AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

domingo, 27 de abril de 2025

DEFICIÊNCIA, POBREZA E EXCLUSÃO

 Foi divulgado há dias o relatório "Pessoas com Deficiência em Portugal – Indicadores de Direitos Humanos 2024", da responsabilidade do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos com base no Inquérito Europeu às Condições de Vida e Rendimento relativos a 2023, produzido pelo Serviço de Estatística da União Europeia, Eurostat.

Aproximando-se a realização das legislativas os dados conhecidos deveriam ter impacto no caderno de encargos de quem se propõe assumir responsabilidades governativas.

Perto de dois terços das pessoas com deficiência com mais de 6 anos estavam em risco de pobreza antes da transferência dos apoios sociais.

Considerando as prestações sociais a taxa de pobreza baixa 41,3% e nos cidadãos sem deficiência 20,3% verificando um maior impacto dos apoios sociais na população com deficiência. No entanto, o volume de apoios disponibilizado continua abaixo do que se verifica na UE.

Apesar de alguma evolução a situação das pessoas com deficiência continua com grande vulnerabilidade face á pobreza e exclusão.

Não é novo, sucessivos relatórios de diferentes entidades vão mostrando o quanto está por fazer e as dificuldades decorrentes da corrida de obstáculos em que se transforma a vida das pessoas com deficiência ameaçando os seus direitos e bem-estar bem como das suas famílias. São por demais evidentes as dificuldades em áreas como, educação, saúde, trabalho e emprego, segurança social, acessibilidades, autonomia, independência ou autodeterminação.

A verdade é que a voz das minorias é sempre muito baixa, ouve-se mal, existem variadíssimas áreas em que são significativas as dificuldades colocadas às pessoas com deficiência, designadamente saúde, acessibilidades, educação, apoio social, qualificação profissional e emprego, em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão continuam elevados como este relatório mostra.

Importa também sublinhar que os direitos fundamentais não podem ser de geometria variável em função de contextos ou hipotecados às oscilações de conjuntura ainda que tenhamos consciência da excepcionalidade destes tempos.

Parece necessário reafirmar mais uma vez que os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como lidam com os grupos mais vulneráveis e com as suas problemáticas. Este entendimento é tanto mais importante quanto mais difíceis são os contextos que se vivem.

sábado, 26 de abril de 2025

OS DIAS DO ALENTEJO

 Hoje é dia de festa por aqui neste recanto do Alentejo, chegam os romeiros que cumprem a Romaria a Cavalo realizada entre a Moita e Viana do Alentejo. A chegada será no fim da tarde e Viana está em festa para receber os muitos participantes.

Por aqui no Monte tentamos recuperar o atraso nas lides da horta. Depois de muitas semanas de abençoada chuva tempos têm estado uns dias de Sol que enxugam a terra permitindo que seja fabricada. Ontem e hoje o tractor tem dado duro. Esperemos que fique suficientemente branda para amanhã podermos deixar na terra o tomate, o feijão, o pepino e mais umas ervilhas e favas para nos alegrarem a mesa.

E são assim os dias do Alentejo, ajudam a pensar um pouco menos nos dias do mundo.

sexta-feira, 25 de abril de 2025

25 DE ABRIL

 Não pode deixar de ser, é dia 25 de Abril. É o dia em que toda a gente, quase, fala daquele 25 de Abril, o de 74. Mais do que nunca importa recordar os valores inspiradores do 25 de Abril. Muito do que considerámos adquirido está de novo em causa e assombra-nos os dias.

Quase sem nos darmos conta os anos passam, já lá vão 51 anos. Actualmente, boa parte da população portuguesa não viveu o 25 de Abril de 1974, nem o 24 de Abril com tudo o que continha. Talvez por isso e sem esquecer tudo o que aconteceu nestes 51 anos de bom e de menos bom, valha a pena olhar um pouco para o 24 de Abril de 74 e que sustentou o desencadear da mudança e pode sustentar o caminho para o futuro.

É verdade que a história tende a ser uma espécie de adereço, tal como a generalidade das ciências sociais e não uma potente ferramenta de desenvolvimento das comunidades. Estamos num tempo em que à história se dá pouca atenção e o futuro é percebido como muito longe, vive-se a urgência do hoje. No entanto, perceber e conhecer o que foi a estrada que percorremos é fundamental para viver e conhecer o presente e querer construir um futuro com uma visão escolhida por nós.

É verdade que estamos a viver tempos particularmente difíceis, com cenários que pensávamos que não aconteceriam, mas também é verdade que não é sequer possível comparar o país de hoje com o país de 1973.

Já passaram 51 anos, para refrescar algumas memórias ou contar alguma história aos mais novos, deixem que vos fale um pouco da escola do meu tempo, o tempo dos anos cinquenta e sessenta.

Escolho voltar a falar da escola porque é um universo que conheço um pouco melhor, mas poderia fazer o mesmo exercício em muitas outras áreas de funcionamento da nossa sociedade. Não me esqueço, antes pelo contrário, que a nossa educação, a escola, como tudo o resto, também tem atravessado, atravessa e provavelmente sempre viverá dificuldades e problemas sérios, mas só a falta de memória, uma qualquer agenda ou o desconhecimento sustentam o “antigamente era melhor” e inquietam-me discursos que emergem defendendo “aquela” escola, “aquela” educação, a de “antigamente”. Já não é a primeira vez que falo disto e não será certamente a última. Vejamos, pois, um pouco da escola do meu tempo, conversa de velho, já se vê.

A escola que havia lá para trás no tempo não era grande, nem pequena, era triste. A maioria das pessoas que por lá andavam eram, naturalmente, tristes. É claro que nós miúdos também nos divertíamos e ríamos, os miúdos são resilientes e … são miúdos.

As pessoas que mandavam na escola estabeleciam o que toda a gente tinha de aprender, fazer, dizer e pensar. Quem pensasse, dissesse ou fizesse diferente podia até sofrer algum castigo, mesmo os professores, não eram só os alunos. Não se podia inventar histórias, as pessoas contavam só histórias já inventadas. Às vezes, os miúdos e os professores, às escondidas, inventavam histórias novas.

Eu andei nesta escola lá para trás no tempo.

E na escola do meu tempo nem todos lá entravam e muitos dos que o conseguiam saíam ao fim de pouco tempo, ficando com a segunda ou terceira classe, como então se chamava, outros completavam a quarta classe, a escolaridade obrigatória naquela altura. Chegava.

Alguns outros, nem se entendia que deveriam estar na escola, eram pessoas com deficiência, ainda não sabíamos falar de necessidades educativas especiais nem de inclusão, que iriam fazer para a escola.

E na escola do meu tempo os rapazes estavam separados das raparigas.

E na escola do meu tempo havia um só livro e toda a gente aprendia apenas o que aquele livro trazia.

E na escola do meu tempo levavam-se muitas reguadas, basicamente por dois motivos, por tudo e por nada.

E na escola do meu tempo ensinavam-nos a ser pequeninos, acríticos e a não discutir, o que quer que fosse.

E na escola do meu tempo eu era “obrigado” a ter catequese, religiosa e política.

E na escola do meu tempo aprendia-se que os homens trabalham fora de casa e as mulheres cuidam do lar e dos filhos.

E na escola do meu tempo não aprender não era um problema, quem não “tinha jeito para a escola, ia para o campo”. Quanto menos estudassem, menos perguntas e dúvidas teriam.

E na escola do meu tempo não se falava do lado de fora de Portugal. Do lado de dentro só se falava do Portugal cinzento e pequenino.

Na escola do meu tempo eu era avisado em casa para não falar de certas coisas na escola, era perigoso.

Quem mandava no país achava que muita escola não fazia bem às pessoas, só a algumas. Ao meu pai perguntaram porque me tinha posto a estudar depois da quarta classe, não era frequente naquele meio, para ser serralheiro como ele não precisava de estudar mais.

Sim, eu sei, não precisam de me dizer que a escola deste tempo tem muitas coisas, embora com outras vestes e discursos, que nos recordam a escola do meu tempo. Nem tudo está bem, longe disso e algumas questões não mudaram na substância, apenas se actualizaram. No entanto, o caminho é melhorar a escola deste tempo não é, não pode ser, querer a escola do meu tempo.

Eu andei naquela escola lá para trás no tempo.

Por isso, quando falam da escola hoje, penso, nunca mais voltarei a andar naquela escola. E não quero que os meus netos e os outros miúdos andem numa escola como aquela, a minha escola, lá para trás no tempo.

Também por isso hoje falamos do 25 de Abril de 1974 e do que os tempos nos trouxeram.

25 de Abril sempre.

quinta-feira, 24 de abril de 2025

INCLUSÃO E ENSINO SUPERIOR

 Lê-se no Público que, de acordo o inquérito anual da DGEEC relativo às condições que os estabelecimentos de ensino superior para acolhimento da população escolar com necessidades especiais, o número de alunos aluno nesta condição inscritos no superior mais do que duplicou em cinco anos, de 2311 em 2019/20, para 5309 em 23/24, 80% no ensino público.

No entanto a taxa de abandono aumentou ligeiramente, de 10,25% para 11% no ano passado.

A candidatura de alunos com necessidades especiais ao ensino superior tem previsto um contingente prioritário para candidatos com deficiência apenas “os titulares de atestado médico de incapacidade multiuso que avalie incapacidade igual ou superior a 60% ou os titulares de parecer positivo de comissão de peritos”. Será ainda obrigatória a comprovação “das medidas adicionais de suporte à aprendizagem durante o percurso do ensino secundário justificadas pela deficiência em causa”.

Dadas as dificuldades sentidas o MECI manifestou a intenção no ano passado de alterar este quadro, o que creio não se ter verificado.

Como já aqui tenho escrito, é habitual ouvir-se que, recorrer a quotas ou contingentes especiais para minimizar exclusão ou desigualdade, não sendo o ideal, pode ajudar a minimizar os problemas. No entanto, a questão é mais complexa, nem sempre as vagas definidas no contingente especial são preenchidas.

Para além da definição de quotas no acesso ao superior e dos seus critérios de aplicação, a promoção da qualificação de cidadãos com necessidades especiais e, portanto, da sua inclusão começa na educação pré-escolar e durante todo o trajecto do ensino básico e secundário. Neste percurso é crítica a necessidade de dispositivos de apoio competentes e suficientes.

A realidade, no âmbito da chamada educação inclusiva, apesar das boas experiências que existem, não é a que muitas vezes se vê referida. A título de exemplo e como qui muitas vezes referi, nem sempre é cumprido o limite de alunos com necessidades educativas especiais por turma.

São claramente insuficientes os recursos técnicos e humanos, psicólogos, terapeutas e auxiliares e verifica-se a incapacidade de muitas escolas na operacionalização das medidas de apoio definidas nos relatórios técnico-pedagógicos. As direcções escolares referem a insuficiência de recursos humanos adequados que se agudiza com dramática falta de docentes.

Acresce que, como já aqui referi a propósito do contingente prioritário para alunos carenciados, a decisão de continuar para o ensino superior é construída durante todo o trajecto do básico e secundário. Trajectos educativos bem apoiados promovem expectativas mais elevadas de alunos e famílias, valorizam o conhecimento e a qualificação e, portanto, são mais potenciadores da intenção de continuar a estudar. Donde, é imprescindível um forte investimento em recursos e dispositivos de apoio que que sustentem mais sucesso para todos os alunos de todas as escolas.

Também sabemos que, sem estranheza, as famílias em situação mais vulnerável expressam mais frequentemente expectativas mais baixas ou nulas sobre o sucesso escolar dos seus filhos e sobre a importância de estudar. Por outro lado, também sabemos que a entrada no mercado de trabalho de pessoas com deficiência ainda tem mutos obstáculos. Torna-se, assim, necessário um trabalho que envolva as famílias no sentido de construir ou reajustar expectativas sentirem a existência de uma imagem criadora de futuro.

Embora já seja feito em muitas escolas, sobretudo no final e durante o pós-básico, seria desejável que os dispositivos de orientação vocacional tivessem os recursos necessários para de forma alargada providenciarem informação clara sobre a natureza da oferta formativa, das suas características e solicitações, a que áreas de desempenho permitem aceder no mundo profissional, etc. Por outro lado, esse apoio também envolve o trabalho com os alunos no sentido de ajudar a um processo de tomada de decisão que seja base para procurar qualificação, de natureza diversa, no ensino superior.

Já no ensino superior e para todos os alunos é importante que existam dispositivos de apoio institucionais e também formas de mentoria desenvolvidas já por alunos a frequentar os estabelecimentos que contribuam para melhores e mais rápidos processos de adaptação a novas rotinas, métodos de trabalho, dificuldades de adaptação, etc. O nível de desistência da frequência é mais alto nas populações mais vulneráveis.

Uma nota final para o óbvio, as mudanças mais estruturais requerem investimentos e os recursos são finitos, nenhuma dúvida.

No entanto, as políticas públicas exigem opções e, também por isso, são avaliadas.

quarta-feira, 23 de abril de 2025

A MORTE ASSISTIDA, O QUE PARECE SIMPLES NO QUE É COMPLEXO

 Sem surpresa e como titula o Público, “Ainda não foi desta que Constitucional aprovou eutanásia e suicídio assistido”. Resta continuar a insistir. Nesse sentido, algumas notas que retomo.

A discussão sobre a problemática do suicídio assistido e da eutanásia, tal como aconteceu com a interrupção voluntária da gravidez, está, do meu ponto de vista, contaminada por um pecado original, os termos em que mais habitualmente se enuncia a questão.

Discute-se se somos contra ou a favor do suicídio assistido e da eutanásia al como se discutia se se era contra ou a favor do aborto. Os termos da discussão deveriam sempre ser colocados na posição contra ou a favor da descriminalização do processo de morte assistida em condições claramente reguladas e definidas legalmente.

Da mesma forma e relativamente à IVG, a questão era entender se a mulher que dentro das condições estabelecidas e de forma regulada recorresse à interrupção voluntária da gravidez deveria ser criminalizada. Isto não tem nada a ver com “ser contra ou a favor do aborto”.

Com a aprovação desta lei não se abriu a anunciada “Caixa de Pandora”, não subiram os casos de IVG, antes pelo contrário, desceram e baixaram significativamente os problemas decorrentes deste processo existentes com a situação anterior, designadamente as graves ou fatais complicações de saúde das mulheres.

Também da eventual despenalização do suicídio assistido e da eutanásia não creio que venha o caos e o terror anunciados num argumentário que em muitos discursos individuais ou institucionais destila manipulação e hipocrisia e insulta a inteligência e a sensibilidade.

Não sei o que será o meu entendimento pessoal se e quando estiver em circunstâncias críticas, imagino que quererei serenidade e dignidade.

No entanto, sei que não devo impedir ninguém de recorrer suicídio assistido e da eutanásia sem que daí decorra a imputação de um crime a alguém.

É uma decisão individual, que se aplica no âmbito dos direitos individuais e da dignidade, nunca de um grupo político, de uma religião ou de uma corporação profissional. Nenhuma destas instituições é dona da autodeterminação, da autonomia, da cidadania num quadro extremo e irreversível de sofrimento e desespero.

António Gedeão afirmou na “Fala do Homem Nascido”, “Só quero o que me é devido por me trazerem aqui que eu nem sequer fui ouvido no acto de que nasci”.

Toda a gente nasceu sem ser ouvida e muita gente vive sem a dignidade que lhe é devida.

Talvez a gente pudesse ser ouvida no acto de que morrerá e ter no seu fim ou pelo menos no seu fim, a dignidade que lhe é devida.

Não é simples, não é fácil, envolve outras pessoas e os seus valores, mas não vejo outro caminho.

terça-feira, 22 de abril de 2025

TERCEIRO PERÍODO

 Estamos num tempo de alguma expectativa, lamentavelmente mais baixa do que gostaria, relativamente ao que no imediato e a prazo serão as políticas públicas de educação. Neste tempo de pré-campanha o que se vai ouvindo …

Entretanto, cumprindo os tempos do ano escolar estamos no início do terceiro período ou na parte final do ano lectivo para as escolas “semestralizadas”.

Para muitos alunos será o período da decisão, das decisões. Uma boa parte dos alunos estará já "arrumada", ou porque convivem com um "chumbo" anunciado ou porque terão perspectivas de sucesso, com excelência ou com suficiência. Para quase todos os outros o terceiro período é o da recuperação, a última tentativa para "salvar" o ano. Alguns destes alunos ainda poderão ser incorporados no “contingente” da avaliação simpática, por vezes forçada, que compõe as estatísticas que alimentam os percursos de sucesso.

Também existe um grupo significativo de alunos dos quais se espera que recuperem o rendimento escolar de forma a salvar o ano, pelo que crescerá exponencialmente o recurso à velha "explicação", um importante nicho de mercado para professores, ex-professores, candidatos a professores ou simples curiosos que se dedicam à lucrativa arte. Aliás, ainda durante as férias de Páscoa muitas crianças e adolescentes terão passado já algum tempo nos centros de explicações. É preciso ir adiantando para garantir a "recuperação", a nota que permita “passar” ou dê acesso ao curso escolhido, pelo aluno ou pela família.

É também um período de promessas, "se passares, nós oferecemos-te ...", "se tiveres notas para entrar, terás ...". Chamam-se incentivos e providenciam, esperam os pais, uma ajuda extra à motivação para esta parte final do ano lectivo.

Para alguns alunos este terceiro período vai anteceder, espera-se uma mudança, de ciclo, de escola ou a por muitos desejada passagem para o ensino superior, esperemos que não desistam de estudar.

No final do ano uma parte dos alunos ainda vai realizar algumas provasde ModA (monitorização da aprendizagem) e outros exames finais desmaterializadas, decisão que levanta sérias dúvidas sobretudo no 1º ciclo por razões que já aqui referi. Talvez fosse de apostar mais na desburocratização e na “desgrelhação” dos processos que realização de provas em suporte digital. No 9º e 12º teremos os exames com as mudanças já verificadas no ano anterior.

No entanto, para outros alunos, o terceiro período vai deixá-los mais perto do insucesso, da desmotivação, do abandono revoltado ou resignado. Eles terão falhado, mas não terão sido só eles, nós também.

Existe ainda um grupo de alunos que, à luz de um novo paradigma e de uma onda de inovação, vive dentro de espaços curriculares ou físicos que os podem “guetizar” e de quem também não se espera muito, são “adicionais”, são “selectivos”, são “redutores”, são outra qualquer designação muitas vezes começada em “dis”, que procuram sobreviver a ambientes que nem sempre são muito amigáveis e inclusivos apesar de algumas boas práticas que se saúdam e registam.

Na verdade, os próximos meses vão ser pesados, exigentes, apesar de haver quem entenda como fáceis os trabalhos dos alunos … ou dos professores.

Boa sorte e bom trabalho, para alunos, professores e pais.

segunda-feira, 21 de abril de 2025

EPPUR SI MUOVE

 Partiu o Papa Francisco. Apesar da sua empatia, da natureza de muitas das suas intervenções públicas, atento "às dores do mundo", em defesa dos mais desprotegidos e do seu carisma partiu sem, também ele, lidar de forma mais eficiente com os desafios que a Igreja enfrenta e dos males de que padece.

A questão crítica é a escolha da direcção a seguir, a continuação dos pecados e do imobilismo com a crença na absolvição ou a redenção que a renove. Apesar de alguma frescura nos discursos e comportamento e algumas inciativas não mais do frestas apertadas do Papa Francisco não estou particularmente crente numa mudança substantiva embora, mesmo como agnóstico, a julgue essencial pelo papel e significado que a igreja ainda mantém nas nossas comunidades.

A propósito das mudanças na Igreja, ou a sua ausência, considerando a referência que ainda constitui para muita gente, recordo que D. Manuel Martins, bispo emérito de Setúbal, afirmava em 2012 em entrevista ao JN, que a Igreja não está à altura do momento, está "atrasada" e não presta atenção às "transformações do mundo". E assim parece continuar.

A afirmação de D. Manuel Martins lembrou-me o conhecido enunciado, "no entanto ela move-se". Ao que a história ou a lenda rezam, no séc. XVII Galileu Galilei reagiu com esta mítica afirmação à sua condenação no Tribunal do Santo Ofício pela defesa do modelo heliocêntrico, a Terra move-se em volta do Sol.

Do meu ponto de vista, a reconhecida perda da influência da Igreja Católica, sobretudo nos países mais desenvolvidos, deve-se também ao seu imobilismo, à forma conservadora como não reage às óbvias mudanças sociais, políticas, económicas e culturais sustentando um progressivo afastamento da vida das pessoas, apesar da empatia revelada pelo Papa Francisco.

Um dia, talvez a instituição Igreja aceite e perceba a importância e a necessidade de mudança no discurso e nas atitudes relativas ao divórcio e casamento, às uniões entre pessoas do mesmo sexo e adopção por parte destes casais, à anticoncepção, ao celibato dos padres, à abertura do sacerdócio às mulheres, o combate à ostentação visível em parte das estruturas da igreja, etc.

No entanto, considerando o que se tem ouvido e é conhecido das intervenções da hierarquia da Igreja, não creio que, apesar de alguns comportamentos, iniciativas e discursos do Papa Francisco e também da significativa mudança de estilo face ao seu antecessor Bento XVI, não parece ter-se desencadeado algum movimento de alteração significativa nas posições da Igreja sobre estas matérias apesar de algumas situações ou iniciativas mais pontuais.

Eppur si muove.

domingo, 20 de abril de 2025

DO PRECISAR E DO GOSTAR

 Quando olhamos para o mundo o mundo num Domingo de Páscoa e recordando a Cantata da Paz de Sophia de Mello Breyner Andresen, “Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”. Mas hoje deixemos a agenda de lado, é um tempo em que muitas famílias se juntam, a meio das férias escolares, umas notas sobre o universo da educação familiar.

De uma forma geral, as crianças, independentemente das suas capacidades de comunicação e idade, dizem-nos e mostram mais facilmente o que gostam do que daquilo que precisam. Parece claro. É verdade que algumas vezes gostam do que precisam, mas ... nem sempre é assim, antes pelo contrário, não gostam do que precisam. Aliás, connosco adultos, também é assim.

Por outro lado, muitos de nós, crescidos, sabemos do que elas precisam, mas damos-lhes o que elas gostam acreditando que elas serão capazes de construir por si o que precisam. Às vezes, muitas vezes, não é assim e é arriscado acreditar.

Também é verdade que muitos adultos, sabendo o que elas precisam tentam e frequentemente conseguem que elas também gostem.

Quando assim acontece fica tudo bem mais fácil, em casa e na escola, no comportar ou no aprender.

sábado, 19 de abril de 2025

MERECE LEITURA

 O texto de Paulo Prudêncio no Público, “O país desistiu do professor e abriu as portas a pequenos tiranetes” merece leitura atenta.

Numa altura em que o Ministério da Educação anuncia mudanças no modelo de governança das escolas, o texto é um bom contributo para essas alterações.

Como aqui escrevi há poucos dias, Camões já afirmava que um “fraco Rei faz fraca a forte gente” o que numa actualização republicana poderá entender-se como a defesa de lideranças competentes, com uma gestão participada, com mecanismos de eleição alargados, transparentes, escrutinados e com, insisto, mecanismos de regulação que previnam excessos e abusos.

sexta-feira, 18 de abril de 2025

PARTIU NUNO GUERREIRO

 Cedo de mais partiu Nuno Guerreiro, umas das vozes que está inscrita na banda sonora da minha vida.

Era vocalista do grupo Ala dos Namorados e a sua interpretação de “Loucos de Lisboa” é apenas um exemplo de uma particular e bonita forma de cantar.



quinta-feira, 17 de abril de 2025

O VELHO PESCADOR

 Lá naquela terra onde acontecem coisas havia um Velho Pescador que toda a gente considerava o melhor pescador que por lá tinha aparecido.

Não havia peixe que ele não conseguisse pescar só que o Velho Pescador tinha uma particularidade até um bocado estranha, pescava os peixes para falar com eles, passado algum tempo, voltava a colocá-los na água e ficava a vê-los ir à sua vida, nadando para longe à procura do seu mundo.

É claro que as pessoas não percebiam muito bem o Velho Pescador, primeiro porque raramente algum peixe lhe escapava e também porque, era mesmo esquisito, os peixes pareciam ficar tranquilos a ouvir o Pescador Velho o tempo que ele estivesse a falar para eles com um jeito manso.

O Velho Pescador quando lhe perguntavam como conseguia que os peixes se deixassem pescar e encantar por ele respondia que era uma questão de escolher bem o isco. Afirmava que é preciso estudar bem os peixes, cada peixe, e depois arranjar o isco que levaria cada um, mesmo os mais arredios a morder e a ficar cativados a ouvir e, depois, ir embora tranquilos.

Por isso é que naquela escola não havia aluno que não gostasse daquele professor.

quarta-feira, 16 de abril de 2025

QUALIFICAÇÃO A MAIS OU DESENVOLVIMENTO A MENOS

Lê-se no Público que de acordo com dados do Eurostat relativos a 2024, em Portugal, 16% dos diplomados entre os 20 e os 64 anos Em Portugal, 16% dos diplomados têm qualificações a mais para o trabalho que realizam. Ainda assim, trata-se de um valor inferior à média na UE, 21,4%.

Parece-me que em matéria de políticas públicas de economia e emprego este indicador merece reflexão.

Nos últimos anos, felizmente, temos vindo a assistir a um aumento do nível de qualificação, mas parece verificar-se um inquietante desperdício do capital mais importante, a qualificação dos recursos humanos. Para além da “sobrequalificação” para os empregos disponíveis acresce a debandada de muitos jovens adultos qualificados para outros países em busca de projectos de vida mais sólidos e compatíveis com as suas motivações e qualificação.

Por outro lado, estão identificados dois factores considerados fortemente contributivos para este cenário.

Verifica-se que o peso da indústria e dos serviços de alta tecnologia é baixo e, por outro lado as limitações da contratação que se tem verificado no sector público.

Sem que seja, longe disso, um especialista nesta área, creio que tem faltado uma estratégia concertada envolvendo a qualificação dos cidadãos e, simultaneamente a qualificação e organização do trabalho e emprego por parte do universo de empregadores.

Acresce que nesta equação terá de ser considerado algo que me parece pouco referido e valorizado, o nível de qualificação dos empregadores.

Considerando como indicador um trabalho do divulgado em 2018 pelo Observatório das Desigualdades do ISCTE, "O mercado de trabalho em Portugal e nos países europeus", com base em dados do Instituto Nacional de Estatística e do Eurostat, em 2017 e a formação de nível superior, os empregados eram 27,1% e os empregadores, 20,1%.

Este cenário, torna ainda mais necessária a existência de políticas públicas que sustentem e promovam de forma consistente e prolongada a modernização do mercado de trabalho, a qualificação do emprego que não pode assentar em proletarização dos salários e precariedade que desincentiva a busca de qualificação, a aposta em sectores de actividade que absorvam mão-de-obra mais qualificada e com maior produtividade, entre outros aspectos.

A divulgação dos dados relativos à “sobrequalificação” pode sustentar o perigoso entendimento de "não compensa estudar". Na verdade, contrariamente à tão afirmada quanto errada ideia de que somos um país de doutores, continuamos, em termos europeus, com uma taxa baixa de qualificação superior em todas as faixas etárias incluindo as mais jovens.

O que acontece verdadeiramente é termos desenvolvimento a menos, não é qualificação a mais, temos um mercado de trabalho proletarizado e a proletarizar-se que não absorve a mão de obra qualificada. Não podemos passar a mensagem de que a qualificação não é uma mais-valia.

terça-feira, 15 de abril de 2025

A HISTÓRIA DO EXCELENTE

 Hoje, casualmente, ouvi um pedaço de conversa entre duas mães que me fez recordar uma história que aqui contei.

Era uma vez um rapaz chamado Excelente. Na verdade e apesar do nome, não era assim muito excelente, era mesmo um rapaz muito discreto, quase cinzento, ou transparente, como aquelas pessoas que até quando estão à nossa frente mal reparamos nelas.

O rapaz foi crescendo e toda a gente lhe fazia sentir que tinha de ser Excelente em todas as actividades em que se envolvia. É assim a vida de muitos miúdos, todos à sua volta esperam que eles sejam excelentes, em tudo.

No entanto, o Excelente era um daqueles rapazes que não se distinguia em nada do que fazia, seja actividades escolares, actividades desportivas ou de outra natureza. Também não revelava grandes dotes artísticos e não era propriamente um miúdo com grande nível de relacionamento social. Apesar deste seu estar, a pressão para ser excelente continuava, vinda, sobretudo dos professores e da família.

De mansinho, esta pressão, grande demais para o Excelente, começou a instalar nele um desconforto malino, consigo e com a vida de quem teria de ser um Excelente que não era.

Sem se dar conta muito bem do que estava a acontecer, começou a reagir a esse desconforto e pouco a pouco foi descobrindo que, finalmente, estava a fazer algo em que parecia um Excelente.

Os seus colegas achavam-no o mais popular da turma, a maioria admirava-o e até fazia questão de se mostrar amiga do Excelente. Os professores mudaram de opinião sobre o rapaz, agora já achavam que na escola havia poucos alunos como ele. Até os pais se surpreenderam com o Excelente, nunca ninguém na família tinha sido assim.

O Excelente tinha finalmente encontrado algo em que era bom, mesmo muito bom. Era o melhor da sua turma a portar-se mal, aliás, era mesmo dos melhores na escola nesse fazer.

Agora sim, era um Excelente.

segunda-feira, 14 de abril de 2025

DA GOVERNANÇA DAS ESCOLAS E AGRUPAMENTOS

 No Público encontra-se uma peça centrada nas direcções escolares. Ao que se lê, durante este ano  cerca de 200 directores deverão abandonar a liderança das suas escolas ou agrupamentos por cumprir 16 anos na função, quatro mandatos.

Existem muitas situações de directores que desempenham a função há bem mais que os 16 anos. Por outro lado, tal como noutros sectores, veja-se as candidaturas às autarquias, um director que está obrigado a terminar o tempo de liderança numa escola ou agrupamento pode candidatar-se a outro. Está nesta situação, em trânsito, o professor Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, que defende a ausência de limites de mandato e que, tendo estado nos últimos 30 anos na gestão do Agrupamento de Escolas Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, já foi eleito, aguardando a homologação para director do Agrupamento de Escolas D. Pedro I, também em Gaia. É assim, nada de novo, as leis em Portugal são basicamente indicativas, não imperativas. Não existindo o estatuto de director, prometido pelo actual Ministro, o director será sempre professor e, portanto, não é director, está como director. Provavelmente, alguns já não saberão como ser professor.

Muitas vezes aqui tenho referido que seria desejável alterar o modelo de governança das escolas. A ver vamos a próxima legislatura traz alguma alteração.

fiquei surpreendido, mas naturalmente agradado, com a divulgação. 

A verdade é que são recorrentes a divulgação e o conhecimento por parte de quem se move neste universo de inúmeras situações negativas envolvendo a direcção de escolas e agrupamentos como, também devemos registar, situações que correm de forma positiva dentro do que se pode esperar num universo tão complexo como a educação.

Retomo algumas notas sobre a direcção de escolas e agrupamentos. O modelo de direcção unipessoal das escolas e agrupamentos e a forma como é desempenhado volta com regularidade à agenda incluindo o questionar do próprio modelo face a uma direcção colegial. Têm existido estudos de opinião e tomadas de posição individuais ou manifestos que alimentam a discussão ou mesmo a necessidade de alterar o modelo de direcção.

Como já tenho afirmado a propósito de outras matérias, talvez fruto do ambiente de fortíssima tensão que nos últimos anos envolve a educação, os debates e as ideias também tendem a ser crispados, com opiniões definitivas e sem margem de entendimento e, frequentemente, com agendas menos explícitas. O modelo de gestão das escolas será apenas mais um exemplo deste cenário.

Com o atrevimento de quem não vive por dentro o quotidiano das escolas, mas que nas últimas décadas tem, como profissional e como cidadão, acompanhado de forma atenta o universo da educação, recupero algumas reflexões que já aqui deixei e que continuam actuais. Levo também em conta a experiência de alguns anos de presença como elemento da comunidade nos Conselhos Gerais de dois agrupamentos da zona onde vivo.

Conforme tenho dito, sempre me pareceu claro que a transformação da direcção de escolas e agrupamentos num modelo unipessoal e a sua forma de eleição através dos conselhos gerais, acompanhada por uma política de mega-agrupamentos diminuindo substancialmente o número de unidades orgânicas, gosto desta designação, se inscreveu na sempre presente tentação de controlo político do sistema. A experiência tem vindo a evidenciar essa situação.

São conhecidos casos, alguns chegam à imprensa, de processos de eleição de direcções escolares que mais não são do que formas de colocar pessoas com o alinhamento certo na função. Aliás, o próprio funcionamento dos Conselhos Gerais é, em algumas situações, um exemplo disto mesmo. Assim sendo, o modelo de gestão unipessoal e a forma de eleição dos directores não são garantias de “mais democracia” ou “melhor democracia” nas escolas.

Dado um pecado estrutural do nosso sistema educativo, a ausência ao longo de décadas de dispositivos eficientes de regulação, coexistem boas experiências e práticas em situações de direcção unipessoal com situações bem negativas.

Por outro lado, importa recordar que, em muitas circunstâncias, também a “gestão democrática", de democrática não tinha assim tanto e também se verificavam casos gritantes de menor competência.

Dito isto, parece-me que tanto quanto ou mais do que o modelo de direcção, unipessoal ou colegial, julgo de reflectir na forma de eleição, participam todos os docentes ou um pequeno grupo que “representa” o corpo docente no conselho geral, o mesmo se passando com os funcionários. É ainda de considerar a forma de participação de pais e autarquias no processo de eleição bem como de elementos da comunidade.

Por outro lado, também me parece que deve existir um claro reforço do papel dos Conselhos Pedagógicos no funcionamento de escolas e agrupamentos. Parece-me também clara a vantagem da presidência do Pedagógico ser claramente independente da direcção da escola, sobretudo num modelo de direcção unipessoal.

Importa também que a reflexão sobre a direcção de escolas e agrupamentos seja acompanhada de uma verdadeira reflexão sobre o quadro de autonomia nas suas várias dimensões e equilíbrios. Qual o efeito da municipalização ou “proximidade”, como também lhe chamam, na autonomia e funcionamento de escolas e agrupamentos.

É claro que quanto mais sólido for o modelo de autonomia das escolas mais importante se torna o papel e função da direcção, independentemente do modelo. Esta é do meu ponto de vista a questão central.

Muitos estudos e a experiência mostram que nas organizações, incluindo escolas, a qualidade das lideranças tem um impacto forte no desempenho, em diferentes dimensões, das instituições e também de todos os que nela funcionam. Boas lideranças escolares traduzem-se em melhores e mais estáveis climas de trabalho, maior nível de colaboração entre os profissionais, menor absentismo, melhores resultados ou menos incidentes de natureza disciplinar, ambientes escolares mais amigáveis em termos de educação inclusiva, melhor relação com pais e comunidade, entre outros aspectos. Como exemplo, em 2019 um estudo realizado pela Universidade do Porto da Universidade do Porto sugeria que o estilo de liderança dos directores das escolas tem um impacto importante na motivação dos professores pois existe uma “correlação significativa entre a forma como são geridos os estabelecimentos de ensino e a relação que os docentes têm com a sua profissão.  Creio que o cenário não se terá alterado.

Camões já afirmava que um “fraco Rei faz fraca a forte gente” o que numa actualização republicana poderá entender-se como a defesa de lideranças competentes, com uma gestão participada, com mecanismos de eleição alargados, transparentes, escrutinados e com, insisto, mecanismos de regulação que previnam excessos e abusos.

Alguns episódios na contratação de docentes ou de funcionários e nos processos que envolvem técnicos e docentes, são exemplos em ter em conta pela forma negativa como foram geridos ou desencadeados por algumas direcções de escolas de escolas e agrupamentos.

Vamos ver como e quando conseguiremos a estabilidade imprescindível ao trabalho de todos os envolvidos nas comunidades escolares.

domingo, 13 de abril de 2025

O SUCESSO EDUCATIVO ESPERADO QUE NÃO ACONTECE

 Lamentavelmente e sem surpresa, o relatório da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência relativo a 22/23 mostra que o número de alunos que terminam os ciclos de ensino no tempo esperado baixou em todos os ciclos incluindo o ensino profissional com excepção do 2.º.

Também não é uma surpresa que os alunos de famílias com mais dificuldades económicas e com apoios da Acção Social Escolar tenham um abaixamento mais acentuado na conclusão de todos os ciclos no tempo esperado.

Esta questão, recorrente, no nosso sistema educativo e também está bem expressa num trabalho que integra a recente newsletter da Educação do Público numa peça de Cristiana Faria Moreira.

Tantas vezes aqui tenho abordado a relação mais do que estabelecida entre o desempenho escolar e a pobreza que se torna difícil inovar.

Os dados são inquietantes, o abaixamento global e mais acentuados nos mais vulneráveis e está bem estudada a relação entre a situação económica, laboral e nível de literacia familiar no trajecto pessoal sendo que, sem surpresa, são estes alunos que, globalmente, mais dificuldades sentem no desempenho escolar bem-sucedido.

Também sabemos que a pobreza tem claramente uma dimensão estrutural e intergeracional, as crianças de famílias pobres demorarão até cinco gerações a aceder a rendimentos médios, um indicador acima da média europeia.

A escola é certamente uma ferramenta poderosa de promoção de mobilidade social, mas, por si só, dificilmente funciona como elevador social.

O impacto das circunstâncias de vida no bem-estar das crianças e em aspectos mais particulares como o rendimento escolar ou o comportamento é por demais conhecido e essas circunstâncias constituem, aliás, um dos mais potentes preditores de insucesso e abandono quando são particularmente negativas, como é o caso de carências significativas ao nível das necessidades básicas.

Por outro lado e em termos mais globais, dado o também global abaixamento do número de alunos que termina os ciclos de estudo no tempo previsto é crítico um ajustamento nas políticas públicas de educação e sociais.

É essencial promover e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. Em Portugal os bons alunos são os que mais trabalham em casa, TPCs e explicações, dado a que, evidentemente, não é alheio ao nível de escolaridade dos pais e ao estatuto económico.

É claro que mudanças estruturais têm custos pelo que será de considerar a necessidade de investimento sério em educação, 6% do Produto Interno Bruto o que está definido pela UNESCO como meta para 2030. Talvez a aposta na Defesa condicione a aposta no futuro, a educação.

É crítica a necessidade de uma política que atraia novos docentes com um modelo de carreira valorizada, justa e atractiva.

É imprescindível é dotar as escolas de forma continua e estável dos recursos necessários para minimizar tanto e tão rápido quanto possível as dificuldades que identificam.

É necessário promover a desburocratização asfixiante e reflectir sobre modelos de governança das escolas mais adequados, competentes e participados.

Com real autonomia, com mais recursos e com modelos organizativos mais adequados e desburocratizados as escolas poderiam certamente fazer mais e melhor. que quem vem de fora numa passagem transitória, mais ou menos longa, mas transitória. Sim, tudo isto deveria ser objecto de escrutínio, regulação e avaliação também externa, naturalmente.

Escolas com mais auxiliares, auxiliares informados e formados podem ter um papel importante em diferentes domínios.

Directores de turma com mais tempo para os alunos e professores com menos alunos poderiam desenvolver trabalho útil em múltiplos aspectos do comportamento e da aprendizagem.

Psicólogos e outros técnicos em número mais adequado poderiam acompanhar, promover e desenvolver múltiplas acções de apoio a alunos, professores, técnicos e pais.

Mediadores que promovessem iniciativas no âmbito da relação entre escola, pais e comunidade seriam, a experiência mostra-o, um investimento com retorno. Repetindo e sintetizando, os professores sabem como avaliar e identificar as dificuldades dos alunos.

Uma nota final para sublinhar a necessidade de estabilização curricular e da questão da avaliação e percurso escolar dos alunos e reafirmo a importância da avaliação externa como reguladora do trabalho realizado.

É este o desafio que enfrentam as políticas públicas de diferentes sectores. Estamos num período pré-campanha para legislativas, talvez seja de saber de programas e intenções neste universo e que não passem de retórica de campanha.

Em nome do futuro, não podem falhar, repito, não podemos falhar.

sábado, 12 de abril de 2025

O TEMPO DA ABSURDIDADE

 Quando julgamos que nada que seja afirmado ou decidido pela sinistra figura de Donald Trump nos possa surpreender, surge algo que nos surpreende e preocupa.

A ingerência, o ataque, a Universidades portuguesas inquirindo sobre questões que apenas dizem respeito à sua autonomia funcional e científica é inacreditável e, obviamente, inaceitável.

Andaram bem as reitorias e o Conselho de Reitores na recusa de resposta.

Mais preocupante tem sido a benevolência de alguns discursos das lideranças políticas como, por exemplo, o Ministro da Economia.

Recordo de novo a premonitória referência de meu querido Mestre, António Bracinha Vieira, aos tempos da Absurdidade.

Em que falhámos?

sexta-feira, 11 de abril de 2025

SERVIÇOS DE PSICOLOGIA E ORIENTAÇÃO, SERÁ DESTA?

 Não é com a frequência que gostaríamos que se encontram boas notícias no universo da educação. É certo que estamos já em campanha eleitoral para as legislativas, mas, leio no Público, foi ontem publicado em DR um diploma estabelecendo que no próximo ano lectivo serão reforçados os Serviços de Psicologia e Orientação definindo um rácio de um psicólogo para 500 alunos e a existência de um psicólogo(a) em escolas com um efectivo mais baixo. Provavelmente, assistiremos a uma qualquer forma de tortura da realidade de forma a que confesseque existe um psicólogo para cada 500 alunos.

A confirmar-se seria, de facto, uma boa notícia e espero que também, conforme foi anunciado em Novembro de 2024, a vinculação dos cerca de dois mil técnicos especializados, psicólogos, terapeutas da fala, informáticos ou assistentes sociais que desempenham funções nas escolas há anos com contratos a termo.

Vamos ver se não será mais um exercício de "wishful thinking".

Umas notas para insistir na relevância dos Serviços de Psicologia criados em 1991 por legislação agora alterada e que nessa altura acompanhei durante algum tempo enquanto estive nos Serviços do ME que os tutelava.

Considerando o Referencial para a Intervenção dos Psicólogos em Contexto Escolar, o estado da arte em matéria de psicologia da educação e de contextos de intervenção carregados de constrangimentos, o empenhamento e a competência dos profissionais pode dar um contributo sólido para a qualidade dos processos educativos de todos os alunos. Para além do trabalho com alunos é crítica a colaboração e intervenção com professores, funcionários, direcções e pais e encarregados de educação, para além de outras respostas na comunidade dirigidas à população em idade escolar.

No entanto, como tantas vezes tenho escrito e afirmado, desde 1991 a presença dos psicólogos em contextos educativos tem vivido entre as declarações dos vários actores, incluindo a tutela, sobre a sua necessidade e importância e a lentidão, insuficiência e precariedade no sentido da sua concretização.

Rem sido recorrente a afirmação por parte de sucessivas equipas do ME da prioridade em promover o alargamento do número de técnicos e a estabilidade da sua presença nas comunidades educativa, mas é algo que, como se percebe, tarda em concretizar-se e insisto em notas já por aqui escritas e marcadas pelo óbvio envolvimento pessoal, quer na formação, quer na intervenção ao longo de algumas décadas.

No entanto, para além da precariedade, o número de psicólogos a desempenhar funções no sistema educativo público tem estado longe do rácio aconselhado para um trabalho mais eficiente.

Temos situações em que existe um psicólogo para um agrupamento com várias escolas e que envolve um universo com mais de 2000 alunos e a deslocação permanente entre várias escolas numa espécie de psicologia em trânsito. Não é uma resposta, é um fingimento de resposta que não serve adequadamente os destinatários, a comunidade educativa, como também, evidentemente, compromete os próprios profissionais.

Temos também inúmeras escolas onde os psicólogos não passam ou têm “meio psicólogo” ou menos e ainda a prestação de apoios especializados de psicologia em “outsourcing” e com a duração de meia hora semanal uma situação inaceitável e que é um atentado científico e profissional e, naturalmente, condenado ao fracasso de que o técnico independentemente do seu esforço e competência será responsabilizado. No entanto, dir-se-á sempre que existe apoio de um profissional de psicologia. O Referencial orientador da intervenção dos psicólogos nos contextos escolares é um documento positivo, mas corre o risco ser inaplicável em muitas situações face ao alargado espectro de funções e actividades previstas associado ao universo de destinatários.

 

Neste cenário, a intervenção dos profissionais, apesar do esforço e competência, tem um potencial de impacto aquém do desejável e necessário. Áreas de intervenção como dificuldades ou problemas nas aprendizagens, questões ligadas aos comportamentos nas suas múltiplas variantes, alunos com necessidades especiais, trabalho com professores e pais, trabalho ao nível da prevenção de problemas, etc., exigem recursos e tempo que não estão habitualmente disponíveis.

Acresce que o recurso ao modelo de “outsourcing” ou a descontinuidade do trabalho é um erro em absoluto, é ineficaz, independentemente do esforço e competência dos profissionais envolvidos.

Como é que se pode esperar que alguém de fora da escola, fora da equipa, técnica e docente, fora dos circuitos e processos de envolvimento, planeamento e intervenção desenvolva um trabalho consistente, integrado e bem-sucedido com os alunos e demais elementos da escola?

Das duas uma, ou se entende que os psicólogos sobretudo, mas não só, os que possuem formação na área da psicologia da educação podem ser úteis nas escolas como suporte a dificuldades de alunos, professores e pais em diversos áreas, não substituindo ninguém, mas providenciando contributos específicos para os processos educativos e, portanto, devem fazer parte das equipas das escolas, base evidentemente necessária ao sucesso da sua intervenção, ou então, é uma outra visão, os psicólogos não servem para coisa alguma, só atrapalham e, portanto, não são necessários.

A situação existente parece-me, no mínimo, um enorme equívoco que além de correr sérios riscos de eficácia e ser um, mais um, desperdício (apesar do empenho e competência que os técnicos possam emprestar à sua intervenção), tem ainda o efeito colateral de alimentar uma percepção errada do trabalho dos psicólogos nas escolas.

Cheguei ao fim de uma carreira de 46 anos ligada à psicologia da educação e ainda aguardo que a importância e prioridade sempre atribuídas ao trabalho dos psicólogos em contextos educativos se concretizem de forma suficiente e estável.

Será desta?

quinta-feira, 10 de abril de 2025

HISTÓRIAS DO SIMÃO - A MINHA ESCOLA

 Não tenho escrito porque tive muitos testes. Hoje falo da minha escola, tenho lá muitos amigos e amigas e no geral gosto de todas as disciplinas, nomeadamente ciências naturais e educação física.

A minha turma é o 6.º A, nós somos uma turma humilde e gentil. Ficámos em primeiro lugar no campeonato inter-turmas.

Eu gosto muito de jogar futebol e basquetebol e também não desgosto de voleibol. Também gosto de fazer salto em altura nas aulas de educação física.

Gosto dos professores porque são todos incríveis.

Falo muito nas aulas o que me prejudica nas avaliações, mas estou a tentar mudar isso.

Estou ansioso pelo próximo ano porque vamos ter ipads em vez de manuais e cadernos. A mochila vai estar muito mais leve.

Para o ano também tenho físico-química que vai ser ótimo pois eu adoro ciências e biologia.

Também há uma desdobragem, vou ter história separada de geografia o que não faz muito sentido pois “não há história sem geografia”, disse a minha professora de história.

COM UM BOCADINHO DE SORTE ...

 Com um bocadinho de sorte teria nascido numa família que o desejasse e onde não representasse um estorvo.

Com um bocadinho de sorte teria brincado quando foi a altura de brincar.

Com um bocadinho de sorte teria passado por uma escola que sentisse sua e onde acreditassem que era capaz.

Com um bocadinho de sorte teria encontrado os amigos certos que o não levassem por descaminhos.

Com um bocadinho de sorte teria encontrado alguém que gostasse dele e ficasse a seu lado.

Com um bocadinho de sorte não teria a vida, má e feia, em que mergulhou.

Com um bocadinho de sorte teria percebido que o consumo o consumiria.

Com um bocadinho de sorte não teria estado naquele momento, naquele sítio.

Com um bocadinho de sorte não teria acabado assim, ainda novo.

Com um bocadinho de sorte teria sido gente.

(…)

Tantos miúdos que nascem e crescem sem um bocadinho de sorte. Dizem que é destino ... ou fado. Será que não conseguimos contrariar o destino?

quarta-feira, 9 de abril de 2025

NOTÍCIAS DA CORRIDA DE OBSTÁCULOS

 No Expresso encontra-se uma peça muito elucidativa sobre as dificuldades enormes sentidas pelas pessoas com deficiência, colocando uma especial ênfase na acessibilidade. Deveria ser de leitura obrigatória para os os que agora se propõem ser decisores em matéria de políticas públicas.

Lamentavelmente não é nada de novo, temos falhas notórias na fiscalização e cumprimento das disposições legais relativas às questões das acessibilidades e barreiras nos edifícios, mobiliário urbano e acessibilidade em geral. As normas de construção não são respeitadas, mantendo-se em edifícios novos a ausência de rampas ou a sua existência com desníveis superiores ao estabelecido, constituindo, assim, um obstáculo e um risco.

O resultado é a existência de muitos serviços públicos e outro tipo de equipamentos de prestação de serviços com barreiras arquitectónicas intransponíveis, a que os cidadãos com deficiência só podem aceder com ajuda de terceiros e, mesmo assim, com dificuldade.

Os transportes públicos de diferente natureza também colocam enormes problemas na acessibilidade por parte de pessoas com mobilidade reduzida. Acontece ainda que frequentemente existem alguns equipamentos, mas a sua não manutenção torna-os ineficazes.

Na verdade, como tantas vezes aqui refiro, a vida de muitas pessoas com deficiência é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, que ampliam de forma inaceitável a limitação na mobilidade que a sua condição, só por si, pode implicar. No entanto, muitos dos obstáculos não têm a ver com barreiras físicas, remetem para a falta de senso, incompetência ou negligência com que gente responsável(?) lida com estas questões.

Na verdade, boa parte dessas dificuldades decorre do que as comunidades e as suas lideranças, políticas por exemplo, entendem ser os direitos, o bem comum e o bem-estar das pessoas, de todas as pessoas.

Também para as crianças com necessidades especiais e respectivas famílias a vida é muito complicada face à qualidade e acessibilidade aos apoios educativos e especializados necessários apesar do empenho e profissionalismo da maioria dos profissionais que trabalham nestas áreas.

Como é evidente, existem muitas outras áreas de dificuldades colocadas às pessoas com deficiência, designadamente apoios sociais, qualificação profissional e emprego, em que a vulnerabilidade e os riscos de exclusão e pobreza são elevados traduzido em taxas de desemprego entre pessoas com deficiência muitíssimo superiores à verificada com a população sem deficiência.

Uma referência ainda ao que deve ser um princípio não negociável, a inclusão em todos os domínios da vida das comunidades.

terça-feira, 8 de abril de 2025

NÃO, NÃO E ... SIM

Nos últimos tempos face a diversos episódios de mal-estar, violência, delinquência ou abusos que envolvem crianças, adolescentes e jovens e também com o impacto da série da Netflix, “Adolescência” as referências à relevância de regras e limites na educação dos mais novos e em diferentes áreas do seu funcionamento destacando-se a questão dos comportamentos, dos consumos de natureza diversa e, naturalmente, a exposição a ecrãs e a tudo o que por eles chega no telemóvel, no tablet ou no pc.

Ao longo da minha actividade profissional e desde há muito tenho abordado estas matérias, quer na formação dos meus futuros colegas, quer em trabalho com professores e pais com quem tive oportunidade de realizar muitos encontros interessantes, mas também com algumas inquietações, confesso, face a discursos que fui ouvindo.

E a verdade é que ao longo do tempo estas questões têm vindo a evoluir num sentido cada vez mais preocupante e, finalmente, parece que estão definitivamente na agenda familiar e institucional, designadamente, na área da educação, mas também na saúde mental.

Aqui no Atenta Inquietude têm sido múltiplas as referências a este universo.

Por curiosidade, deixo um texto de Abril de 2012, “Não, não e … sim”, que me parece manter a sua pertinência.

Já por aqui temos conversado, de forma mais séria ou através de estórias, sobre a ideia de como o ”não” e o ”sim” são bens de primeira necessidade na vida dos miúdos.

Acontece que, por diferentes razões, na vida das famílias, de muitas famílias, parece estar a ser progressivamente mais difícil administrar o “não” usando-se de forma, por vezes excessiva, o “sim”, seja de forma mais activa ou apenas por omissão do “não”.

Tal cenário acaba por estar associado a situações em que os miúdos evidenciam grandes dificuldades em perceber as regras e os limites do seu comportamento, uma das funções mais importantes do “não”. Como consequência, o comportamento dos miúdos torna-se despótico, desregulado, transformando-os no “pequeno ditador” de que alguns falam e muitos conhecem, gerando-se situações de grande embaraço e climas educativos e relacionais pouco saudáveis entre graúdos e miúdos.

Assistimos com muita frequência a cenas bem exemplificativas deste funcionamento, pais envergonhados e impotentes e meninos a fazer o que lhes passa pela cabeça, quando lhes passa pela cabeça.

Em muitas circunstâncias, os estilos de vida dos pais, o pouco tempo que têm para os miúdos, instalam de mansinho um sentimento de culpa que leva a que os pais, quase sempre sem se dar conta, se inibam, para evitar situações de tensão ou crispação que "estraguem" o pouco tempo que têm para os filhos, de dizer de forma firme e persistente, “não”, "não podes fazer isso". Acontece que o “não” inicial desencadeia no miúdo uma reacção de birra, mais ou menos exuberante, a que os pais não resistem e, é uma questão de tempo, o “não” passa a “sim” quase sempre acompanhado de um “só desta vez”, “só uns minutos” ou qualquer outra expressão que na circunstância atenue o desconforto.

Os miúdos são inteligentes, percebem muito facilmente quando um não é não ou quando o não passa rapidamente a sim. Aprendem com serenidade as regras e os limites. É, pois, fundamental que os pais se sintam confiantes e usem o “não” de forma adequada, ainda que flexível, sem medos das “birras” ou de perderem o afecto dos miúdos por serem “duros”. Na verdade, as crianças precisam dessas regras e dos limites para estabelecer relações de afecto positivas, a sua ausência é que é um risco.


segunda-feira, 7 de abril de 2025

JARDINEIROS E JARDINEIRAS DE CRIANÇAS

 A peça do Público sobre o trabalho no Jardim de Infância de Seide, Vila Nova de Famalicão, é reconfortante num contexto em que as notícias positivas sobre a educação escasseiam.

Os velhos, à medida que o são, vão olhando para trás, o futuro é mais curto e imprevisível e o que vivemos, o passado, está mais presente.

Há já uns anos atrás, em 2011, Eduardo Lourenço numa homenagem ao arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles, duas enormes figuras, considerava-o um “jardineiro de Deus” pela sua “criação de Paraísos”.

Relacionando as duas referências lembrei-me de outros jardineiros e jardineiras, os de miúdos.

Fröebel, uma figura importante entre os que dedicaram a sua vida e obra aos miúdos, é considerado o inspirador da educação pré-escolar. Na segunda metade do século XIX criou na Alemanha o que é considerado a primeira resposta educativa estruturada destinada aos mais pequenos. Fröebel, numa perspectiva indiciadora do seu pensamento, designou esta instituição por "Kindergarten", "jardim de crianças", jardim de infância ou jardim infantil como hoje são conhecidas estas instituições.

Tal como na formulação de Eduardo Lourenço acho muito bonita a ideia definida por Fröebel e inspiradora de muitas das práticas desenvolvidas em educação pré-escolar, "jardinar" as pessoas em crescimento, cuidar da qualidade do seu crescimento. Como todos hoje reconhecemos, a qualidade dos percursos das crianças nas primeiras idades é essencial para o seu futuro, quase tudo o que nos marca e nos fundamenta passa por estas idades.

Deste entendimento, resulta a importância por vezes vista de forma aligeirada do trabalho desenvolvido pelos jardineiros e jardineiras de crianças, educadores e professores, os que, para além dos pais, cuidam dos miúdos nos primeiros anos.

Estas jardineiros e jardineiras não têm como função tomar conta das crianças, é por demais importante o que realizam no trabalho diário de jardinagem, alimentam, cuidam, gostam, conversam, brincam, ensinam, organizam, estimulam, limitam, etc., tarefas que dão sustento às irredutíveis necessidades dos miúdos na fala de Brazelton, outra figura maior deste universo.

domingo, 6 de abril de 2025

"ABANDONADOS PELO SISTEMA DE ENSINO"

 Vão-se repetindo as referências às enormes dificuldades sentidas por pais e escolas na resposta adequada a alunos com necessidades especiais, desculpem a insistência na terminologia, não me dou muito bem com a inclusiva arrumação de alunos nas gavetas das medidas “universais”, “selectivas” ou “universais”.

No Público surge mais um trabalho elucidativo destas dificuldades “Pais de crianças doentes e com necessidades especiais são “abandonados pelo sistema de ensino". No trabalho são referidas situações dramáticas vividas pelas famílias e a impotência das escolas para providenciarem os apoios adequados.

Como há pouco escrevi a propósito do pedido de escusa de responsabilidade de um grupo de professores de educação especial de uma escola em Almada, os ventos não vão de feição para os mais vulneráveis.

Reconheço e conheço, aliás, como sempre conheci, excelentes e inspiradores trabalhos de professores, técnicos, pais, escolas ou instituições ao longo destas quase cinco décadas de paradigmas diferentes. No entanto, também importa reconhecer, veja-se os testemunhos da peça acima e outros, por exemplo de relatórios da IGEC, que propagandear discursos sobre inclusão assentes em “wishful thinking” ou torturar a realidade para que se mostre diferente não é assim muito eficaz. Não, muitos alunos não estão incluídos nem sequer integrados, estão “entregados” com as consequências que professores, técnicos e pais bem conhecem.

Desculpar-me-ão a heresia ou descrença, mas uma escola inclusiva é algo que não existe e, provavelmente, não existirá nos tempos mais próximos. Os modelos e estilos de vida actuais, económicos, políticos, sociais, culturais, as assimetrias brutais que se mantêm não são compatíveis com “uma escola inclusiva”, de todo, são brutalmente inquietantes os tempos que vivemos. Existem escolas, isso sim, que desenvolvem excelente trabalho com alguns alunos, o que é diferente de “uma escola inclusiva”.

Eu sei e gosto de acreditar que a escola é, também, uma alavanca de mudança, mas a verdade é que a escola, de uma forma ou de outra, é sobretudo um reflexo da sociedade que serve no tempo histórico em que vive.

No entanto, em nome dos meus netos que serão o futuro e das minhas convicções, e como disse acima, acredito numa escola que possa, quanto possível, tentar promover educação, a relação diária entre quem está na escola, assente em princípios de educação inclusiva. E neste sentido em todas escolas existirá educação inclusiva, há sempre quem a promova mesmo em contextos menos favoráveis.

Finalizo voltando ao início, as políticas públicas são onerosas, a política pública de educação é onerosa, a suficiência de recursos será sempre uma questão problemática, mas é, também, por aqui que se avaliam a competência e adequação das… políticas públicas.

E, fazendo bem as contas, a exclusão tem custo bem mais elevados.

Muitos pais, muitos alunos, muitos professores, muitos técnicos, não são “abandonados pelo sistema de ensino", estão abandonados na incompetência das políticas públicas e na retórica em matéria de educação inclusiva, seja lá isso o que for.

sábado, 5 de abril de 2025

OS DIAS MÁGICOS DA AVOZICE

 Os dias, todos os dias, nos mostram algo, nos dão algo ou nos tiram algo. O dia 5 de Abril assim é e, desculpar-me-ão, volto a sublinhar a perplexidade e o gozo da última grande descoberta nesta minha viagem que já vai longa, a avozice. É sempre assim a cada 5 de Abril ou 4 de Julho e sempre assim será enquanto não chegar o dia que nos tira tudo.

Cumprem-se hoje nove anos desde que entrei pela segunda vez no mundo encantado, no mundo mágico da avozice, nasceu o Tomás. O tempo voa e o tempo dos velhos parece que voa mais depressa.

Esta mudança de geração tem sido uma bênção em cada dia que passa e contribui decisivamente para cumprir a narrativa de um Homem de sorte, eu.

Felizmente, as circunstâncias têm mantido os netos por perto e de vez quando também no Monte, no Alentejo, como eles falam.

Às vezes, quando brincam, fico assim a olhar para eles, para os meus netos, o grande neto Grande, o Simão, que nasceu há onze anos e o grande neto Pequeno, o Tomás, a partir de agora com nove e fico a imaginar que viagens irão fazer. Nessas alturas sinto-me assim …  desculpem o atrevimento... um anjo da guarda.

Na verdade, que mais deve ser um pai ou um avô que não um anjo da guarda.

Às vezes, não sabemos, não percebemos, não queremos ou não podemos.

Mas é bonito, muito bonito.

A magia da avozice recorda-me frequentemente, já aqui o contei, a fala de um Velho de Cabo Verde, amigo do meu amigo Amílcar, que dizia a propósito do quanto gozava a sua condição de avô, "Se soubesse que ter netos era assim, tinha tido os netos antes dos filhos".

Acho engraçada a ideia e elucidativa deste mundo mágico, ser avô.

No entanto, a ordem das coisas é a ordem das coisas, cresce um filho até ser Gente, vão crescer os netos até serem Gente.

E eu espero estar por perto mais algum tempo.

sexta-feira, 4 de abril de 2025

RANKINGS ESCOLARES, UM PRODUTO SAZONAL

 Bom, aí está o produto sazonal que dá pelo nome de “ranking das escolas” nas suas diferentes declinações e leituras dos dados disponibilizados e bem pelo ME. Agora, relativos a 2024. Em linha com a sazonalidade, umas notas.

Apesar de continuar com dificuldade em defender a sua relevância, não tenho uma atitude fundamentalista face à sua construção. Sublinho, sobretudo, a evolução que se tem verificado nos últimos anos, quer na disponibilização de informação por parte do ME para além dos “meros” resultados da avaliação externa, quer na forma como essa informação é tratada e divulgada por diferentes entidades e imprensa. Este ano, em algumas abordagens é considerada a “capacidade de superação” das escolas, atingindo resultados “inesperados” para a população que servem. Deve ainda referir-se que também se  divulga algum do bom trabalho realizado em diversas escolas da rede pública.

Na verdade, se me parece muito pernitente a análise dos dados providenciados pelo ME, já me parece bem menos relevante a construção de listas classificativas de escola.

Continuo também a sentir-me incomodado com as estratégias de marketing dos negócios da educação a propósito da divulgação dos rankings, basta olhar para as páginas da imprensa que divulga rankings. A própria imprensa em algumas das peças que acompanham os rankings serve essas estratégias.

A mais frequente defesa da sua construção assenta na importância da avaliação externa. No entanto, é evidente que a imprescindível avaliação externa não tem que, necessariamente, obrigar à construção dos rankings que, aliás, alguns países não realizam.

Mas existindo e apesar das mudanças que se têm verificado que mostram, ou não, os rankings?

Dificilmente mostrarão algo de substantivamente diferente como parece claro.

Mostram que genericamente as escolas privadas apresentam melhores resultados e que também existem escolas privadas com resultados mais baixos. Mostram algumas notas simpaticamente altas.

Mostram que existem escolas públicas com bons resultados e escolas públicas com resultados menos bons.

Mostram uma descida dos resultados médios apesar de mais resultados positivos. Outros dados de avaliação externa têm apontado nesse sentido.

Mostram que existem escolas que face ao contexto sociodemográfico que servem conseguem bons resultados ou, pelo menos, progresso no trajecto dos alunos e que existem escolas públicas que ainda não conseguem contrariar o destino de muitos dos seus alunos.

Mostram que a tradição ainda é o que era, pais (mães) mais escolarizados, têm, potencialmente, filhos com melhores resultados.

Mostram que as escolas públicas são as que mais progressos promovem nos alunos embora não cheguem de forma significativa aos lugares superiores dos rankings da superação. E tal situação é tanto mais de registar quanto sabemos das dificuldades muito significativas e da falta de recursos que se verificam.  Seria interessante considerar a variável, alunos sem professores a todas as disciplinas, situação que envolve várias escolas e tem envolvido muitos alunos.

Mostram que nas escolas com melhores resultados, em regra, são as que têm menos alunos abrangidos pela Acção Social Escolar.

Mostram que a escola, os professores, fazem a diferença e promovem a “superação”

Mostram ainda que se continua a falar de “melhores escolas” e “piores escolas”.

Mostram que …

Enfim, os rankings mostram tudo, só não mostram o que se fará considerando a informação que os rankings mostram, com que meios, com que recursos humanos, com que políticas públicas. Na verdade, também não mostram o tanto que não se consegue medir, mas se pode avaliar e que é tão essencial como o que se mede.

Quatro notas finais.

1 - A propósito de rankings - Gert Biesta da Universidade Stirling numa obra notável, "Good Education in a Age of Measurement - Ethics, Politics, Democracy", afirma que uma obsessão centrada na medida, assenta na gestão continuada de uma dúvida, "medimos o que valorizamos ou valorizamos o que medimos?"

2 - Por onde andam nos rankings os alunos com necessidades educativas especiais?  (desculpem o termo não inovador dentro do novo paradigma, mas ainda não me habituei às novas "não categorias" como "adicionais", "selectivas" ou "adicionais").  Provavelmente à espera da operacionalização de um novo indicador-chave da avaliação das escolas, a inclusão de cuja consideração na construção dos rankings não me dei conta.

3 – Continuo com a dúvida expressa por Gil Nata e Tiago Neve do Centro de Investigação e Intervenção Educativas da U. do Porto que num texto no Público a propósito dos rankings de há três anos escreviam, “Assim, passados 20 anos, a pergunta impõe-se onde estão as evidências de que a publicação dos rankings tenha contribuído para a melhoria do sistema educativo?” Acresce a manutenção da dúvida relativa a alguma inflação das avaliações realizadas por alguns estebelecimentos.

4 – Há já algum tempo, ainda estava no activo, a directora de um agrupamento de escolas que ocupa posições bem abaixo nos rankings, situada num contexto social e económco complicado e à qual de me desloquei diversas vezes para colaborar em algumas iniciativas, dizia-me, “Como conhece algumas pessoas da imprensa diga-lhes para nos visitarem durante o ano a ver o que fazemos. É que quando aqui vêm é por causa do ranking, e nós fazemos tantas coisas com os alunos e com os pais”. E eu sabia que sim.

Para o ano cá estaremos e atentos ao que resulta deste ano duríssimo para a escola pública.

E voltarei a estas notas. São assim os produtos sazonais.

quinta-feira, 3 de abril de 2025

DO COMBATE À CORRUPÇÃO, ENTRE O NÃO QUERER E O NÃO PODER

 Desculpem a insistência. Nos últimos dias têm e sem surpresa entrado na agenda vários episódios que, apesar de lamentavelmente já não estranharmos e talvez por isso, nos fazem sentir algures entre a indiferença alimentada pela regularidade de situações desta natureza e uma raiva a crescer nos dentes alimentada pela indignação. Estou a referir-me às trafulhices, esquemas, “desvios”, tráfico de influências, casos de corrupção, roubos, enfim, dá para escolher a qualificação dada a criatividade e a alta incidência de situações.

Os indicadores produzidos regularmente pelo Barómetro Global da Corrupção, da responsabilidade da Transparency International, a rede global de Organizações Não-Governamentais que em Portugal é representada pela Transparência e Integridade mostraram que Portugal permanece sistematicamente numa posição pouco digna, antes pelo contrário, na tabela do índice de percepção da corrupção tendo praticamente estagnado o que segundo a Transparência e Integridade evidencia a inexistência de uma estratégia de combate à corrupção e aos designados crimes de "colarinho branco".

Sabe-se ainda que numa parte muito significativa dos casos conhecidos, registados e investigados não resulta condenação. São também regulares as referências à falta de meios e recursos humanos no sistema judicial, mas a coisa não se altera significativamente.

Lembro também que já em Fevereiro de 2016 a Comissão Europeia afirmava num relatório que em Portugal “não existe uma estratégia nacional de luta contra a corrupção em vigor”. Não sei se já temos uma estratégia nacional de combate à corrupção, somos bons a definir estratégias nacionais e até admito que sim, mas os resultados …

No entanto, sobretudo à entrada de cada novo governo ou em períodos pré-eleitorais, está sempre presente nos discursos partidários a retórica que sustenta o fingimento da luta contra a corrupção e a promoção da transparência na vida política portuguesa e, regularmente, emergem umas tímidas propostas que mascaram essa retórica, entram na agenda, por vezes até se dá mais um "jeitinho" nas leis (nada de substantivo) e rapidamente tudo se apaga até ao próximo fingimento.

Do meu ponto de vista, nenhum dos partidos do chamado “arco do poder” ou que a ele pretendem aceder, está verdadeiramente interessado na alteração da situação actual, o que, aliás, pode ser comprovado pelas práticas desenvolvidas enquanto poder nos diversos patamares. A questão, do meu ponto de vista, é mais grave. Os partidos, insisto no plural, mais do que não querer mexer seriamente na questão da corrupção e do seu financiamento, não podem e vejamos porque não podem.

Nas últimas décadas, temos vindo a assistir à emergência de lideranças políticas que, salvo honrosas excepções, são de uma mediocridade notável. Temos uma partidocracia instalada que determina um jogo de influências e uma gestão cuidada dos aparelhos partidários donde são, quase que exclusivamente, recrutados os dirigentes da enorme máquina da administração pública e instituições e entidades sob tutela do estado. Esta teia associa-se à intervenção privada sobretudo nos domínios, e são muitos, em que existem interesses em ligação com o estado, a banca, as obras públicas ou os grandes escritórios de advogados verdadeiramente os autores da legislação que depois irão aplicar ou sobre a qual darão, venderão, pareceres criteriosos e são apenas exemplos. Acresce o intenso tráfego de dirigentes entre entidades públicas e privadas sem qualquer sobressalto. Os últimos anos, meses, semanas, dias, foram particularmente estimulantes nesta matéria. A manutenção deste quadro, que nenhum partido estará verdadeiramente interessado em alterar, exige um quadro legislativo adequadamente preparado no parlamento e uma actividade reguladora e fiscalizadora pouco eficaz ou, utilizando um eufemismo, “flexível”. Assim, a sobrevivência dos partidos, tal como estão e da praxis que desenvolvem, exigem a manutenção da situação existente pelo que, de facto, não podem alterar. Quando muito e para nos convencer de que estão interessados, introduzem algumas mudanças irrelevantes e acessórias sem, obviamente, mexer no essencial. Seria um suicídio para muita da nossa classe política e para os milhares de amigos de diferentes cores que se têm alimentado, e alimentam do sistema.

O combate à corrupção, parece, assim, um problema complicado e fortemente dependente da inadiável criação de uma pressão cívica que obrigue à mudança. De quem faz parte do problema, não podemos esperar a solução.

Finalmente, estamos mergulhados num contexto internacional profundamente marcado pela desinformação, ataques à democracia, protecção da minoria que dita a vida, os problemas, da maioria.

É neste cenário diversificado que se cumpre a pantanosa pátria nossa amada.

quarta-feira, 2 de abril de 2025

O REGINO QUE É UM HERÓI E AS PALAVRAS QUE OFENDEM

 No calendário das consciências assinala-se hoje o Dia Mundial da Consciencialização do Autismo, uma questão de minorias e, portanto, pouco relevante para as maiorias.

Umas notas em dois sentidos

Uma primeira para chamar a atenção para a impressiva peça que se encontra no Público, “Regino não fala, mas quer que o mundo o escute”, sobre a vida e as circunstâncias que a envolvem de um jovem espanhol com 14 anos com um quadro de autismo. É uma peça que nos mostra um universo que muitos de nós desconhecemos.

Uma outra nota num sentido diferente. De há algum tempo para cá entrou no léxico comum da cena política uma terminologia vinda da área da saúde mental com efeitos que ainda não foram avaliados. Alguns exemplos. É muito frequente a referência a estados de depressão, o país está deprimido, os mercados estão deprimidos, algumas regiões portuguesas são consideradas deprimidas, etc. Diz-se tranquilamente que certos comportamentos políticos podem ser suicidas, seja de pessoas ou de partidos. Inventaram um quadro de claustrofobia democrática, seja lá isso o que for. Não há opinador, amador ou profissional, que não se refira a autismo, autista ou esquizofrénico para adjectivar discursos e comportamentos políticos. Aliás, deve recordar-se que a Assembleia da República aprovou há já algum tempo e sem grande resultado uma moção no sentido de se não utilizar tal terminologia nos debates parlamentares. Multiplicam-se as referências a pessoas que assumem compulsivamente estratégias de vitimização, a comportamentos obsessivos ou alucinados, etc. Abundam as análises que sublinham a grave baixa auto-estima dos portugueses.

Toda esta linguagem é usada como o maior à vontade.

Recordo que, creio que em 2016, a Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo do Douro entendeu por bem apresentar queixa pela utilização em duas novelas de referências ao autismo de forma depreciativa. No entanto, a Entidade Reguladora da Comunicação Social entendeu que o uso da palavra “autista” não é ofensivo. É elucidativo.

No final de 2015 a associação BIPP (Banco de Informação de Pais para Pais) – Inclusão para a Deficiência desencadeou uma campanha de sensibilização que visava inibir o uso de expressões como “deficiente mental” ou “atrasado mental” como insulto ou para censurar determinados comportamentos humanos. A campanha intitulava-se “Ser deficiente não é um insulto” e tinha como objectivo que o recurso a esta terminologia alimenta ou promove comportamentos de exclusão social dos cidadãos com deficiência.

Na verdade, para além das expressões citadas remetendo para o universo da deficiência, são também usados com demasiada regularidade termos próprios da área da saúde mental, esquizofrenia ou autismo, por exemplo, para adjectivar comportamentos e discursos em particular na vida política.

Dito de outra forma, a condição de deficiência, de doença mental ou de qualquer outra dimensão de vulnerabilidade é utilizada como insulto sendo que este comportamento é recorrente mesmo em pessoas com responsabilidade de natureza pública e social de relevo o que agrava o seu já inaceitável uso.

Sem querer assumir uma posição "politicamente correcta" este uso e abuso incomoda-me. Creio que ignora e ofende o sofrimento das pessoas e das famílias que lidam com quadros clínicos, de desenvolvimento ou de funcionalidade desta natureza. E retomo o trabalho que envolve o Regino e a sua família. A decisão em tempos tomada pela Entidade Reguladora da Comunicação Social foi lamentável.

No entanto, este é apenas mais um exemplo das palavras que ofendem e que tão frequentemente ouvimos.