AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A INCUBAÇÃO DO MAL

Desde o início optei por não abordar no Atenta Inquietude matérias exteriores à realidade portuguesa e raríssimas vezes tenho fugido a esta opção.
No entanto, retorno à tragédia de Oslo, que agora reentrou na agenda devido à decisão de especialistas noruegueses que consideraram Anders Breivik inimputávelde por doença mental. Tal decisão, segundo o Público, é susceptível de discussão, conforme opinião de especialistas portugueses ouvidos. Não tenho competência para este tipo de discussão mas gostava de retomar algumas notas, não tanto sobre este caso mas, fundamentalmente, a propósito deste caso.
Disse na altura que para além do sentimento de dor e perda, a perplexidade seria o que melhor caracterizaria a sociedade norueguesa naqueles dias, patente, aliás, em muitos testemunhos. Porquê? Porquê na Noruega, comunidade aberta, tolerante e segura? Porquê um norueguês e não um terrorista associado a redes conhecidas? Porquê? Porquê?
A dificuldade de responder a estas questões é da mesma ordem da dificuldade de encontrar meios seguros de evitar tragédias deste tipo. O episódio, com contornos semelhantes ao protagonizado por Timothy McVeigh que em Oklaoma, em 1995, causou 180 mortos e mais de 600 feridos, assumido por uma só pessoa, inteligente, socialmente integrada, numa sociedade aberta é, de facto, muito difícil de prevenir.
A questão, do meu ponto de vista, remete sobretudo para a necessidade de percebermos e estarmos atentos a um tipo processo que designo como "incubação do mal" que se instala nas pessoas, muitas vezes logo na adolescência, a partir de situações de mal-estar que podem passar relativamente despercebidas mas que, devagarinho, insidiosamente, começam interiormente a ganhar contornos que identificam os alvos, sentidos com os causadores desse mal-estar.
A fase seguinte pode passar por duas vias, uma mais optimista em que alguma actividade, socialmente positiva possa drenar esse mal estar, nessa altura já ódio e agressividade, ou, a outra via, em que aumenta exponencialmente o risco de um escalada que pode ser um tiroteio num liceu, a bomba meticulosamente e obsessivamente preparada ou o ataque a uma concentração de jovens de um partido que representa o "mal", independentemente de, nesta altura já se poder considerar que existe um "mal-estar" tão grande que já é doença e que terá como eventual consequência a inimputabilidade criminal.
Por mais policiada que seja uma sociedade é extraordinariamente difícil prevenir processos desta natureza em que o mal se vai incubando e em que as ferramentas de acção são acessíveis.
Como bem afirmaram na altura as autoridades norueguesas, a questão não é abdicar da abertura e da tolerância que caracteriza a sua, nossa, sociedade. A questão passará sobretudo por uma permanente atenção às pessoas, ao seu bem-estar, tentando detectar, tão cedo quanto possível, sinais que indiciem o risco de enveredar por um caminho que se percebe como começa, mas nunca se sabe como acaba.
Na Noruega, nos Estados Unidos ou em Portugal.

PIRATICES

Como é habitual também a este Jardim chegam as novas qualidades que o mundo vem tomando. Por vezes chegam com algum atraso pois, como sabem, somos, como nos chamam, um país periférico. Agora chegaram os ataques informáticos dirigidos a instituições como forma de protesto e realizados por designados "piratas informáticos". Nesta matéria já conhecíamos as fraudes e os vírus, mas a utilização da pirataria informática como arma de protesto e tendo como alvos instituições significativas do ponto de vista social como a PSP, o Parlamento ou outros organismos é razoavelmente inovadora e significativa. Sinais dos tempos.
Na verdade este novo cenário vem juntar-se a um velho universo de piratices que de há muito está instalado no Portugal dos Pequeninos.
Todos os dias temos novas notícias, desenvolvimentos como lhes chamam, sobre actos de pirataria. É certo que uns decorrem com a face mais oculta que outros. É certo que há piratas e piratas, uns, os chefes, nem parecem piratas mas, como sabem, os tempos são outros e algumas práticas perdem-se ou modernizam-se. Temos também os piratas mais pequenos, alguns desses, às vezes até são descobertos e capturados mas também não se sabe muito bem o que fazer com eles e, quase sempre, não acontece nada . Temos ainda uma espécie muito interessante de piratas que são os que pirateiam mas não são piratas, ou seja, esperamos que cuidem de nós e na voltam tratam deles à nossa custa.
Estranhamente e devido, provavelmente, ao imaginário criado pelas leituras da infância das histórias de piratas, convivemos de forma tranquila com estas piratices, são histórias.

OS MIÚDOS COM FARDA

A discussão sobre a utilização de fardamento escolar é recorrente e, quase, inconclusiva. Na verdade as posições favoráveis ao uso da farda não se alteram, como também os que têm discurso menos favoráveis continuam na sua, por assim dizer.
No entanto, mais do que a minha própria opinião, não simpatizo mas não tenho uma posição fundamentalista, fechada, preocupam-me bem mais as fardas invisíveis mas, por vezes, bem pesadas que muitos miúdos se vêem obrigados a usar.
Se bem estivermos atentos, e nem sempre o conseguimos, é possível reparar com alguns miúdos ao chegar à escola rapidamente vestem uma farda que pode assumir múltiplos aspectos. Temos a farda do “distraído”, a farda do “incapaz”, a farda do “muito esperto”, a farda do “sem família de jeito”, farda do inteligente”, a farda do “pouco dotado”, a farda do “hiperactivo”, a farda do “mal comportado”, a farda do “filho de pessoa importante”, a farda do mal-educado”, etc., etc.
Uma questão importante é que na maior parte das situações estas fardas acabam por se transformar na pele dos que as usam. Dificilmente deixarão de as “vestir”, é por elas que são conhecidos e reconhecidos, para o melhor e para o pior.
Devo dizer que estas fardas me inquietam bastante mais que as outras, que sendo significativas para os miúdos e muitas vezes distintivas do estatuto familiar quando “mostram” instituições mais exclusivas, também, por outro lado, se “despem” com mais facilidade e acabam por ser bem mais leves.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

DE RECURSO EM RECURSO ATÉ À PRESCRIÇÃO FINAL

Continua a narrativa. É azar. Parece que coube ao Dr. Isaltino servir de “prova” de que a justiça funciona no Portugal dos Pequeninos. Mas ele que não desespere. O Tribunal da Relação de Lisboa rejeitou mais um recurso do Dr. Isaltino. Não tem problema, hoje mesmo, diz o Público, novo recurso foi entregue no Tribunal da Relação de Lisboa, o mesmo que rejeitou o anterior. É sabido que o Sr. Dr. Isaltino tem uma condenação decidida mas que ainda não transitou em julgado, no entanto, vai continuando a sua narrativa interpondo recursos atrás de recursos levando a que o processo se desenvolva através de uma série de manobras, recursos e outros expedientes que o nosso sistema de justiça tão minuciosa e eficazmente tem desenhado para quem dele se sabe aproveitar o possa fazer em seu benefício, pode acontecer, dizem alguns, que a coisa se prolongue mais uns tempos até à prescrição final.
A titular da pasta da Justiça já tem assumido em público a despudorada utilização de manobras manhosas que mais não fazem que minar a justiça transformando-a numa espécie de administração da injustiça. Alguns titulares de cargos de responsabilidade na área da justiça também já afirmaram que a sentença decidida já deveria ter sido executada, mas calma, há sempre lugar a mais um recurso.
Tenho para mim que este caso virá a morrer por morte morrida, para usar as palavras de João Cabral de Melo Neto, ou seja, cairá por esgotamento. Assim, o Dr. Isaltino poderá ter uma reforma tranquila com a herança que receberá do sobrinho que tem na Suíça e os trocos miseráveis resultantes de uma vida dedicada à causa pública.
No meio do azar, coitado, até teve sorte, felizmente amealhou um bom pé-de-meia que nos tempos que correm não é coisa pouca.
A nós só nos cabe o azar de ver como anda o Portugal dos Pequeninos.

SÓ SE APRENDE A LER, LENDO

O Público refere hoje a intenção do Professor Pinto do Amaral, comissário do Plano Nacional de Leitura, de, apesar das restrições de meios, estabilizar os resultados positivos conseguidos, alargar a intervenção junto de alunos de anos de escolaridade mais elevados e, naturalmente, de privilegiar aprendizagem da leitura.
O Plano Nacional de Leitura tem obtido alguns resultados interessantes, designadamente, no aumento da importância atribuída pelos jovens à leitura, o que, naturalmente merece registo.
Do meu ponto de vista, afirmo-o com frequência, uma das questões contributivas para as dificuldades em matéria de língua portuguesa prende-se com o pouco tempo que lhe é dedicado, embora a partir deste ano a situação se atenue. Por outro lado, os estudos continuam a evidenciar hábitos de leitura insuficientes entre os mais novos, lêem pouco, o que acentua as dificuldades. De facto, independentemente das questões relacionadas com as metodologias dos professores, das suas opções e competências na didáctica da Língua portuguesa, certamente passíveis de melhorar através de formação consistente, a grande questão parece simples de enunciar, as crianças, de uma forma geral, lêem pouco. Podemos aduzir uma série de razões para que isto aconteça, questões que decorrem da concorrência da actividade de leitura com outras actividades percebidas aos olhos dos miúdos como mais apelativas, poucos hábitos de leitura no ambiente familiar, uma equívoco instalado há alguns anos nas concepções sobre práticas pedagógicas que levou muitos professores a recorrerem pouco à actividade de leitura individual na sala de aula por parecer “conservador” ou “pouco activo”, etc.
Mas mais do que as razões, e todas contribuirão para a situação que temos, é importante, diria imprescindível, que nos convencêssemos todos, professores, pais e outros actores, que só se aprende a ler, lendo, só se aprende a escrever, escrevendo, só se aprende a andar, andando, só se aprende a falar, falando, etc., etc.
Ofereçam livros aos miúdos, contem-lhes histórias, leiam com eles e, talvez, tenhamos menos miúdos e graúdos a lutar contra a leitura.

DE TANTO CHUMBARES, UM DIA APRENDES

O INE divulgou os dados relativos aos resultados escolares do ano lectivo de 2009/2010. Sem surpresa, confirma-se o perfil de distribuição regional dos níveis de sucesso escolar. Verifica-se também o abaixamento dos níveis de insucesso e abandono embora se mantenham em níveis muito altos, inaceitavelmente altos.
Num espaço desta natureza não cabe uma reflexão detalhada sobre os dados, apenas algumas notas genéricas considerando que o 3º ciclo ainda apresenta em termos nacionais uma taxa de insucesso de 13,8% e englobando todo o ensino básico a taxa baixa para 7,9%. No secundário a média nacional do insucesso é de 19,7% verificando-se sempre fortíssimas assimetrias regionais segundo, como referi, um perfil já identificado.
Portugal, apesar dos progressos é um dos cinco países da UE com mais chumbos. Segundo relatório recente da Comissão Europeia, aos 15 anos 34.5% dos alunos portugueses já tinha chumbado, sendo que a média da UE a 27 é 16% e na Finlândia é menor que 3%.
Este quadro parece indiciar que reprovar mais não produz mais sucesso. Escapa-me a insistência no chumbo como forma de promover qualidade. Esta insistência é acompanhada pela defesa de mais exames como ferramenta do sucesso como defende, por exemplo, o Ministro Nuno Crato, que promoveu a realização já para este ano de novos exames.
Muitos estudos internacionais também mostram que os alunos que começam a chumbar, tendem a continuar a chumbar, ou seja, a simples repetição do ano, não é para muitos alunos, suficiente para os devolver ao sucesso. Os franceses utilizam a fórmula “qui redouble, redoublera” quando referem esta questão.
Nesta conformidade, a questão central não é o chumba, não chumba e quais os critérios (quantas disciplinas, por exemplo) é que tipo de apoio, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores e famílias de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É necessário diversificar percursos de formação com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional. Como é evidente este tipo de discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação uma tentação a que nem sempre se resiste.
A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados de organização e funcionamento das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.
O mais preocupante é que as perspectivas decorrentes do desinvestimento em educação, do abaixamento dos recursos humanos disponíveis, dos modelos de organização e funcionamento das escolas, da adiada e profunda reforma curricular, etc., não permitem grande optimismo.

OS MIÚDOS VÃO SEMPRE ATRÁS

Há uns anos, quando as preocupações com a segurança rodoviária, designadamente no que respeita aos mais novos, surgiu um espécie de slogan que pegou. Tratava-se de qualquer coisa como "comigo as crianças vão sempre atrás".
Creio que apesar daquele jeito tão nosso de lidar com as leis, não as entendemos como imperativas mas como simplesmente indicativas, de um modo geral os miúdos passaram a andar no banco de trás.
Acho mesmo que os miúdos, boa parte deles, passaram a andar demasiado no banco de trás, alguns mesmo a "viver" no banco de trás.
Na verdade, se atentarmos nas dinâmicas familiares reparamos que os miúdos passam algum tempo no banco de trás a caminho ou de regresso da escola ou ainda em trânsito para as inúmeras actividades fantásticas que tornam, obviamente, os miúdos fantásticos, ainda que cansados é certo. Em muitas situações, por ser demasiado cedo ou por cansaço os miúdos vão "abandonados" no banco de trás. O mercado, sempre atento, já equipa alguns carros com ecrãs nos bancos de trás para que nem aí falte a companhia mais presente na vida de muitos gaiatos, um ecrã.
Em casa, no pouco tempo que as famílias têm para uma coisa que tem caído em desuso e que eu desejo que conheça uma retoma, conversar, muitos miúdos continuam no banco de trás, o mundo dos adultos está tão complexo e inquietante que nem sempre os miúdos cabem nessas conversas, ficam mesmo no banco de trás. Nessas alturas muitos deles agitam-se, fazem-se ouvir insistentemente, "estão a chamar a atenção", dizemos e descansamos. Claro que estão a chamar a atenção da maneira que vão aprendendo que funciona, ou seja, incomodando e irritando os adultos.
De facto, não é fácil a vida no banco de trás, para os miúdos bem entendido. Para muitos adultos é um sonho nunca atingido.Não estou a falar de viajar de táxi.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

CUIDADO AO MEXER NOS FERIADOS, PODEM CAIR AS PONTES

A proposta hoje apresentada em sede concertação social por parte do Governo de retirar quatro feriados merece séria reflexão que, aliás já aqui trouxe e da qual agora retomo algumas notas. Somos reconhecidamente um dos países da Europa com um número mais alto de feriados. Para além dos feriados importa considerar, é essencial, as pontes que os feriados permitem. Como sabem a nossa história mostra que somos um país de pontes, de obras de arte como lhes chamam os especialistas.
De vez em quando, por várias razões surgem discursos ou tentativas de alterar a situação diminuindo os feriados. É curioso que sempre que se fala nestas questões se ouvem muitas vozes contra tantos feriados, designadamente contra as tolerâncias de ponto frequentemente decretadas, mas trata-se, do meu ponto de vista, de um fenómeno de dupla mensagem, ou seja, afirmamos que somos contra mas, na verdade, desejamos que a situação se mantenha. Esta situação no que respeita as feriados religiosos é ainda mais curiosa se nos lembramos que constitucionalmente nos definimos como uma república laica.
Os discursos consistentes e, provavelmente, menos hipócritas, contra o excesso de feriados, pontes e tolerâncias de ponto, são produzidos por uma minoria que entende que a situação económica e, ou, a laicidade do Estado não permitiriam suportar esta decisão. Uma parte significativa da população, cerca de 13%, os desempregados, ficarão, muitos, a pensar, que no “tempo em que tinha emprego tiveram situações destas" pelo que lhes é, actualmente, indiferente. A grande maioria da população no activo, fundamentada pela natureza da sua relação ética com o trabalho traduzida no velho paradigma “nunca mais me sai o euromilhões para deixar de trabalhar”, fica obviamente satisfeita com “uns diazinhos de folga” e ainda mais satisfeita se o tempo permitir umas idas até à praia ou à terra. Os miúdos, também vivem nesta cultura, pelo que não devem revelar-se particularmente incomodados com o fecho das escolas.
Por outro lado, temos um Governo que conhecendo bem a cultura predominante no cidadão comum e incomodado com a pressão que as incidências da crise, da aplicação do PEC e o exemplo da Grécia estão a ter e poderão acentuar-se no clima social, terá de ser cauteloso no cortar de “uns diazinhos de folga”. É também de considerar que interessa não deteriorar as relações com a hierarquia da Igreja que ainda estão fragilizadas desde a sequela da aprovação do casamento entre pessoas do mesmo género ou ainda da despenalização da interrupção voluntária da gravidez.
Segundo o Público, a concertação social parece francamente desconcertada.
Vamos ver o que dá.

NÃO SOMOS UM PAÍS DE DOUTORES

O Relatório do Conselho Nacional de Educação vem, mais uma vez, demonstrar a falsidade de uma ideia instalada na opinião pública e muitas vezes alimentada pela ignorância e irresponsabilidade de alguma imprensa, a ideia de que somos um "país de doutores", ou seja, temos um excesso de mão de obra qualificada e condenada ao desemprego. Este entendimento é obviamente falso e frequentemente aqui tenho procurado demonstrá-lo. Sabemos, é conhecido, que temos umas dezenas de milhares de jovens licenciados em situação de desemprego mas, de uma vez por todas, é fundamental que percebamos que, primeiro, eles não estão no desemprego por serem licenciados, estão no desemprego porque temos um mercado pouco desenvolvido e ainda insuficientemente exigente de mão de obra qualificada e estão no desemprego porque, por desresponsabilização da tutela, a oferta de formação do ensino superior é completamente enviesada distorcendo o equilíbrio entre a oferta e a procura como muitas vezes afirmo. Muitas empresas, sobretudo as de menor dimensão, provavelmente devido ao baixo nível de qualificação dos empresários (um dos mais baixos da UE), parecem também mais avessas à contratação de mão de obra qualificada.
Por outro lado, se atentarmos em dados da OCDE e do INE sabemos que um trabalhador licenciado ganha em média mais 80% que alguém com o ensino secundário. Um indivíduo com a escolaridade básica recebe em média menos 57% que alguém com o Ensino Secundário. Apenas 7.5% de pessoas com o 9º ano recebem duas vezes mais que a média nacional enquanto licenciados a receber duas vezes mais que a média são quase 60%. Os filhos de pais licenciados têm 3,2 vezes mais probabilidades de obter uma licenciatura. Segundo os dados disponibilizados pelo CNE, na população portuguesa dos 25 aos 65 anos, só cerca de 32 por cento atingiu pelo menos o nível secundário de formação, contra 73 por cento na União Europeia.
Se considerarmos a faixa etária dos 20 aos 24 anos, a diferença coloca Portugal a 20 pontos percentuais da média europeia (59 por cento para 79 por cento).
Entre os 25 e os 34 anos, 19% dos jovens tem uma licenciatura enquanto na OCDE a média é 32%. Em Portugal, o número de licenciados é metade da média da União Europeia. Na franja entre os 35 e 44 anos a percentagem ainda baixa para 13%. Um indivíduo com apenas o básico corre um risco de pobreza 20 vezes superior ao de um indivíduo com um curso superior.
Deste quadro releva a absoluta imprudência de passar a mensagem de que a formação é irrelevante, o desemprego é o destino. A qualificação profissional, de nível superior ou não, é essencial como também é essencial a racionalidade e regulação da oferta do ensino superior.
Deixemos definitivamente de lado a ideia de que somos um país de doutores, é um tiro no pé. Donde, como hoje alerta o CNE, desinvestir na qualificação é comprometer o futuro.

A JUSTIÇA EM ALERTA VERMELHO

De há uns tempos para cá fomo-nos familiarizando com a emissão de alertas. Se chove vêm os alertas, se faz frio, vêm os alertas, se faz calor vêm os alertas, se faz vento vêm os alertas, se não acontece nada vêm os alertas.
Tenho até para mim que a banalização de emissão de alertas pode desencadear um efeito perverso levando ao desenvolvimento de uma atitude de indiferença pois tendemos pela habituação a desvalorizar o aviso.
Deve ser o mesmo fenómeno que se passa na justiça portuguesa. Apesar de não ter havido a emissão formal de alertas o que se tem passado ao longo de décadas no sistema de justiça português fez bater no fundo os níveis de confiança e credibilidade. São recorrentes a demora, a manha nos processos judiciais com a utilização de legislação complexa, ineficaz e cirurgicamente construída para ser manhosamente usada por quem a construiu. É uma justiça manifestamente marcada pelas desigualdades de tratamento, etc.
Quase todos os dias temos exemplos sobre este universo que, lamentavelmente, já não nos surpreendem, não nos sobressaltam. Quando muito, dedicamos-lhe um encolher de ombros a suportar um pensamento telegráfico, "mais um". O Público refere-se à "kafkiana" situação de um processo que envolve pagamentos da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo à administração do hospital Fernando Fonseca (Amadora/Sintra) e que está em análise pelo juiz responsável há oito anos.
O que me parece grave, é a naturalidade com que já todos encaramos este tipo de situação o que acentua, isso sim, um dos aspectos que do meu ponto de vista mais fragiliza a vida democrática, a falta de confiança dos cidadãos num pilar essencial das sociedades, a justiça.
Também aqui a recessão afunda-nos, a confiança definha e a retoma tarda.

EQUIDADE SOLIDÁRIA

A imprensa de hoje sublinha o facto da campanha de recolha de alimentos dos Bancos Alimentares ocorrida durante o fim de semana se ter mantido ao nível dos anos anteriores e ter subido o número de voluntários disponíveis cerca de 35 000) para colaborar a campanha ter batido de forma significativa os valores de recolhas anteriores. Estes valores surpreenderam os responsáveis pois, considerando as enormes dificuldades que a generalidade das pessoas e estando já a reflectir-se o corte no subsídio de Natal, a expectativa era a de um abaixamento significativo dos valores da recolha.
Considerando os tempos difíceis que a maioria das pessoas atravessa, não pode deixar de merecer registo esta atitude de partilha e ajuda, que os mais variados discursos remetem para a solidariedade dos portugueses que emerge nos tempos mais complicados e que permite minimizar as dificuldades de alguns milhares de famílias. No entanto, convém não esquecer que tudo isto decorre dos modelos de desenvolvimento e sistemas de valores que promovem exclusão e pobreza. Na verdade, muitas vezes a propósito deste tipo de campanhas se argumenta no sentido de que encerram uma dimensão caritativa, assistencialista, que não contraria e, até alimenta, o cenário e a circunstâncias que promovem as dificuldades das pessoas. Ao mesmo tempo, também se argumenta, que a solidariedade das pessoas, acaba por "aliviar" a pressão para que as estruturas responsáveis cumpram com eficácia o seu papel e responsabilidades na área dos apoios sociais.
Sou sensível e concordo de forma genérica com esta argumentação, no entanto, sei sabemos todos, que a acção de estruturas como os Bancos Alimentares têm dado um contributo para minorar as dificuldades que muitíssimos agregados familiares atravessam e que sem a ajuda recebida, (relembro que sem os juros cobrados pela troika na "ajuda" a Portugal), seriam bastante mais graves.
Prefiro pensar que o comportamento solidário de muitas pessoas, elas próprias com dificuldades, é um excelente exemplo, este sim, de equidade, a repartição de dificuldades. Estou cansado da retórica sobre a equidade na repartição de sacrifícios e assistir a decisões políticas e a comportamentos de gente muito responsável que contrariam as suas afirmações sobre equidade.

PARECE MAL

Era uma vez um Homem. Do contra, diziam. Quase se pode dizer que vivia ao contrário das outras pessoas.
Enquanto foi pequeno passou o tempo a ouvir, “fazes tudo ao contrário, parece mal”.
Foi crescendo e os comentários não mudaram muito, “não vistas isso, parece mal”, “não fales assim, parece mal”, “não faças isso que parece mal”.
Quando o Homem ficou homem ia ouvindo à sua volta, “devias comportar-te de outra maneira, assim, parece mal”, “já não és um jovem, isso parece mal”.
Em velho, o Homem, já quase sozinho, ainda ouvia dos vizinhos, “isso parece mal”, “assim, não pensarão bem de si”.
Até que um dia, pela primeira vez, alguém disse, “parece bem”. Era o ajudante de coveiro ao fechar, pela derradeira vez, o caixão do Homem.

domingo, 27 de novembro de 2011

CUNHAS, CORRUPÇÃO E ETC. Podíamos viver sem elas mas não era a mesma coisa

O Público de hoje apresenta um extenso trabalho sobre um dos maiores problemas que ameaça a nossa sociedade, a cunha, a corrupção ou como muitas vezes refiro, a pegada ética que imprimimos.
Parece de relembrar que segundo o último relatório da Transparency International, Portugal é um dos 21 países em que existe "pouca ou nenhuma implementação" da Convenção anti-corrupção da OCDE. Considerando ainda os últimos indicadores do Barómetro Global da Corrupção, também no âmbito da Transparency International, 83% dos portugueses acham que piorou a questão da corrupção e 75% não acredita na eficácia do combate.
É quase parte do nosso património cultural o recurso ao "dar um jeitinho", "fazer uma atençãozinha". Diversas vezes aqui tenho me referido a esse "traço" da nossa cultura cívica "a atençãozinha" ou à sua variante "dar um jeito". Trata-se de um fenómeno, um comportamento generalizado e com o qual parecemos ter uma relação ambivalente, uma retórica de condenação, uma pontinha de inveja dos dividendos que se conseguem e a tentação quotidiana de receber ou providenciar uma "atençãozinha" ou pedir ou dar um jeito, sempre "desinteressadamente", é claro.
Por outro lado, sentimos todos algo de muito significativo, acreditamos que não existe vontade política de combater este cenário. A teia de interesses que ao longo de décadas se construiu envolvendo o poder político, a administração pública, central e autárquica, o poder económico, o poder cultural, a área da justiça e segurança, parte substantiva da comunicação social e toda a relação do dia a dia com a "atençãozinha", desde a recepcionista que nos passa para a frente na lista de espera ou ao funcionário de quem esperamos que possa dar um "jeito", dificulta seriamente um combate eficaz e mudança cultural nesta matéria. Este passará, naturalmente, por meios e legislação adequada, mas passa sobretudo pela formação cívica que promova uma outra cidadania. Estarão lembrados que há algum tempo atrás foram divulgados estudos evidenciando a nossa atitude tolerante para com a corrupção.
Certamente que poderíamos viver sem a "atençãozinha" ou o "jeitinho", mas não era a mesma coisa.

FADO PORTUGUÊS

Já está, a ansiedade deu lugar à euforia, o fado já não é (só) nosso, o fado é da humanidade. As vozes levantam-se e a comunidade de amantes do fado, de que faço parte, rejubila com o reconhecimento. É natural, quando reconhecem e apreciam o que nós gostamos, ficamos contentes.
Não sei se o facto de ser património da humanidade, ainda que imaterial, é algo que nos faça descansar. Se bem repararmos a humanidade não tem sido propriamente cuidadosa com o seu património, material ou imaterial. Aliás, se atentarmos na forma como a humanidade lida com o seu maior bem, as pessoas, então é alarmante, milhões de excluídos e a morrer de pobreza. Mas enfim, hoje é dia de ficar contente, é dia, como dizem muitos comentadores, de ficar com a auto-estima nacional mais composta, o mundo reconhece o nosso fado como parte de si e sempre é uma alegria e algo de positivo no tempo que atravessamos.
Mas é este o nosso fado, o fado português.
Deixem-me recordar as palavras de José Régio que a música de Alain Oulman e sobretudo a voz genial de Amália divulgou exactamente com o título de Fado Português.

O Fado nasceu um dia,
...
no peito dum marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.

É, assim, o povo português com alma de marinheiro, está triste e canta. Canta o fado português. E vamos cantar até que a voz nos doa.

sábado, 26 de novembro de 2011

VEJAM LÁ, NÃO SE BRINCA COM A TROPA

A rapaziada das forças armadas anda alvoroçada. Ao que parece, a rapaziada do governo não os tem tratado muito bem. Estranho, deve ser o único grupo que se sente destratado. É claro que os diferentes grupos têm formas de manifestar o seu descontentamento que estão vedadas aos militares, por exemplo, a greve. É certo que os militares, entre outras regalias, têm acesso a serviços de saúde em condições que a generalidade dos cidadãos não tem. Será verdade, estou certo, que terão objectivamente razões para descontentamento mas não são os únicos nem, provavelmente, os que mais razões terão para se queixar. Sobre este universo de descontentamento surgem os discursos dos incontornáveis Otelo e Vasco Lourenço a deixarem avisos claro que a “malta militar pá, se for preciso, pá, tá aí pá e agita isto tudo, pá”dois especialistas em revoluções e que avisam, não se esqueçam que quem já fez uma revolução faz duas. Assim é que é, como sempre ouvi dizer, “não se brinca com a tropa”.
Parece-me igualmente extraordinário o discurso de Ramalho Eanes que naquele jeito ágil e profundo consegue dizer que está a “estar a criar uma situação que é insustentável até psicologicamente, porque os militares são indivíduos que têm determinados princípios e valores e um deles é cumprir com competência os trabalhos que lhes são entregues”. Os civis, ou seja, o resto da população, é um pessoal que, provavelmente, não têm este hábito estranho e particular dos militares que é cumprir com competência os trabalhos que lhes estão entregues e nem psicologicamente abanam com as dificuldades. Será certamente para alimentar e promover este espírito de competência exclusivo dos militares que as forças armadas portuguesas têm um número de oficiais superiores desproporcionalmente grande quando comparado com outros países.
De modo que já sabem senhores governantes, muito cuidado. A propósito, também não estou nada satisfeito com algumas políticas sectoriais. Senhores do governo, não se esqueçam que tenho uma fisga aqui em casa e estou descontente.
Vejam lá, vejam lá.

NÃO PERCEBEM NADA DE FINANÇAS

O Presidente da República em intervenções de ontem e no jeito cauteloso que se lhe conhece sugeriu que Angela Merkel e Passos Coelho, bem como outros líderes que se opõem à intervenção mais consistente do Banco Central Europeu na crise financeira da Europa, não percebem nada de finanças. Lembrei-me, naturalmente, de Fernando Pessoa, também Jesus Cristo não sabia nada de finanças.
Ontem, num pequeno comentário às muitas e significativas discordâncias patentes nos discursos de economistas e de outros especialistas sobre a crise e as perspectivas para a ultrapassar, retomei um enunciado clássico afirmando que esta coisa da economia e finanças, ou seja, da vida das pessoas, é demasiado complexa para ficar, exclusivamente, na mão destes especialistas.
Na verdade, a crise resultou, parece, de modelos errados e desregulados de desenvolvimento, do endeusamento do mercado, da ganância especulativa dos mercados financeiros com a complacência negligente, cúmplice ou incompetente das diversas entidades de supervisão, nacionais ou internacionais. Este universo é a quinta onde convivem os economistas e financeiros.
Quando a este contexto se juntam políticos sem visão e estofo que determinem caminhos e políticas sustentadas e claras resulta uma deriva sem rumo em que a maior vítima são as condições de vida das pessoas, o empobrecimento e a exclusão.
Nesta perspectiva, a afirmação de Cavaco Silva é irrelevante. A questão central não é a ignorância dos líderes em matéria de finanças é a incompetência e a falta de solidez e qualidade política dessas lideranças que os faz andar a reboque de interesses outros que não o bem comum.

ENXERGAR LONGE, FALAVA MALANGATANA

Já por aqui tenho referido a experiência extraordinária que para mim foi ter lidado com o Mestre Malangatana que partiu há algum tempo.
Durante as horas de conversa, em Maputo e em Matalana, o Mestre referia-se de vez em quando a algo como a necessidade de enxergar longe, ter uma visão não apenas centrada naquilo que está, parece, à vista, tanto na arte em particular como na vida, nas vidas, em geral.
Hoje, ao olhar e pensar em tudo o que nos rodeia, lembrei-me do Velho. Parece cada vez mais difícil enxergar longe. Tudo e todos parecem, parecemos, estar centrados no imediato. As ideias, os planos, os projectos esgotam-se no amanhã. Mesmo quando são enunciados com outro horizonte temporal, a falta de convicção e a transparente ausência de rumo, de rumos, não se consegue enxergar longe.
Neste universo de crise e dificuldade em perceber rumos e trajectórias ainda mais as lideranças, as diferentes lideranças, assumem um papel fundamental no sentido de contribuírem de forma proactiva para a mudança, a transformação, que só enxergando mais longe se torna possível. Não, não se trata de uma perspectiva messiânica que ilumine o caminho, trata-se de uma visão que ultrapasse os próprios pés, o agora e os interesses imediatos. Falo de uma visão não centrada nos poderes com um objectivo em si mesmo mas sim como ferramentas de mudança, qualquer que seja a escala considerada. Falo da necessidade de uma visão centrada nas pessoas e nos caminhos que sirvam as pessoas, todas as pessoas.
É Velho, estavas a enxergar longe quando dizias que não se enxerga longe, chegámos aqui. Assim.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A INDOMESTICÁVEL VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Há alguns meses foi aprovado o Quarto Plano Contra a Violência Doméstica com alguns pontos em destaque, formação a magistrados e a agentes policiais e a extensão a todo o país da utilização da vigilância electrónica entre outras medidas.
Segundo o Público de hoje, registam-se 83 denúncias por dia e em 2011 já se verificaram 23 homicídios e 39 tentativas, sendo que em 2010 morreram 43 mulheres vítimas deste tipo de crime.
Por diferentes ordens de razões, parece assumir-se uma espécie de fatalidade face à tolerância do crime de violência doméstica, à dificuldade de prova, ao sistema de valores e situação de dependência emocional e económica de muitas das vítimas à atitude conservadora de alguns juízes, etc. Permanece ainda com alguma frequência a dificuldade de promover a retirada do agressor do ambiente doméstico, procedendo-se à saída da vítima numa espécie de dupla violência que, aliás, também se verifica em situações de maus tratos a crianças, em que o agressor fica em casa e a criança é “expulsa”.
O quadro é dramático mas não surpreende. Um dos mais devastadores efeitos da situação da nossa justiça é a instalação de um sentimento de impunidade generalizado com consequências incalculáveis. Este é o tipo de mensagem que a justiça não pode passar. No entanto, segundo os dados do Observatório das Mulheres Assassinada pode constatar-se alguma maior celeridade e preocupação do sistema de justiça com estes casos, embora tal observação não possa ser estendida ao universo global da violência doméstica.
Este sentimento de impunidade está instalado em todas as áreas da criminalidade, não apenas nas situações de violência doméstica. Atente-se em quantos casos de corrupção acabam em condenações a prisão efectiva. Atente-se no tempo e nos expedientes que os processos sofrem, acabando muitas vezes em prescrições ou em penas ridículas. Atente-se nos efeitos de algumas alterações do código penal que permitem que um indivíduo comprovadamente autor de um crime susceptível de pena de prisão, possa ser imediatamente solto e aguardar, se aguardar, o julgamento que demorará um tempo infindo enquanto se mantém em actividade.
Atente-se no comportamento despudorado de muitas das nossas lideranças políticas e partidárias com comportamentos de compadrio, tráfico de influências, distribuição de lugares pelas clientelas, etc.
De facto, tragicamente, temos que concluir que não é estranho o número muito baixo de detidos e condenados por violência doméstica face ao volume de situações que na realidade ocorrem.

QUE SE MULTEM OS PAIS "MAUS" DOS MIÚDOS "MAUS"

O Estatuto do Aluno agora publicado na região autónoma dos Açores abre a possibilidade de aplicação de multas aos pais de alunos que faltem às aulas ou se envolvam em episódios de indisciplina escolar. No caso de não cumprimento das multas, os pais podem perder apoios sociais se deles forem beneficiários.
A ideia de aplicação de coimas aos pais que "não se envolvam na educação dos filhos" não é nova, o eterno presidente da CONFAP, o Dr. Albino Almeida, há algum tempo atrás sustentou a mesma proposta que na altura comentei, discordando. Como aparece de novo na agenda, retomo algumas notas em estilo telegráfico ultrapassando uma primeira questão que remete para o que se deve entender por "envolvimento" na educação dos filhos.
1 - A maioria dos pais não gosta que os seus filhos sejam "maus". A maioria não sabe como fazê-los "bons". Estes precisam de apoio não de multas. Ponto.
2 - Uma minoria, muito pequena, de pais de miúdos "maus" são pais maus não estão interessados ou preocupados em ser bons, nem se preocupam com os filhos, são "negligentes". Nestes casos, o problema é, no limite, retirar a guarda dos filhos, a multa não mexe seguramente com a negligência destes pais. Ponto.
3 - Um miúdo "mau" levanta problemas numa escola, qualquer escola, onde existem umas dezenas largas de especialistas em educação que sentem a maior dificuldade em "resolver" os problemas criados por esse miúdo "mau", não conseguindo, com frequência, resultados positivos. Será que alguém que conheça estes cenários acredita que os pais serão capazes de os resolver, por si, mesmo se lhes retirarem parte do abono de família ou de qualquer outra prestação social? Não acredito. Ponto.
Dito isto, se de facto se quiser caminhar no sentido de envolver e responsabilizar a famílias dos miúdos "maus", o percurso será a criação de estruturas de mediação entre a escola e a família que permitam apoiar os pais dos miúdos maus que querem ter miúdos bons e identificar as situações para as quais, a comprovada negligência dos pais exigirá outra colocação para os miúdos.
O resto, do meu ponto de visa, é populismo, demagogia e desconhecimento que levará a que muita gente, lamentavelmente, aplauda a ideia. Os filhos dos outros são sempre o problema.

RETRATO DE FAMÍLIA

É uma família tradicional, normal por assim dizer, não essas famílias modernas que se vêem por aí, só o pai, ou só a mãe, pessoas com novos casamentos e filhos de um e de outro, homens casados com homens, mulheres casadas com mulheres que agora também querem ter filhos para educar. Não se sabe onde isto vai parar.
Pois esta família é como devem ser as famílias, o pai, a mãe, um filho e uma filha, as famílias são mais pequenas, já se sabe que a vida está muito cara.
O pai chega tarde a casa e, cansado, senta-se no seu sofá a ver um bocado de televisão, come qualquer coisa leve, uma sandes e um sumo, que sempre se poupa no trabalho e nos custos. Pouco tempo depois, já meio ensonado levanta-se e arrasta-se para o quarto onde toma balanço para um novo dia igualzinho ao que acabou.
A mãe, entretanto, ficou na cozinha onde acompanha na televisão pequenina que está em cima do frigorífico uma das novelas da noite, que, aliás, o marido odeia. Enquanto faz a lida, despacha uma peça de fruta e um iogurte, sempre ajuda a poupar na carteira e a tentar encurtar uns centímetros nas ancas. Quando a lida já está despachada passa pelo quarto do filho, certifica-se que ele está bem e desliza para o quarto onde o marido já sonha com vizinha do terceiro esquerdo e ela adormece a pensar na crise.
O filho, adolescente, está desde que veio da escola ao fim da tarde sentado no computador, ligado permanente ao mundo, ao seu mundo, onde cabem outros como ele. Jantou uma cola e uma sandes que a mãe lhe levou ao quarto. Lá para as tantas atira-se para dentro da cama desejando que as férias cheguem depressa, a escola é uma seca.
A filha, já mais crescida, dezassete anos, tem dias que vai à escola, não está em casa. Saiu ainda antes de jantar, disse aos pais que ia a casa de uma amiga e talvez viesse mais tarde. É quase sempre assim. Alguns dias terá de chegar de mansinho procurando mascarar o efeito dos shots.
É, como disse, uma família normal. Quando em dias de festa tiram um retrato de família ficam sempre muito bem e divertidos. São bonitos os retratos de família.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

RATING: LIXO. Que se lixem as pessoas, salvam-se os mercados

Não queria repetir-me, mas a decisão de hoje de umas das agências de rating assim obriga. Pedindo, pois, desculpa pela insistência aqui fica a reflexão sobre o papel destas agências.
Durante muito tempo as referências a lixo decorriam sobretudo dos nossos bons hábitos de cidadania ao transformar cada recanto de estrada numa lixeira e cada pedaço de jardim urbano numa mini-lixeira.
Com o tempo, as referências a lixo foram-se ligando de forma cada vez mais significativa ao discurso eco-preocupado. Passámos a entender que se deve produzir menos lixo reaproveitando o que é possível, que se deve combater e eliminar as lixeiras e que o lixo deve ser separado e reciclado a bem do desenvolvimento sustentado e sustentável que melhora a nossa qualidade de vida.
À excepção de uma parte da nossa classe política e liderança económica que tem insistido na produção de lixo e na poluição do nosso clima social e económico deixando uma pegada ética de assinalável dimensão, a coisa parecia estar a caminhar no bom sentido.
Eis senão quando emergem uns abutres sem alma que gerem um deus chamado mercado e que desatam a transformar em lixo quem muito bem entendem à luz dos seus objectivos de saque imoral e escandaloso, criando milhões de pobres, esses sim assumindo a condição de lixo.
Refiro-me a essa coisa chamada "agências de rating" que enquanto cabeças de um polvo que as alimenta e que delas se alimenta, transforma países em lixo, empresas em lixo, bancos em lixo com critérios que, frequentemente, nem os especialistas entendem mas que a alguém irão certamente servir.
Nós, portugueses, também já somos lixo, os nossos bancos são lixo, as nossas empresas são lixo, enfim, esperamos agora pela reciclagem de que os abutres ditam as regras e com a qual continuarão a sacar.
Como diz o povo, só à vassourada, mas não é só no lixo, é nos abutres que nos transformam e tratam como lixo.

GREVE GERAL? QUASE GERAL? UM BOCADO GERAL?

Um dos aspectos invariavelmente envolvidos na realização de acções de protesto é a contabilidade em torno dos níveis de adesão. As discrepâncias, de acordo com o posicionamento das fontes de informação, são extraordinárias. Lembram-se certamente de uma manifestação de trabalhadores da administração pública em 6 de Novembro de 2010, em que a organização estimou em 100 000 os participantes e um especialista americano que se encontrava em Lisboa avaliou a participação entre 8 000 e 10 000. Na altura lembro-me de ter escrito que não tendo estado presente e não tendo outras fontes de informação, só podia depreender que uma das fontes estaria "ligeiramente" enganada.
Ainda antes de começarem a surgir os primeiros números da adesão à greve geral de hoje, poderemos certamente antecipar que, como é habito, se instalará um consenso estranho, todos ganharam.
As estruturas representantes da administração e dos empregadores virão muito provavelmente afirmar que se registou um bom resultado pois a iniciativa não teve a adesão referida e ou esperada, não teve impacto significativo na vida das comunidades, que fica evidente a aceitação ou, pelo menos, a compreensão das políticas seguidas e a bondade dos seus pontos de vista, etc.
Por outro lado, as estruturas representativas dos trabalhadores informam-nos que a adesão correspondeu às expectativas, que os trabalhadores mostraram o seu descontentamento, que o movimento sindical obteve mais uma retumbante vitória, etc.
A questão é que esta discrepância, do meu ponto de vista, acaba por desvalorizar os efeitos da própria greve pois, como é sabido, muitos estudos têm vindo a demonstrá-lo, os níveis de cultura política, participação cívica, precariedade laboral, custos económicos do dia de greve, etc., levam a que uma percentagem muito significativa de pessoas embora estando de acordo com a razão dos protestos não adiram à realização da greve. Desta questão decorre o facto de se defender que uma manifestação poderia ser um instrumento mais potente de protesto por, provavelmente, ter mais capacidade de mobilização.
Há circunstâncias em que quando todos afirmam que ganham, todos estão a perder.
Para já estamos a perder o presente, as dificuldades que estão na origem do descontentamento das pessoas, das que aderem e de muitas que não aderem, são graves e sérias.
E o risco de perdermos o futuro é também uma ameaça, os tempos estão difíceis.

UMA HISTÓRIA COM FANTASMAS

Um destes dias estava o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, sentado num banco do átrio da escola a apanhar uma ponta de sol ao intervalo, quando passou a Professora Teresa e se sentou para dois dedos curtinhos de conversa.
Olá Velho, vinha a rir-me para mim de uma coisa completamente disparatada. Imagina que de há uns dias para cá tenho uns sonhos estranhos mas engraçados, felizmente. Vou andando na rua e só me surgem umas criaturas assim parecidas com fantasmas a rir e a meter-se comigo. Quando me aproximo, vejo que os fantasmas têm a cara de alguns dos meus alunos. Riem-se muito e afastam-se. Quase sempre a mesma coisa, que estranho.
De facto, é curioso Teresa. Comigo sucede-me frequentemente algo de parecido mas ao contrário.
Não entendo Velho.
Vejo os fantasmas mas quando estou acordado.
Vês os fantasmas quando estás acordado, também estás a gozar comigo, como acontece nos meus sonhos.
Não estou a gozar, é verdade. Ponho-me a olhar para alguns miúdos, mais pequenos e maiores, que vou conhecendo por aqui e só vejo fantasmas. Vejo fantasmas de insucesso, vejo fantasmas de abandono e solidão, vejo fantasmas de ausência de rumo, vejo fantasmas de pressão insuportável, vejo fantasmas de insegurança, vejo fantasmas de turbulência desregulada, vejo fantasmas de dificuldades, etc. Na verdade, mais do que às vezes imaginamos, existem miúdos com vidas assombradas com fantasmas que só conseguimos perceber estando bem atentos e acordados.
Nem sei o que te diga.
Sonha.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O DESPUDOR

A vida política na Madeira tem sido de há muitos anos um espectáculo sem decoro e pouco recomendável em termos éticos. Tem os mesmos vícios do ambiente político nacional, a partidocracia, mas consegue exceder-se em despudor e falta de respeito por regras elementares da vida política das democracias parlamentares.
Quando já nada parece pode surpreender-nos, a ousadia despudorada dá mais um passo no sentido do abismo sem fim da falta de consciência ética.
Agora, o regimento parlamentar foi alterado pelo PSD permitindo que um só deputado vote por toda a bancada, prevenindo assim o risco de perda de alguma votação por ausência de deputados seus, tem apenas mais dois deputados que a oposição.
Como seria de esperar, toda a oposição votou contra esta alteração, bem como contra outras com a mesma natureza "democrática".
A essência da democracia parlamentar a representatividade dos eleitores pelos seus eleitos é assim ferida de morte, os eleitos podem ser "representados" por qualquer deles que vota em nome de todos. No limite este entendimento poderia levar à anedótica situação de para se poupar custos a Assembleia poder funcionar com um deputado por bancada.
No entanto, sabemos todos que, na Assembleia Regional, com na Assembleia da República, as votações são, quase sempre, “partidocráticas” e não "democráticas", os deputados, na sua esmagadora maioria, são uns "yes man" sem consciência própria que, esquecendo que são mandatados pelo cidadãos eleitores, carregam no botãozinho que o chefe manda. Provavelmente por esta razão, os deputados do PSD-Madeira, neste caso, votaram esta alteração que os destrata de forma grave e inaceitável sem um sobressalto.
É exactamente por assim acontecer que a credibilidade e confiança na generalidade dos políticos bateu no fundo, os cidadãos se afastam da participação cívica. Lamentavelmente.

EM CONTRAMÃO

Um dia encontrei um miúdo feliz. Espero que resista, ia em contramão, só se cruzava com infelizes.
Toda a gente olhava para ele com ar de perplexidade e, à medida que se cruzavam com ele, ficavam a olhar para atrás, a abanar a cabeça, desconfiados.
Como sabem, as pessoas infelizes desconfiam das pessoas felizes.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

É IMPORTANTE DESPERTAR OS JOVENS PARA A CULTURA CIENTÍFICA. A sério?!

“O país não está a conseguir educar os jovens”, “é importante despertar os jovens para a cultura científica”, “a importância do ensino experimental” são enunciados de uma densidade científica e pedagógica admirável. O autor, feroz opositor a retóricas vazias em matéria de discursos sobre a educação, é o Ministro Nuno Crato.
É sempre estimulante o confronto com o seu pensamento, mas isto, desculpar-me-ão, para não variar, é nada.
Continuo a entender que um aspecto fundamental contributivo para o insucesso preocupante que nos afecta e não só em matéria de cultura científica se prende com a organização e conteúdos curriculares. Sem uma mudança séria neste universo, sempre anunciada e sempre adiada parece-me difícil esperar melhorias significativas e sólidas, não artificiais, nos conhecimentos dos miúdos e na qualidade do trabalho global das escolas. Nesta mudanças assumem especial centralidade as duas ferramentas fundamentais de acesso ao conhecimento, o domínio do português e da educação matemática.
Se repararmos na matriz curricular em vigor parece relativamente claro que o tempo de trabalho destinado a português e à educação matemática, apesar do acréscimo recentemente decidido, dificilmente permitirão obter melhores resultados, apesar de iniciativas como o Plano Nacional de Leitura ou o Plano de Acção para a Matemática ou do trabalho das escolas que, através de dispositivos de apoio próprios, tentam minimizar as dificuldades de muitos alunos. Dado o volume de dificuldades e os recursos das escolas, estas iniciativas acabam, em regra, por ter como destinatários menos alunos do que o necessário.
Defendo um primeiro ciclo com seis anos e uma reorganização de conteúdos para estes primeiros anos de escolaridade obrigatória em que o Português e a Educação Matemática ocupem um lugar central.
Creio que de uma forma geral se entende que o correcto domínio da língua de trabalho, o português, é um requisito fundamental para as aprendizagens em todas as áreas curriculares, bem como a literacia matemática, base do conhecimento científico. Não se compreende, portanto, o pouco peso curricular dado ao português e à educação matemática, sobretudo no 2º ciclo em pleno processo de aquisição das ferramentas básicas de domínio da língua nas suas várias dimensões.
Assim sendo, independentemente da boa vontade de escolas e docentes ou de planos de natureza supletiva, a questão central remete para mais e melhor trabalho em dois domínios essenciais, a língua portuguesa e a educação matemática.
Considero também que o número de disciplinas e a extensão e natureza dos conteúdos curriculares se associam às questões mais frágeis do sistema educativo, designadamente no 3º ciclo, insucesso, absentismo e indisciplina, tudo dimensões fortemente ligadas aos níveis de motivação e funcionalidade percebida dos conteúdos curriculares. A lógica da "disciplinarização" excessiva dos saberes tem informado o sistema educativo mas também o sistema de formação de professores durante demasiado tempo, o que suporta esta disciplinarização sem sentido. É, aliás, curioso notar, se bem estivermos atentos, a frequência com que a propósito de qualquer saber, se defende a existência de mais uma disciplina.
No contexto actual e apesar dos esforços e práticas excelentes desenvolvidas por muitos professores, “despertar os jovens para a cultura científica” ou sublinhar a “importância do ensino experimental”, seja lá isso que for, não passa de eduquesas pérolas.

A PROVA DE VIDA

Eram cerca de nove da manhã quando a D. Rosa, uma senhora idosa que vive só, entrou no Centro de Saúde embora tivesse chegado bem cedo, ainda era de noite. Tirou a senha de atendimento, moveu-se por entre a quantidade enorme de gente que ali estava e tentou arranjar um lugar na sala de espera que estava, como é hábito, cheia.
Teve sorte, ao seu lado estava a D. Gracinda, uma senhora que tal como a D. Rosa vive só, com pouco contacto com a família e que ela conhece pois mora na sua rua. Assim, de conversa, sempre se passa melhor a espera e sempre se aproveita para trocar de queixas sobre a vida e de comentários sobre imensas coisas que muitas horas de televisão sugerem.
Estavam tão entretidas na conversa que a D. Rosa quase não dava conta de que estavam a chamar pelo seu número. A funcionária, depois de saber que a D. Rosa apenas queria dar uma palavrinha à sua médica de família por causa de uns incómodos que andava sentir e sobre os quais ouviu uma explicação detalhada, informou, delicadamente, que não saberia se a Dra. Manuela a poderia atender, é que estava muita gente e as consultas já estavam atrasadas. Ainda assim, prometeu que tentaria conseguir que a D. Rosa fosse vista pelo que deveria esperar na sala.
A D. Gracinda, entretanto, já tinha sido chamada pelo que a D. Rosa se sentou, desta vez, junto de um casal de reformados muito simpáticos, embora a senhora esteja sempre muito queixosa, que costuma encontrar no Centro.
Foi até engraçado, pensou a D. Rosa, porque a conversa se encaminhou para a recordação dos tempos em que os três eram novos, das diferenças para os dias de hoje, sempre com a inevitável conclusão que, isso sim, naquele tempo é que era bom. Depois do casal ter saído, já consultado e com os papéis em ordem, considerando que se aproximavam as duas da tarde, a D. Rosa voltou ao balcão onde outra funcionária a informou que naquele dia a Dra. Manuela já não veria mais ninguém pois faltavam ainda três pessoas e a Dra. precisava de sair logo.
Com a tranquilidade de quem não tem pressa, a D. Rosa foi embora devagar, para a casa, só, a pensar para consigo que no dia seguinte voltaria ao Centro mas viria um bocadinho mais cedo.

PS - Esta história ocorreu-me a partir da proposta de deslocar para os Centros de Saúde, onde faltam cerca de 1000 médicos de familia, 2,5 milhões de urgências hospitalares.

É MELHOR TOMAR QUALQUER COISINHA

Um estudo realizado pela DECO sobre o preço de medicamentos não sujeitos a receita médica veio, sem surpresa, creio, mostrar que num pacote de 19 medicamentos, a diferença de preços entre farmácias e grandes superfícies chega aos 20 % o que é um valor bastante significativo e superior ao que eu, um cidadão comum, anteciparia.
Esta situação, o que foi divulgado não permite perceber, considerando que por lei nenhum produto pode ser vendido a baixo do preço de produção, pode estar, eventualmente, relacionada com a escala, o volume de produtos comercializados que pode fazer baixar margens ou então com os preços praticados pelas farmácias que, numa lógica de "cartelização" não provada como é habitual em Portugal, são operados com margens de comercialização excessivamente "simpáticas", por assim dizer.
Por outro lado, Portugal é um dos países com taxas mais elevadas de consumo de fármacos, sendo que boa parte deste consumo decorre da auto-medicação, um costume enraizado com base nos conselhos do vizinho.
No entanto, parece também necessário não esquecer que em Portugal temos mais de um quinto da população em risco de pobreza sendo que dessa franja, boa parte é a população mais idosa que além dos menores recursos económicos é também a maior consumidora de fármacos.
Neste contexto, creio que seria interessante o desenvolvimento de iniciativas que visassem um consumo mais regulado dos medicamento, quer nos preços, quer no volume.

O MIÚDO QUE VINHA QUENTE

Um dia destes numa roda de conversa na sala de professores, comentava-se um episódio ocorrido com a Professora Dulce que envolveu o João, um miúdo de dez anos, para quem ela, face ao comportamento que se verificou, tomou a decisão de mandar sair da sala. O motivo da conversa nem era propriamente o incidente, vulgar aliás, no quotidiano da escola, mas o facto da Professora Dulce sentir alguma dificuldade para entender o comportamento do João, pois tinham, afirmava a professora, uma excelente relação, conversando muitas vezes até fora da aula.
As opiniões iam e vinham e o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, naquele jeito manso de falar, pediu para contar uma história.
Um dia, disse ele, um aluno de uma turma sua, parecido com o João também teve um comportamento inadequado de que se não percebeu a razão, também ele tinha uma excelente relação com a professora que estava na sala. Como sempre, entendeu por bem falar com o miúdo mas da conversa nada sobressaía que pudesse explicar o incidente, insistindo o miúdo que gostava da Setora, era fixe como dizem as falas dos miúdos.
O Professor Velho sem grandes saídas acabou por lhe perguntar directamente que explicação tinha ele para ter destratado a professora quando repetia que gostava muito dela. O miúdo calou-se uns segundos e depois respondeu-lhe qualquer coisa como, "Não sei, vinha quente".
Na verdade, terminou o Professor Velho, por vezes olhamos para o comportamentos miúdos e nem sempre nos lembramos que quando chegam à escola, alguns deles, vêm já com fardos pesados de ambientes desconfortáveis, pesados, pouco acolhedores, ou seja, vêm quentes como falava o miúdo. Não é para desculpar, é para entender, disse.
Entretanto, chegou a hora de retomar a lida e o grupo desfez-se a caminho das salas de aula.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

CRESCER DE SHOT EM SHOT

Segundo o Público, o Secretário de Estado Adjunto e da Saúde anunciou que em 2012 a idade para aquisição de álcool passará para os 18 anos e serão consideradas outras iniciativas no sentido de minimizar o consumo de álcool pelos mais novos.
Neste quadro, pelos seus potenciais efeitos, o consumo de álcool por parte de adolescentes merece alguma reflexão, já por aqui considerada, sobretudo no que respeita à facilidade de consumo e aquisição e aos estilos de vida.
O consumo de álcool tem vindo a crescer alterando-se também os padrões de consumo, beber na rua (é bastante mais barato, e o consumo excessivo e rápido (binge drinking). João Goulão, presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência referia há semanas que em termos de padrões de consumo, a embriaguez parece deixar de ser uma consequência do consumo excessivo para passar a ser um objectivo em sim mesmo. Este padrão tem vindo a ser sublinhado por diferentes estudos sobre os hábitos dos adolescentes e jovens portugueses, cerca de 80% dos jovens com 15 anos consomem álcool segundo um trabalho da Unidade de Alcoologia de Coimbra do IDT e em 2007 56% dos jovens com 16 anos inquiridos referiram o este tipo e consumos enquanto em 2003 o indicador era de 25%. Algumas notas mais.
Uma primeiro aspecto a considerar é o facto de os adolescentes poderem facilmente comprar cerveja e outras bebidas, as litrosas ou os shots, como lhes chamam, no comércio mais habitual, lojas de conveniência ou pequenos estabelecimentos de bairro, a um preço bem mais acessível que nos estabelecimentos que frequentam na noite e recorrendo à “toma” simples ou com misturas ao longo da noite, comprida aliás. O consumo em quantidade e em grupos, sobretudo ao fim-de-semana, é muitas vezes entendido e sentido como o factor de pertença ao grupo, potenciando a escalada do consumo, juntos bebemos mais do que sós, como é óbvio e o estado que se atinge é sentido como um "facilitador" relacional. Por outro lado, a venda processa-se com a maior das facilidades e sem qualquer controlo da idade dos compradores o que a alteração da idade, só por si, não mudará. Muitos adolescentes, ouvidos em estudos nesta matéria, referem ainda a ausência de regulação dos pais sobre os gastos, sobre os consumos ou sobre as horas de entrada em casa, que muitas vezes tem que ser discreta e directa ao quarto devido ao “mau estado” do protagonista.
Como é evidente, já muitas vezes aqui o tenho referido com base na minha experiência de contacto com pais de adolescentes, não estamos a falar de pais negligentes. Pode haver alguma negligência mas, na maioria dos casos, trata-se de pais, que sabem o que se passa, “apenas fingem” não perceber desejando que o tempo “cure” porque se sentem tremendamente assustados, sem saber muito bem o que fazer e como lidar com a questão. De fora parece fácil produzir discursos sobre soluções, mas para os pais que estão “por dentro” a situação é muitas vezes sentida como maior que eles.
É preciso que a comunidade esteja atenta a estes adolescentes de 13 ou 14 anos que, ilegalmente” compram as litrosas e acedem aos shots e aos seus pais que estão tão perdidos quanto eles.
Apesar de se poder legislar no sentido de apenas aos 18 anos ser permitida a aquisição de álcool, parecem-me imprescindível a adequada fiscalização e a criação de programas destinados a pais e aos adolescentes que minimizem o risco do consumo excessivo.
A proibição, como sempre, não basta.

O DESPUDOR E A PEGADA ÉTICA

O Público coloca em primeira página a decisão do Dr. Alberto João Jardim ter anulado um concurso e adjudicado directamente a uma empresa de ex-deputado do PSD-Madeira a tarefa de iluminar o espírito natalício, incluindo o de ano novo, na Madeira, algo que custará a minudência de 3 milhões de euros e que aumenta o benefício da empresa face aos valores apresentados no concurso anulado.
O comportamento político de Alberto João transformou-se num "case study" individual mas, simultaneamente, também num paradigma daquilo a que costumo designar por pegada ética.
Ao mesmo tempo que milhões de portugueses atravessam sérias dificuldades para assegurarem padrões de qualidade de vida básicos e conhecemos a situação grave da Madeira, a imprensa continua diariamente a mostrar um outro lado da crise a que recorrentemente aqui me refiro e cujos efeitos não se tornam facilmente quantificáveis mas são certamente devastadores, a crise de valores, o despudor a ausência de dimensão ética ao nível das lideranças políticas e económicas.
Sei bem que referências a estas questões num espaço desta natureza, ainda que recorrentes, são irrelevantes. No entanto, também acredito que é necessário reflectir e insistir em discursos e em posições que permitam pressionar no sentido da mudança, daí a insistência em notas que já tenho abordado e a que chamo a pegada ética.
O despertar das consciências para as questões do ambiente e da qualidade de vida colocou na agenda a questão das pegadas, das marcas, que imprimimos no mundo através dos nossos comportamentos. Este novo sentido dado às pegadas tornou secundárias e ultrapassadas as míticas pegadas dos dinossauros e as românticas pegadas que os pares de namorados deixam na areia da praia.
Fomo-nos habituando a ouvir referências às várias pegadas que produzimos com nomes e sentidos mais próximos ou mais distantes mas, sobretudo, tem-se acentuado a grande preocupação com a diminuição do peso, isto é, do impacto das nossas pegadas. Conhecemos a pegada ecológica numa perspectiva mais global ou, em entendimentos mais direccionados, a pegada hídrica, a pegada energética, a pegada verde, a pegada do papel, a pegada do carbono, etc.
Do meu ponto de vista e sempre preocupado com o ambiente, com a qualidade de vida e com a herança que deixaremos a quem nos segue, nunca encontro referências e muito menos inquietações sérias com a pegada ética, isso mesmo, a pegada ética. Os comportamentos e valores que genericamente mobilizamos têm, obviamente, uma consequência na qualidade ética da nossa vida que não é despicienda. Os maus-tratos e negligência que dedicamos aos princípios éticos mais substantivos provocam um empobrecimento e degradação do ambiente e da qualidade de vida das quais cada vez parece mais difícil recuperar.
As lideranças, hipotecando a sua condição de promotores de mudanças positivas são fortemente responsáveis pelo peso e impacto que esta pegada ética está a assumir.
Vai sendo tempo de incluir a pegada ética no universo da luta pelo ambiente, pela qualidade de vida e pelo futuro.

SER ALGUÉM

Os professores da minha escola ensinavam-nos a ser alguém.
Diziam-me para pintar o quadrado de vermelho, eu gostava de pintar o triângulo de azul. Parece que só se pode pintar o que nos dizem, da cor que nos dizem.
Diziam-me que a minha árvore estava mal desenhada porque as árvores não são assim como a minha. Era assim que eu gostava de desenhar árvores.
Diziam-me para escrever frases com umas palavras. Eu gostava de escrever frases com outras palavras.
Diziam-me para escrever um trabalho sobre um assunto. Eu gostava de escrever as histórias que inventava para contar aos meus amigos.
Diziam-me para ler aquele livro. Eu gostava de ler uns livros que descobria com o Professor Velho na biblioteca.
Na verdade, em todo o tempo da minha escola me disseram exactamente o que tinha de fazer, como tinha de fazer, o que tinha de saber, quando tinha de saber, o que tinha de pensar, como tinha de pensar, do que deveria gostar, ou seja, ser alguém, diziam-me.
E assim fiz, demorei algum tempo mas assim fiz, sou alguém.
Ontem, vinha na rua e outro alguém se me dirigiu, “Desculpe, importa-se de nos dar a sua opinião sobre …”.
Em pânico, interrompi a pessoa. Há tanto tempo que não penso.

domingo, 20 de novembro de 2011

O ESPÍRITO NATALÍCIO REVISTO EM BAIXA

Ao que hoje a imprensa refere, boa parte dos municípios decidiu eliminar ou reduzir, mais ou menos substancialmente, os gastos com as tradicionais iluminações do espírito natalício. A situação começa a ser deveras preocupante, primeiro corta-se na construção de imprescindíveis rotundas, agora na iluminação do espírito natalício.
Para que não fiquemos pessimistas de todo, no princípio de Novembro um estudo, creio que da Deloitte, referia a intenção dos portugueses gastarem qualquer coisa como 534 € no espírito natalício, menos 8% do que no ano passado. É de considerar que vamos ter um corte de metade do subsídio de natal para este ano. Por curiosidade os gregos estima gastar 319 € e os pobres dos alemães e holandeses apenas consideram gastar uma pelintrice de 449 € 260 €, respectivamente. No entanto, apesar das reconhecidas dificuldades que os pobres dos alemães e holandeses atravessam, deve reconhecer-se que entre eles o espírito natalício não bate tão forte.
Também como sempre, já começámos a ouvir as baixas expectativas dos comerciantes face ao volume de vendas de espírito natalício que prevêem. Devo dizer, no entanto, que não me admirarei de que daqui a alguns dias possamos ouvir que apesar de ligeiras oscilações, alguns destinos de viagens se venderão bem no período do Natal e Ano Novo. Está certo, o espírito natalício é para ser gozado aquém e além fronteiras e somos portugueses, pois claro, cidadãos do mundo.
Vamos pois ver como se desenvolve o espírito natalício apesar desta revisão em baixa.

O FUTURO DO JORNALISMO. Os jornais são como os dias, nunca acabam

O Público numa entrevista a Tom Rosenstiel volta a um recorrente assunto dos últimos anos, o futuro sempre discutido dos jornais e do jornalismo face aos novos desenvolvimentos tecnológicos. Este tipo de discussões é frequente envolvendo também, por exemplo, os livros e a música.
Afirmou Rosenstiel que se o jornalismo, (os jornais), deixar de ser rentável e, como tal, corra o risco de desaparecimento, as democracias poderão sofrer um "cataclismo cívico". Percebo a natureza da afirmação mas, sou um optimista, apesar das mudanças em tecnologia e das incidências do mercado a que os jornalistas e os jornais deverão adaptar-se, acredito que os jornais são como os dias, nunca acabam. Se forem jornais, bons jornais. Ao ler o texto, ao pensar nestas linhas, lembrei-me de jornais e jornalistas que me têm acompanhado ao longo da vida e que me fazem manter leitor diário de jornais em papel. É que, apesar de também consumir informação noutros suportes, não é a mesma coisa.
Sem a preocupação de ser exaustivo ou seguir qualquer ordem que não seja a memória, algumas referências que estão dentro da minha mochila.
Quando era miúdo aguardava com a maior das ansiedades que o meu pai chegasse do trabalho no Arsenal do Alfeite para trazer a Bola já lida por muitas mãos e onde se "aprendia" a ler com o Vítor Santos ou o Aurélio Márcio.
Lembro-me como a adolescência e juventude ficaram ligadas a títulos como o Comércio do Funchal com Vicente Jorge Silva, o Jornal do Fundão com o António Paulouro ou o Notícias da Amadora, janelas, frestas, por onde se espreitava a realidade um regime espesso e fechado teimava em esconder e censurar.
Recordo com saudade o Diário de Lisboa com o suplemento A Mosca com Luís Sttau Monteiro ou as ilustrações do Abel Manta ou o Diário Popular com o Baptista Bastos que ainda anda por aí. A circunspecção formal e competente do Diário de Notícias com Mário Mesquita e o outro Mário, o Bettencourt Resendes ou a inovação e agitação trazida pelo Independente de Miguel Esteves Cardoso e Paulo Portas. Não esqueço a abertura possível verificada com a "ala liberal" de Pinto Balsemão ou Sá Carneiro ligada ao Expresso que mexeu seriamente com o jornalismo em Portugal.
Finalmente, o registo do aparecimento do Público, um companheiro com quem me zango tantas vezes mas que continua a entrar diariamente cá em casa na versão papel.
Pois é, os jornais são como os dias, nunca acabam. Enquanto se fizer jornalismo, a sério.

sábado, 19 de novembro de 2011

SE NEM TUDO SE TRANSFORMA, MUITO SE PERDE

Quando Lavoisier postulou que nada se ganha, nada se perde, tudo se transforma, não imaginou que as sociedades modernas teriam um outro entendimento, tudo se compra, mal se usa e deita-se no lixo.
Face às consequências devastadoras daqui decorrentes, a necessidade e o mercado, sempre o mercado, recuperaram o princípio da transformação aplicada ao lixo e inventaram a reciclagem. Ainda bem, dizemos todos.
A questão é que passámos séculos a instalar a ideia de que quando algo chega a lixo, acaba aí. Não é fácil mudar, sobretudo, quando produzimos mais lixo que nunca.
Serve esta introdução para referir que apesar de em seis anos se terem duplicado os resíduos colocados para reutilização, ainda reciclamos apenas 13% do lixo, abaixo dos 17% de média europeia.
Ainda de acordo com a DECO, citada no Público, existe falta de informação sobre a separação dos lixos domésticos. Parece, pois, necessário insistir junto dos consumidores no esforço de reciclagem.
No entanto, julgo ser também necessário racionalizar a utilização dos materiais procurando produzir menos lixo. Um exemplo desta "sobreprodução" de lixo é a área das embalagens com excessos que me parecem ter um peso importante no desperdício. É frequente, por exemplo, envolver um pequeno frasco de um qualquer produto em papel, cartão, plástico, etc. que lhe multiplicam a dimensão e constituem uma enorme fonte de desperdício, de lixo.
Se repararmos nas embalagens da maior parte dos bens que adquirimos, parece relativamente claro que em termos económicos, custo de produção e custos no consumidor e em termos ambientais a factura é pesadíssima e, isso é que é curioso, boa parte dispensável e inútil.
É que só reciclamos 13% do lixo e se nem tudo se transforma, muito se perde.

JÁ NÃO SÃO VONTADEIROS

Hoje ao fim da tarde, depois da lida, o Mestre Zé Marrafa apareceu aqui no Meu Alentejo para umas lérias e o acerto do trabalho de amanhã que, aliás, não tem muito que saber nesta altura do ano, trata-se de apanhar azeitona.
Às tantas veio à baila a dificuldade que se sente aqui para encontrar quem faça algum trabalho na agricultura.
Depois de discorrermos sobre salários, desemprego, subsídios que, por vezes, desincentivam o regresso ao trabalho, as motivações profissionais dos mais novos, o cansaço dos velhos, a migração da gente para as cidades grandes, etc., o Velho Marrafa deu a explicação final, disse ele, para terminarmos a conversa, “sabe Sr. Zé, um homem tem que ser vontadeiro e hoje pouca gente quer fazer alguma coisa, toda a gente se encosta e arranja qualquer desculpa para não fazer nada”.
Ainda tentei avançar com uma visão um pouco mais optimista, mas o Velho Marrafa, com a autoridade moral de quem começou a trabalhar aos nove anos e aos setenta e um ainda anda na lida seis dias por semana, de quem trabalhou anos de sol a sol, de quem nunca enricou a trabalhar, insistiu, “já não querem fazer nada pela vida, estão à espera que lhes dêem tudo, já não são vontadeiros”.
O Velho Marrafa é capaz de ter razão, não estou com vontade alguma para passar o dia a varejar oliveiras.
Para ajudar na vontade, começou a chover.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

EXAME DE INGRESSO NA PROFISSÃO PROFESSOR

Segundo alguma imprensa de hoje o MEC irá mesmo avançar com a realização de um exame de acesso à profissão para os professores. A ideia não é nova e traduzirá a desconfiança sobre a formação de professores, curiosamente também sob tutela do estado. Dito de outra maneira, traduz a incompetência e negligência da regulação a que a tutela estaria obrigada.
Com a mesma lógica de análise e dada importância fundamental da qualidade do seu exercício, também a formação dos políticos merece uma enorme preocupação. Assim, parece-me imprescindível os candidatos sejam submetidos a um exame de ingresso na carreira para garantir, tal como se pretende com os professores, que apenas os melhores tenham acesso ao desempenho profissional.
De forma desinteressada, apenas com genuíno espírito de colaboração, sugiro que os candidatos possam responder a três provas com a estrutura seguinte, paralela à que em tempos foi sugerida para os professores.
Exame escrito de Língua Portuguesa avaliando o “domínio escrito da L.P. tanto do ponto de vista da morfologia e da sintaxe, como da clareza de exposição” e organização de ideias, além da “capacidade de raciocínio lógico”.
Exame escrito de competências técnicas e científicas envolvendo, entre outros conteúdos: capacidade de elaboração de promessas a partir de um tema, capacidade de comentar demagogicamente um texto, elaborar cinco opiniões diferentes a partir de um facto, citar, de forma organizada, dois nomes reconhecidos na área económica, cultural e política, etc.
Exame oral envolvendo o domínio de uma língua estrangeira para além do “portunhol”, elaboração de uma apresentação em “powerpoint” em três versões sobre um tema e, finalmente, defender uma ideia e o seu contrário no tempo limite de cinco minutos com "pose de estado", seja lá isso o que for.
Se por acaso acontecessem muitos “chumbos”, o que eu não acredito, os reprovados teriam acesso directo ao Programa Novas Oportunidades.
Creio que teríamos basicamente a mesma classe política mas, dado fundamental, com Diploma de qualidade. A sério.

A TERRA DOS BONS RAPAZES

O Público divulga um estudo da Delloite que sustenta que os portugueses parecem conformados com a austeridade e com as dificuldades que atravessam confiando, boa parte dos inquiridos, no impacto positivo das medidas.
Este estudo é muito oportuno, lembro o Presidente da República, sempre atento e interventivo, já tinha alertado para o perigo decorrente do excesso de sacrifícios exigidos ao “cidadão comum”.
Também no que toca às reacções dos portugueses às dificuldades, apesar do conformismo hoje anunciado, relembro que há algumas semanas, uma entidade basicamente desconhecida para a esmagadora maioria de nós, a Aon Risk Solutions, nos colocava no lote dos países com algum risco de violência pública em consequência da crise e da austeridade. Esta entidade terá a mesma isenção que as famosas agências de rating pois é parte interessada na avaliação, ou seja, quanto maior for o risco, maiores serão os encargos com seguros e, portanto, a favor dos interesses das seguradoras que financiam a Aon Risk Solutions. Ao que parece, a avaliação de risco assentou nos exemplos de outros países, designadamente da Grécia.
Se conhecessem o nosso país, as nossas particularidades, veriam como o risco de violência pública é baixo como, aliás, veio afirmar o responsável pelo Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo.
De facto, somos reconhecidamente um país de brandos costumes, somos um povo discreto. Não abusamos da violência e quando o fazemos é no recato do lar ou, quando muito, no quintal.
A nossa violência, é uma violência de proximidade, violência doméstica em números muito elevados, umas tareias nos miúdos a ver se eles aprendem, uma sacholada ou tiro num vizinho por causa de uma partilha ou de uma pinga de água, pouco mais do que isso. Por vezes, lá trocamos uns sopapos ou coisa pior por causa de um desaguisado de trânsito, mas nada que possa configurar violência pública ou convulsão social graves.
Somos mesmo um povo tranquilo e de brandos costumes, algo que os estrangeiros, quase sempre, referem como característica dos portugueses.
Ainda assim e apesar do conformismo hoje divulgado, a questão é que, como dizia Camões, todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades. Um dia cansamo-nos de ser bons rapazes.

OS NOMES DO ANDRÉ. Outro diálogo improvável

André, estou um bocado aborrecida.
Porquê mãe?
Toda a gente me fala de ti.
E dizem o quê?
Dizem-me que és distraído. Dizem-me que és mal-educado. Dizem-me que és inconsciente. Dizem-me que és desrespeitador. Dizem-me que és impertinente.
Isso é o quê?
Dizem-me que és gozão. Dizem-me que és provocador. Dizem-me que és desestabilizador.
Isso é o quê?
Dizem-me que és falador. Dizem-me que és desobediente. Dizem-me que és antipático. Dizem-me que és insolente. Dizem-me que és irresponsável. Dizem-me que és desorganizado. Dizem-me que és indisciplinado. Que tens para me dizer sobre tudo isto?
Mãe, acho que gostava mais que me chamassem só André.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

OS CASTIGOS DOS MIÚDOS

E pronto, lá temos novo alarido em torno da indisciplina dos gaiatos.
Agora soubemos pelo Público que uma escola de Benavente castigou seis miúdos entre os seis e os nove anos com dois dias sem almoço na cantina, porque se portaram mal, exactamente quando se dirigiam para a cantina. O castigo terá deixado os pais zangados.
Sempre tenho defendido que os miúdos precisam, tal como comer, das regras e dos limites que lhes permitam organizar os seu comportamentos e assumirem uma forma regulada de funcionar.
Neste contexto, a administração dos chamados castigos é sempre algo em aberto e em que com muita dificuldade se obtêm posições fechadas e indiscutíveis.
Assim sendo, mais do discutir a utilização, ou não, de alguma forma de castigo, fará sentido alguma reflexão sobra a natureza e limites do que poderá ser um castigo.
Do meu ponto de vista e por princípio, privar ou dificultar o acesso a necessidades básicas não parece ajustado (não conhecendo a situação dos miúdos envolvidos nem sequer sei qual a implicação da proibição de almoço na cantina). Parece-me também que o recurso que alguns adultos fazem de castigos que envolvem uma forte dimensão emocional, sobretudo em miúdos pequenos, deve ser evitado pelas implicações eventuais na segurança e confiança dos miúdos em si e nos adultos.
Também não simpatizo com administração de castigos que estejam associados a tarefas que devem ser realizadas regularmente e em contextos positivos. Dou-vos um exemplo curioso para tentar ilustrar esta minha ideia. Numa escola que conheci os meninos que se portavam mal iam para a biblioteca o que acho notável, os miúdos olhavam para a biblioteca como a "cela prisional" e, estranhamente, não gostavam da biblioteca.
Dito isto, mais interessante e mais útil do que discursos radicais em torno deste episódio negativo, seria reflectirmos como estamos a proceder na acção educativa, familiar e escolar, nesta imprescindível tarefa de fornecer aos miúdos a construção das regras e limites de que eles precisam, como disse acima, tanto como comer ou respirar.

A IGNORÂNCIA DA JUVENTUDE. Já não há saco

Um intitulado inquérito de rua realizado pela Sábado desenterrou um tema recorrente, "a ignorância da juventude", agora a juventude universitária. Levantou-se o alarido do costume pois, com é óbvio, concluiu-se, adivinhem, isso mesmo, a juventude é ignorante.
Devo dizer que já não dou para o peditório da "ignorância da juventude", já não tenho saco. Eu fui ignorante para a geração do meu pai , que foi ignorante para a geração do pai dele que ... etc. É verdade, antes que me esqueça, a geração do meu filho é mais ignorante do que a minha, claro.
Esta definição de ignorância a partir do que alguém define como O "saber", é razoavelmente disparatada e não passa de um fait-divers. A questão mais curiosa é que cada vez que se faz este tipo de discursos se dá um tiro pé, ou seja, a alegada ignorância dos mais novos é, obviamente fabricada pela geração (mais "culta" evidentemente) que os educa e forma.
Do meu ponto de vista, a questão mais importante e não é um exclusivo dos mais novos, longe disso, é o tempo light que atravessamos. Tempos light na cultura, tempos light nos valores, tempos light na relação entre as pessoas, tempos light, também é certo, na relação com o saber, etc. Ainda a propósito do saber e da ignorância, também me parece curioso chamar a atenção para a profunda ignorância que muitos opinion-makers, já nada novos aliás, demonstram quando se propõem falar do que não sabem, e todos os dias temos bons exemplos. Curiosamente falam de tudo, são uns tudólogos, acham que sabem, são uns achistas que só produzem achismos.
Só uma pequena nota pessoal e que, por ser pessoal, vale poucochinho, todos os dias lido com jovens universitários que são gente, gente a sério.
Como disse, não há saco para estas coisas.

DESEMPREGO JOVEM. Formação a mais ou desenvolvimento e regulação do mercado a menos?

Um os efeitos mais devastadores da crise é o aumento exponencial do desemprego. Está em 12,4 %, cerca de 700 000 pessoas, o número oficial pois estima-se que possa afectar mais de um milhão, esperando-se que aumente em 2012. É também sabido e percebem-se as razões, falta de novos empregos e precariedade, que as pessoas mais novas ocupam sempre uma fatia muito significativa do desemprego em Portugal, actualmente está em 30 %.
No caso mais particular dos mais novos vem sempre associada a situação dos que têm qualificação académica, ensino superior sobretudo, que não "lhes serve para nada". Como já tenho referido muitas vezes este tipo de discurso e o tratamento que boa parte da imprensa dá esta matéria causa-me alguma preocupação. Daí, de novo, algumas notas sobre isto.
Primeiro, os jovens licenciados não estão no desemprego por serem licenciados, estão no desemprego porque temos um mercado pouco desenvolvido e ainda insuficientemente exigente de mão de obra qualificada e estão no desemprego porque, por desresponsabilização da tutela, a oferta de formação do ensino superior é completamente enviesada distorcendo o equilíbrio entre a oferta e a procura tal como a peça do Público indicia. Os trabalhos jornalísticos sobre esta questão deveriam ir mais longe no sentido de se perceber como a demissão e a negligência da tutela do ensino superior permitiram a instalação de oferta de ensino superior completamente desequilibrada (cursos em excesso em várias áreas) e a instalação de cursos de banda estreita, oferecidos com publicidade enganosa, obviamente destinados a dificuldades na entrada no mercado de trabalho.
Conhecendo-se a realidade social e económica do país será curioso perceber o nível de empregabilidade de alguma da oferta formativa existente.
No que respeita ao mercado de trabalho é, mais uma vez, de sublinhar que muitas empresas, sobretudo as de menor dimensão (as que asseguram cerca de 95% do emprego), provavelmente também devido ao baixo nível de qualificação dos empresários (é um dos mais baixos da UE e, estranhamente, nunca é associado a esta questão), revelam-se as mais avessas à contratação de mão de obra qualificada. Deve também sublinhar-se que este universo, pequenas e médias empresas, salvo algumas excepções de nicho, é também o segmento com menor inovação e desenvolvimento pelo que a absorção de mão de obra qualificada é ainda mais difícil.
Por outro lado, se atentarmos em dados da OCDE e do INE, um trabalhador licenciado ganha em média mais 80% que alguém com o ensino secundário. Um indivíduo com a escolaridade básica recebe em média menos 57% que alguém com o Ensino Secundário. Apenas 7.5% de pessoas com o 9º ano recebem duas vezes mais que a média nacional enquanto licenciados a receber duas vezes mais que a média são quase 60%. Os filhos de pais licenciados têm 3,2 vezes mais probabilidades de obter uma licenciatura. Entre os 25 e os 34 anos, 19% dos jovens tem uma licenciatura enquanto na OCDE a média é 32%. Em Portugal, o número de licenciados é metade da média da União Europeia. Na franja entre os 35 e 44 anos a percentagem ainda baixa para 13%. Um indivíduo com apenas o básico corre um risco de pobreza 20 vezes superior ao de um indivíduo com um curso superior.
Quanto à questão da precariedade que atinge os jovens licenciados à entrada no mercado de trabalho, aspecto dramático e inibidor da construção de projectos de vida, é bom ser absolutamente claro, esta situação não atinge os jovens licenciados por serem licenciados, atinge toda a gente que entra no mercado de trabalho porque a legislação e regulação do mercado conduzem a esta situação, trata-se dos efeitos da agenda liberal e não o efeito da qualificação dos jovens, é bom que se entenda.
Deste quadro, releva a absoluta imprudência de passar a mensagem de que a formação é irrelevante, o desemprego é o destino como muitas vezes esta questão é tratada.
A qualificação profissional, de nível superior ou não, é essencial como também é essencial a racionalidade e regulação da oferta do ensino superior e, naturalmente, a regulação eficaz do mercado de trabalho minimizando o abuso do recurso à precariedade.
Como sempre que abordo estas matérias, finalizo com a necessidade de, uma vez por todas evitar o discurso "populista" do país de doutores. Trata-se de um enorme erro e pode desincentivar a busca por qualificação o que terá consequências gravíssimas.