AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

segunda-feira, 30 de abril de 2018

A MOCHILA DOS MEDOS

No Público está um texto interessante sobre algo de muito natural na vida das crianças, sobretudo das mais pequenas, os medos. A peça tem por título, “Mãe, pai! Está escuro… Tenho medo”, é escrito por Magda Alves. Aborda os medos que mais frequentemente inquietam as crianças e contribui com algumas orientações para que os pais possam desenvolver estratégias tranquilizantes. Nestas matérias recomendo sempre alguma prudência para não “psicologizar” em excesso situações que com serenidade, confiança e comunicação vão sendo quase sempre resolvidas sem mais do que os sobressaltos próprios do … crescimento. Aliás, como todos sabemos as crianças não vêm acompanhadas de manual de instruções.
Ainda a propósito dos medos das crianças aproveito para um olhar sobre outros medos que as podem inquietar e que, com alguma frequência, carregam na mochila sem nos apercebamos do seu peso e efeitos.
De facto, se espreitarmos com alguma atenção para a mochila pesada que muitas crianças e adolescentes carregam podemos encontrar alguns medos.
O medo de não ser capaz de aprender, o medo de não corresponder às expectativas, por vezes demasiado altas, dos pais, o medo das comparações com os outros, o medo das brincadeiras que adultos ansiosos lhes incutem, o medo induzido por discursos ligeiros sobre os riscos e perigos que espreitam por todo lado. O medo de futuro que não controlam e não antecipam. Entre outros.
Parece-me, por isso, que os adultos andarão bem se estiverem atentos ao que os miúdos carregam nas suas mochilas. Muitas crianças e adolescentes sentem uma enorme dificuldade em lidar com os medos, sobretudo quando se sentem sós. Por vezes, acabam por se juntar a outros tão assustados quanto eles. Quase nunca dá bom resultado.

FAMÍLIA, UM BEM DE PRIMEIRA NECESSIDADE


Li ontem no DN que o Bloco de Esquerda vai propor na Assembleia da República a criação de um grupo de trabalho que analise a situação da adopção de crianças. Na verdade, é uma situação que merece profunda atenção.
Apesar das alterações realizadas na lei creio que há cerca de dois anos no sentido de agilizar os processo de adopção o cenário continua sem mudanças significativas e boa parte das crianças institucionalizadas com processo de adopção proposto continuam ... institucionalizadas.
De facto, e considerando dados de 2016, de entre as 8175 institucionalizadas, 830, tinha projecto de adopção proposto e apenas 361 situações se verificaram. No início de 2016 estavam 399 crianças que ninguém se mostrava disponível para adoptar apesar das perto de 2000 famílias em lista de espera para adoptar. Nos últimos 10 anos a adopção decresceu cerca de 26%.
É na verdade um processo complexo e de uma enorme delicadeza dados os custos emocionais e psicológicos envolvidos sobretudo para as crianças mas também para os adultos, técnicos e famílias adoptantes.
Como muitas vezes aqui tenho referido, apesar da evolução que se tem constatado, continuamos com uma elevada quantidade de crianças institucionalizadas, muitas das quais sem projectos de vida viáveis pese o empenho dos técnicos e instituições. É também reconhecido que os processos de adopção, apesar das alterações, ainda são morosos e que muitas crianças não reúnem condições que lhes facilitem a adopção. As crianças mais velhas, com irmãos, de minorias étnicas ou com necessidades especiais passam por maiores dificuldades ou mesmo impossibilidade de adopção.
É fundamental que continuemos a tentar promover até ao limite promover a desinstitucionalização das crianças por múltiplas e bem diversificadas razões e, portanto, minimizar a sua institucionalização que, quando necessária, deveria ser desejavelmente transitória.
Recordo um estudo da Universidade do Minho mostrando que as crianças institucionalizadas revelam, sem surpresa, mais dificuldade em estabelecer laços afectivos sólidos com os seus cuidadores nas instituições. Esta dificuldade pode implicar alguns riscos no desenvolvimento dos miúdos e no seu comportamento. A conclusão não questiona, evidentemente, a competência dos técnicos cuidadores das instituições, mas as próprias condições de vida institucional e aponta no sentido da adopção ou outros dispositivos como forma de minimizar estes riscos e facilitar os importantes processos de vinculação afectiva dos miúdos.
Neste contexto acentua-se a importância da promoção da existência de mais famílias de acolhimento que respondam às situações que não são para adopção e promover processos de adopção mais ágeis. Existem contextos familiares que podem reverter situações negativas que justificam a retirada dos menores durante algum tempo e com apoio reconstruir uma relação familiar bem-sucedida.
Uma família que de facto o seja é um bem de primeira necessidade na vida de uma criança. Citando um autor muito conhecido na área da educação e do desenvolvimento, Bronfenbrenner, "Para que se desenvolvam bem, todas as crianças precisam que alguém esteja louco por elas".
A propósito destas matérias muitas vezes aqui tenho citado uma expressão que em tempos a Laborinho Lúcio num dos encontros que tenho tido o privilégio de manter com ele.
Numa conversa que mantínhamos perante um auditório repleto pedindo às pessoas para ouvirem até ao fim o que iria dizer e não reagirem de imediato afirmou, "só as crianças adoptadas são felizes, felizmente a maioria das crianças são adoptadas pelos seus pais”.
A verdade é que para além das crianças sem família também existem crianças que não chegam a ser adoptadas pelos seus pais, crescem sós e abandonadas.

domingo, 29 de abril de 2018

A ENTRADA NA ESCOLA


No Observador encontra-se um trabalho cuja leitura se recomenda centrado da idade de entrada na escolaridade obrigatória. De acordo com a lei em Portugal a entrada na escola é obrigatória para as crianças completem seis anos de idade até 15 de Setembro. As crianças que completam os seis anos entre 16 de Setembro e 31 de Dezembro, já depois do início do ano lectivo, podem matricular-se de forma condicional, ou seja, frequentam se existir vaga na escola. Existe ainda a possibilidade legal, com autorização específica, de que uma criança ver antecipada ou adiada em um ano a sua entrada na escola. As dúvidas sobre a idade ajustada colocam-se sobretudo nos que entram com 5 anos, seja através da situação de condicional ou através de um pedido de antecipação.
Tal como a peça refere, os seis anos parecem ser uma idade ajustada para o início da escolaridade. Considerando a diversidade entre as crianças pode aceitar-se em alguns casos bem analisados que entrem mais cedo ou mais tarde. No entanto, creio que o melhor para a criança é que não se “acelere” este processo, tentação de muitos pais que assim antecipam vantagens futuras mas que na verdade podem implicar alguns riscos para a criança que, naturalmente, devem ser acautelados. Algumas notas sobre a entrada na escola repescadas de um texto que escrevi para a Visão.
Para a maioria das crianças e apesar da sua experiência na educação pré-escolar, a "entrada" na escola, ou melhor, o processo de início da escolaridade obrigatória, continua a ser uma experiência fundamental para o lançamento de um percurso educativo com sucesso.
Em muitíssimas circunstâncias da nossa vida, quando alguma coisa não correu bem, é possível recomeçar e tentar de novo esperando ser melhor sucedido. Todos nós experimentámos episódios deste tipo.
Pois bem, o processo de início da escolaridade envolve na verdade um conjunto de circunstâncias irreversíveis, ou seja, quando corre mal já não é possível voltar atrás e recomeçar com a esperança de que a situação vá correr melhor. Por isso se torna imprescindível que o começo seja positivo. Para isso, importa que seja pensado e orientado, que crie as rotinas, a adaptação e a confiança em miúdos e em pais indispensáveis à aprendizagem e ao desenvolvimento bem-sucedidos.
É fundamental não esquecer que os miúdos à "entrada" na escola não estão todos nas mesmas condições, pelas mais variadas razões, ambiente e experiências familiares, percurso anterior, características individuais, etc. o que exige desde o início uma atenção diferenciada que combata a cultura de que devem ser todos tratados da mesma maneira, normalizando o diferente, que alguma opinião publicada e ignorante defende. Muitas vezes os lugares da escola não conseguem acomodar a diversidade dos alunos.
Antes de, com voluntarismo e empenho, se tentar ensinar aos miúdos as coisas da escola é preciso, como sempre afirmo, dar tempo, oportunidade e espaço para que os miúdos aprendam a escola. Depois de aprenderem a escola estarão mais disponíveis para aprender então as coisas da escola.
Vai começar o tempo do trabalho "a sério" e muitas crianças irão rapidamente sentir-se pressionados para a excelência, o mundo não é para gente sem sucesso. Vão ter que adquirir competências, muitas competências, em variadíssimas áreas, porque é preciso ser bom em tudo e é preciso preparar para o futuro, curiosamente, descuidando, por vezes, o presente.
E vão também começar a perceber como anda confusa a cabeça dos adultos, como estamos sem perceber o nosso próprio presente e com dificuldade em antecipar o futuro, que será o presente deles.
Vão, parte deles, desaprender de rir, de se sentir bem e de brincar, a coisa mais séria que sempre fizeram.

sábado, 28 de abril de 2018

OS DIAS DO ALENTEJO


Este fim-de-semana é tempo de festa neste canto do Alentejo. Chegam os romeiros que se deslocam cavalo da Moita para Viana do Alentejo.
O Mestre Marrafa apareceu mais cedo porque ainda queria ir assistir à chegada e bênção dos peregrinos.
Desta vez trouxe também outro “ajudante” na lida do Monte e no preenchimento da avozice, o meu neto Grande, o Simão veio connosco. Quase cinco anos e uma paixão por este “divertido” Monte e actividade que não pára, sobretudo de volta da sua enorme amiga, a Tita, uma gata que está quase mãe.
Estava a aproveitar a última oportunidade para ainda queimar um material sobrante e o Mestre Zé Marrafa estava perto de “posse” da limpeza das ervas de alhos e cebolo.
Vendo passar o Simão ficou a olhar e de depois começa para mim.
Que idade tem o gaiato?
Quase nos cinco, Mestre Zé.
Estava a pensar como eram as coisas. As pessoas passaram muito mas os gaiatos ainda passaram mais. A minha mulher, que Deus tem, com três anos ficava debaixo de um guarda-chuva ao abrigo do Sol quando o pai e a mãe andavam na empreitada da ceifa. Eu até aí à idade do Simão dormi numa cama feita com sacas e palha.
Comecei a trabalhar num monte fora de casa com nove anos, a guardar porcos e depois ovelhas. Com nove anos já ganhava o pão, recebia trinta quilos de farinha, um litro e meio de azeite e sessenta escudos. Dava para mim mas não era para mim. Dormia num canto de um casão em cima de um monte de palha e de sacas. Quando chovia, a roupa que era só uma para toda a semana ficava molhada, chegava-me ao pé da fogueira para secar mas os homens “enxotavam-nos”, o lugar perto do lume era para eles. Quando se iam deitar ou o lume já estava apagado ou eu já dormia secando a roupa com o corpo e muitas vezes vestido. Mas o tempo não mudou muito, quando tinha a minha filha pequena andava com a minha mulher numa campanha da ceifa e de noite ela ficava numa barraca que tínhamos feito com umas sacas. Eram noites tão quentes que não podíamos tapar e então dormíamos à vez para um de nós estar sempre a enxotar os mosquitos e a gaiata poder dormir. Era muito difícil vida naqueles tempos e os gaiatos passavam muito.
Há alturas que mesmo um tipo que passa o tempo a falar fica com um nó que não deixa passar palavras.
Ainda disse e concordámos, Mestre Zé, os nossos netos e os seus bisnetos já não passaram tanto.
E são assim, e foram assim, os dias do Alentejo. Obrigado Mestre Zé, por estar connosco.

O QUE NASCE TORTO ...


Como diz o povo, o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita. Agora é o ME que solicita ao Tribunal Constitucional a apreciação de uma norma relativa ao dispositivo de colocação de professores aprovado pela Assembleia da República.
Não parece haver forma de por uma vez se definir um método e um modelo que devolvam alguma normalidade a este processo.
Insisto no que há dias escrevi.
Por mais que esteja habituado a viver por cá e com quatro décadas de trabalho no universo da educação tenho mesmo dificuldade em perceber a aparente impossibilidade de desenvolver um processo de acesso e progressão na carreira e de colocação dos docentes nas escolas que seja eficiente, transparente e justo. Não, não me digam que é "apenas" uma questão de dinheiro. Com o desvario irresponsável na utilização do dinheiro dos contribuintes para tapar tudo quanto é buraco criado por impunes corporações de interesses económicos, não dá para acreditar.
Não que espere algo sem qualquer tipo de infalibilidade mas, pelo menos, que seja tranquilo e com dispositivos de regulação e decisão claros e simples.
São permanentes de ano para ano as dúvidas, desconfianças, alterações, atropelos de decisões e direitos anteriormente estabelecidos, etc. Será que estes processos não podem decorrer de outra forma? Será que toda esta turbulência é inevitável? O que se conhece de outras latitudes permitem pensar que não, é possível fazer melhor. Aliás é imprescindível fazer melhor.
Parece claro, basta ouvir os professores e directores para também perceber o clima de instabilidade criado por este processo que é tudo o que as escolas e os professores e, naturalmente, os alunos não precisam para o desenvolvimento do seu trabalho.
E mantenho as dúvidas que há dias referi.
Será que é uma matéria tão complexa que é difícil fazer melhor e também por isso eu próprio não consiga entender as dificuldades e problemas envolvidos?
Será incompetência?
Será uma questão de visão política e de gestão das várias corporações de interesses mesmo dentro dos diferentes grupos profissionais envolvidos?
Será  a que já referi questão de economia e contabilidade?
Será uma questão de burocracia?
Será … ?
Como também escrevi, sou persistente, acredito que um dia cada ano lectivo irá recomeçar sem mais sobressaltos que não o fim das férias e recomeço da lida.
Mas talvez ainda não seja o próximo.

sexta-feira, 27 de abril de 2018

DA FLEXIBILIZAÇÃO CURRICULAR

No âmbito do ciclo “Conversas à Quinta” promovido pelo Instituto de educação da U. de Lisboa e da Afirse Portugal participei ontem ao fim da tarde numa conversa na companhia do Professor Adelino Calado, director do Agrupamento de Escolas de Carcavelos, cuja dinâmica de funcionamento tem sido amplamente divulgada, e do professor Tuís Tinoca do Instituto de Educação.
O tema foi “Flexibilização curricular: questões e desafios” e contámos com uma sala cheia de gente empenhada na discussão destas matérias cuja actualidade é óbvia.
A conversa foi longa e estimulante tornando difícil sintetizar de forma breve as muitas questões colocadas e abordadas. Algumas notas soltas.
Sublinhou-se a importância das alterações na natureza do currículo tornando-o menos prescritivo e extenso.
A definição das aprendizagens essenciais constituem um caminho positivo mas ao que vários docentes referiram, em algumas disciplinas, ainda têm uma carga normativa que dificultam a sua gestão de forma mais diferenciada.
Foi também referido, tal como tem sido divulgado em várias intervenções ao longo dos últimos temos e eu próprio já escrevei várias vezes sobre isto, que seria necessário que o acesso ao ensino superior não fosse quase que exclusivamente determinado pela média do secundário em que a nota dos exames tem um peso significativo. Aliás, é conhecido que algumas escolas envolvidas no Projecto de flexibilização curricular não alteram o trabalho desenvolvido no 10º ano justamente pelo receio do que pode acontecer no exame final.
A necessidade de autonomia dos professores e da sua valorização, a começar desde logo pelo reclamar de cada professor por essa autonomia e valorização foi também referida, bem como a necessidade de se reflectir seriamente sobre a formação inicial e contínua de professores. Acresce, naturalmente, o reforço da autonomia das escolas.
Uma referência ainda a algo que procurei enfatizar, a gestão do currículo, deve ser vista como uma das peças de um trabalho em sala de aula desenvolvido numa perspectiva de diferenciação. A resposta à diversidade dos alunos é o maior desafio das escolas e só numa resposta diferenciada que não se confunde com “individualizada”, equívoco comum, se consegue, como agora se diz “acomodar” essa diversidade dos alunos. O clima de aprendizagem, a organização do trabalho dos alunos, a avaliação/regulação das aprendizagens, os materiais e actividades de suporte às aprendizagens, são outras dimensões da diferenciação para além da gestão curricular.
Finalmente, uma referência à necessidade de rigor nos conceitos e conhecimentos que sustentem projectos e práticas pedagógicas robustas e sustentadas.
Foi bonita a conversa, pá.
espero que o resultado de todo este processo seja positivo apesar de várias dúvidas.

quinta-feira, 26 de abril de 2018

DO ABANDONO ESCOLAR PRECOCE


Contrariamente ao que se passa com polémicas, muitas vezes inconsequentes, ou com problemas conhecidos, as boas notícias em educação têm quase sempre uma divulgação discreta. Trata-se, provavelmente, de uma questão cultural e/ou de uma questão de gestão de interesses e agendas.
Segundo dados do Eurostat ontem divulgados, em 2017 a taxa de abandono escolar precoce entre os 18 e os 24, quem não passa do 3º ciclo do básico e não acede a formação profissional, situa-se nos 12.6%. Se reportarmos a 2006 a taxa era 38.5%, um salto notável. A média na Europa foi de 10.6% e como se sabe está definido pela UE que em 2020 a taxa seja de 10% que parece pouco provável que consigamos. Veremos.
Por outro lado, no que respeita à qualificação de nível superior, para o intervalo 30-34 anos, em 2017 atingimos um patamar de 33.5% que pode ser comparado como 12.9% em 2002 o que também evidencia um progresso significativo. Regista-se que a meta para 2020 seria 40% e a média europeia em 2017 foi de 39.9%, portanto, em cima do objectivo que para nós parece inatingível. Sublinhe-se que as mulheres têm taxas médias de qualificação superiores aos homens e também taxas inferiores de abandono escolar.
Uma primeira nota para registar a evolução positiva, realçar o trabalho de alunos, professores, escolas e famílias e estranhar que não se tenha já desencadeado a habitual luta pela paternidade dos resultados positivos com diferentes figuras e entidades a “chegarem-se à frente” para aparecerem na fotografia.
A segunda nota para relembrar o pesado caderno de encargos que ainda continuamos a ter pela frente, continuar a combater o abandono e a exclusão, quase sempre a primeira etapa da exclusão social, promover a qualificação, um bem de primeira necessidade e combater as desigualdades criando efectivos dispositivos de mobilidade social em que a escola faz a diferença e pode ajudar a contrariar o destino.
Só assim se promove a construção de projectos de vida viáveis e proporcionadores de realização pessoal e base do desenvolvimento das comunidades.
Neste caminho temos duas vias que se complementam e de igual importância, a prevenção do insucesso que leva ao abandono e a recuperação para trajectos de formação e qualificação da população que entretanto já abandonou.
Esperemos que algumas mudanças em curso e, sobretudo, a existência de dispositivos de apoio competentes e suficientes às dificuldades de alunos e professores, possam contribuir para a minimização do insucesso.
No que respeita à recuperação dos jovens que já abandonaram espero que a oferta de trajectos diferenciados de formação e qualificação ou iniciativas em desenvolvimento como o programa Qualifica, sucessor do Novas Oportunidades, ou os anunciados no âmbito do ensino superior tenha os meios necessários e resistam à tentação do trabalho para a “estatística”, confundindo certificar com qualificar.
Merecemos e precisamos de mais e melhor sucesso e qualificação e menos abandono e exclusão.

MAÇÃ COM BICHO


A imprensa de hoje refere que segundo um estudo realizado pelo Centro de Estudos Aplicados da Católica-Lisbon School of Business & Economics em parceria com a Associação Nacional para a Indústria da Protecção das Plantas, 65% dos portugueses prefere alimentos biológicos e apenas 19% acredita que os produtos biológicos também têm produtos fitofarmacênticos, pesticidas, no seu processo de produção.
Não pude deixar de me lembrar de um episódio passado lá no Alentejo. Num daqueles encontros com petiscos, lérias e cante, um dos companheiros afirmou que só comia fruta que tinha bicho, "é a que presta".
Perante a nossa estranheza explicou, "essa fruta que se vê aí grande e a brilhar e sem bicho não presta, está carregada de “cobertura”. Então nem o bicho lhe pega e vou eu comê-la? Isso é que era bom, se a fruta não é boa para o bicho, é boa para mim?".
Sendo certo que os olhos também comem, o embrulho nem sempre corresponde ao conteúdo.

quarta-feira, 25 de abril de 2018

UMA ESCOLA LÁ PARA TRÁS NO TEMPO


Não pode deixar de ser, é dia 25 de Abril.
Quase sem nos darmos conta os anos passam, já lá vão 44 anos. Como hoje li numa estimativa produzida pelo CM metade dos portugueses não viveu o 25 de Abril de 1974 e muitos outros tinham uma idade que não permitia ter uma visão do que se passava e passou nesse tempo. Talvez por isso, o muito tempo que já passou, alguma imprensa produz peças sobre o que era “viver antes de 25 de Abril de 1974”.
Estamos num tempo em que á história se dá pouca atenção e o futuro é percebido como muito longe., vive-se a urgência do hoje.
No entanto, perceber e conhecer o que foi a estrada que percorremos é fundamental para viver e conhecer o presente e querer construir um futuro com uma visão escolhida por nós.
É verdade que temos vivido tempos difíceis mas também é verdade que não é sequer possível comparar o país de hoje com o país de 1973. Já passaram 44 anos, para refrescar algumas memórias ou contar alguma história aos mais novos, deixem que vos fale um pouco da escola do meu tempo, o tempo dos anos cinquenta e sessenta. Escolho falar da escola porque é um universo que conheço um pouco melhor, mas poderia fazer o mesmo exercício em muitas outras áreas de funcionamento da nossa sociedade.
Não me esqueço, antes pelo contrário, que a nossa educação, a escola, como tudo o resto, também tem atravessado, atravessa e provavelmente sempre viverá dificuldades e problemas sérios mas só a falta de memória, uma qualquer agenda ou o desconhecimento sustentam o “antigamente era melhor”. Vejamos, pois, um pouco da escola do meu tempo, conversa de velho, já se vê.
A escola que havia lá para trás no tempo não era grande, nem pequena, era triste. A maioria das pessoas que por lá andavam era, naturalmente, triste. É claro que nós miúdos também nos divertíamos e ríamos, os miúdos são resilientes.
As pessoas que mandavam na escola estabeleciam o que toda a gente tinha de aprender, fazer, dizer e pensar. Quem pensasse, dissesse ou fizesse diferente podia até sofrer algum castigo, mesmo os professores, não eram só os alunos. Não se podia inventar histórias, as pessoas contavam só histórias já inventadas. Às vezes, os miúdos e os professores, às escondidas, inventavam histórias novas.
Eu andei nesta escola lá para trás no tempo.
E na escola do meu tempo nem todos lá entravam e muitos dos que o conseguiam saíam ao fim de pouco tempo, ficando com a segunda ou terceira classe, como então se chamava. Chegava.
Alguns outros, nem se entendia que deveriam estar na escola, eram pessoas com deficiência que iriam fazer para a escola.
E na escola do meu tempo os rapazes estavam separados das raparigas.
E na escola do meu tempo havia um só livro e toda a gente aprendia apenas o que aquele livro trazia.
E na escola do meu tempo levavam-se muitas reguadas, basicamente por dois motivos, por tudo e por nada.
E na escola do meu tempo ensinavam-nos a ser pequeninos, acríticos e a não discutir, o que quer que fosse.
E na escola do meu tempo eu era “obrigado” a ter catequese, religiosa e política.
E na escola do meu tempo aprendia-se que os homens trabalham fora de casa e as mulheres cuidam do lar e dos filhos.
E na escola do meu tempo não aprender não era um problema, quem não “tinha jeito para a escola, ia para o campo”. Quanto menos estudassem, menos perguntas e dúvidas teriam.
E na escola do meu tempo não se falava do lado de fora de Portugal. Do lado de dentro só se falava do Portugal cinzento e pequenino.
Na escola do meu tempo eu era avisado em casa para não falar de certas coisas na escola, era perigoso.
Quem mandava no país achava que muita escola não fazia bem às pessoas, só a algumas. Ao meu pai perguntaram porque me tinha posto a estudar depois da quarta classe, não era frequente naquele meio, para ser serralheiro como ele não precisava de estudar mais.
Sim, eu sei, não precisam de me dizer que a escola deste tempo tem muitas coisas, embora com outras vestes e discursos, que nos recordam a escola do meu tempo. Mas o caminho é melhorar a escola deste tempo não é, não pode ser, querer a escola do meu tempo.
Eu andei naquela escola lá para trás no tempo.
Por isso, quando falam da escola hoje, penso, nunca mais voltarei a andar naquela escola. E não quero que o meu neto e os outros miúdos andem numa escola como aquela, a minha escola, lá para trás no tempo.

terça-feira, 24 de abril de 2018

A HISTÓRIA DOS RAPAZES QUE NÃO ACOMPANHAVAM O RITMO


Era uma vez dois Rapazes que não acompanhavam o ritmo. Nunca se sabe muito bem qual é o ritmo, deve entender-se que seria o ritmo dos outros rapazes, mas eles não acompanhavam o ritmo.
Desde pequeno que achavam que o ritmo do Primeiro Rapaz era diferente e por várias razões, ou porque mostrava algumas habilidades antes do que esperavam ou, pelo contrário, depois do que esperavam. Na escola continuou a mostrar-se não conforme os outros, falava a destempo, comportava-se, por vezes, de forma estranha, não porque fosse indisciplinado, mas discutia com frequência sobre as matérias e notícias utilizando uma argumentação e ideias que não pareciam ajustadas à idade. Tinha interesses não muito habituais no seu grupo, tinha, por exemplo, uma paixão por fotografia. No final da adolescência, no tempo das escolhas, decidiu-se por estudar arquitectura e desenvolveu outra paixão, enamorou-se por uma bailarina. O Primeiro Rapaz que não acompanhava o ritmo acabou por se tornar num fotógrafo de reconhecidos méritos, o mais sublinhado dos quais foi a inovação.
O Segundo Rapaz que não acompanhava o ritmo teve uma história que começou da mesma maneira que a do Primeiro Rapaz mas foi mais breve. Por não acompanhar o ritmo acabou por sair da escola ainda adolescente, entrou no alucinado ritmo da vida na rua e ainda e sempre sem acompanhar o ritmo morreu num acidente depois de um assalto que correu mal.
É sempre complicada a narrativa dos rapazes que não acompanham o ritmo, umas vezes acaba bem, outras, nem tanto.

OS MEUS PADRINHOS DO BURKINA FASO


Um dia destes aceito mesmo. Até aqui tenho dado uma de bem colocado na vida e recusado as ofertas, mas a situação não há meio de melhorar, antes pelo contrário, já começo a estar cansado de tanta expectativa positiva ser revista em baixa pelo que a coisa não parece bem encaminhada e, portanto, vou aceitar.
Tenho recebido ultimamente, através do correio electrónico uma generosa quantidade de propostas e de informações sobre ganhos na lotaria, heranças e dádivas que padrinhos desconhecidos, mas que pensam em mim e no meu bem-estar, me têm feito chegar.
Ele é gente do Burkina Faso, da Nigéria, do Senegal, da Irlanda, da Inglaterra, sei lá, de uma diversidade que me deixa desconcertado.
Eu, que frequentemente aqui expresso algum cepticismo face às qualidades que o mundo vai tomando, até dou comigo, devo confessá-lo, emocionado com a generosidade desinteressada de tantas comunicações. Imaginem o trabalho que estas pessoas devem ter tido só para descobrir o meu endereço.
Quando confesso aos meus amigos esta minha emoção e satisfação por tanta gente se lembrar de mim e o facto de um pudor bizarro me levar a recusar a aceitar bens desta forma, eles, discretamente, riem-se. Não percebo, fui educado no princípio de que riqueza justa é a que se obtém pelo trabalho e não por caprichos da fortuna ou generosidade de benfeitores desconhecidos.
No entanto, como dizia no início, estou muito inclinado a aceitar a próxima oferta e, finalmente, entrar no mundo inacessível e distante das pessoas ricas. Depois quero ver a cara dos meus amigos quando virem o que a generosidade dos meus padrinhos do Burkina Faso me irá proporcionar. Vou ter que lhes lembrar que a inveja é uma coisa feia, mas, no fundo, eles sabem disso, ainda vou partilhar com eles alguma coisa.
Eu sou assim, a culpa é do meu pai.

segunda-feira, 23 de abril de 2018

DA DIFICULDADE EM ENTENDER


Parece que não conseguimos mesmo.
Como escrevia há dias, tenho alguma dificuldade em entender a impossibilidade de desenvolver um processo de acesso e progressão na carreira e de colocação de docentes nas escolas sem mais do que os sobressaltos que existirão na obra humana, falível por natureza.
As constantes dúvidas, desconfianças, alterações, atropelos de decisões e direitos anteriormente estabelecidos, etc. parecem algo de estrutural nestes processos e, portanto, inevitáveis.
O que sou, acho que todos somos, é capaz de entender que esta permanente efervescência e instabilidade é tudo o que as escolas e os professores e, naturalmente, os alunos não precisam para o desenvolvimento do seu trabalho.
Será que é uma matéria tão complexa que é difícil fazer melhor e também por isso eu não entendo as dificuldades e problemas constantes?
Será incompetência?
Será uma questão de visão política e de gestão das várias corporações de interesses mesmo dentro dos diferentes grupos profissionais envolvidos?
Será uma questão de economia e contabilidade?
Será uma questão de burocracia?
Será … ?
Sou persistente, acredito que um dia cada ano lectivo irá recomeçar sem mais sobressaltos que não o fim das férias e recomeço da lida.
Talvez ainda não seja o próximo.

DIA MUNDIAL DO LIVRO


Hoje, 2ª feira, de acordo com o comemorativo calendário que organiza as nossas preocupações, cumpre-se o Dia Mundial do Livro.
Nunca é demais sublinhar a importância dos livros e dos hábitos de leitura na vida de crianças e adultos pelo que repesco umas notas recentes.
Uma quadra do cancioneiro alentejano.
É tão triste não saber ler
Como é triste não ter pão
Quem não conhece uma letra
Vive numa escuridão."
E Marguerite Yourcenar em “As Memórias de Adriano”, “A palavra escrita ensinou-me a escutar a voz humana.”
São múltiplos os estudos que sublinham o impacto dos livros e da leitura no trajecto escolar e no trajecto pessoal, como também são muitos trabalhos que mostram que os hábitos de leitura são pouco consistentes entre as crianças, adolescentes e jovens como, sem surpresa, também o são entre a população em geral.
Os livros têm uma concorrência fortíssima com outro tipo de materiais, jogos ou consolas por exemplo, e que nem sempre é fácil levar as crianças, jovens ou adultos a outras opções, designadamente aos livros.
Apesar de tudo isto também sabemos todos que é possível fazer diferente, mesmo que pouco diferente e com mudanças lentas.
Como várias vezes tenho afirmado e julgo consensual, a questão central, embora importante, não assenta nos livros, bibliotecas (escolares ou de outra natureza) ou na presença crescente e atractiva dos "tablets", a questão central é o leitor, ou seja, o essencial é criar leitores que, quando o forem, procurarão o que ler, livros por exemplo, espaços ou recursos, biblioteca, casa ou escola e suportes diferente, papel ou digital.
Um leitor constrói-se desde o início do processo educativo. Desde logo assume especial importância o ambiente de literacia familiar e o envolvimento das famílias neste tipo de situações, através de actividades que desde a educação pré-escolar e 1º ciclo deveriam, muitas vezes são, estimuladas e para as quais poderiam ser disponibilizadas aos pais algumas orientações.
Apedar dos esforços de muitos docentes, a relação de muitas crianças, adolescentes e jovens com os materiais de leitura e escrita assentará, provavelmente de forma excessiva, nos manuais ou na realização de trabalhos através da milagrosa “net” proliferando o apressado “copy, paste”.
Neste contexto, embora desejasse muito estar enganado, não é fácil construir miúdos ou adolescentes leitores que procurem livros em casa, em bibliotecas escolares ou outras e que usem o "tablet" também para ler e não apenas para uma outra qualquer actividade do mundo que tornam acessível.
Temos que criar leitores, eles irão à procura dos livros.

domingo, 22 de abril de 2018

MAS AS CRIANÇAS SENHORES ...


Gostei de ler o texto do Professor Manuel Sarmento no Público, “A vez das crianças”. Num tempo em que discutem políticas e prioridades é essencial que se coloquem os mais novos e o seu bem-estar no centro das prioridades.
Na verdade, em contextos de dificuldades as crianças  constituem o grupo mais vulnerável.
Esta realidade não pode deixar de criar um cenário de risco severo no que respeita ao desenvolvimento e ao sucesso educativo destes miúdos e adolescentes e portanto, à construção de projectos de vida bem-sucedidos. Como é óbvio, em situações limite como a carência alimentar, exploração sexual, mendicidade, insucesso educativo e abandono escolar, estaremos certamente em presença de outras dimensões de vulnerabilidade que concorrerão para futuros preocupantes.
É por questões desta natureza que a definição de políticas e prioridades deve obrigatoriamente ser feita com critérios de natureza sectorial e não de uma forma cega e apressada, custe o que custar, naturalmente mais fácil mas que, entre outras consequências, poderá manter milhares de crianças em situações de fragilidade e risco com implicações muito sérias.
Mas crianças senhores, porque lhes dais tantas dores.

sábado, 21 de abril de 2018

DOS PAIS E DOS FILHOS E AS SAÍDAS À NOITE

Um testemunho impressivo sobre um mundo no qual muitos adolescentes e jovens mergulham sem regulação e apoio.
Os desafios do "pisar o risco", o efeito de grupo e um lado muito negro do mercado, podem criar a tempestade perfeita.
Mais uma vez, a comunicação entre pais e filhos, a informação, o trabalho educativo orientado desde cedo para a promoção da autonomia e auto-regulação são essenciais na educação parental.
Estratégias apenas de natureza proibicionista, acreditar que só acontece aos outros é arriscado, ser guarda-costas permanente dos filhos é impossível e indesejável.
Só resta mesmo o caminho de estabelecer limites e regras e de os ajudar a ser capazes de tomarem conta de si e a sentirem apoio logo desde pequenos. Importa não esperar que na adolescência e na juventude sejam capazes de o fazer se tal não for trabalhado desde os primeiros anos.

AS ÁGUAS DA TERRA


Está mais um dia cabaneiro. Com o tempo que se fez sentir no Outono e princípio do Inverno acho que já ninguém acreditava que este milagre de água farta acontecesse, antecipava-se a tragédia, em particular por aqui no Alentejo mas não só.
Apesar de um pouco mais tarde e como já não acontecia há muitos anos, a terra engravidou de água e agora na Primavera já começa a parir fartura, olho pela janela vejo o pasto com uma altura e uma cor lindas. E se faz falta a fartura que sai da terra.
A Terra do meu Alentejo já começa a preparar-se para o parto da fartura, aparecem os primeiros sinais. De tão grávida, nota-se que as águas rebentaram, corre água, muita água, nas terras do meu Alentejo. Não há barranco que não corra, charca que não esteja cheia ou barragem descomposta.
Os campos estão lindos com a s flores que o rebentar das águas trouxe para a vida, à espera do Sol que lhes dará ainda mais cor e outro sustento.
Está tão bonito o meu Alentejo, muito mais bonito que a agenda dos nossos dias.

sexta-feira, 20 de abril de 2018

DOS AUXILIARES DE EDUCAÇÃO

A imprensa de hoje retoma a situação complicada que agrupamentos e escolas vivem com a insuficiência de auxiliares de educação e as vicissitudes da sua colocação, carreira, qualificação, estatuto salarial, etc. referindo-se também a realização próxima de uma greve nacional que procura pressionar para modificações neste cenário.
Nunca é demais enfatizar o papel essencial que estes funcionários desempenham nas escolas e a necessidade de rácios adequados, qualificação, segurança e carreira que minimizem problemas que têm vindo a ser regularmente colocados por pais, professores e directores.
Seria desejável que a gestão desta matéria considerasse as especificidades das comunidades educativas e não se seguissem critérios cegos de natureza administrativa que são parte do problema e não parte da solução.
Para além da variável óbvia, número de alunos, é necessário que se contemplem critérios como tipologia das escolas, ou seja, o número de pavilhões, a existência de cantinas, bares e bibliotecas e a extensão dos recreios ou a frequência de alunos com necessidades especiais.
Por outo lado a colocação de muitos destes profissionais através do Contrato Empego-Inserção para além das questões de precariedade, descontinuidade e salário levanta fortes problemas de perfil desadequado ao exercício de funções, pessoas sem qualquer tipo de motivação ou competência para estas funções e, pelo contrário, quem as revela não pode continuar.
Na verdade, os auxiliares de educação, insisto na designação, desempenham e devem desempenhar um importante papel educativo para além das funções de outra natureza que também assumem e que exige a adequação do seu efectivo, formação e reconhecimento. No caso mais particular de alunos com necessidades educativas especiais e em algumas situações os assistentes operacionais serão mesmo uma figura central no seu bem-estar educativo, ou seja, são efectivamente auxiliares de acção educativa.
A excessiva concentração de alunos em centros educativos ou escolas de maiores dimensões não tem sido acompanhada pelo ajustamento adequado do número de auxiliares de educação. Aliás, é justamente, também por isto, poupança nos recursos humanos, que a reorganização da rede, ainda que necessária, tem sido feita com sobressaltos e com a criação de problemas.
Os auxiliares educativos cumprem por várias razões um papel fundamental nas comunidades educativas que nem sempre é valorizado incluindo na estabilidade da sua contratação e formação.
Com frequência são elementos da comunidade próxima das escolas o que lhes permite o desempenho informal de mediação entre famílias e escola, têm uma informação útil nos processos educativos e uma proximidade com os alunos que pode ser capitalizada importando que a sua acção seja orientada, recebam formação e orientação e que se sintam úteis, valorizados e respeitados.
Os estudos mostram também que é nos recreios e noutros espaços fora da sala de aula que se regista um número muito significativo de episódios de bullying e de outros comportamentos socialmente desadequados. Neste contexto, a existência de recursos suficientes para que a supervisão e vigilância destes espaços seja presente e eficaz. Recordo que com muita frequência temos a coexistir nos mesmos espaços educativos alunos com idades bem diferentes o que pode constituir um factor de risco que a proximidade de auxiliares de educação minimizará.
Considerando tudo isto parece essencial e um contributo para a qualidade dos processos educativos a presença em número suficiente de auxiliares de educação que se mantenham nas escolas com estabilidade e que sejam orientados e valorizados na sua importante acção educativa.

DELINQUÊNCIA E REINCIDÊNCIA EM JOVENS


No JN de ontem lia-se que finalmente vai começar a ser instalada a rede de “casas de autonomia” um dispositivo de natureza residencial destinado a facilitar a transição de jovens que por comportamento delinquente lhes foi determinado o internamento em centros educativos uma vez que a idade, menos de 16 anos, não lhes permite cumprir pena nas prisões comuns.
Num bom exemplo da mediocridade de boa parte da nossa imprensa em primeira página é colocado “Estado financia casas para jovens delinquentes”. Deste título alguém depreende do que verdadeiramente se trata? Ou encerra uma mensagem subliminar de "prémio a delinquentes à custa do cidadão"?
Um relatório recente da Direcção de Serviços de Justiça Juvenil envolvendo os Centros Educativos e das equipas de Reinserção Social mostra que decorridos dois anos do cumprimento de uma medida tutelar de internamento 31% dos jovens volta a ser condenados. Se considerarmos a reincidência num período de tempo mais alargado a taxa é ainda maior apesar de alguma melhoria mais recente.
Um das questões referidas como associadas a este valor prende-se com a necessidade de apoio e suporte após a saída dos Centros Educativos.
Múltiplos estudos evidenciam a importância da prevenção e da integração comunitária como eixos centrais na resposta a este problema sério das sociedades actuais. As casas de autonomia, uma intenção conhecida em 2013 e na lei desde 2015, visam justamente apoiar este processo e saída dos centros e de promoção de uma reinserção social bem-sucedida. Nesta perspectiva regista-se que finalmente arranca este processo que esperamos que multiplique e conte com os recursos adequados.
Sabemos que educação, prevenção e programas comunitários de reabilitação e integração têm custos, no entanto, importa ponderar entre o que custa prevenir e cuidar e os custos posteriores do mal-estar e da pré-delinquência ou da delinquência continuada e da insegurança.
Parece ser cada vez mais consensual que mobilizar quase que exclusivamente dispositivos de punição, designadamente a prisão, parece insuficiente para travar este problema e, sobretudo, inflectir as trajectórias de marginalização de muitos dos adolesentes e jovens envolvidos em episódios de delinquência.
No entanto a discussão sobre estas matérias é inquinada por discursos e posições frequentemente de natureza demagógica e populista alimentados por narrativas sobre a insegurança e delinquência percebida, alimentadora de teses securitárias.
Apesar de, repito, a punição e a detenção constituírem um importante sinal de combate à sensação de impunidade instalada, é minha forte convicção de que só punir e prender não basta.
É em todo este caldo de cultura que nascem e se desenvolvem as sementes de mal-estar que geram os episódios que regularmente nos assustam e inquietam e com consequências sérias.
É urgente que nos questionemos e questionemos as instituições, em nome dos nossos filhos e dos filhos dos nossos filhos.

quinta-feira, 19 de abril de 2018

CRIANÇAS E LIVROS


No Público divulga-se a realização das jornadas 10 de Letra organizadas por João Manuel Ribeiro, autor de livros para crianças. A propósito das jornadas, Carlos Fiolhais, um dos participantes afirma, “Quando se lê em criança, o cérebro cresce”, diz Carlos Fiolhais
Para assinalar dez anos de vida literária, João Manuel Ribeiro organizou as jornadas 10 de Letra. Primeiro no Porto e agora em Lisboa. Carlos Fiolhais é um dos convidados.
Nunca é demais sublinhar a importância dos livros e dos hábitos de leitura na vida das crianças pelo que repesco umas notas
São múltiplos os estudos que sublinham essa importância, no trajecto escolar e no trajecto pessoal, como também muitos trabalhos mostram que os hábitos de leitura são pouco consistentes entre as crianças, adolescentes e jovens como, sem surpresa, também o são entre a população em geral.
Sabemos ainda o quanto é positivo que os pais ou outros “mais crescidos” se envolvam com as crianças, mesmo em idade de jardim-de-infância, em práticas de leitura e de actividades com os livros para, por exemplo, contar histórias a partir das imagens. Lembro-me de ouvir o Mestre João dos Santos afirmar que as crianças aprendem a ler desde que abrem os olhos.
É verdade que os estilos de vida actuais ou a quantidade de tempo que muitas crianças passam nas instituições educativas podem minimizar a disponibilidade familiar para este tipo de actividades depois de dias muito compridos e cansativos para todos.
Também sei que os livros e materiais desta natureza têm uma concorrência fortíssima com outro tipo de materiais, jogos ou consolas por exemplo, e que nem sempre é fácil levar as crianças a outras opções, designadamente aos livros.
Apesar de tudo isto também sabemos todos que é possível fazer diferente, mesmo que pouco diferente e com mudanças lentas.
Como várias vezes tenho afirmado e julgo consensual, a questão central, embora importante, não assenta nos livros, bibliotecas (escolares ou de outra natureza) ou na presença crescente e atractiva dos "tablets", a questão central é o leitor, ou seja, o essencial é criar leitores que, quando o forem, procurarão o que ler, livros por exemplo, espaços ou recursos, biblioteca, casa ou escola e suportes diferente, papel ou digital.
Creio que também estaremos de acordo que um leitor se constrói desde o início do processo educativo. Desde logo assume especial importância o ambiente de literacia familiar e o envolvimento das famílias neste tipo de situações, através de actividades que desde a educação pré-escolar e 1º ciclo deveriam, muitas vezes são, estimuladas e para as quais poderiam ser disponibilizadas aos pais algumas orientações.
Nos primeiros anos de escolaridade é fundamental uma relação estreita com a leitura, não só com os aspectos técnicos, por assim dizer, da aprendizagem da leitura e da escrita da língua portuguesa, mas um contacto estreito e regular com a actividade de leitura, seja do que for, considerando motivações e culturas diferenciadas apresentadas pelos alunos.
Só se aprende a ler lendo, só se aprende a escrever, escrevendo, etc.
Recordo um estudo conhecido em 2015 realizado na Universidade do Minho que apontava para que 10% dos alunos do ensino secundário nunca leu um livro até ao fim. Elucidativo.
A relação de muitas crianças com os materiais de leitura e escrita assentará, provavelmente de forma excessiva, nos manuais, na aquisição pressionada dos “objectivos” e "descritores" curriculares e pouco mais, apesar do esforço de muitos professores. Restará o tempo das AEC onde, apesar de algumas experiências interessantes, também nem sempre se encontram os conteúdos mais adequados, e o tempo de casa que em muitas famílias, cada vez mais famílias, é curto.
Neste contexto, embora desejasse muito estar enganado, não é fácil construir miúdos ou adolescentes leitores que procurem livros em casa, em bibliotecas escolares ou outras e que usem o "tablet" também para ler e não apenas para uma outra qualquer actividade do mundo que tornam acessível.
Temos que criar leitores, eles irão à procura das bibliotecas e dos recursos. As iniciativas que tragam os autores, os seus livros, as suas histórias para perto dos alunos e das comunidades fazem parte do caminho.

quarta-feira, 18 de abril de 2018

NADA DE NOVO

Continua a tentativa de “lavagem” do episódio das viagens dos deputados com residência nos Açores e Madeira.
Como sempre nestas ocasiões e de acordo com o “script” clássico, os envolvidos dizem que estão de “consciência tranquila” ou " nenhuma incompatibilidade ou impedimento legal" existe nesta situação. Acredito que tal possa acontecer pois para este pessoal “consciência”, “incompatibilidade”, “ética”, não significam certamente o mesmo que para a maioria das pessoas.
Na verdade, é absolutamente inquietante é o despudor, a arrogância da indiferença, com que estes comportamentos são assumidos, acentuando de forma inacreditável os efeitos da pegada ética destes tempos. Todos os dias temos novos exemplos de discursos e comportamentos que insultam e degradam a vida cívica e a saúde ética da democracia.
Só à bengalada.
Não é demagogia, nem populismo é mesmo cansaço destes comportamentos e da forma como nos sentimos tratados.

MIÚDOS DIFÍCEIS


Mãe, ainda é dia posso ir jogar à bola para a praceta com o Luís, o do andar de baixo?
Já fizeste o trabalho de casa?
Já.
Não. Tiago tu sabes bem que é perigoso, pode aparecer alguém que vos queira roubar a bola.
Então e se for sem ser a jogar à bola, só estar lá em baixo?
Não, bem sabes as histórias que se ouvem, pode sempre surgir alguém que vos queira fazer mal.
Então posso ir a casa da Rita que é no prédio ao lado para brincar um bocado, ver um jogo novo que ela me disse na escola que a tia lhe tinha dado.
Não, a Rita está sozinha, os pais ainda não chegaram e não gosto que vocês fiquem em casa, sós, sem adultos por perto, pode acontecer alguma coisa.
Mãe, posso ir a casa da avó num instante, antes de jantar? É perto.
É claro que não podes, só tens 10 anos e é preciso atravessar duas ruas.
Mas as ruas têm semáforos, eu sei ver se está verde.
Eu sei, mas há gente que não respeita os semáforos e pode acontecer um acidente.
Mãe, posso telefonar ao João para ele vir cá para casa brincar um bocado? Eu sei que a mãe dele deixa-o vir sozinho.
Não acho boa ideia, vocês brigam sempre e arranjam problemas.
Mãe, posso ficar aqui sentado só a olhar para ti?
Não sejas mal-educado Tiago. Olha, andaste tanto tempo a pedir para te comprar o computador, porque é que não vais um bocado para o quarto e jogas no computador até à hora de jantar.
E o Tiago lá foi trancar-se no ecrã, só, no quarto, deixando a mãe mais tranquila e a pensar como hoje em dia é tão difícil contentar os miúdos.

terça-feira, 17 de abril de 2018

OUVIR OS ALUNOS


O ME desencadeou em 2017 uma iniciativa no sentido de ouvir alunos do básico  e do secundário sobre matérias como: “O que aprendemos? Como aprendemos melhor? O que distingue os professores que constituem referências para nós? O que retemos do que aprendemos? Como utilizamos o que aprendemos? O que (não) mudaríamos na escola?”
Foi agora divulgada alguma informação sobre o que os alunos participantes, 2643 de 50 escolas, afirmaram e que integra o trabalho “Prós da Educação Inspiram”.
Não tive acesso mas, segundo o Público, os alunos referem o interesse em aulas mais práticas e interactivas, mais curtas e com intervalos mais longos. 
Sublinham também a importância do trabalho dos docentes não apenas na tarefa de ensinar e motivar mas também na necessidade de criar uma boa relação com as turmas.
Não tenho um entendimento idealizado ou romântico do “diálogo” e do “ouvir os alunos” mas creio que importará, de facto, ouvir os alunos, todos os alunos, com real interesse no seu olhar e ideias sobre a sua vida escolar. Achei, portanto, uma iniciativa positiva.
A propósito de ouvir os alunos, recordo que há algum tempo participei num conjunto de conversas com alunos do 2º e 3º ciclo em que se discutia o que era essa coisa de ser um bom professor.
A maioria dos alunos envolvia-se activamente e a continuidade das referências levou à identificação de uma resposta que se poderia sintetizar na ideia de que "bom professor é o que fala com a gente e explica bem".
Este entendimento lembrou-me, cito-o aqui frequentemente, o Mestre João dos Santos quando afirmava que alguém tinha sido seu professor "porque foi seu amigo".
De facto, o sucesso dos processos de ensinar e aprender envolve dois factores fundamentais, a qualidade do ensinar e a relação entre quem ensina e quem aprende. Do meu ponto de vista, a grande maioria dos professores estará equipada sobre o ensinar. A grande questão é que a nossa escola, de uma forma geral, não facilita a relação. Esta dificuldade decorre, fundamentalmente, da organização dos tempos lectivos, da natureza e extensão dos conteúdos curriculares das diferentes e muitas disciplinas, da crescente pressão para resultados tangíveis, o número crescente de alunos por turmas e do número de turmas leccionado por muitos professores, de um ensino demasiado assente no manual, etc. para além, naturalmente, das concepções de alguns professores.
Os professores, muitos professores, sentem-se "escravos" do programa que tem de ser dado e do pouco tempo disponível para construção da relação que na verdade se torna muito difícil.
Muitas vezes digo que os professores "falam" para o programa, para o explicar, e os alunos "falam" para o programa para o aprender. Não falam entre si sendo que, além disso, existe um grupo significativo de alunos que, por diversas razões como dificuldades ou desmotivação ou associadas a variáveis de contexto, não conseguem "falar" com o programa. Para estes, os professores vêem-se obrigados a falar, sobretudo para controlar os seus (maus) comportamentos.
Também por estas razões, continuo a entender como necessária uma mudança mais significativa na organização dos tempos da escola e dos conteúdos curriculares que tornassem mais fácil podermos ouvir os alunos dizer, "a gente tem bons professores porque explicam bem e falam com a gente".
Esta ideia não tem nada de romântico nem de utópico, assenta em algo de muito simples, a educação constrói-se com a relação que se alimenta com a comunicação.

segunda-feira, 16 de abril de 2018

A NOTA DE EDUCAÇÃO FÍSICA VOLTA A CONTAR PARA MÉDIA FINAL NO SECUNDÁRIO


Com a entrada em vigor dos novos currículos do ensino básico e secundário, cujo diploma, está em consulta pública, a nota de Educação Física volta a entrar no cálculo da média final do ensino secundário e, assim, contribuir para a média de acesso ao ensino superior.
Esta decisão, já anunciada pelo ME em 2016, é ainda objecto de alguma discussão como em educação não pode deixar de acontecer. Alguns defendem a bondade da medida, outros entendem que tal prejudica os alunos que “não têm jeito” para o desporto”  o que potencia um enviesamento na média de acesso ao superior. No entanto, poderá acontecer também falta de "jeito para a Filosofia ou para o Inglês" sem que se justifique retirar estas disciplinas do cálculo da média de acesso.
A questão central e que alimenta a discussão está no dispositivo de acesso ao ensino superior que como defendo de há muito deveria ser repensado. A conclusão e certificação do ensino secundário e a candidatura ao ensino superior deveriam ser processos separados.
Os exames nacionais destinam-se, conjugados com a avaliação realizada nas escolas, a avaliar e certificar o trabalho escolar produzido pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente, está sediado no ensino secundário. Neste cenário caberiam todas as disciplinas frequentadas incluindo a educação física, naturalmente, e também as modalidades que permitem a equivalência ao ensino secundário, como o ensino recorrente.
O acesso ao ensino superior é, deveria ser, um outro processo que se desenrolaria sob a responsabilidade do ensino superior.
Recordo que recentemente a OCDE, através de Andreas Schleicher, defendia o repensar do acesso ao ensino superior assentar exclusivamente nos resultados do secundário. Esta opinião é também subscrita pelos responsáveis pela Associação Nacional de Directores e Agrupamentos de Escolas Públicas e da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, Filinto Lima e Manuel Pereira, bem como pela CONFAP.
No quadro actual parece ainda de considerar o continuado e reconhecido inflacionar de notas da avaliação interna, sobretudo em escolas privadas, de forma a melhorar as médias de candidatura.
Os exames nacionais destinam-se como disse acima, conjugados com a avaliação realizada nas escolas, a avaliar e certificar o trabalho escolar produzido pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente, está sediado no ensino secundário. Neste cenário caberiam também as outras modalidades que permitem a equivalência ao ensino secundário, como é o caso do ensino artístico especializado ou recorrente em que também se verificam algumas "especificidades", por assim dizer.
O acesso ao ensino superior é um outro processo que deveria ser da responsabilidade do ensino superior. A situação existente, não permite qualquer intervenção consistente do ensino superior na admissão dos seus alunos, a não ser a pouco frequente definição de requisitos em alguns cursos, o que até torna estranha a passividade aparente por parte das universidades e politécnicos, instituições sempre tão ciosas da sua autonomia. Parece-me claro que o ensino superior fazendo o discurso da necessidade de intervir na selecção de quem o frequenta não está interessado na dimensão logística e processual envolvida.
Os resultados escolares do ensino secundário deveriam constituir apenas um dos critérios, certamente com peso, a contemplar com outros critérios nos processos de admissão organizados pelas instituições de ensino superior como, aliás, acontece em muitos países.
Será que se chegará a algum entendimento sobre esta questão?

domingo, 15 de abril de 2018

PROFESSOR, UMA PROFISSÃO DE RISCO


Com chamada a primeira página o JN divulga que, de acordo com a ADSE, em Março estavam mais de seis mil professores com baixa médica há mais de sessenta dias a aguardar pela realização de junta médica. O ME não divulga o total de docentes em situação de baixa mas os directores escolares e a as estruturas sindicais afirmam que tem aumentado.
Estarão recordados que em Março se realizou em Lisboa um encontro internacional organizado pelo ME, OCDE e pela organização Internacional da Educação. O tema central da cimeira foi o bem-estar dos professores pois “Não se deve perder a oportunidade de colocar o bem-estar dos professores no centro das políticas de todos os países que participam nesta cimeira”, afirmou a propósito o secretário-geral da IE, David Edwards e o bem-estar dos professores terá de ser percebido pelos Governos como “um tema político de primordial importância”. Sabe-se que se os docentes “se sentem bem com eles próprios podem fazer uma diferença positiva no ensino dos seus alunos” lê-se na nota de imprensa.
Escrevi na altura que a cimeira acontecia em Portugal num tempo em que certamente a boa parte dos docentes não se sentirá globalmente valorizada embora, os estudos o confirmam, globalmente gostem da profissão, tal como os alunos apreciam positivamente o seu trabalho.
Por outro lado, é reconhecido em qualquer sistema educativo que a profissão docente é altamente permeável a situações de burnout, estado de esgotamento físico e mental provocado pela vida profissional, associado a baixos níveis de satisfação profissional.
Recordo um estudo recente realizado pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA-IU) segundo o qual cerca de 30% dos perto de 1000 professores inquiridos revela risco de burnout.
Os professores mais velhos, do ensino secundário ou os que lidam com alunos com necessidades educativas especiais apresentam níveis mais elevados de burnout e sentem mais a falta de reconhecimento profissional.
Como causas mais contributivas para este cenário de stresse profissional são identificadas turmas com elevado número de alunos, o comportamento indisciplinado e desmotivação dos alunos, a pressão para os resultados, insatisfação com as condições de desempenho, carga horária e burocrática, falta de trabalho em equipa, falta de apoio e suporte das lideranças da escola.
Conforme o Relatório “Perfil do Docente”, divulgado em Julho de 2016 e considerando dados de 14/15 apenas 1.4% dos docentes que leccionam em escolas públicas têm menos de 30 anos, não chegam a 500.
Acresce que o grupo etário com mais de 50 anos é o mais representado, 39.5%. Se a este grupo adicionarmos o escalão imediatamente anterior, 40 aos 49, temos que 77,3% dos docentes estão nos dois grupos mais velhos.
Se juntarmos o baixo número de saídas para aposentação e como escrevia há algum tempo num país preocupado com o futuro este cenário faria emitir, como agora se usa, um alerta vermelho e agir em conformidade. Acresce ainda os efeitos de grave situação relativa à carreira, à progressão e ao estatuto salarial.
Na verdade, os dados só podem surpreender quem não conhece o universo das escolas, como acontece com boa parte dos opinadores que pululam pela comunicação social perorando sobre educação e sobre os professores. Aliás, esta situação verifica-se noutros países, sendo que para além dos professores, os profissionais de saúde e de apoios sociais também integram os grupos profissionais mais sujeitos a stresse e burnout.
Este quadro é inquietante, uma população docente envelhecida e a revelar preocupantes sinais de desgaste.
Também se sabe que as oscilações da demografia discente não explicam a saída de milhares de professores do sistema, novos e velhos, como também não explicam a escassíssima renovação, contratação de docentes novos. Sem estranheza, no universo do ensino privado é bastante superior a presença de docentes mais jovens. Não esqueçamos ainda a deriva política a que o universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas, criando instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio que potencie o trabalho de alunos, pais e professores. Acresce que sucessivas equipas ministeriais têm empreendido um empenhado processo de desvalorização dos professores com impacto evidente no clima das escolas e nas relações que a comunidade estabelece com estes profissionais.
Sabemos que os velhos não sabem tudo e os novos nem sempre trazem novidade. Mas também sabemos que qualquer grupo profissional exige renovação pelas mais variadas razões incluindo emocionais, de suporte, partilha de experiência ou pela diversidade.
As salas de professores são cada vez mais frequentadas, quando há tempo para isso, por gente envelhecida, cansada que se sente desvalorizada, pouco apoiada, e que muitas vezes, demasiadas vezes, pergunta "Quanto tempo é que te falta?"
Na verdade, ser professor é uma das funções mais bonitas do mundo, ver e ajudar os miúdos a ser gente, mas é seguramente uma das mais difíceis e que mais respeito e apoio deveria merecer. Do seu trabalho depende o nosso futuro, tudo passa pela educação e pela escola.
E a verdade é que conforme os estudos internacionais de natureza comparativa mostram o trabalho de professores e alunos, tem revelado progressos importantes nos últimos anos desencadeando, aliás, uma curiosa luta pela paternidade desses sucesso que, obviamente, pertence a professores e alunos.
Os sistemas educativos com melhores resultados são, justamente, os sistemas em que os professores são mais valorizados, apoiados e reconhecidos.

sábado, 14 de abril de 2018

SINAIS DOS TEMPOS


No âmbito de um dispositivo designado por Compromisso de Cooperação para o Sector Social e Solidário para o Biénio 2017-2018 torna-se possível o apoio do Estado para que creches e jardins-de-infância ligados a Instituições Particulares de Solidariedade Social alarguem o horário de funcionamento incluindo sábados.
A medida surge na sequência da introdução de turnos na Autoeuropa que obrigam ao trabalho ao sábado.
Como diz Camões “todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades”.
No sector privado a situação não é nova. Em Dezembro passado a Visão divulgou um trabalho sobre algo que parece estar a tornar-se cada vez mais frequente, a existência de creches e jardins-de-infância a funcionar 24 horas por dia, durante 7 dias por semana.
Por razões diversas mais famílias sentem esta necessidade. Segundo o trabalho da Visão na zona da Grande Lisboa existirão mais de mil crianças envolvidas em rotinas menos habituais na frequência de instituições desta natureza mas o número de vagas disponíveis para este tipo de resposta será três vezes superior. Ao que parece a oferta será inferior à procura e muitas crianças ficam também aos fins-de semana, férias ou no Natal.
É mais um sinal dos tempos.
Vivemos tempos de mudança acentuada nos estilos de vida, de alteração de valores e prioridades, de menor regulação do trabalho, chamam-lhe “flexibilização”, de competição e “produtividade”, de comunidades sempre em movimento, em “trânsito”, sem parança e com rotinas em mutação.
Muitas famílias, muitas vezes sem capacidade de escolha ou também por opção, são envolvidas nesta engrenagem e, naturalmente, procuram soluções que minimizem as consequências. O mercado, evidentemente, procura responder a novas necessidades.
Também sobre as crianças e o seu dia-a-dia estes tempos produzem efeitos que em muitas circunstâncias não são particularmente amigáveis.
Acredito no esforço e competência das instituições e dos profissionais no sentido de proporcionar a melhor qualidade possível na vida das crianças que a esta resposta recorrem. Sei também que as crianças têm de uma forma geral uma resiliência e capacidade de adaptação extraordinárias embora seja necessário estarmos permanentemente atentos ao seu funcionamento.
No entanto, também sabemos que rotinas, família (no sentido dos laços de afecto e vinculação), estabilidade, segurança, são necessidades básicas e imprescindíveis para o desenvolvimento das crianças. Apesar de não esquecer que mesmo nas circunstâncias mais habituais também algumas famílias ou práticas institucionais podem ser tóxicas ou negligentes.
Chegou a vez de o Estado também dar o seu contributo para este trajecto.
No entanto e por isto tudo … vale a pena pensar nos caminhos que queremos ou podemos percorrer.

PARTIU MILOS FORMAN

Partiu Milos Forman, homem que nos deu “Voando sobre um ninho de cucos” em 1975 para além de outros filmes bem conhecidos como "Hair" ou "Amadeus". Utilizando um lugar-comum, "Voando sobre um ninho de cucos"é um dos filmes da minha vida.
Em 1975 era estudante de psicologia num tempo em que se discutia a desinstitucionalização das pessoas com doença mental e mesmo as fronteiras da saúde mental, discussão que, aliás, não está fechada.
O filme apareceu num contexto que ainda o potenciou mais aos meus olhos.
As interpretações esmagadoras de Jack Nicholson e Louise Fletcher são inesquecíveis.

Resultado de imagem para voando sobre um ninho de cucos oficial cartaz original