AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sábado, 28 de abril de 2018

OS DIAS DO ALENTEJO


Este fim-de-semana é tempo de festa neste canto do Alentejo. Chegam os romeiros que se deslocam cavalo da Moita para Viana do Alentejo.
O Mestre Marrafa apareceu mais cedo porque ainda queria ir assistir à chegada e bênção dos peregrinos.
Desta vez trouxe também outro “ajudante” na lida do Monte e no preenchimento da avozice, o meu neto Grande, o Simão veio connosco. Quase cinco anos e uma paixão por este “divertido” Monte e actividade que não pára, sobretudo de volta da sua enorme amiga, a Tita, uma gata que está quase mãe.
Estava a aproveitar a última oportunidade para ainda queimar um material sobrante e o Mestre Zé Marrafa estava perto de “posse” da limpeza das ervas de alhos e cebolo.
Vendo passar o Simão ficou a olhar e de depois começa para mim.
Que idade tem o gaiato?
Quase nos cinco, Mestre Zé.
Estava a pensar como eram as coisas. As pessoas passaram muito mas os gaiatos ainda passaram mais. A minha mulher, que Deus tem, com três anos ficava debaixo de um guarda-chuva ao abrigo do Sol quando o pai e a mãe andavam na empreitada da ceifa. Eu até aí à idade do Simão dormi numa cama feita com sacas e palha.
Comecei a trabalhar num monte fora de casa com nove anos, a guardar porcos e depois ovelhas. Com nove anos já ganhava o pão, recebia trinta quilos de farinha, um litro e meio de azeite e sessenta escudos. Dava para mim mas não era para mim. Dormia num canto de um casão em cima de um monte de palha e de sacas. Quando chovia, a roupa que era só uma para toda a semana ficava molhada, chegava-me ao pé da fogueira para secar mas os homens “enxotavam-nos”, o lugar perto do lume era para eles. Quando se iam deitar ou o lume já estava apagado ou eu já dormia secando a roupa com o corpo e muitas vezes vestido. Mas o tempo não mudou muito, quando tinha a minha filha pequena andava com a minha mulher numa campanha da ceifa e de noite ela ficava numa barraca que tínhamos feito com umas sacas. Eram noites tão quentes que não podíamos tapar e então dormíamos à vez para um de nós estar sempre a enxotar os mosquitos e a gaiata poder dormir. Era muito difícil vida naqueles tempos e os gaiatos passavam muito.
Há alturas que mesmo um tipo que passa o tempo a falar fica com um nó que não deixa passar palavras.
Ainda disse e concordámos, Mestre Zé, os nossos netos e os seus bisnetos já não passaram tanto.
E são assim, e foram assim, os dias do Alentejo. Obrigado Mestre Zé, por estar connosco.

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