AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

terça-feira, 31 de janeiro de 2023

MALTRATAR NÃO É GOSTAR. MAIS UMA VEZ

 

Numa peça do Expresso leio que a PSP registou 2019 queixas relativas a violência no namoro em 2022. Apesar de não ser significativa, verifica-se uma redução de casos que se iniciou em 2019, ano em que foram recebidas 2185 queixas.

Também entre os mais jovens, dos 13 aos 25, se regista diminuição de casos, 500 casos registados em 2022, mas dados provisórios.

Sendo positivo o trajecto de redução, importa sublinhar que existe certamente um número muito elevado de situações que não são objecto de queixa. É também diversificada a tipologia dos comportamentos de violência.

Os dados convergem no indiciar do que está por fazer em matéria de valores e comportamentos sociais e ajudam a perceber como a violência doméstica parece indomesticável. Aliás, em 2022 as queixas por violência doméstica registaram o valor mais alto dos últimos quatro anos. Acresce que, como referi, boa parte das situações de abuso não são objecto de queixa.

Este conjunto de dados é preocupante, gostar não é compatível com maltratar, mas creio que não é surpreendente, lamentavelmente. Os dados sobre violência doméstica em adultos deixam perceber a existência de um trajecto pessoal anterior que suporta os dados muitos trabalhos sobre violência no namoro e que se mantêm inquietantes. Aliás, nos últimos anos a maioria das queixas de violência doméstica registadas pela APAV foram de mulheres jovens embora seja um drama presente em todas as idades.

Os sistemas de valores pessoais alteram-se a um ritmo bem mais lento do que desejamos e estão, também e obviamente, ligados aos valores sociais presentes em cada época. De facto, e reportando-nos apenas aos dados mais gerais, é criticamente relevante a percentagem de jovens, incluindo estudantes universitários, que afirmam um entendimento de normalidade face a diferentes comportamentos que evidentemente significam relações de abuso e maus-tratos. Um estudo divulgado em 2020 realizado pela APAV e em cerca de 5000 jovens com uma média de 15 anos de idade 67% acham normal algum tipo de violência nas relações de namoro e 58% referem já ter sofrido pelo menos uma forma de violência.

Como todos os comportamentos fortemente ligados à camada mais funda do nosso sistema de valores, crenças e convicções, os nossos padrões sobre o que devem ser as relações interpessoais, mesmo as de natureza mais íntima, são de mudança demorada. Esta circunstância, torna ainda mais necessária a existência de dispositivos ao nível da formação e educação de crianças e jovens; de uma abordagem séria persistente nos meios de comunicação social; de um enquadramento jurídico dos comportamentos e limites numa perspectiva preventiva e punitiva e, finalmente, de dispositivos eficazes de protecção e apoio a eventuais vítimas.

Só uma aposta muito forte na educação, escolar e familiar, pode promover mudanças sustentadas nesta matéria. É uma aposta que urge e tão importante e sublinha a necessidade óbvia de matérias desta natureza serem objecto de abordagem na educação escolar sendo que não terão de o ser de uma forma “disciplinarizada”. Não me parece que haja outro caminho.

Entretanto e enquanto não muda, "só faço isto, porque gosto de ti, acreditas não acreditas?". Não, não se pode acreditar.

Retomo como iniciei. Apesar da natureza e gravidade fora do comum dos dias que vivemos e para os quais não estávamos preparados, talvez seja de não esquecer questões como estas que devastam o quotidiano de muita gente.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

MERECE LEITURA, "AUTOPSICOGRAFIA DO PROFESSOR PORTUGUÊS"

 Merece leitura e reflexão o texto de Carlos Ceia no Público, “Autopsicografia do professor português”.

Como tantas vezes aqui tenho escrito, muitas questões que afectam os professores, são também questões nossas, são parte fundamental do universo das políticas públicas de educação.

Urge um processo de negociação sério que possa acomodar entendimentos para o presente, mas, sobretudo, que possa, como agora se diz, alavancar o futuro.

domingo, 29 de janeiro de 2023

DELINQUÊNCIA JUVENIL, REDES SOCIAIS E EDUCAÇÃO

 O DN divulga um trabalho, “Redes Sociais em Práticas de Delinquência Juvenil: Usos e Ilícitos Recenseados na Justiça Juvenil em Portugal”, realizado por Maria João Leote em que se analisaram 201 processos tutelares educativos.

 Em 26 % dos 354 factos provados foram usadas as redes sociais. A utilização das redes sociais é mais frequente nos crimes contra pessoas, 79,3% das situações, e envolve sobretudo raparigas e com menor peso em crimes contra o património, 18,4% em que são os rapazes que mais recorrem à redes sociais.

Na utilização das redes sociais para práticas comportamentos offline, o ilícito mais frequente é a ofensa à integridade física, 35,8% do total em que predominam as raparigas o que se acentua nas situações mais graves, ofensa à integridade física qualificada.

Estes indicadores, inquietantes na sua globalidade, são algo surpreendentes no que respeita ao comportamento das raparigas embora mostrem uma tendência que se tem vindo a evidenciar-se.

Por outro lado, dados que têm sido divulgados, pela PSP e pelo MAI também mostram sinais  preocupantes, a actividade delinquente de grupos de jovens tem vindo a aumentar, a envolver adolescentes cada vez mais novos e mais raparigas. Verifica-se também o abaixamento da idade dos envolvidos.

Este cenário que merece reflexão e, sobretudo, acção leva-me a insistir em duas ou três notas que retomo de reflexões anteriores.

Os estilos de vida, as exigências de qualificação têm tornado gradualmente a escola mais presente e durante mais tempo na vida de crianças e adolescentes e, consequentemente, com reflexos na educação em contexto familiar.

Creio que já dificilmente se entende que a “família educa e a escola instrói”.

Creio que já dificilmente se entende que a escola forma “técnicos” e não cidadãos, pessoas, com qualificações ao nível dos conhecimentos em múltiplas áreas. Aliás, se bem repararem falamos de sistemas de educação e não de sistemas de ensino e ainda bem que assim é.

Creio que já dificilmente se entende que o conhecimento é asséptico. O conhecimento, a sua produção e a sua divulgação, tem, deve ter, sempre um enquadramento ético e não é imune a valores.

Creio que os tempos mais recentes são elucidativos de como a abordagem de matérias como Direitos Humanos; Igualdade de Género; Interculturalidade; Desenvolvimento Sustentável; Educação Ambiental; Saúde; Sexualidade; Media; Instituições e Participação Democrática; Literacia Financeira e Educação para o Consumo; Segurança Rodoviária; Risco, Empreendedorismo; Mundo do Trabalho, Segurança defesa e paz, Bem-estar animal e Voluntariado são fundamentais ao longo do processo de formação de crianças, jovens e adultos.

Nas sociedades contemporâneas um sistema público de educação com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. Uma educação global de qualidade é de uma importância crítica para minimizar o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis.

Para além dos dados referidos e relativos à delinquência juvenil, são também preocupantes indicadores relativos à violência relativos à violência nas relações de namoro entre jovens, sendo que muitos a entendem como “normal”, tal como inquietam o volume de episódios de bullying, ou os consumos de álcool ou droga.

Parece-me importante que as matérias integradas na "Educação para a Cidadania" integrem o trabalho desenvolvido na educação em contexto escolar. Com o mesmo objectivo será importante o desenvolvimento de programas de natureza comunitária envolvendo diferentes áreas das políticas públicas.

Precisamos e devemos discutir sempre como fazer, com que recursos e objectivos e promover a autonomia das escolas, também nestas questões. Por outro lado, não acredito na “disciplinarização” destas matérias, julgo mais interessantes iniciativas integradas, simplificadas e desburocratizadas em matéria de organização e operacionalização.

Sabemos que a prevenção e programas de natureza comunitária, socioeducativa, têm custos, mas importa ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da pobreza, exclusão, delinquência continuada e da insegurança.

sábado, 28 de janeiro de 2023

NOVAS FAMÍLIAS

 Há uns dias o Público tinha uma peça sobre as alterações da configuração das famílias portuguesas verificadas através dos dados divulgados pelo INE relativos ao Censo de 2021.

Em termos sintéticos, as famílias têm menos crianças e mais tarde, aumenta o número de famílias multinucleares, monoparentais e reconstituídas como também sobe o número de pessoas que vivem sós. Considerando os dos do Censo de 2011 merece destaque a subida de 20,7% do número de famílias monoparentais, de 18,5% das famílias reconstituídas que. em conjunto representam já 27,35 do total de famílias.

É frequente na imprensa as referências às emergentes e diferentes dinâmicas de constituição, organização e funcionamento dos “novos” agregados familiares. No entanto, do meu ponto de vista, quase sempre me parece que as diferentes abordagens não valorizam, por vezes nem referem, um aspecto que entendo relevante e que considero dos mais complexos desafios sociais que actualmente enfrentamos, a educação familiar, ou seja, o que é, o que deve ou pode ser a educação familiar em contextos altamente diferenciados e em mudanças permanentes.

Esta minha questão releva do entendimento de que independentemente da configuração a família, a educação familiar, é um bem de primeira necessidade para todas as crianças pelo que as enormes alterações que temos vindo a constatar no universo das famílias solicitam uma séria reflexão sobre as suas implicações e impacto na educação familiar. O paradigma clássico, a família educativa e a escola instrutiva, mudou substantivamente o que não significa, obviamente, a alienação do papel educativo da família, mas sim atentar nas novas qualidades que esse papel vai assumindo, parafraseando Camões.

Desde logo porque, por questões de logística e funcionalidade, o tempo familiar para as crianças encolheu de forma dramática, os miúdos passam tempos infindos na escola sob um princípio a que até o então MEC se lembrou de chamar de forma infeliz, “Escola a tempo inteiro”. As famílias expressam uma enorme dificuldade em compatibilizar o que ainda entendem ser o seu papel educativo com a pressa e o pouco tempo que assumem ter para o realizar. Tenho conhecido dezenas de pais que se sentem culpados e fragilizados por entenderem que não têm a disponibilidade de tempo e atitude que julgam necessária para os filhos. Esta culpa e fragilidade é, com frequência, a base inconsciente que impede alguns pais de serem consistentes e firmes na definição de regras e limites imprescindíveis às crianças, pois “temem estragar” o pouco tempo que têm com elas devido a um eventual conflito.

Por outro lado, no caso de famílias monoparentais, cujo número está em crescimento, também é frequentemente referida a dificuldade acrescida no contexto da educação familiar.

Uma outra questão prende-se com o modo e a dificuldade que muitos pais me referem sentir quando lidam com as crianças em situação de “duas famílias” mesmo em separações não litigiosas e com níveis de agressividade por vezes inquietantes. Mais uma vez, as inseguranças e algum sentimento de culpa estão presentes e contribuem para embaraços que levam os pais a pedir alguma ajuda. Como sempre digo, é preferível uma boa separação a uma má família, mas alguns pais sentem-se inseguros para construir cenários de educação familiar com qualidade quando têm a guarda das crianças repartida.

Tem vindo a crescer o número de situações de casais que apesar de separados continuam a coabitar o mesmo espaço ou que nem sequer assumem a separação o que pode causar alguma perplexidade e mal-estar nas crianças sobre a forma de lidar com um contexto em que aparentemente existe uma família, quando na verdade já são duas com uma ou mais crianças entre elas. Na mesma configuração temos também a situação de pais "casados por fora" e "descasados por dentro" vivendo como que um fingimento” familiar, frequentemente com a desculpa dos filhos. As crianças são inteligentes e é preferível uma “boa separação” a uma “má família”, as crianças são resilientes e acomodam melhor eventuais dificuldades quando estão com adultos que delas cuidam e lhes dedicam afecto.

A experiência mostra, como referi acima, que a educação familiar se constitui como uma área extremamente complexa, não existem dois contextos familiares iguais sendo que, para além de tudo, se trata de um universo extremamente sensível a valores e convicções.

Assim sendo, importa estarmos atentos e procurar disponibilizar apoios e orientações nas situações em que os pais revelam e exprimem mais insegurança e dificuldades e que muitas vezes são fonte de grande sofrimento para todos os envolvidos. Estas situações são bem mais frequentes e graves do que julgamos.

E envolvem famílias de diferentes configurações, umas mais “velhas” outras mais “novas”.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

A EDUCAÇÃO EM ALERTA VERMELHO

 A divulgação por parte do CNE do seu relatório anual sobre a educação em Portugal, agora o “Estado da Educação 2021”, tal como outros trabalhos veio reforçar a evidência de que a educação atravessa uma situação insustentável, aquilo a que numa linguagem habitual nesta altura se pode designar por alerta vermelho.

Os problemas são de diferente natureza, mas os que afectam os professores são graves, explicam o processo de reivindicação em curso e tornam urgente um caminho de entendimento que muitas vezes aqui tenho reforçado.

Desculpem a insistência, mas a questão é grave. Também sei que não é por muito falar num problema que ele se resolve ou minimiza., mas é preciso insistir

Como tenho escrito, muitos dos problemas dos professores são também problemas nossos. É importante que os conheçamos, sem demagogia ou preconceito, e possamos exigir a atenção que merecem.  

O quadro já conhecido e agora sublinhado pelo CNE é de facto muito grave. Nesta altura do ano escolar continuam a faltar professores em muitas turmas e as dificuldades de recrutamento são crescentes mesmo recorrendo, em algumas situações, à contratação de pessoas sem formação para a docência.

Acentua-se o envelhecimento da classe docente e o previsível número de aposentações a curto médio prazo agravará o cenário.

Acrescem os efeitos da mobilidade por doença, a baixa capacidade de atracção pela carreira nos jovens que chegam ao ensino superior nos anos mais recentes. Por outro lado, existem múltiplos aspectos relativos à carreira, modelo e avaliação, mobilidade e contratação, valorização salarial e social, com implicações devastadoras nos projectos de vida muitos professores quando uma carreira valorizada deveria constituir um projecto de realização.

Lamentavelmente não é nada de novo, há anos que sucessivos relatórios nacionais e internacionais têm alertado para gravidade do envelhecimento da classe docente, dos efeitos associados, e da certeza da falta de docentes a curto prazo como já está a acontecer. Algumas notas repescadas.

O envelhecimento da classe docente não é um problema exclusivo do nosso sistema, mas é particularmente grave sendo que alguns países também afectados têm iniciativas já em desenvolvimento no sentido de o minimizar o que não parece acontecer entre nós.

Ao perfil dos docentes em termos de idade acresce que, como é reconhecido em qualquer país, a profissão docente é altamente permeável a situações de burnout, estado de esgotamento físico e mental provocado pela vida profissional, frequentemente associado a níveis pouco positivos de satisfação profissional.

Na verdade, este cenário só pode surpreender quem não conhece o universo das escolas, como acontece com boa parte dos opinadores que pululam na comunicação social e dos comentários nas redes sociais dirigidos à educação e aos professores.

Também se sabe que as oscilações da demografia discente não explicam a saída de milhares de professores do sistema, novos e velhos, como também não explicam a insuficiente renovação, contratação de docentes novos. Sem estranheza, no universo do ensino privado é bastante superior a presença de docentes mais jovens, mas também se sente a falta.

Não esqueçamos ainda a deriva política a que o universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas, criando instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio que potencie o trabalho de alunos, pais e professores. Acresce que sucessivas equipas ministeriais têm desenvolvido políticas que contribuem para a desvalorização dos professores com impacto evidente no clima das escolas e nas relações que a comunidade estabelece com estes profissionais. Este cenário revela uma das dimensões mais frágeis das políticas públicas de educação nos últimos anos em que sempre se insistia na narrativa dos professores a mais com resultados que estão à vista.

Sabemos que os velhos não sabem tudo e os novos nem sempre trazem novidade. Mas também sabemos que qualquer grupo profissional exige renovação por diferentes razões incluindo emocionais, de suporte, partilha de experiência ou pela diversidade.

Parece clara a necessidade urgente de definir uma resposta oportuna e consistente a este trajecto.

Sabemos que os sistemas educativos com melhor desempenho são também os sistemas em que os professores são mais valorizados, reconhecidos e apoiados.

Não parece difícil perceber porquê.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE E EDUCAÇÃO INCLUSIVA

 A Agência Europeia para as Necessidades Especiais e Educação Inclusiva desenvolveu um projecto dirigido para a formação de professores e educadores no âmbito da educação inclusiva. O produto final desse projecto foi agora divulgado, “Developing the Profile for Inclusive Teacher Professional Learning”.

Em linha com publicações anteriores da Agência, o trabalho actual pode constituir uma boa ferramenta para apoio ao desenvolvimento de boas práticas e iniciativas de formação inicial e de outra natureza no domínio da intervenção educativa dirigida a todas as crianças e jovens.

Uma pequena nota de estranheza no que respeita ao título que refere “professores inclusivos”.

Sabendo que existem professores com níveis diferentes de qualidade na sua intervenção, tenho para mim que um professor que é professor, é professor de Todos os seus alunos da melhor forma que conseguir e de acordo com apoios e recursos de que dispõe. Dito de outra maneira um Professor será sempre inclusivo, sendo que, por oposição, não me parece adequado considerar uma categoria de professores “não inclusivos” ou “exclusivos”.

Sim, sei que existem e muitas vezes aqui refiro situações de más práticas, falta de recursos e apoios, direcções menos competentes e, como consequência trajectos escolares que de inclusão têm pouco e, frequentemente, tudo feito e afirmado em nome da inclusão.

Decididamente não gosto deste título, o conteúdo é importante e será útil e não está em linha com o título.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

O "SOZINHISMO"

 No DN encontra-se uma peça que aborda uma questão marcante da nossa sociedade, a solidão nos idosos.

Portugal é um país particularmente marcado pelo rápido envelhecimento da população. Temos duas vezes mais idosos que crianças e jovens, Portugal é o país da União Europeia a envelhecer mais rapidamente, com quase duas vezes mais idosos do que crianças e jovens, 182 por cada 100, dados da PORDATA. A mudança que tem vindo a verificar-se sugere que a situação se vá acentuando. O director Observatório da Solidão refere que "Os nossos dados apontam para que exista a possibilidade de solidão em cerca de 5 em cada dez pessoas".

Num tempo em que toda a gente parece integrar uma ou várias redes sociais parece estranha a referência à solidão que se pode tornar numa condição de alto risco. Muitos trabalhos identificam consequências sérias da solidão, quer na saúde física, quer na saúde mental.

De facto, a solidão, o sozinhismo, é uma condição que afecta imensa gente de várias idades, mesmo nos mais novos, mas que atinge com particular incidência os mais velhos e tem vindo a acentuar-se na sequência da alteração dos estilos de vida e dos valores que tecem a vida das comunidades que vão perdendo as relações de vizinhança.

No entanto a questão agrava-se com os muitos que, para além de viverem sós, vivem isolados. São sobretudo estes que o sozinhismo ataca.

De facto, algumas pessoas, por condições económicas, dignidade e preservação da autonomia vivem sós, mas não estão isolados. Outros acumulam, vivem sós e isolados, por impotência, falta de recursos ou de família.

Apesar do que consta nas certidões de óbito, especialmente nos tempos do frio, estou convencido que a verdadeira causa da morte de muitos velhos é o sozinhismo, a doença que ataca os que vivem sós, isolados, que perderam o amparo. Ataca especialmente os velhos, mas não só os velhos.

Trata-se de uma doença moderna, cujas causas são conhecidas, cujo terapia também está encontrada, mas que parece difícil combater. Estão em extinção as relações de vizinhança e a vivência comunitária, fontes privilegiadas de protecção dos mais velhos.

Quem não vive só, isolado, mais facilmente resiste às mazelas de diferente natureza que a idade traz quase sempre. As pessoas são, espera-se, fonte de saúde e calor.

Reafirmo que embora tenha referido mais em particular a situação dos velhos, o sozinhismo também ataca crianças e jovens com consequências por vezes devastadoras.

Na verdade, o sozinhismo poderá ser verdadeiramente a causa ou o gatilho de problemas para muita gente.

No entanto e como sempre, para além das necessárias políticas sociais emergentes do estado e das instituições privadas de solidariedade impõe-se a percepção pelas comunidades, designadamente pelas famílias, do drama da solidão e do isolamento.

Na peça são referidas diferentes iniciativas, por cá e fora, que podem ser bons contributos no combate à solidão

É sempre questão de redes sociais, mas não das virtuais.

terça-feira, 24 de janeiro de 2023

A HISTÓRIA DO NINGUENZINHO

 Num dia frio, uma história fria, a do Ninguenzinho.

Quando nasceu, alguém exclamou que parecia um Ninguenzinho e assim ficou, Ninguenzinho. Manteve-se sempre mais pequeno que os miúdos da sua idade. Contrariamente ao que as pessoas esperam de miúdos pequenos o Ninguenzinho era o mais apagado e discreto dos miúdos, quase não se dava por ele. Como sabem, as pessoas preocupam-se fundamentalmente com os muitos bons e com os muito maus e por isso, praticamente, não reparavam no Ninguenzinho.

A escola foi cumprida a um canto, triste e sem que alguém, alguma vez, se lembrasse de uma palavra ou gesto de apreço ou incentivo ao Ninguenzinho. Como sabem na escola, notam-se e merecem atenção sobretudo os muito bons alunos e os muito maus alunos.

Fez-se adulto como sempre foi ao crescer, num canto, triste e na sombra. Como sabem, as pessoas reparam sobretudo naqueles que brilham, por coisas boas ou por coisas más.

O Ninguenzinho manteve-se sempre só, sem família sua e sem amigos seus. Como sabem, as pessoas reparam mais nos que têm gente à volta, por boas ou más razões.

No dia em que o Ninguenzinho deixou de aparecer, ninguém reparou na sua falta. Como sabem, as pessoas só notam a falta de quem é alguém, não de quem é um Ninguenzinho.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

POR ONDE ANDA O JUÍZO DE ALGUNS JUÍZES?

 Leio no Expresso que, “Uma juíza do Tribunal da Amadora responsável por um caso de violência doméstica, em que foi dado como provado o crime de ofensa à integridade física, decidiu suspender “provisoriamente” o processo e obrigar o agressor a fazer um “passeio lúdico” com a vítima e levá-la a jantar fora, a concertos, espectáculos e teatro.”

A douta decisão deve ser cumprida num prazo de cinco meses e o Conselho Superior de Magistratura informa que está a acompanhar a situação “no âmbito das suas competências”.

"M'espanto às vezes, outras m'avergonho", para citar Sá de Miranda.

Por onde anda o juízo de alguns juízes? Trata-se de mais um caso difícil de acreditar em que a decisão da douta juíza envolve um caso grave e comprovado de violência doméstica.

Muitas vezes tenho referido no Atenta Inquietude que uma das dimensões fundamentais para uma cidadania de qualidade é a confiança no sistema de justiça.

É imprescindível que cada um de nós sinta confiança na administração equitativa, justa e célere da justiça. Assim sendo, a forma como é percebida a justiça em Portugal, forte com os fracos, fraca com os fortes, lenta, mergulhada em conflitualidade com origem nos interesses corporativos e nos equilíbrios da partidocracia vigente constitui uma das maiores fragilidades da nossa vida colectiva.

Como podemos lidar com esta forma de administrar a justiça?

domingo, 22 de janeiro de 2023

OVOS E OMELETES

 O processo de protesto dos professores envolve, como não pode deixar de ser questões ligadas ao seu estatuto salarial e ao modelo de carreira cuja alteração também terá, naturalmente, impacto económico. Durante este processo já se ouviu por parte do Governo a afirmação da sua política de não aumentar despesa apesar da folga orçamental.

Talvez aproveitando a multidão de chefs que têm  mostrado uma criatividade sem limites, o Governo esteja a tentar desenvolver a revolucionária receita da omelete sem ovos.

Mais a sério, algumas notas sobre a despesa em educação. De acordo com o relatório da OCDE “Education at a Glance 2022” considerando dados de 2019, apesar de alguma melhoria, e tendo como indicador o gasto por estudante entre o 1º ciclo e o ensino superior, Portugal investe menos que a média dos países da OCDE. No caso do ensino superior a diferença é ainda mais significativa. Em números, Portugal investe menos 1480€ que a média. Este valor é calculado de forma a considerar as “diferenças de rendimentos e de custo de vida entre países para possibilitar uma comparação”.

A realidade é, de facto, desafiante e não é a projecção dos nossos desejos ou o que afirmamos que é. Para além de repensar investimentos que surgem de fora da escola para a promoção de múltiplas iniciativas, projectos, experiências, inovação, etc., existem necessidades e de diferente natureza. Em alguns casos podem verificar-se resultados interessantes, mas que acabam por ter impacto limitado e pouco duradouro dada a natureza externa das iniciativas.

É fundamental que as escolas possam dispor dos recursos humanos, docentes, técnicos e auxiliares, de materiais e equipamentos adequados, bem como de dispositivos de apoio suficientes e qualificados para que se possa garantir, tanto quanto possível, a equidade de oportunidades e a protecção dos direitos dos miúdos, de todos os miúdos.

Sabemos, é uma referência comum, a existência de “constrangimentos” que pesam nos recursos disponíveis.

No entanto, mais uma vez e não esquecendo a necessidade de combater desperdício e ineficácia, é bom recordar que a qualidade da educação e a promoção do sucesso para todos os alunos não representam despesa, são investimento.

Sabemos também que a qualidade da educação e da escola, pública ou privada, tem como um dos eixos críticos o trabalho dos professores que, por sua vez, exige serenidade e confiança.

Os sistemas educativos com melhor qualidade, independentemente dos critérios de qualidade são, em regra, os que mais valorizam os professores, em termos sociais, em termos profissionais e também no estatuto salarial.

Assim, a defesa da qualidade da educação e da escola, pública e também privada, passa incontornavelmente pela defesa e valorização das condições de trabalho, em diferentes dimensões, que possibilitem que o desempenho de escolas, professores, directores, técnicos, funcionários, alunos e pais tenha o melhor resultado possível.

De uma vez por todas, é necessário contenção e combate ao desperdício, mas em educação não há despesa há investimento.

sábado, 21 de janeiro de 2023

O CRIADOR

 Todos os dias passados aqui no monte trazem à memória o Mestre Zé Marrafa. Já não nos pode ajudar nem aparecer apenas para uma lérias. Está numa situação que não merece e em que não quereria estar. A vida do Mestre Zé nunca foi fácil, começou a trabalhar aos nove anos a guardar porcos e tem sido dura até ao fim, não é justo, mas o que seria justo nestas questões não tem sequer o mesmo significado para todos. Felizmente, temos a grande ajuda do Valter e reorganizámos as tarefas da lida graças à sua polivalência.

Gostamos sempre de preparar a horta mais para o cedo e é altura de montar o criador, a estufa, para termos tomate. Guardamos religiosamente as sementes de uma espécie que aqui temos e é muito saborosa, quer para salada, quer para gaspacho ou cozinhados de que a sopa de tomate ou umas migas são só exemplos. O Mestre Zé nunca se convenceu a fazer o criador com materiais “finos”. Umas canas, um plástico e umas pedras e já estava pronto a criar plantas.

Lamento Mestre Zé, mas não sabemos fazer criadores como os seus, não chegámos a aprender. No entanto, somos “vontadeiros”, como o Sr. Zé fala, e apesar de recorrermos a materiais sofisticados … já está feito o criador, arrimado a uma das mais bonitas oliveiras que aqui temos. Se aqui estivesse diria, como sempre, que alguma coisa poderia ter ficado melhor. Nós, os velhos, achamos que os mais novos ainda não sabem.

Na verdade, o que gostávamos mesmo, era que ainda tivesse sido o Mestre Zé a fazer o criador. Ficaria melhor, é claro, mas, mais importante, era sinal que o Mestre Zé estava bem.

Quanto à lida, só espero que o tomate nasça ou ficaremos envergonhados com o criador e … sem tomate bom para comer, é claro.

E são assim os dias do Alentejo.



sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

NEGOCIAÇÃO

Decorre hoje mais uma ronda de negociações entre representantes dos professores e o ME. Muitas vezes aqui tenho escrito que a natureza dos problemas sentidos pelos professores torna urgente e imprescindível o estabelecimento de um entendimento e tomada de decisões que há muito tempo deveriam ter sido assumidas e consideradas como prioridade.

Não sei o resultado das negociações, mas conheço, conhecemos, o risco da intransigência, da injustiça e da incompetência. Será assim tão difícil numa sociedade democrática encontrar algum entendimento em questões essenciais na educação como, sem hierarquizar ou esgotar, autonomia e gestão da escola, currículo, avaliação interna e externa, valorização dos professores e modelo de carreira, contratação e avaliação, ou o papel das autarquias?

Indo ao encontro do tempo recorri à inteligência artificial que sustenta o ChatGPT para umas “dicas” sobre negociação.

Para quem possa interessar, aqui estão.

Os processos de negociação são fundamentais para o sucesso em qualquer tipo de relacionamento. Eles são utilizados para chegar a acordos e solucionar conflitos de maneira eficaz e justa.

Existem várias técnicas e estratégias de negociação, cada uma com suas particularidades e aplicabilidades. Por exemplo, a negociação baseada em princípios, também conhecida como "negociação win-win", busca encontrar soluções que beneficiem ambas as partes envolvidas.

Já a negociação distributiva, ou "negociação zero soma", busca maximizar o ganho de uma das partes, geralmente ao custo do outro.

É importante destacar também a importância da comunicação eficaz durante o processo de negociação, pois ela permite a expressão clara e precisa dos interesses e necessidades de cada parte, e ajuda a construir uma base sólida para chegar a um acordo.

Além disso, é fundamental ter habilidades de escuta ativa e compreensão da perspectiva do outro, bem como flexibilidade e capacidade de se adaptar às mudanças de situação.

Em resumo, os processos de negociação são fundamentais para o sucesso em qualquer relacionamento envolvem técnicas e estratégias específicas, comunicação eficaz, habilidades de escuta e compreensão, flexibilidade e adaptabilidade.”

Mesmo artificial parece claro.

Não podem falhar, estamos a falar do futuro. 

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

CONTAS DE CABEÇA

Para fugir a agenda uma história do mundo mágico da avozice, desta vez com escola dentro.

No âmbito da preparação para o teste de Matemática que hoje realizará, o meu neto pequeno, o Tomás, a frequentar o primeiro ano, trazia uma ficha para realizar como TPC. Como é um dos felizardos que pode contar com alguém com tempo para ele, lá começámos a ficha que continha algumas operações aritméticas para realizar mentalmente.

Resolveu com facilidade a generalidade das operações com um ou dois enganos. Achei por bem dar-lhe uma “dica” de regulação, realizar duas vezes as “contas” para ver se “batiam certo”.

Resposta pronta do Tomás, “não é preciso avô, lá no teste eu conto pelos dedos e nunca me engano”. Os miúdos são inteligentes e descobrem as “estratégias”, assim tenham as oportunidades e os apoios.

Já depois da ficha acabada ainda fizemos mais umas “contas de cabeça”, sem contar pelos dedos e alternadamente um e outro. Foi divertido.

Espero que o teste corra bem, a “brincadeira” como sempre, foi “bué da fixe”

E são assim os dias mágicos da avozice.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

UMA FAMÍLIA É UM BEM DE PRIMEIRA NECESSIDADE. DE NOVO

A actual regulamentação dos processos de adopção determina que um ou uma jovem só pode ser adoptado(a) até aos 15 anos. Este cenário leva a que tenhamos institucionalizados 2132 jovens entre os 15 e os 17 anos dado que ainda não atingiram a maioridade e, naturalmente, autonomia, sem possibilidade de encontrarem uma família que eventualmente os(as) adoptasse.

Sabemos também que as famílias adoptantes privilegiam crianças mais novas pelo que estes jovens teriam provavelmente dificuldades em encontrar famílias que se disponibilizassem para os adoptar. De qualquer forma parece importante que a possibilidade estivesse contemplada legalmente.

O BE apresentou na Assembleia da República um projecto-lei nesse sentido. Veremos qual o acolhimento que merece.

Como tantas vezes afirmo, uma família é um bem de primeira necessidade, não faz sentido que a estes jovens tal lhes esteja vedado.

terça-feira, 17 de janeiro de 2023

DO CURRÍCULO DE MATEMÁTICA

No Público encontra-se uma referência à posição fortemente crítica da Sociedade Portuguesa de Matemática relativa às Aprendizagens Essenciais recentemente homologadas e que sustentarão o novo currículo de Matemática.

A proposta esteve em discussão desde Junho e nessa altura escrevi aqui que a questão do currículo de Matemática, e não só, sendo uma matéria quase que permanentemente na agenda e com mudanças sucessivas suscitaria as divergências habituais, eventualmente começando logo pela própria decisão de alterar.

Acrescentei que não sendo especialista em questões curriculares aguardaria opiniões sustentadas sobre os programas em análise. No entanto, antecipei que duas importantes associações ligadas à matemática e ao seu ensino, a Sociedade Portuguesa de Matemática e a Associação dos Professores de Matemática, como é habitual, teriam posições diferentes. Assim aconteceu, uma apreciação globalmente positiva da Associação dos Professores de Matemática e uma avaliação globalmente negativa da Sociedade Portuguesa de Matemática.

Homologadas agora as Aprendizagens Essenciais é de novo divulgada uma crítica contundente por parte da SPM.

Não sendo, como disse, especialista em currículo e sem formação especializada em matemática, mas tendo interesse sobre o universo da educação escolar, confesso a minha dificuldade em reflectir sobre as diferentes avaliações produzidas por especialistas em matemática e no seu ensino.

A questão que tal divergência me suscita é se assenta, de facto, nos conteúdos programáticas propostos ou num outro qualquer entendimento fruto de agendas para além da matemática.

A certeza que tenho, passe o atrevimento, é que daqui a algum tempo estaremos a discutir e questionar o “novo” programa de matemática, seja ele qual for, e com os mesmos intervenientes.

Porquê?

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

DA CONFLITUALIDADE EM EDUCAÇÃO

O sistema educativo português parece condenado a uma dimensão de conflitualidade e instabilidade que lhe retiram serenidade e eficácia. São múltiplos e regulares os exemplos de conflitualidade e bem menos os entendimentos significativos.

Não sou defensor de falsos consensos, a chamada paz podre, conseguida a qualquer preço. A conflitualidade em educação, como noutras áreas, pode e deve ser, também, um factor de desenvolvimento e crescimento.

Sucessivas equipas do ME também se têm esforçado pela alimentação desta permanente conflitualidade com medidas que, apesar de se assumirem, algumas, com objectivos importantes e sendo matérias de necessária mudança, são muitas vezes inadequadas e associadas a critérios dificilmente sustentáveis do ponto de vista da qualidade e equidade do sistema público de educação.

Por outro lado, numa atitude reactiva, mas também inscrita na profunda luta política em que a educação se transformou em Portugal, a quase totalidade dos parceiros envolvidos acotovelam-se na defesa da corporação de interesses que representam acabando, lamentavelmente, por ser parte do problema mais do que da solução. Toda a gente tem os seus interesses federados num qualquer sindicato ou corporação. Isto envolve professores, técnicos e funcionários, políticos, pais, estruturas de formação de professores, autarquias, comunicação social, etc. Este quadro leva a que, em Portugal, a qualidade na Educação pareça ter de se desenvolver num cenário de permanente confronto entre estes grupos e não com o seu envolvimento, com o resultado que se conhece.

Vai sendo tempo de entendermos que a educação é um problema nosso e que, com papéis e modelos diferenciados, temos de encontrar de forma minimamente concertada caminhos para uma formação de qualidade e exigente dos que menos vêem os seus interesses representados, os alunos e as famílias, em particular os alunos e as famílias em situação mais vulnerável por várias razões.

Para isso, é preciso que se tornem claros os interesses em conflito, a prioridade de que se revestem e que, sobretudo, se perceba que os miúdos estão nas escolas e exigem que lhes proporcionem contextos educativos com alguma serenidade e de qualidade.

Importa entender como factor de desenvolvimento a existência de diferentes posicionamentos sobre educação e escolas designadamente no entendimento do que deve ser um sistema público de educação e ensino. É legítimo e desejável que assim seja em sociedades abertas e democráticas independentemente das nossas posições de natureza mais individual. Recordo como tantas vezes aqui discordei de dimensões da política educativa de Nuno Crato, Maria de Lurdes Rodrigues ou da actual equipa do ME, só para citar dois exemplos fortes entre antigos responsáveis e com raízes políticas diferentes.

A questão não é a existência destas diferentes visões sobre os caminhos da educação. Como é óbvio, é fácil encontrar legitimidade de preocupações e interesses nestas dimensões, a actual situação dos professores é um exemplo e que de há muito é maltratada e desvalorizada no âmbito das políticas públicas de educação.

É neste quadro que a conflitualidade corre o risco de ser parte do problema e não uma busca por soluções. Não está também em causa a legitimidade de alguns destes interesses, mas o risco da sua gestão ameaçar a serenidade e qualidade do trabalho de alunos, professores e escolas.

Será assim tão difícil numa sociedade democrática encontrar algum entendimento em questões essenciais na educação como, sem hierarquizar ou esgotar, autonomia e gestão da escola, currículo, avaliação interna e externa, valorização dos professores e modelo de carreira ou papel das autarquias?

Como ontem escrevi, nenhuma política pública sectorial é bem-sucedida desenhada contra os principais actores profissionais desse sector.

domingo, 15 de janeiro de 2023

NO DIA SEGUINTE

 No dia seguinte. No dia seguinte estamos como estávamos no dia antes.

Os professores vêm de há muito a ser desconsiderados em aspectos críticos como valorização social, estatuto salarial, modelo de avaliação, modelo de carreira, contratação, etc.

As políticas públicas têm como imperativo estabelecer de forma integrada as condições e regular o funcionamento das respectivas áreas, de modo que, no caso, o sistema educativo tenha qualidade e serenidade, condição básica ao sucesso do seu trabalho e que envolve professores, alunos, técnicos, pais e outros actores.

É o que não tem acontecido no que se refere aos professores, mas não só.

É próprio das sociedades democráticas que as políticas públicas sejam estabelecidas com base em processos transparentes, negociados, competentes, sob pena de comprometer a sua qualidade e os resultados que se esperam dessas políticas. Estes resultados poderão ser torturados para confessarem o que, certamente, não significam, e comprometem o futuro. Não será, evidentemente, um caminho com final feliz.

É óbvio que nenhuma política pública sectorial é bem-sucedida desenhada contra os principais actores profissionais desse sector. Pode entender-se que se perde os professores, mas se ganha a opinião pública, mas, para além de não ser assim, na verdade perde-se o país.

O que é que deste cenário não se percebe?

sábado, 14 de janeiro de 2023

REDES SOCIAIS E CRIANÇAS E ADOLESCENTES

 Aguardo com alguma expectativa informação sobre a manifestação dos docentes e, sobretudo, o impacto e os desenvolvimentos que possam surgir que relativamente à urgência da negociação. No entanto, a crispação e conteúdos dos discursos da tutela não sugerem grande optimismo, A ver vamos.

Entretanto, uma nota relativa à colaboração numa peça do Público sobre a questão das redes sociais e da possibilidade da sua regulação face a riscos envolvendo crianças e adolescentes na qual retomei aspectos já por aqui referidos.

As referências recorrentes ao tempo excessivo e aos riscos associados à ligação que muitas crianças e adolescentes estabelecem com a net nas suas múltiplas possibilidades designadamente as redes sociais, são, por assim dizer, um sinal dos tempos.

Relativamente à forma de lidar com esta quadro creio que, tal como noutras áreas o recurso privilegiado a estratégias proibicionistas não funciona, por isso a reserva face à iniciativa referida na peça do Público e desencadeada nos EUA.

A promoção de uma utilização auto-regulada e informada parece-me uma estratégia mais adequada. A net e o mundo de oportunidades, benefícios e riscos que está presente em todas as suas potencialidades é uma matéria que deve merecer a reflexão de todos os que lidam com crianças e jovens embora não lhes diga exclusivamente respeito. É o nosso trabalho, como também é nosso trabalho a exigência por mais eficazes dispositivos de controle de acesso e na natureza dos conteúdos embora esta seja o caminho mais difícil.

Mesmo em tempos “normais”, seja lá isso o que for, a que estamos a voltar, muitas crianças e adolescentes têm um ecrã como companhia em casa durante o pouco tempo que a escola "a tempo inteiro" e as mudanças e constrangimentos nos estilos de vida das famílias lhes deixam "livre". Também é verdade que a crescente "filiação" em redes sociais virtuais pode “disfarçar” o fechamento, juntando quem “sofre” do mesmo mal e o tempo remanescente para estar em família, frequentemente ainda é passado à sombra de uma televisão.

Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos e os riscos potenciais, por estranho que pareça, são problemas menos conhecidos para muitos pais. Aliás, existem demasiadas situações em que desde muito cedo os “smartphones” ou outros dispositivos funcionam como “babysitters”. As dificuldades sentidas por muitas famílias na ajuda aos filhos em tempo de ensino não presencial, mostrou isso mesmo, baixos níveis de literacia digital. Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível e útil seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes minimizando os riscos existentes nos “alçapões da net” muitas com riscos e consequências bem graves ou fatais.

Por outro lado, a experiência mostra-me que muitos pais desejam e mostram necessidade de alguma ajuda ou orientação nestas matérias. Sabemos que estratégias proibicionistas tendem a perder eficácia com a idade.

Creio que o caminho terá de passar por autonomia, supervisão, diálogo e informação que estimulem auto-regulação e muita atenção aos sinais que crianças e adolescentes nos dão sobre o que se passa com elas, sobretudo a situações que possam estar associadas a mal-estar, que podem ser como que portas abertas para cair num alçapão com consequências imprevisíveis.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

E AMANHÃ? E DEPOIS DE AMANHÃ?

 Não é possível saber qual a adesão que merecerá a manifestação que amanhã os professores realizarão em Lisboa. Considerando o que se observado nas últimas semanas, é bem possível que as movimentações de 2008 possam ser ultrapassadas o que terá um significado inquestionável.

Por outro lado, a manutenção de discursos e intervenções erráticas por parte da tutela e o recurso a procedimentos que, mais do que esclarecer ou contribuir para a solução, agudizam o confronto e não parecem indiciar a possibilidade de concertação e confiança.

No entanto, é fundamental que a única forma de ultrapassar este cenário, a negociação, não esteja comprometida.

Como frequentemente escrevo e afirmo, muitos dos problemas dos professores são também problemas nossos, de toda a comunidade. A qualidade da educação e da escola, pública ou privada, tem como um dos eixos críticos o trabalho dos professores que, por sua vez, exige serenidade e confiança.

Os sistemas educativos com melhor qualidade, independentemente dos critérios de qualidade são, em regra, os que mais valorizam os professores, em termos sociais, em termos profissionais e também no estatuto salarial.

A defesa da qualidade da educação e da escola, pública e também privada, passa incontornavelmente pela defesa e valorização das condições de trabalho, em diferentes dimensões, que possibilitem que o desempenho de escolas, professores, directores, técnicos, funcionários, alunos e pais tenha o melhor resultado possível.

O futuro passa pela educação e pela escola, donde ...


quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

A HISTÓRIA DO RAFAEL, O PREGUIÇOSO

Para não falar dos problemas dos professores que também são problemas nossos, são construtores dos nossos futuros, uma história da escola onde esses futuros se alicerçam.

Um destes dias, a Professora Graça, nova na escola e que tem um grupo do primeiro ano, encontrou o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, na sala de professores. Para não variar estava de volta do chá e, claro, sempre pronto para a conversa.

Posso sentar-me uns minutos?

Claro Graça, que tal achas a escola?

Simpática, bons colegas e com boas condições. Os miúdos arrumadinhos e com vontade de crescer, sabendo. Ainda é um bocadinho cedo, mas convém estar atenta desde o início e o Rafael intriga-me um pouco. Velho, conheces o gaiato? Aqui não usam muito, mas lá no Alentejo é assim que falamos.

Não conheço o Rafael, o gaiato como lhe chamas, ele não estava no Jardim de Infância aqui da escola. Que te intriga?

A qualquer coisa que eu peça ou sugira ao Rafael para fazer, diz de imediato que não sabe ou não é capaz. Dificilmente e só estando muito por perto a incentivar é que faz qualquer coisa, sempre a contragosto. O que acho curioso é que, por vezes, se põe junto dos outros e dá dicas e ajudas para eles fazerem as coisas. Quando lhe peço eu volta ao não sabe ou não é capaz. Sabes o que me faz lembrar? Aquelas pessoas pouco amigas de trabalhar, há muitas assim, que quando vêem alguém a trabalhar na rua juntam-se logo e ficam por perto a assistir e a dar conselhos, palpites. Se lhes pedirem para fazer alguma coisa desaparecem rapidamente.

Como te disse não conheço o Rafael, mas, desculpa por isto, podes estar a ser um pouquinho injusta. Tenho encontrado miúdos como o Rafael que ao responder que não sabem ou não são capazes de fazer o que se lhes pede, estão a mostrar medo de não fazer bem, falta de confiança nas suas capacidades, por isso fogem de fazer. Se estiveram ao lado de colegas, com tarefas que não são suas, não se sentem ameaçados, por assim dizer e até mostram que na verdade são miúdos capazes.

Não tinha pensado nisso. Mas como faço para perceber melhor o Rafael?

Experimenta pedir-lhe que faça a coisa que melhor era capaz de fazer quando estava no Jardim de Infância. Creio que ele não dirá que não, vai fazer algo de bem feito o que te permite mostrar ao Rafael como ele é mesmo capaz de fazer coisas bem feitas. A gente só aprende a partir do que já sabe, não é do que ainda não sabe. De resto, como dizias há pouco, é preciso estar atento e mostrar confiança no "preguiçoso" do Rafael.

Não precisas de te meter comigo, Velho. Até logo. Olha, o teu chá deve estar frio.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

GORDINHOS E PARADINHOS

No Expresso encontra-se um trabalho sobre uma matéria que, do meu ponto de vista, justifica mais atenção, sobretudo das famílias, mas também e naturalmente dos profissionais que lidam com crianças, o excesso de peso e a obesidade na infância.

Apesar de estarmos a melhorar a situação, os indicadores relativos à prevalência do excesso de peso e da obesidade infantil entre 2008 e 2019 baixaram na generalidade do país, mais ainda temos cerca de 30% de crianças nesta situação.

De acordo com o estudo COSI Portugal, integrado no Childhood Obesity Surveillance Initiative da OMS/Europa, coordenado pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, verificou-se neste período uma redução de 8,2% na prevalência de excesso de peso em crianças dos seis aos oito anos, de 37,9% para 29,7% e de 3,3% na obesidade infantil, de 15,3% para 11,9%.

Acresce que no que respeita à actividade física e considerando a recomendação da OMS de uma hora diária de actividade física aos 11 anos só 16% das raparigas e 26% dos rapazes cumprem e aos 15 anos temos 5% das raparigas e 18% dos rapazes de acordo com o Relatório “Health at a Glance: Europe 2016” da OCDE.

Estes dados estão em linha com os de relatórios anteriores e com estudos nacionais sobre os hábitos alimentares e estilo de vida dos mais novos e sobre as potenciais consequências para o seu desenvolvimento. Entre os efeitos da pandemia e dos períodos de confinamento, provavelmente, surgirá o acréscimo do sendentarismoe e, naturalmente, do número de crianças com excesso de peso.

Registou-se também em 2021 a regulamentação da oferta alimentar nas escolas com o objectivo de promover estilos alimentares mais saudáveis.

Apesar de parecer uma birra ou teimosia acho sempre importante sublinhar a importância que deve merecer a questão dos hábitos alimentares e o combate ao sedentarismo, sobretudo nos mais novos.

As consequências potenciais deste quadro em termos de saúde e qualidade de vida são muito significativas, quer em termos individuais, quer em termos sociais. Assim, e como já tenho referido, um problema de saúde pública desta dimensão e impacto justifica a definição de programas de prevenção, educação e remediação que o combatam. Sem surpresa, surgem sempre algumas reacções contra o chamado “fundamentalismo nos hábitos individuais”, mas creio que são também de ponderar as implicações colectivas e sociais do problema.

No entanto, como sabemos, o excesso de peso, o sedentarismo e os riscos associados não serão, para a esmagadora maioria dos miúdos e graúdos nessa situação, uma escolha individual, é algo de que não gostam e sofrem, de diferentes formas, com isso.

Eu sei que à escola não compete tudo, não pode, nem deve ser responsável por todos os problemas que afectem a população em idade escolar. Por outro lado, apesar de em termos de educação familiar se registarem melhores níveis de literacia sobre saúde estilos de vida, ainda temos muito que caminhar.

No entanto, sei, sabemos, que pela educação é que vamos lá.

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

EM CONTRAMÃO

 Li com atenção o texto do Ministro da Educação no Público, “Da transformação na escola pública portuguesa” que surge em resposta ao artigo de Sampaio da Nóvoa também no Público, “Obrigado, professores”. A torrente de números e o que os números não dizem fizeram-me pensar na velha história de alguém que viaja tranquilamente em contramão e ao olhar para os viajantes com que se cruza e para o seu ar inquieto, pensa. "Esta gente anda toda em contramão, que descuidados".

É verdade que sempre me anima e não esqueço o que de positivo diariamente acontece nas escolas, mas ao fim de umas décadas, o cansaço é grande. Sim Senhor Ministro, temos caminhado positivamente em alguns sentidos, mas estamos longe do que ainda precisamos de caminhar.

O desenvolvimento das sociedades, os períodos críticos pelos quais passamos, a enorme desigualdade que ainda se verifica, o climas nas escolas, a situação dos professores, levantam desafios gigantes a alunos, professores e famílias e o "Rolls-Royce" não transporta todos.

Não gosto de me sentir o Waldorf ou o Statler, os velhos dos Marretas que estão sempre na crítica, até porque, de novo, muita coisa de bom acontece, mas … a verdade é que julgo que só afirmar a mudança, ainda que num caminho ajustado, só por si, não significa … que a mudança aconteça generalizadamente.

Décadas de trabalho neste universo não me deixam acreditar na chegada dos amanhãs que cantam. Não queria repetir porque, sim, existem muitas coisas muito bonitas, mas … nem tudo vai bem. Não torturemos a realidade que ela não vai confessar. Na verdade, nem sempre conseguimos perceber os “Rolls-Royce” que nos dizem existir.

A realidade fala-nos da manutenção de um modelo de carreira, recrutamento e colocação de professores ineficiente e produtor de injustiça, um modelo de avaliação também injusto, incompetente e pouco transparente, a desvalorização salarial e social que se associam a uma baixa atractividade pela carreira de professor, o previsível e não acautelado envelhecimento dos professores e o consequente abandono, o cansaço e desânimo sentido pelos docentes e sublinhado em muitos estudos, o modelo de governança de agrupamento e escolas que se liga, embora não como única variável, ao clima que se vive em muitas comunidades escolares, um caminho de “descentralização”/municipalização” cheio de dúvidas e pouco claro, ou a burocracia excessiva que leva a uma “agitação improdutiva” e, pior, cansativa e ineficaz.

Este contexto acaba, naturalmente, por se tornar mais pesado e doloroso para os que gostam, escolheram e querem ser e continuar a ser professores, a maioria dos docentes apesar dos discursos de cansaço e desencanto que regularmente se ouvem e que agora sustentam a robusta reacção dos professores.

Como já escrevi, desejo que todos, designadamente quem decide em matéria de políticas públicas, saibamos que aquilo que é necessário é demasiado importante para que não seja feito e se devolva, tanto quanto possível, a tranquilidade aos professores, às escolas, às comunidades educativas.

A história não vos absolverá.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

QUO VADIS BRASIL?

Quo Vadis Brasil?

Quando parecia, a esta distância, que se poderia estar a encontrar o caminho de alguma serenidade, assistimos ao despertar da besta.

É um ataque muito sério à esperança, à democracia, à paz entre brasileiros, ao desenvolvimento, ao futuro.

Esperemos que este trágico episódio não represente o pavio que faça explodir o barril de pólvora em que este gigantesco e amado país parece corre o risco de se transformar.

Esperemos que se “levante, sacuda a poeira e dê a volta por cima”.

domingo, 8 de janeiro de 2023

A CULTURA DO "DESENRASCANÇO"

 No Expresso encontram-se duas peças que se ligam e que tratam a fraude académica. É abordada a larga oferta disponível na net que disponibiliza, por exemplo, teses de mestrado, a um custo de 800€. O mais curioso é que este “expediente” cai num vazio legal deixando tranquilos os envolvidos. Uma outra peça reflecte o impacto que neste universo pode ter o programa ChatGPT que está acessível e com base na evolução da Inteligência Artificial elabora textos coerentes e factuais sobre múltiplas temáticas. A sua acelerada evolução certamente criará novos desafios na comunidade científica e não só.

Na verdade, o plágio e outras formas de fraude é um fenómeno lamentavelmente comum no ensino superior e na comunicação científica, realidade que conheço melhor, mas não só, a título de exemplo já tive textos do blogue plagiados. Considerando o volume crescente de situações muitas instituições têm vindo a adoptar dispositivos de despiste e regulamentos que minimizem o risco de tais práticas sendo prática corrente que se acentuou durante os anos de pandemia a obrigação de submissão de trabalhos académicos a programas de análise de textos. Não é suficiente, pois xsitem outras forma de plágio levando à necessidade de ajustar da forma possível os dispositivos de avaliação no sentido de, na medida do possível, acautelar a situação de fraude.

Não tenho dados mais recentes e recordo que o Centro de Estudos Sociais da Faculdade Economia da U. de Coimbra divulgou em 2018 um estudo nacional sobre a questão da fraude académica cujos dados apontavam no sentido de que de que 37.6 % dos inquiridos aceita a fraude desde que “não prejudique ninguém”. A estes dados, pode acrescentar-se um estudo da Universidade do Minho também já de algum tempo que referia que as situações de algum tipo de “copianço” envolvem três em cada quatro estudantes.

Este reconhecido aumento das situações de plágio que se verificam em todos os níveis de ensino, do básico à formação pós-graduada, doutoramentos incluídos, bem como artigos científicos, situação hoje bem retratada no Expresso, elucida o que costumo designar por relação ética que estabelecemos com o conhecimento e que os alunos mais novos replicam.

O conhecimento será entendido como algo que se deve mostrar para justificar uma nota ou estatuto, não para efectivamente integrar e, ou acrescentar uma mais-valia científica, ou seja, importante mesmo é que a nota dê para passar, que o curso se finalize, que a tese fique feita e se seja doutorado ou que se possa acrescentar mais um artigo à produção científica num mundo altamente competitivo, muitíssimo competitivo. Que tudo isto possa acontecer à custa da manhosice, do desenrasca mais ou menos sofisticado, são minudências com as quais não podemos perder tempo.

É importante termos consciência que esta questão não é um exclusivo nosso. São conhecidos casos em diferentes países da Europa. De qualquer forma, não deixa de ser uma preocupação e justifica que as escolas, do básico ao superior, se envolvam nesta tentativa de que todos tenhamos uma relação sólida do ponto de vista ético com o conhecimento, a sua produção e divulgação.

O caminho passa pelo estabelecimento obrigatório de códigos de conduta com implicações sancionatórias severas e com uma atitude formativa e preventiva durante as aulas e, como referi, tentar recorrer a dispositivos de avaliação que minimizem o risco de fraude

O trabalho será sempre difícil pois o actual contexto ao nível dos valores e da ética dos comportamentos e funcionamento social é, só por si, um caldo de cultura onde o copianço, o plágio ou a fraude científica, por vezes, não passam de "peanuts". 

É a cultura do desenrascanço, não importa como.

sábado, 7 de janeiro de 2023

AVALIAÇÃO NO SECUNDÁRIO E O ACESSO AO SUPERIOR

Ao que tem sido divulgado está em curso o processo de alteração do dispositivo de acesso ao ensino superior e a forma como a avaliação no ensino secundário se repercute no acesso. 

Como é habitual no universo da educação, é consensual o reconhecimento de dificuldades ou a necessidade de mudança, mas o consenso desaparece logo que se começa a discutir que mudança e que processo de mudança.

Já muitas vezes aqui tenho abordado esta questão e, lá está, parece-me clara a necessidade de alterações.

Na situação actual, estou a considerar o cenário dos últimos anos em que apenas se realizaram exames nas disciplinas específicas para o acesso ao superior, acentuou-se a prática simpática e generosa de algumas escolas, sobretudo privadas, que inflacionam as notas das disciplinas não sujeitas a exame promovendo assim uma melhor nota de candidatura dos seus alunos.

Dados mais recentes mostram que no ensino privado, três quartos dos alunos que acabaram o Secundário em 2021 tiveram 18 ou mais nas disciplinas sem exame. No que respeita ao ensino público é cerca de metade.

Ainda de acordo dados divulgados no JN, em 2021, 34,3% dos estudantes terminaram o Secundário com nota igual ou superior a 18 valores, face a 25,6% em 2020. A classificação de 18 valores foi a nota atribuída com mais frequência (dados de cinco disciplinas, faltando de quatro bienais) face à nota de 16 mais frequente em 2020.

Esta situação que vem de há algum tempo já levou a procedimentos de investigação pela tutela e mostra como se torna necessário repensar a questão.

Importa considerar que neste cenário o peso dos exames no acesso é de 30% o que potencia a simpatia das avaliações internas.

Sabe-se que a proposta em estudo considera que se realizarão apenas três exames, um obrigatoriamente a Português, cujos resultados contarão apenas para o acesso ao superior com o um peso de pelo menos 50% e não têm impacto na avaliação do ensino secundário cuja nota final depende da avaliação interna que contará com 35% para a nota de acesso.

Algumas notas.

A avaliação externa é um dispositivo essencial para a regulação da qualidade nos diversos patamares do percurso escolar. A abolição de exames finais no secundário compromete esta avaliação externa pois a dispersão de exames em face das opções de acesso pode criar alguns enviesamentos até porque só realiza estes exames quem se candidatar ao ensino superior.

Aumentando o peso dos exames no acesso, corre-se o risco de acentuar um entendimento de que o ensino secundário e o trabalho dos docentes seja algo como a “sala de preparação para exames” esbatendo a importância de um ciclo de estudos que encerra a escolaridade obrigatória para a boa parte dos alunos.

Esta questão poderia minimizar-se recorrendo a ajustamentos no modelo de exames a realizar, introduzindo dimensões como as que informam as avaliações no PISA, menos centradas nos conteúdos curriculares e eventualmente com o envolvimento do próprio superior.

Também se equaciona a introdução de quotas para o acesso ao superior de alunos que recebem apoio da Acção Social Escolar. Não tenho uma posição fechada sobre esta questão, mas creio que o combate à desigualdade e a promoção de igualdade de oportunidades se joga desde a educação pré-escolar e em todo o trajecto escolar com a existência de dispositivos de apoio suficientes e competentes. A quota, a existir, dará algumas oportunidades, mas não combate a desigualdade.

Como dizemos por aqui no Alentejo, deixem lá ver.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

DEFICIÊNCIA, EMPREGO, POBREZA

 No Expresso encontra-se uma peça dedicada a uma matéria que raramente entra na agenda, o emprego das pessoas com deficiência.

O trabalho ilustra situações de emprego bem-sucedidas e surge a propósito de que a partir de Fevereiro entra em funcionamento o sistema de quotas existente para a função pública desde 2001, alargada ao universo privado em 2019 com um período de transição até 2023 para empresas com até 100 trabalhadores e até 2024 para empresas com entre 75 e 100 trabalhadores.

De acordo com a lei as médias empresas, com 75 a 249 trabalhadores, “devem admitir trabalhadores com deficiência em número não inferior a 1 % do pessoal ao seu serviço”. Para as maiores empresas, com 250 ou mais trabalhadores, a quota definida é de, pelo menos, 2%.

Considerando os dados do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos, em 2019, altura da alteração legal, a percentagem de pessoas com deficiência no total de recursos das empresas privadas com mais de 10 trabalhadores era de 0,58%, (13 702 pessoas), um número altamente significativo.

Na administração públicas quotas estabelecidas não estão cumpridas e são conhecidos casos de fraccionamento de concursos como método para o seu não cumprimento.

De acordo com os dados de 2021 do relatório “Pessoas com Deficiência em Portugal – Indicadores de Direitos Humanos 2021”, ainda do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos, entre 2011 e 2021 o desemprego registado aumentou 63,1% nas mulheres com deficiência e 9,8% nos homens com deficiência.

O mesmo estudo refere que em 2020 a taxa de risco de pobreza ou exclusão social em agregados de pessoas com deficiência (16-64 anos) era 11,7% superior ao dos agregados da população em geral na mesma faixa etária (28,5% vs. 16,8%)”. Um outro indicador revela que os agregados de mulheres com deficiência, 26,5%, e os agregados de pessoas com deficiência grave, 31,5%, eram os grupos que enfrentavam o maior risco de pobreza ou exclusão social.

Como frequentemente aqui refiro e volto a insistir, a questão do emprego é crítica para muitos milhares de pessoas e suas famílias e com pouco eco no espaço mediático, como sempre as vozes das minorias soam baixo.

Por princípio, não simpatizo com o recurso ao estabelecimento de quotas para solução ou minimização de problemas de equidade ou desigualdade. As razões parecem-me óbvias, justamente no plano dos direitos, da equidade e na igualdade de oportunidades.

No entanto, também aceito que o estabelecimento de quotas possa ser um passo e um contributo para minimizar a discriminação neste caso por deficiência. Por outro lado, viver há muitos anos por cá permite também perceber que a legislação tende a ser vista como indicativa e não como imperativa.

E na verdade a questão do emprego de pessoas com deficiência é uma questão de enorme relevância. Apesar de evidente recuperação nos níveis de desemprego as pessoas com deficiência continuam altamente vulneráveis a este problema.

Neste universo o caderno de encargos ainda é extenso e exigente.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

OS PERCURSOS DE SUCESSO

A Direcção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência divulgou o estudo realizado sobre o desempenho dos alunos que iniciaram o 3º ciclo no ano de 18/19. Os dados dizem que 87% concluíram o ciclo no tempo esperado, portanto, sem retenções. Atenuaram-se as diferenças ainda existentes relativamente aos alunos que são beneficiários da Acção Social Escolar, 90% dos alunos sem retenções não são beneficiários, 87% têm escalão B e 74% do escalão A.

Poderíamos pensar que este progresso mostra que todos os planos, projectos, iniciativas, capacitação, inovação, etc., estão a funcionar e a resultar, mas, lá vem um maldito mas, continuo com dúvidas que anteriores estudos desta natureza me levantaram. Preferia que assim não fosse.

Como tenho escrito, a transição será um indicador de sucesso, mas sugere alguma prudência conhecendo o nosso sistema educativo e a forma como, por vezes, é gerida a “passagem” de ano dos alunos. Precisamos de avaliação externa que tenha uma função reguladora que as actuais provas de aferição não cumprem. Uma avaliação externa de aferição teria de ser realizada no ano final de cada ciclo e não nos anos intermédios, 2º, 5º e 8º ano, em que os alunos estão a meio do seu caminho de um ciclo.

Os alunos envolvidos neste estudo teriam realizado provas de aferição em 2020 e provas finais de ciclo em 2021. Acontece que devido ao contexto criado pela pandemia estas provas não se realizaram. Como termo aproximado de comparação e com todas as reservas recordo que nas provas de aferição de 2021, no 5º e no 8º ano a percentagem de alunos que respondeu sem dificuldades, variou, conforme os domínios em avaliação, entre 2,7% e 44,2%, sendo que na maioria dos domínios analisados ficou abaixo dos 20%.

Tenho algumas dúvidas relativas à coerência dos resultados entre os resultados das provas de aferição com os indicadores de sucesso que são baseados nas taxas de completamento dos ciclos nos anos definidos. Dito de outra maneira, será que o sucesso significa conhecimentos e competências adquiridas ou a “passagem” de ano?

Colocando a questão de outra forma, podemos ler a transição de ano como sucesso na aprendizagem de competências e saberes ou definir o sucesso como “a passagem de ano”.

De facto, o que conhecemos através das provas de aferição não parece compatível com os indicadores de transição. Já aqui tenho abordado a questão a propósito de resultados de outros anos escolares.

Acresce o facto deste grupo de alunos ter passado pela experiência dos confinamentos com um confirmado impacto nas aprendizagens.

Importa sublinhar com muita clareza que levantar esta questão não significa a defesa da retenção como ferramenta de sucesso e qualidade. Não é, sabemos que o “chumbo”, só por si, não gera sucesso e qualidade. Nenhuma dúvida sobre isto.

E volto a insistir. A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens e com regulação externa, sim, naturalmente, mas também com a avaliação justa e competente do trabalho dos professores e das escolas, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.

É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar e que significam conhecimentos e competências adquiridas.

É o que ainda não conseguimos fazer acontecer de forma consistente, generalizada e sustentada em Portugal, apesar da imensidade de projectos, iniciativas, inovação, actividades que, demasiadas vezes chegam do exterior às escolas, podem ser interessantes … mas não são mágicos, por mais que num exercício de "wishful thinking" os queiramos entender e vender como tal.

Não vale a pena insistir.

terça-feira, 3 de janeiro de 2023

PAIS, ESCOLA, SUCESSO ESCOLAR E EDUCATIVO

Nesta retoma do ano escolar marcada pelo processo reivindicativo dos professores cujos problemas exigem da tutela uma resposta adequada e imprescindível à promoção de um sistema educativo de qualidade, umas notas sobre o papel e o contributo dos pais no sucesso educativo e escolar dos miúdos. Melhorar este papel e a relação dos pais com a escola não é tarefa fácil e não é problema resolvido em nenhum sistema educativo.

Não é fácil, por um lado pelos estilos de vida modernos, sobretudo em zonas urbanas e, por outro lado pela inerência das dificuldades, conteúdos curriculares e cultura escolar desconhecidos por muitos pais e encarregados de educação, pelas solicitações e motivações presentes na vida dos miúdos, etc.

De qualquer forma é indiscutível a necessidade de o envolvimento dos pais e a qualidade desse envolvimento.

É reconhecido o afastamento dos pais traduzido, por exemplo, na baixa participação em reuniões. Como causas referem-se as dificuldades em termos de legislação e horários laborais e algumas atitudes de menor empenhamento.

De há muito defendo a pertinência de em sede de Concertação Social, se avançar com propostas de alteração legislativa, sobretudo, na organização horária do trabalho que poderia, essa sim, ter impacto na disponibilidade dos pais. Não me parece impossível que em muitas profissões os tempos de trabalho pudessem ter outra distribuição permitindo mais tempo com os filhos e menos tempo destes na escola.

No entanto, julgo de considerar outros aspectos. Costumo afirmar que os pais, exceptuando os pais negligentes, que existem, ainda que podendo, menos frequentemente vão à escola ou nunca vão, se podem dividir em dois grupos, os pais que não alcançam a escola e os pais que a escola não alcança. Os primeiros são os que entendem consciente, ou inconscientemente, que a sua presença é irrelevante, não sabem discutir a escola, a escola é que sabe e decide sobre os filhos. Os outros, são os pais para quem o discurso produzido pela escola sobre os seus filhos os leva a afastarem-se progressivamente. A experiência mostra que quando as crianças são mais pequenas, pré-escolar 1º ciclo, os pais aparecem e começam a afastar-se sobretudo a partir do 2º ciclo, o que tem como razão principal o crescimento dos filhos.

Neste quadro, creio que se o desejo de maior envolvimento dos pais na vida escolar dos filhos for mais do que uma retórica, o sistema, através dos modelos de funcionamento e recursos das escolas, deverá introduzir alguns ajustamentos. Redefinição do papel dos Directores de Turma, peças nucleares no sucesso educativo e muitas vezes entregues a tarefas quase administrativas, definição de dispositivos de apoio e mediação com técnicos e professores, competentes e suficientes que possam ir ao encontro dos pais que a escola não alcança.

Existem tantas horas de professores adjudicadas a trabalho não docente e a iniciativas, projectos, experiências avulsas e descontextualizadas que seriam certamente mais úteis neste contexto, relação escola e pais. Mudança nas formas e suporte do contacto entre a escola e a família, ou seja, por exemplo, tipologia e conteúdos das reuniões de pais. Utilização concertada do papel das Associações de Pais como mediadores entre a escola e os pais que não vindo à escola, também não são dos que integram as Associações e que, em muitas circunstâncias têm pouca capacidade real de representação dos pais.

O espaço é curto, mas creio que no actual quadro seria possível ir um pouco mais longe na tentativa imprescindível de maior envolvimento dos pais na vida escolar dos miúdos, questão em mudança, sempre, e que obriga a uma contínua reflexão sobre os papéis e os processos e formas de envolvimento.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

O SEGUNDO PERÍODO

Inicia-se amanhã o segundo período escolar ainda que em algumas comunidades educativas se tenha “semestralizado” o ano escolar. Mais do que o terceiro creio que é este o período das decisões. Na verdade, embora falte o terceiro trimestre este que agora começa parece-me ser o mais importante no calendário escolar.

Este reinício de ano escolar será marcado pelo processo reivindicativo dos docentes que, espero bem, vejam acautelados dimensões críticas para sua valorização profissional, adequação da carreira e da avaliação, e atractividade da carreira, imprescindíveis num sistema educativo de qualidade, como muitas vezes aqui tenho abordado.

Relativamente ao trabalho educativo, quando o primeiro trimestre corre bem e o segundo decorre de forma igualmente positiva, normalmente, o sucesso do ano de trabalho escolar estará praticamente assegurado.

Se os dois primeiros períodos não se desenvolverem de forma positiva torna-se, obviamente, bem mais difícil a recuperação durante o terceiro período e o risco de insucesso ou retenção é mais elevado.

Assim, o segundo período é um tempo em aberto, um tempo que permitirá manter bons resultados, recuperar de algumas dificuldades ou “certificar”, antecipando, o insucesso.

É neste aspecto que centro estas notas. De facto, alguns alunos devido aos seus resultados menos positivos no primeiro trimestre, à sua história escolar que poderá incluir eventuais dificuldades ou até pela imagem que deles foi sendo construída, integrarão provavelmente um grupo, “os que não vão lá”, para utilizar uma terminologia frequente no meio escolar.

Dito de outra maneira, a escola, algumas vezes sem se dar conta, outras por ausência de meios ou disponibilidade e outras ainda pela convicção de que é "normal" que nem todos aprendam apesar de possuírem capacidades para tal, constrói sobre alguns alunos uma baixa ou nula expectativa de sucesso que não é alheia ao “eles não vão lá” e cujos efeitos negativos estão estudados.

Neste cenário, a escola pode vir a desistir deles e eles podem vir a desistir da escola através de processos que nem sempre são conscientes, quer por parte da escola, quer por parte de alunos e pais.

Curiosamente, muitos destes alunos que “não vão lá” são reconhecidos como crianças ou adolescentes inteligentes, dotados, de tal maneira que "se eles quisessem" teriam sucesso. O problema é que com alguma frequência, por menor atenção, pelo número de alunos por turma e/ou por falta de recursos, dispositivos de apoio, condições de trabalho, não conseguimos que eles tenham sucesso, tal como eles não conseguem mobilizar eficazmente as suas capacidades para serem bem-sucedidos. Eu sei que a afirmação é forte e pode ser injusta em muitas situações, mas existem alunos de quem a escola, por várias razões, parece ter “desistido”.

Importa, pois, iniciar este segundo período com expectativas positivas face ao trabalho de alunos e de docentes. Por outro lado, é também importante que as expectativas positivas e confiança nas capacidades dos alunos lhes sejam claramente expressas por pais e professores. Finalmente é essencial que os apoios a eventuais dificuldades de alunos e professores estejam disponíveis, sejam suficientes, competentes e estruturados em tempo oportuno.

Volto ao início, a serenidade é um bem de primeira necessidade nos contextos educativos, espero que as decisões no âmbito das políticas públicas em matéria de educação não esqueçam o quanto e o que está causa nas questões que envolvem os professores, a sua valorização, o clima e a autonomia das escolas. Muito do que está não serve, muito do que se anuncia também não, urge um entendimento, a responsabilidade é grande.

O risco de insucesso e exclusão na escola é também o primeiro grande risco, ou mesmo a primeira etapa, da exclusão social.

Eles vão lá. Bom trabalho e Bom Ano.