as nascentes do monte correr assim.

Para aliviar, ainda é preciso pegar na roçadora para dar um jeito em torno das oliveiras que gostamos de ver limpas sem erva à volta e também cortar nos pontos onde o tractor não chega.

O calor obriga também a mais atenção à rega na horta para não perder o que está plantado ou semeado.

Lá mais para a tarde não nos podemos esquecer de colocar as canas no feijão verde para que possa trepar, as guias já estão a ficar grandes.

Por estes dias já foram para a terra as abóboras, beringelas e mais uns pés de curgete. Amanhã pode ser que ainda consiga carregar parte da erva cortada para colocar no moitão, como se fala por aqui, que depois do próximo Inverno estará transformado num composto que enriquece a terra.

Confesso que quando andamos na lida quase nos esquecemos das inquietações que o estado do mundo alimenta.

E são assim os dias do Alentejo, cansativos, mas vividos.

sexta-feira, 23 de maio de 2025

GORDINHOS E PARADINHOS

 No JN encontra-se um trabalho sobre uma matéria que continua a não merecer a atenção que justifica, a obesidade infantil.

A peça socorre-se dos dados da mais recente edição do estudo COSI Portugal  (Childhood Obesity Surveillance Initiative), integrado no Childhood Obesity Surveillance Initiative da OMS/Europa, coordenado pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge sobre o excesso de peso e obesidade infantil.

Até à penúltima edição (2019), verifica-se um abaixamento dos índices, mas os dados de 2022 revelam uma preocupante subida de 29,7% para 31,9% no excesso de peso, destes valores temos 11,9% para 13,5% no que respeita à obesidade. Ainda assim, o valor actual está perto da média europeia, 29%.

O estudo envolveu 6205 crianças entre os seis e os oito anos de 226 escolas de Portugal continental e dos arquipélagos dos Açores e da Madeira. Verificam-se assimetrias significativas e os estilos e hábitos alimentares ajudam os níveis de excesso de peso e obesidade.

Acresce que entre 2019 para 2022 também aumentaram os níveis de sedentarismo, todos os parâmetros estudados subiram entre 2,2 e 9,3%. É de sublinhar, sem surpresa, que se verificou um aumento de 18 para 27% na utilização de videojogos durante a semana pelo menos duas horas por dia. Importa considerar que estudos mais recentes apontam para um tempo superior de exposição a ecrãs por parte das crianças.

Estes dados estão em linha com os de relatórios anteriores e com estudos nacionais sobre os hábitos alimentares e estilo de vida dos mais novos e sobre as potenciais consequências para o seu desenvolvimento. Entre os efeitos da pandemia e dos períodos de confinamento, provavelmente, contar-se-á o acréscimo do sedentarismo e, naturalmente, do número de crianças com excesso de peso.

Registou-se também em 2021 a regulamentação da oferta alimentar nas escolas com o objectivo de promover estilos alimentares mais saudáveis.

Apesar de parecer uma birra ou teimosia acho sempre importante sublinhar a importância que deve merecer a questão dos hábitos alimentares e o combate ao sedentarismo, sobretudo nos mais novos.

As consequências potenciais deste quadro em termos de saúde e qualidade de vida são muito significativas, quer em termos individuais, quer em termos sociais. Assim, e como já tenho referido, um problema de saúde pública desta dimensão e impacto justifica a definição de programas de prevenção, educação e remediação que o combatam. Sem surpresa, surgem sempre algumas reacções contra o chamado “fundamentalismo nos hábitos individuais”, mas creio que são também de ponderar as implicações colectivas e sociais do problema.

No entanto, como sabemos, o excesso de peso, o sedentarismo e os riscos associados não serão uma escolha individual para a generalidade dos miúdos e graúdos nessa situação, trata-se de algo de que não gostam e sofrem de diferentes formas com isso.

Eu sei que à escola não compete tudo, não pode, nem deve ser responsável por todos os problemas que afectem a população em idade escolar. Por outro lado, apesar de em termos de educação familiar se registarem melhores níveis de literacia sobre saúde estilos de vida, ainda temos muito que caminhar.

No entanto, sei, sabemos, que pela educação é que vamos.

quinta-feira, 22 de maio de 2025

ESCUTAR

 Continuam a surgir múltiplas leituras e comentários na imprensa e nas redes sociais sobre os resultados nas legislativas. São também diversas as análises e hipóteses explicativas da distribuição dos votos.

Considerando a inquietação e tristeza com o que leio e oiço e não tendo qualquer veleidade de assumir o papel de politólogo, atrevo-me a partilhar umas notas reflectindo sobre algo que me parece fazer parte dos tempos que vivemos e, provavelmente, pode ajudar a pensar sobre eles, pedindo desculpa pelo atrevimento.

Uma das características que me inquietam é a dificuldade ou incapacidade de escuta que aparentemente se instalou nos nossos modelos de funcionamento social. Não é ouvir, é escutar, algo bem mais robusto e elemento crítico na compreensão do mundo e na relação com o outro, com os outros.

Na área em que sempre me movi, a psicologia e mais em particular no universo da educação, a “escuta” é percebida como um elemento central na intervenção em diferentes contextos e com os diferentes intervenientes nos processos educativos, familiares e escolares.

Nesta perspectiva, continuo a entender que por diversas razões se escuta de menos. Diria mesmo que enquanto sociedade e considerando sobretudo os tempos actuais, apresentamos um sério problema de "surdez", não escutamos. Aliás, poderemos até considerar que, frequentemente, revelamos o que se chama uma surdez selectiva, só escutamos o que queremos. Vejamos alguns, só alguns, dos nossos problemas de escuta sendo ainda certo que muita gente nem tem voz.

Escuta-se pouco os velhos sós, que vivem isolados e que sobrevivem com pensões de miséria.

Continuo a achar que existem demasiados miúdos, adolescentes ou jovens que, por mais alto que gritem, ninguém os escuta.

Sabemos dos milhares de crianças maltratadas e de mulheres vítimas de violência a que damos pouca escuta.

É preciso escutar milhares de pessoas vulneráveis em termos de condições de emprego e apoios sociais.

E escutar milhares de jovens com dificuldades enormes para entrar no mercado de trabalho e que vêem comprometida a possibilidade de um projecto de vida, com acesso a habitação, parentalidade e salário condigno.

A insensível e delinquente incapacidade de escuta dos responsáveis por múltiplas áreas das políticas públicas, saúde, justiça, educação, trabalho, etc. Boa parte destes responsáveis falam, falam muito, mas não escutam.

Provavelmente, muitos dos votos nas legislativas serão, por assim dizer, um “grito” dos que não se sentem escutados.

Talvez estejamos a tempo de ouvir e reconhecer a voz de quem sente que não a tem.

quarta-feira, 21 de maio de 2025

MIÚDOS SÁBIOS

Foi com curiosidade que encontrei a referência a uma investigação em desenvolvimento no âmbito do Departamento de Desporto e Saúde da Universidade de Évora relativa às brincadeiras de luta, “aquelas que as crianças fingem disputar fisicamente entre si”, são “animadas e barulhentas [mas são], muitas vezes, vistas com desconfiança por pais e educadores [e] frequentemente rotuladas como perigosas ou inapropriadas” conforme refere Guida Veiga, docente nesse Departamento.

O estudo identifica benefícios nesse tipo de actividades, as crianças desenvolvem competências no conhecimento do corpo, na regulação das emoções e nos comportamentos de interacção entre pares dado que “Estas interacções envolvem contacto físico, controlo emocional e motor e uma sincronização social que são fundamentais para a saúde e o bem-estar das crianças”, afirma ainda a Professora Guida Veiga acentuando a natureza pioneira deste trabalho que envolve cerca de 150 crianças entre os 3 e os 6 anos nos concelhos Évora e Redondo.

Parece-me interessante este trabalho e lembrei-me de um texto que coloquei no Atenta Inquietude em 2008, já lá vão 17 anos anos. Dizia assim:

 Era uma vez, estavam dois miúdos num parque, um desses sítios que algumas terras têm para os mais pequenos brincarem. Não havia muita gente. Os miúdos, às tantas, rebolavam no chão engalfinhados.

Passou um médico e pensou que eles talvez se magoassem porque aquelas brincadeiras podem ser perigosas.

Passou um antropólogo e pensou como ainda provavelmente se realizam lutas simbólicas por territórios, apesar das mudanças culturais.

Passou um pai e pensou como era possível que as crianças estivessem ali sozinhas nos dias que correm.

Passou um professor e pensou como seria mais útil que estivessem a ler algo de interessante.

Passou um sociólogo e pensou como desde cedo se procura hierarquizar as relações sociais.

Passou um psicólogo e pensou como começa a ser tão frequente o bullying.

Passou um padre e pensou como os padrões morais que regem os comportamentos se alteram e a violência se instala.

Passou outro miúdo e perguntou “Estão a brincar a quê?”. Responderam os outros, “Às lutas, também queres brincar?”, “Quero”.

E ficaram três miúdos a rebolarem-se no chão um bocado engalfinhados. E felizes.


terça-feira, 20 de maio de 2025

AS PALAVRAS QUE OFENDEM

 É merecedor de leitura e reflexão o texto de Aimee Grant, “Não, nem toda a gente é “um bocadinho autista” — e esta ideia é nociva”, que aborda na primeira pessoa a forma ligeira e irreflectida como que se usa alguma terminologia, as palavras que ofendem como as designo em muitas intervenções e notas que por aqui têm passado e em que insisto.

É muito claro que de há algum tempo para cá entrou no léxico comum da cena política, mas não só, uma terminologia vinda da área da saúde mental com efeitos que ainda não foram avaliados. Alguns exemplos. É muito frequente a referência a estados de depressão, o país está deprimido, os mercados estão deprimidos, algumas regiões portuguesas são consideradas deprimidas, etc. Diz-se tranquilamente que certos comportamentos políticos podem ser suicidas, seja de pessoas ou de partidos. Inventaram um quadro de claustrofobia democrática, seja lá isso o que for. Não há opinador, amador ou profissional, que não se refira a autismo, autista ou esquizofrénico para adjectivar discursos e comportamentos políticos. Aliás, deve recordar-se que a Assembleia da República aprovou há já algum tempo e sem grande resultado uma moção no sentido de se não utilizar tal terminologia nos debates parlamentares. Multiplicam-se as referências a pessoas que assumem compulsivamente estratégias de vitimização, a comportamentos obsessivos ou alucinados, etc. Abundam as análises que sublinham a grave baixa auto-estima dos portugueses.

Toda esta linguagem é usada como o maior à vontade.

Recordo que, creio que em 2016, a Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo do Douro entendeu por bem apresentar queixa pela utilização em duas novelas de referências ao autismo de forma depreciativa. No entanto, a Entidade Reguladora da Comunicação Social entendeu que o uso da palavra “autista” não é ofensivo. É elucidativo.

No final de 2015 a associação BIPP (Banco de Informação de Pais para Pais) – Inclusão para a Deficiência desencadeou uma campanha de sensibilização que visava inibir o uso de expressões como “deficiente mental” ou “atrasado mental” como insulto ou para censurar determinados comportamentos humanos. A campanha intitulava-se “Ser deficiente não é um insulto” e tinha como objectivo que o recurso a esta terminologia alimenta ou promove comportamentos de exclusão social dos cidadãos com deficiência.

Na verdade, para além das expressões citadas remetendo para o universo da deficiência, são também usados com demasiada regularidade termos próprios da área da saúde mental, esquizofrenia ou autismo, por exemplo, para adjectivar comportamentos e discursos em particular na vida política, mas também noutros contextos.

Dito de outra forma, a condição de deficiência, de doença mental ou de qualquer outra dimensão de vulnerabilidade é utilizada como insulto sendo que este comportamento é recorrente mesmo em pessoas com responsabilidade de natureza pública e social de relevo o que agrava o seu já inaceitável uso.

Sem querer assumir uma posição "politicamente correcta" este uso e abuso incomoda-me. Creio que ignora e ofende o sofrimento das pessoas e das famílias que lidam com quadros clínicos, de desenvolvimento ou de funcionalidade desta natureza. O texto de Aimee Grant é mais um exemplo.

segunda-feira, 19 de maio de 2025

AS PROVAS DE ModA - Entre o "fazer as coisas certas e fazer certas as coisas"

Iniciam-se hoje a realização das Provas de Monitorização da Aprendizagem com as provas de Português do 4.º e do 6.º ano.

Algumas notas a propósito e em linha com o que tenho escrito e defendido.

A avaliação externa é uma ferramenta crítica na regulação do desempenho e qualidade dos sistemas educativos e o modelo anterior, as provas de aferição, não cumpriam esse objectivo.

 De uma forma geral, olhando para o modelo julgo podermos falar de “fazer as coisas certas e fazer certas as coisas” relativamente às alterações realizadas.

A Lei de Bases do Sistema Educativo define que o ensino básico se organiza numa lógica de ciclo e não de disciplina como o secundário. Assim, parece claro que uma avaliação externa com funções de regulação deve ser realizada no ano final de cada ciclo e não nos anos intermédios, 2º, 5º e 8º ano, quando os alunos estão a meio do seu caminho de um ciclo. A argumentação era assente na ideia de que de que a identificação de dificuldades e a devolução de resultados permitiriam a correcção de trajectórias futuras dos alunos até final do ciclo. Assim sendo e neste caso, a avaliação não seria de aferição, mas de diagnóstico. No entanto, espera-se que diariamente nas salas de aula os professores realizem, mais formal ou mais informalmente, avaliações desta natureza, mais formativa, pois é a mais sólida ferramenta que possuem de regulação do trabalho dos alunos e do seu próprio trabalho.

Está, pois, certa, a realização de provas nos anos finais de cada ciclo. A designação é irrelevante, mas como é preciso alterar, pode ser a prova ModA (monitorização da aprendizagem) no 1.º e 2.º ciclo e o exame final no 9.º ano. Como já escrevi, tendo de ter uma outra designação pode ser esta.

Para que os dispositivos de avaliação externa cumpram a sua função têm de ser comparáveis o que não se verifica no modelo actual contaminado palas variações de dificuldades colocadas nas provas e no tipo de enunciados. No modelo que se inicia as questões mantêm-se permitindo comparações nos trajectos escolares. Também me parece uma coisa certa.

Consideremos agora o “fazer as coisas certas” em que me parece questionável o que agora foi apresentado.

Os resultados das agora provas de ModA continuam a não ter qualquer impacto na avaliação dos alunos, mantém-se o “não servem para nada”. É verdade que são registadas no processo de cada aluno, que as escolas recebem os resultados, mas também está estudado de há muito, que as representações e expectativas sobre uma determinada tarefa contaminam de forma significativa o desempenho nessa tarefa. Para pais e alunos, mas também para professores e escolas, é relevante o facto de as provas não “contarem para nada”, não é fazer "certa a coisa". Um dos meus netos realiza as provas do 6.º ano e creio que está menos preocupado que para a realização de um teste durante o tempo de aulas. Podemos correr o risco de que a desvalorização inquine resultados.

Finalmente, também não parece que a manutenção do formato digital no 1.º e 2.º ciclo e um exame misto a Matemática no 9.º ano seja “fazer certa a coisa”.

Na verdade, tinha alguma esperança de que o bom senso e a reflexão sobre o que se passa noutros sistemas educativos que desencadearam uma reflexão e tomadas de decisão relativamente à introdução em termos excessivos dos recursos digitais, pudesse contribuir para um maior equilíbrio e prudência na utilização destes recursos, designadamente nos primeiros anos de escolaridade, sobretudo no 4.º ano.

Acresce que, para além da disparidade de recursos e competências e pensando sobretudo nos alunos do 1.º ciclo, mas não esquecendo todos os outros, a aprendizagem da escrita é realizada, e bem, com o recurso predominante à escrita manual. Existem razões advindas da evidência, como agora se diz, que sustentam este caminho. Assim sendo, a proficiência da escrita em formato digital será na esmagadora maioria dos alunos de natureza e nível diferente o que pode contaminar os resultados.

O MECI já anunciou algumas medidas que procuram contrariar este cenário, por exemplo, um significativo recurso a resposta múltiplas, mas já não consigo ser muito optimista, para além de me parecer que a digitalização, nomeadamente no 1º ciclo, é uma má opção como já disse acima.

Por outro lado, são conhecidas com demasiada frequência queixas relativas ao acesso a equipamentos por parte dos alunos, à qualidade dos equipamentos, que, de acordo com os directores de escolas e agrupamentos, a insuficiência dos recursos necessários à adequada utilização dos equipamentos, nas escolas, mas em particular nas salas de aulas, infra-estruturas eléctricas e rede de net eficientes, por exemplo.

Acontece ainda que existe uma enorme diversidade na literacia digital dos alunos. Deste cenário, apesar do esforço que terá sido realizado e recorrendo ao apoio dos docentes de informática ou mesmo a técnicos exteriores à escola, podem decorrer situações sérias de desigualdade entre escolas e entre alunos e todos conhecemos múltiplas situações que evidenciam a enorme disparidade de recursos e da sua utilização.

Ao que se lê, o sistema está preparado, mas …

Voltando ao início, sei que nem sempre é fácil “fazer as coisas certas e fazer certas as coisas”, mas neste caso não me parecia muito difícil.

É mesmo uma opção.

Boa sorte para todos, alunos e professores.

INQUIETAÇÃO

 Não pensava escrever sobre o resultado das legislativas de ontem. A leitura das leituras (desculpem a expressão) que chovem na imprensa e nas redes sociais é suficente e inquietante.

Ainda assim, os resultados espelham o mundo actual e a mediocridade de lideranças que vão assumindo papéis de relevo em múltiplas geografias. O mal-estar é uma semente que alimenta a revolta e tolda a lucidez.

A incompetência, a mentira e a manipulação tratam do resto.

Apenas uma enorme inquietação, o futuro dos meus netos e de todos os netos do mundo.

domingo, 18 de maio de 2025

DE TANTO RASPAR, UM DIA VOU ENRICAR

 Por coincidência, no dia em que escolhemos os próximos responsáveis pelas políticas públicas do país também ficamos a saber que os portugueses gastam por dia cinco milhões de euros na “raspadinha” para além de outros “investimentos” na oferta de jogos da Santa Casa da Misericórdia. A “raspadinha” é o jogo mais vendido, 59% do total e em 2024 movimentou 1848 milhões de euros, mais 12 milhões que no ano anterior.

É obra. Se considerarmos que ainda se verifica um volume significativo de gastos noutras formas de jogo, online sobretudo, percebe-se o impacto significativo que terá nos orçamentos familiares. Provavelmente, este “investimento” traduz a pouca confiança das repercussões das políticas públicas nos orçamentos familiares e, portanto, procuramos a sorte.

Recordo que em 2023 foi divulgado um estudo desencadeado pelo Conselho Económico e Social sobre a utilização da vulgar “raspadinha” realizado com a colaboração de Pedro Morgado e Luís Aguiar-Conraria da Universidade do Minho.

A raspadinha tem sido a ser o jogo mais popular e de estudos anteriores já se conhecia que perto de 80% dos jogadores pertence às classes mais desfavorecidas, D e E, 61% jogam regular ou frequentemente e 37.5% dos apostadores estão acima dos 55 anos.

Do estudo do CES infere-se que cerca de 100 mil pessoas em Portugal podem apresentar problemas de jogo com as “raspadinhas”, 1,21% da população. Deste universo 30000 cidadãos terão “quase de certeza doença instalada, ou seja, “perturbação de jogo patológico”, de acordo com Pedro Morgado.

No que respeita ao perfil dos “utilizadores”, um cidadão com rendimento até 664 euros têm três vezes mais probabilidade de jogar frequentemente que um cidadão com rendimento superior a 1500 €. Um cidadão com o ensino básico terá quase seis vezes mais probabilidades que de ser um jogador frequente que alguém com mestrado ou doutoramento.

Uma outra variável importante e estudada é a idade. Os cidadãos com 66 ou mais revelam o dobro da probabilidade de serem jogadores frequentes de "raspadinha", se comparados com a franja populacional entre os 18 e os 36.

Os dados são relevantes, mas não surpreendem, recordo um outro trabalho desenvolvido por Pedro Morgado (um dos responsáveis do estudo CES) e Daniela Vilaverde da Escola de Medicina da Universidade do Minho, divulgado em 2020 na The Lancet Psychiatry que mostra como a relação de muitos apostadores portugueses com a vulgar “Raspadinha” tem vindo configurar um comportamento aditivo, indutor de sofrimento e mal-estar social e familiar. Dados de 2018 já mostravam mostram que os gastos nestas apostas foram de 1594 milhões de euros, 160€ por ano em média por apostador o que é superior ao que se verifica em muitos países, 14€ em Espanha, por exemplo.

A verdade é que para além do caso particular da “raspadinha” tem aumentado de forma geral o investimento dos portugueses nos “jogos sociais” da Santa Casa e nas apostas online. De facto, o Totobola e depois o Euromilhões, o Totoloto, posteriormente a Raspadinha, fortemente apelativa pela possibilidade de retorno imediato e grande acessibilidade, e mais recentemente as apostas online estabeleceram-se firmemente na vida de muitos de nós e criaram mesmo uma imagem criadora de futuro que nos move. Provavelmente e para muitas pessoas, será a única imagem criadora de futuro.

Importa reconhecer que as imagens criadoras de futuro são imprescindíveis, tanto mais quando atravessamos tempos duros em que a esperança também tem sido revista em baixa e dificilmente vislumbramos a recuperação.

Creio que esta perspectiva é parte importante desta equação e apesar de sabermos que a decisão de apostar é sempre de natureza individual, o contexto em que muita gente vive, os estilos de vida e quadro de valores são variáveis que também devem ser consideradas, como, aliás, o estudo sublinha.

Por outro lado e em termos culturais, também encontramos algumas pistas para entendimento. Julgo poder afirmar-se que em muitos lares portugueses e em muitas conversas e talvez mais do que nunca, uma das frases mais ouvidas é “nunca mais me sai o Euromilhões, (ou a raspadinha) para deixar de trabalhar”. Muito provavelmente, cada um de nós já ouviu, pensou ou disse esta expressão alguma vez ou vezes e que não será usada apenas pelos cidadãos com maiores dificuldades.

Acho curiosa a sua utilização. Entendo, naturalmente, a ideia subjacente à primeira parte. Um prémio de valor substantivo representaria, seguramente, a hipótese de acesso a um patamar superior de bem-estar económico, desejado, naturalmente, por toda a gente. O que de facto me parece mais interessante é o complemento “para deixar de trabalhar”. É certo que nem todas as expressões devem ser entendidas no seu valor “facial”, mas é também verdade que a recorrente afirmação deste desejo acaba por ilustrar a relação que muitos de nós estabelecemos com o lado profissional da nossa vida, isto é, “quero livrar-me dele o mais depressa possível”. Não será grave, mas é um indicador que possibilita várias leituras.

Neste contexto e cultura sabem qual é a minha inquietação para além dos riscos associados a comportamentos aditivos? É se os miúdos, considerando a agitação que vai pelo seu mundo “laboral” e os discursos dos adultos, desatam a pedir, se puderem, um aumento de mesada que lhes permita jogar nas “raspadinhas” ou apostar no Euromilhões para … deixar de ir à escola.

Já estivemos mais longe. Talvez, também por questões desta natureza, a abordagem deste tipo de questões nos contextos educativos num quadro desenvolvimento e cidadania faça sentido sem que daqui resulte, evidentemente, mais uma disciplina ou mais um projecto.


sábado, 17 de maio de 2025

DIA DE REFLEXÃO

 Manda a liturgia e o quadro legal dos processos eleitorais que o dia anterior à votação seja dedicado à reflexão. Como em outras ocasiões tenho afirmado, não estou muito de acordo com este cenário e enquanto existir aqui me manifesto. Aliás, já se vão conhecendo discursos questionando a sua necessidade considerando também que em muitos países não se reflecte na véspera. Aliás, se a reflexão se realiza na véspera das eleições não parece fazer muito sentido a realização de sondagens.

Do meu ponto de vista e ainda que pareça estranho, a haver um dia de reflexão deveria ser o dia seguinte.

A decisão em matéria de voto não exige um dia de reflexão ainda que, naturalmente, deva ser objecto de reflexão. Aliás, gostaria de saber se existe algum estudo sobre o peso que o dia de reflexão terá na decisão relativa ao voto.

Na verdade, não parece necessário o dia de reflexão antes do acto eleitoral porque não entendo que essa reflexão influencie significativamente os resultados eleitorais pois, se por um lado a abstenção tem crescido, deixando cada vez mais o voto no eleitorado fidelizado, por outro lado, o eleitorado flutuante não decide na véspera, decide, creio, face a contextos e circunstâncias.

Acresce que esta campanha eleitoral, também como é regra, não foi particularmente elucidativa, o que ocupa tempo de campanha tem menos a ver com os problemas reais das pessoas alimentando o partido dos “indecisos”. Exceptuando alguns dos debates, a gritaria, o soundbite, as alterações de discursos como se nada tivesse sido dito, marcaram os últimos dias. O surgimento de uma extrema-direita que insulta, se contradiz e ameaça a democracia servindo-se do que a democracia permite, veio tornar ainda mais necessária a reflexão que não é realizada na véspera.

Em segundo lugar, porque na verdade, em termos de futuro parece ser mais significativo reflectir nos resultados eleitorais que se verificarem. Estas eleições são um claro exemplo disso mesmo, por exemplo a partir da votação que receberá a extrema-direita ou o que indiciarão sobre os acordos que assegurarão a governabilidade.

No entanto e desde já, aproveito o dia de reflexão para deixar um apelo muito sentido.

Apelo vivamente aos senhores integrantes da classe política que a propósito das eleições de amanhã se inibam de elaborar comentários como “queria felicitar o povo português pela forma tranquila como está a decorrer, ou decorreu, o acto eleitoral”, “quero registar a normalidade que o povo português evidencia no cumprimento do seu dever cívico”, “os cidadãos mais uma vez mostram a sua maturidade democrática” ou ainda “o acto eleitoral está a decorrer, ou decorreu, com toda a normalidade em todo o território”. Considero afirmações desta natureza um insulto à esmagadora maioria dos cidadãos eleitores em Portugal. Que diabo pensam de nós, para se surpreenderem com a “normalidade” do nosso comportamento?

Então não é de esperar que participar num acto eleitoral, das diferentes formas possíveis, seja algo de normal e tranquilo?

Lembro-me daqueles pais e professores que ao falarem de miúdos acrescentam de imediato “e até se portam bem”, como se o comportamento adequado seja uma surpresa e a excepção. Como se dizia no PREC, “repudio veementemente tais afirmações”.

Já agora, nós, os cidadãos que votamos, ou não, com normalidade democrática, gostávamos de poder comentar as campanhas dos políticos dizendo que tudo decorreu com a elevação, sentido ético e de esclarecimento normais. Mas não, existem sempre os insultos, a demagogia, a trafulhice nas ideias e nas promessas, a falta de esclarecimento e debate sério, etc. A campanha eleitoral foi particular e inquietantemente elucidativa.

A campanha que ontem terminou constituiu um autêntico manual. Aliás, achei até que um povo que vota com “normalidade democrática” e “maturidade cívica” merecia melhor.

A actividade política das lideranças é que, demasiadas vezes, não decorre com “tranquilidade e maturidade democráticas”, é muito mau o que demasiadas vezes se ouve ou lê.

Não tratem os cidadãos como gente incapaz a quem se saca o voto, mas de quem sempre parece esperar-se o pior.

sexta-feira, 16 de maio de 2025

A TERRA DOS GÉNIOS

A comunicação social nos seus diversos suportes e ainda o mundo sem fim das redes sociais oferecem-nos diariamente e a qualquer hora acesso a um mundo estimulante e sem fim, o mundo dos génios, isso mesmo, os génios, muitos génios.

De facto, é notável a proliferação e intervenção dos génios. Em todas as áreas que compõem a vida das pessoas existe um grupo de génios com ideias geniais, claro, que sabem sempre como tudo deve acontecer e tudo se deve passar.

Todos os dias, seja qual for o assunto que esteja em discussão, lá aparecem os génios de serviço, nos diferentes meios de comunicação ou nas redes sociais, a explicar, sem margem de dúvida ou hesitação, o que as pessoas devem pensar ou saber sobre a matéria em apreço. Há mesmo génios tão geniais que conseguem ser génios em várias áreas, assumindo então o superior estatuto de tudólogo, os que sabem de tudo, que é verdadeiramente impressionante. E quanto mais complexas são as situações, mais os tudólogos se ouvem, vêem e lêem.

O que é mais curioso, embora naquela terra onde acontecem coisas não faltem aspectos curiosos, por assim dizer, é que pouca gente parece levar a sério os génios, ou seja, para tudo e mais alguma coisa se interpelam os génios, estão sempre presentes, mas depois quase ninguém liga ao que eles dizem o que aliás, parece ser uma prova de inteligência embora fique por perceber a importância atribuída aos génios.

Creio mesmo que eles, os génios, são os únicos que se levam sempre a sério. É vê-los e ouvi-los com um ar absolutamente compenetrado a debitar genialidades a que ninguém liga, mas que lhes concedem espaço e tempo para expressar.

Os génios daquela terra onde acontecem coisas, aqueles que aparecem como génios, são assim uma espécie de adereço, sem qualquer utilidade, mas que sempre compõe o cenário. No entanto, parece que muitos destes génios tornam a sua genialidade muito bem paga. Merecem, são génios, nós não.

Para completar este retrato, é também curioso, para ser simpático, que às pessoas que verdadeiramente sabem do que está a ser abordado também pouca gente parece ligar.

São, também assim, os dias lá naquela terra onde acontecem coisas.


quinta-feira, 15 de maio de 2025

"ELEIÇÕES SEM EDUCAÇÃO"

 Merece leitura o texto de Paulo Prudêncio no Público, “Eleições sem educação”.  Na verdade, é curioso e significativo que, estando a educação e as suas problemáticas quase sempre na agenda de inquietações, as políticas públicas de educação parecem ausentes da actual campanha eleitoral.

As (poucas) referência surgem em torno de questões que, sendo importantes, são mais de natureza conjuntural e não sustentam perspectivas e caminhos para as políticas públicas de educação.

Entendo a necessidade de medidas de natureza conjuntural, por exemplo no caso específico da falta de professores, mas muito mais importantes e necessárias são medidas que tenham impacto em questões estruturais.

É certo que é mais fácil e mais conforme com os ciclos políticas mexer na conjuntura, anunciar mais uns planos, mais uns projectos, mais umas acções de capacitação, mas é mais potente e eficaz analisar e ajustar medidas estruturais.

É claro que mudanças estruturais têm custos pelo que será de considerar, desde logo, a necessidade de investimento sério em educação, 6% do Produto Interno Bruto o que está definido pela UNESCO como meta para 2030.

Lamentavelmente, ainda não será desta que pensamos seriamente no futuro.