O Movimento por uma Inclusão Efectiva, envolvendo pais de crianças e jovens com necessidades educativas especiais, desculpem a insistência nesta terminologia promoveu no início do ano um inquérito a pais nesta situação para conhecer a sua percepção de como decorre o processo educativo dos filhos ao abrigo do quadro legal definido pelo decreto-lei 54/2018. Alguns indicadores.
Considerando as 1036 respostas
válidas, 73% entendem a situação nas escolas não melhorou desde a entrada em
vigor do DL 54/2028. A maioria dos pais, 58%, refere que as terapias
necessárias não estão a ser realizadas e as que se realizam são consideradas
insuficientes por 96%.
Uma outra questão considerada
crítica prende-se com a sobrelotação das turmas levando sobrelotação com
reflexos negativos no tempo de permanência das salas de aula e no tempo para
apoio directo.
Foi também realizado um inquérito
a profissionais que acompanham as crianças, 453 respostas, sendo que 58%
consideram também que a situação não melhorou com a mudança de legislação.
Apesar de entender que a leitura
e interpretação destes dados deve ser prudente, também entendo que merecem
atenção e reflexão. Com uma carreira profissional de quase 50 anos ligada a
este universo é inevitável a reflexão sobre estas matérias.
Lamentavelmente são recorrentes
as vozes de pais, professores, técnicos ou directores escolares e algumas
referências na imprensa relativamente a essas dificuldades e, como se dizia há
uns anos, … a luta continua.
Algumas notas retomadas, não vale
a pena inventar.
Segundo dados da DGEEC, no ano
lectivo passado, estavam cerca de 90000 alunos ao abrigo de medidas selectivas
e/ou adicionais de acordo com o DL 54/2018.
Recordo que em 2018, a entrada em
vigor do novo enquadramento normativo, o ME decidiu que já não podíamos referir
alunos com “necessidades educativas especiais” porque a designação não era
conforme a “educação inclusiva”, categorizava alguns alunos o que não é uma boa
prática. Assim, determinou que os alunos que revelavam algum tipo de
dificuldade eram objecto de medidas educativas arrumadas em três categorias, as
medidas “universais”, as medidas “selectivas” e as medidas “adicionais”. Isto
parece que é uma outra forma de categorizar, mas não é. Na educação inclusiva é
assim que se faz.
Também acontece que temos alguma
dificuldade em interpretar os dados que vão sendo divulgados, aumenta o número
de alunos com dificuldades de alguma natureza ou aumenta o número de alunos com
medidas aplicadas. E quais as dificuldades dos alunos que se inscrevem nas
medidas “universais” uma vez que são … “universais”.
São habituais as preocupações com
a insuficiência preocupante dos recursos humanos, professores e técnicos,
designadamente psicólogos e terapeutas, auxiliares educativos bem como o
crescimento significativo do número de alunos sinalizados com algum tipo de
dificuldade. Aliás, também se conhecem situações em que professores com funções
de apoio assumem outro trabalho minimizando a falta de professores.
Deste quadro resulta a impossibilidade de
assegurar a muitos alunos aquilo que é “apenas” um direito e não um privilégio,
uma resposta educativa de acordo com as suas necessidades. Sim, eu sei que não
é fácil, mas também sei que existem responsáveis pelas políticas públicas de
diversos sectores envolvidas nestas questões.
A verdade é que torturar a
realidade não a obriga a confessar. Muitos alunos não, não estão incluídos nem
sequer integrados, estão “entregados” com as consequências que professores e
pais bem conhecem. E não estou a considerar apenas os “Selectivos”, os “Adicionais”
ou os “Universais” do 54/2018.
Este cenário de insuficiência de
recursos tem sido referenciado em trabalhos diversos incluindo da
Inspecção-Geral de Educação e Ciência.
Como tenho afirmados e escrito
inúmeras vezes, acompanhei com esperança e expectativa a mais do que
necessária, reafirmo, mudança legislativa desencadeada no âmbito da Educação
Inclusiva que se traduziu no DL 54/2018 ele próprio associado a todo um quadro
de mudança envolvendo, designadamente a definição do Perfil dos Alunos à Saída
da Escolaridade Obrigatória, das Aprendizagens Essenciais ou o Decreto-Lei n.º
55/2018 relativamente ao currículo. Todo este edifício potenciaria a inovação,
a mudança de paradigma, de vários paradigmas aliás, e alguns falavam mesmo da
revolução que estava em marcha e anunciavam os amanhãs que cantam.
Com confiança em algumas virtudes
do novo quadro aguardei expectante pela revelação da anunciada escola inclusiva
de 2ª geração. No entanto, para meu desconforto e cansaço, o que fui conhecendo
e vai sendo divulgado não me ajudou a perceber o que seria.
Continuo a verificar que, tal
como aconteceu com o velho 319/91, (nesta altura eu já trabalhava neste
universo há 15 anos), quer com o 3/2008 e depois com o actual 54/2018 existiam
e existem professores, técnicos e escolas a realizar trabalhos notáveis que
devem ser conhecidos e reconhecidos.
A avaliação dos alunos, a
definição dos apoios nas diferentes tipologias (já usadas como categorização
uma vez que a outra categorização já não existe), o funcionamento das Equipas,
os recursos disponíveis, a organização da intervenção, os papéis ou a articulação
dos intervenientes continuam com inúmeros sobressaltos. Recebo muitos
testemunhos e, como referi, os dados conhecidos também não são particularmente
animadores.
Apesar de agora estar já
desligado em termos profissionais, o interesse e a paixão por este universo não
se reforma, mantêm-se e apesar do cansaço, sempre me animo quando conheço
situações muito positivas que, felizmente, acontecem todos os dias em tantas
escolas.
No entanto, nem tudo vai bem,
muito longe disso. Insisto, não torturem a realidade que ela não vai confessar,
alterem-na, é o que espera de políticas públicas e de promoção de direitos
inalienáveis.
Há muito que fazer, muito para
caminhar.
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