AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

domingo, 31 de julho de 2011

CONTA LÁ TUDO OUTRA VEZ

O JN de hoje aborda uma questão muito interessante, que aliás, vem a público com alguma frequência. Trata-se da forma como decorrem os processos que envolvem o abuso sexual de crianças.
De acordo com o jornal a Faculdade de Direito de Coimbra está a preparar um protocolo a utilizar nos processos envolvendo abusos de crianças de forma a proteger o tão apregoado "supremo interesse da criança".
Na situação em vigor nesta matéria, durante um processo de investigação as crianças vítimas poderão ser ouvidas, por exemplo, oito vezes o que é um assombro. Quase parece dispensável a necessidade de referir como é violento e capaz de deixar marcas profundíssimas solicitar a uma criança que repetidas vezes relate, relembre e "viva" a situação dramática porque passou, o que significa, certamente, um novo abuso.
Embora na fase de julgamento a criança vítima esteja dispensada de declarações, evitando o confronto com o agressor, na fase de inquérito a criança pode, creio, ser ouvida as vezes que o Procurador do Ministério Público entender por bem.
Este cenário não deveria manter-se, de há muito que é urgente a sua alteração. O problema é que, provavelmente, esta questão, o bem estar de miúdos vítimas de abusos, não passa de um irrelevante pormenor no mundo dos problemas que nos afligem. Como tudo na vida é uma questão de prioridades.
Esperemos que a iniciativa da Faculdade de Direito de Coimbra possa minimizar a esta situação que se mantém há tempo demasiado.

OS GUETOS DA DOENÇA MENTAL

Ainda que com algum atraso não se estranha também Portugal se envolveu no movimento de desinstitucionalização das pessoas com doença mental.
Os modelos defendidos pela comunidade científica actual, a defesa dos direitos humanos e da qualidade de vida, tornaram insustentável a manutenção das grandes instituições psiquiátricas que encerravam muitas câmaras de horrores e casos de isolamento e privação. Ainda me lembro do incómodo causado por visitas realizadas no início da minha formação ao Hospital Júlio de Matos. Este universo é bem retratado no mítico “Jaime” de António Reis e Margarida Cordeiro.
O Público de hoje apresenta um trabalho muito interessante sobre os últimos dias do Hospital Psiquiátrico Miguel Bombarda.
No entanto, este movimento de retirada das pessoas com doença mental das grandes instituições nem sempre está a ser devidamente suportado por unidades locais que providenciem apoio terapêutico, social e funcional tão perto quanto possível das comunidades de pertença dos doentes.
A alternativa tem passado, sobretudo, pela integração em lares muitas vezes sem condições, sem apoios adequados e onde as condições de isolamento e guetização se mantêm comprometendo processos de reabilitação e inserção comunitária.
No fundo e em algumas circunstâncias, mantém-se inalterada a situação, os doentes mentais são os mais desprotegidos dos doentes, pior, só os doentes mentais idosos. Os custos familiares e sociais da guetização são enormes e as consequências são também um indicador de desenvolvimento das comunidades.
Este grupo social é, em qualquer sociedade, um dos mais expostos à exclusão.

sábado, 30 de julho de 2011

A RACIONALIDADE DA OFERTA FORMATIVA

O Ministério da Educação decidiu suspender a abertura de novas turmas de ensino de adultos enquanto não estiver garantido o financiamento que viabilize o seu funcionamento. Este financiamento depende de fundos comunitários no âmbito do Programa Operacional de Potencial Humano, (as designações dos inúmeros Programas Comunitários mereciam, só por si, um estudo).
Os alunos já inscritos e os potenciais candidatos terão assim de aguardar por novas oportunidades.
Esta questão leva-me a uma nota telegráfica sobre a oferta formativa em Portugal. De há muito que defendo a necessidade de se estruturarem diferentes percursos de formação que tenham como fim último a qualificação, de qualidade naturalmente, para todos os cidadãos, única forma de promover desenvolvimento e combater a exclusão e pobreza. Acontece que o nosso sistema esteve demasiado tempo excessivamente centrado num determinado tipo de percurso induzindo níveis insustentáveis de abandono e insucesso.
Como resposta, começou a emergir a oferta de outras alternativas, com diferentes públicos como alvo e com frequentes dificuldades de afirmação e aceitação pois eram, por vezes, socialmente percebidas como “escola de segunda”, para falhados ou para menos capazes.
Tal caminho fez instalar nas nossas escolas um conjunto enorme de possibilidades que, mesmo para quem se move no sistema, não fica fácil de entender e, por exemplo, explicar a alguém que caminho pode fazer, tantas são as alternativas.
Talvez fosse a altura de reflectir sobre a oferta formativa disponível, avaliar o impacto, a qualidade e a eficácia e promover alguma racionalidade e clareza que lhe desse solidez, coerência e, sobretudo, contribuísse para o grande objectivo, a qualificação dos alunos.

DISGUSTING

Vinha eu a caminho do Meu Alentejo com o rádio do carro ligado, velho hábito de que não prescindo, quando, a propósito do mês de férias que se avizinha, surge alguém com uma voz muito assertiva a falar de uma praia do Algarve que se recomenda vivamente pela sua qualidade e glamour. Devo dizer que não cheguei a apanhar o nome da praia e gostava de o ter feito, apenas para ter a certeza de que não corria o risco de por lá parar.
Disse então a voz entre outras coisas de que reproduzo apenas o que a memória permite, que a praia estava pensada para transmitir glamour, isso mesmo, glamour a quem procura um tempo de praia tranquilo.
Para que o glamour emergisse com banda sonora, sempre fundamental à beira-mar, a praia providencia música chill out o que é muito bom para o glamour. Lá diz o velho ditado, glamour sem chill out não é glamour.
Mas como o glamour não vive só de chill out, a praia também tem massagens dadas nas espreguiçadeiras. Excelente, glamour massajado é muito à frente e, obviamente, tem ainda mais glamour.
Mas, para fazer a diferença na oferta de topo na área do glamour, a praia também conta com a participação de um DJ responsável, dizia a voz, por um alinhamento muito simpático, de chill out, já se vê.
Quase convencido a rumar imediatamente ao Algarve, a voz informou também que será servido um sunset, tal e qual, um sunset, seja lá isso o que for que se sirva. Ainda percebi que incluía uma flûte de champanhe com qualidade variável, pode chegar no patamar mais sofisticado, glamour oblige, aos quinhentos euros, uma ninharia para glamour topo de gama na praia que a voz vendia.
Nesta altura, sem qualquer espécie de glamour e à beira da agonia apenas me martelava na cabeça qualquer coisa como “disgusting”.
Não percebi porquê.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

MEU, UM TIPO TEM QUE SE SAFAR, TÁS A VER

Depois do lamentável episódio verificado com os aprendizes de juiz no Centro de Estudos Judiciários hoje temos uma cena de copianço no exame de acesso à segunda fase do estágio na Ordem dos Advogados. Não me parece estranha a situação, começam cedo a treinar a utilização de expedientes. Por outro lado, reforçam a nossa confiança na justiça e nos seus agentes que tão em baixo vai vivendo.
Mais a sério. De há uns tempos para cá, felizmente, tem vindo a emergir e entrar na agenda a questão da utilização da informação disponível, designadamente na net, na produção fraudulenta ou nos limites da ética de trabalhos académicos e científicos da mais variada natureza. Neste âmbito conheceu-se o primeiro caso, creio, em Portugal de uma Tese de Doutoramento apresentada na Universidade do Minho e anulada por motivo de plágio. O Centro de Estudos Sociais da Faculdade Economia da U. de Coimbra tem a decorrer um estudo nacional sobre a questão da fraude académica. Nos estudos preliminares surgiu um indicador de que 37.6% dos inquiridos aceita a fraude desde que “não prejudique ninguém”. Também um estudo de há algum tempo da Universidade do Minho referia que as situações de “copianço” envolvem três em cada quatro estudantes.
Também há algum tempo, a propósito do acréscimo das situações de plágio que se verificam em todos os níveis de ensino, do básico à formação pós-graduada, doutoramentos incluídos, bem como artigos científicos, me referi à natureza da relação ética que estabelecemos com o conhecimento e que os alunos replicam. Aliás, no estudo da U. do Minho, dos alunos que admitem copiar, 90% afirmam fazê-lo desde sempre.
O conhecimento é entendido como algo que se deve mostrar para justificar nota ou estatuto, não para efectivamente deter, ou seja, importante mesmo é que a nota dê para passar, que o curso se finalize, que a tese fique feita e se seja doutorado ou que se possa acrescentar mais um artigo à produção científica num mundo altamente competitivo. Que tudo isto possa acontecer à custa da manhosice, do desenrasca mais ou menos sofisticado, são minudências com as quais não podemos perder tempo.
No entanto, é bom termos consciência que esta questão não é um exclusivo nosso, a experiência mostra isso com clareza. De qualquer forma, não deixa de ser uma preocupação e justifica que as escolas, do básico ao superior, se envolvam nesta tentativa de construção de relação com o conhecimento mais sólida em termos éticos.
O caminho passa pelo estabelecimento obrigatório de códigos de conduta com implicações sancionatórias severas e com uma atitude formativa e preventiva durante as aulas.
O trabalho será sempre difícil pois o contexto global ao nível dos valores e da ética dos comportamentos e funcionamento social é, só por si, um caldo de cultura onde o copianço e o plágio, por vezes, não passam de "peanuts", é a cultura do desenrascanço, não importa como.

ÉS EXCELENTE MAS JÁ NÃO CABES. TEM PACIÊNCIA

Não conheço os contornos da proposta sobre o modelo de avaliação dos professores a apresentar hoje aos seus representantes por parte da nova equipa do MEC.
Parece existir algum consenso em torno da desburocratização imprescindível mas, ao que refere o Público, manter-se-á uma questão central, a existência de quotas.
Já muitas vezes me tenho aqui referido a esta matéria que tenho alguma dificuldade em perceber.
Em primeiro lugar e com ponto prévio esta questão assenta num equívoco. A tutela, desde há muito, com o assentimento dos representantes dos professores, colou, erradamente, a avaliação à progressão na carreira. Já disse e repito, que a progressão na carreira me parece mais ajustada se for realizada através de concursos com critérios transparentes, entre os quais, obviamente, estará de forma valorizada a avaliação de desempenho ou seja, quando vários professores concorrerem a patamares acima na carreira, os que melhor desempenho tiverem, terão, naturalmente, mais probabilidades de progredirem.
Por outro lado, tenho a maior dificuldade em perceber como se pode promover o mérito se, simultaneamente, se definem quotas para a excelência. Mais uma vez vejamos. Se um qualquer profissional, à luz dos critérios, sejam quais forem, que avaliam a qualidade do seu desempenho, merecer uma avaliação de excelente, tem, necessariamente, de obter esse patamar, dizer-lhe que é excelente mas já não cabe na quota de excelência é atacar o mérito e incentivar a desmotivação.
Há uns anos, ouvi o anterior Primeiro-ministro defender a existência de quotas com o argumento de que um exército não pode ter só generais. É claro e é disparate mas colhe em algumas franjas. Um general e um soldado não têm as mesmas funções e, portanto, não são se imagina a mesma necessidade de efectivos. Um professor em início de carreira é tão professor como um colega em fim de carreira que pode desempenhar exactamente as mesmas funções, não tem nada a ver com quotas.
Do meu ponto de vista, a insistência, a acontecer, na manutenção de quotas é manter um terrível equívoco que se pode traduzir, simplificando, no enunciado, “és excelente, tem paciência, mas já não cabes”.
Não entendo.

PS - O Ministro Nuno Crato confirmou que a existência de quotas continua prevista na nova proposta.

O RAPAZ QUE SE RIA

Era uma vez um Rapaz que estava quase sempre a rir. É verdade, em qualquer circunstância que se olhasse para ele parecia estar com um sorriso pendurado no rosto.
As pessoa estranhavam e algumas irritavam-se, convencidas de que o Rapaz estava, por assim dizer, a gozar, coisa que, como se sabe, os rapazes não devem fazer.
Na escola o Rapaz não tinha a vida fácil, os professores, de uma forma geral, detestavam ter nas suas aulas um Rapaz que estava quase sempre a rir. Algumas vezes foi mesmo posto fora da sala por não saber explicar porque se ria.
Não é de admirar, as pessoas gostam sempre de perceber a razão que leva os outros a comportarem-se desta ou daquela maneira e estar sempre a rir é uma maneira estranha, está bom de ver.
Com os colegas, alguns deles, a coisa às vezes também se complicava. Achavam o Rapaz com um ar trocista e surgiam os problemas.
A família do Rapaz, apesar de mais habituada ao seu riso, também se embaraçava com ele, sobretudo na presença de pessoas que o consideravam impertinente.
Com o tempo, o Rapaz que se ria foi sentindo que o mundo não lidava muito bem com as pessoas que se riam. O mundo gosta mais das pessoas com ar sério. Até se diz que muito riso, pouco siso.
As pessoas com ar sério não perturbam o mundo. E assim tudo corre bem.
A sério, não se riam.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

CORRUPÇÃO. Poderíamos viver sem ela mas não era a mesma coisa

O Público de hoje apresenta um extenso trabalho sobre um dos maiores problemas que ameaça a nossa sociedade, a corrupção. A Transparência e Integridade - Associação Cívica terá entregue aos negociadores internacionais, a famosa troika, um relatório acentuando a imprescindibilidade de se definirem mecanismos que previnam e combatam a corrupção num período especialmente sensível, a entrada de elevadíssimos montantes no mercado e o processo de privatizações que se vai iniciar. Parece de relembrar que segundo o último relatório da Transparency International, Portugal é um dos 21 países em que existe "pouca ou nenhuma implementação" da Convenção anti-corrupção da OCDE. Considerando ainda os últimos indicadores do Barómetro Global da Corrupção, também no âmbito da Transparency International, 83% dos portugueses acham que piorou a questão da corrupção e 75% não acredita na eficácia do combate.
Apenas mais um dado, a economia paralela representa cerca de 24% do PIB português, facto que, do meu ponto de vista, não deve ser desligado do fenómeno da corrupção.
Este outro lado da economia que envolve desde a fuga de capitais para paraísos "off-shore", (o Público de hoje noticia a constituição de uma empresa "off-shore" pelo Director do Fisco na Madeira para facilitar evasão fiscal de um clube de futebol) à habilidade individual da ausência de recibo no dia a dia, está completamente enraizado, é apenas uma questão de escala.
Este funcionamento quase que faz parte da nossa cultura, a do "dar um jeitinho", "fazer uma atençãozinha". Diversas vezes aqui tenho me referido a esse "traço" da nossa cultura cívica "a atençãozinha" ou à sua variante "dar um jeito". Trata-se de um fenómeno, um comportamento generalizado e com o qual parecemos ter uma relação ambivalente, uma retórica de condenação, uma pontinha de inveja dos dividendos que se conseguem e a tentação quotidiana de receber ou providenciar uma "atençãozinha" ou pedir ou dar um jeito, sempre "desinteressadamente", é claro.
Por outro lado, sentimos todos algo de muito significativo, acreditamos que não existe vontade política de combater a corrupção. A teia de interesses que ao longo de décadas se construiu envolvendo o poder político, a administração pública, central e autárquica, o poder económico, o poder cultural, a área da justiça e segurança, parte substantiva da comunicação social e toda a relação do dia a dia com a "atençãozinha" à recepcionista que nos passa para a frente na lista de espera ou ao funcionário de quem esperamos que possa dar um "jeito", dificulta seriamente um combate eficaz e mudança cultural nesta matéria. Este combate passará, naturalmente, por meios e legislação adequada, mas passa sobretudo pela formação cívica que promova uma outra cidadania. Estarão lembrados que há algum tempo atrás foram divulgados estudos evidenciando a nossa atitude tolerante para com a corrupção.
Certamente que poderíamos viver sem a "atençãozinha" ou o "jeitinho", mas não era a mesma coisa.

PORTA-TE BEM, OLHA QUE CHAMO O SEGURANÇA

Esta tarde, numa expedição à FNAC, enquanto mexia nos livros, prazer que os dispositivos electrónicos de leitura matam o que faz dispensá-los, oiço mesmo atrás de mim uma voz grossa irritada em tom ameaçador, "Porta-te bem senão chamo o segurança".
Por curiosidade olhei para tentar ver o potencial delinquente e tive que baixar a linha do olhar pois tratava-se de um gaiato que não teria mais de cinco anos.
Deu-me uma saudade do tempo em que as figuras que serviam, no fundo ninguém acreditava, para conter os comportamentos da miudagem era o "velho do saco", "o velho das barbas" ou, em versão mais autoritária "o polícia".
Esta nova opção, ameaçar chamar o segurança para conter o comportamento de um gaiato de quatro anos, é uma experiência inovadora e coerente com os tempos.
Tentei perceber o efeito mas o miúdo continuou a olhar para as capas de alguns livros e a querer ir embora, não sei se assustado com tanto livro inacessível à sua idade, se com medo que o segurança viesse.
Por outro lado fiquei, deformação de quem se interessa por estas coisas, a pensar se aqueles pais precisariam da ajuda sistemática de um "segurança" para regular o comportamento do miúdo. Se assim for, vão ter um bocado de trabalho pela frente no sentido de encontrar um grupo de seguranças que zele pelo miúdo em todos os momentos.
Não gostei da cena.
Uma nota final. Parece que o miúdo não terá ficado muito assustado com a eventual chamada do "segurança". Uns metros mais à frente ainda o vi puxar uns livros da prateleira para o chão com os pais a fingir que não "toparam".
É que o "segurança" não viria e eles não foram à FNAC para comprar uma briga com o filho, foram comprar outra coisa qualquer.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

OS CATA-VENTOS

O modelo de avaliação dos docentes que tinha entrado em vigor com a equipa de Isabel Alçada, aceite pelos representantes dos professores depois do consulado de Maria de Lurdes Rodrigues, era, é e sempre foi, um mau modelo de avaliação, burocratizado e desajustado.
Na altura em que foi aprovado, os partidos então na oposição, não assumiram a posição conjunta que há uns meses tomaram, suscitando a revogação do normativo que entretanto entrou, naturalmente, em vigor.
Em novo passo deste processo, o Tribunal Constitucional veio definir a inconstitucionalidade da decisão, retomando-se, assim, o normativo.
Agora, mudaram-se as cores governativas e é apresentada nova proposta de suspensão do modelo de avaliação. Como é de prever na partidocracia, os partidos que há uns meses votaram pela suspensão do diploma, decidiram-se hoje pela manutenção do mesmo mau diploma com desculpas que se entendem mas que mascaram o essencial, o cata-ventismo desta gente.
Do meu ponto de vista, este episódio é um excelente exemplo, apenas mais um, da gestão dos interesses partidários, das decisões tomadas pelos partidos com base nos interesses próprios e menos no interesse genuíno pelo que de verdadeiramente necessário está em jogo.
O sistema educativo sofreu, sofre, com a existência de um mau modelo de avaliação de professores, criou-se um clima péssimo nas escolas com implicações sérias no trabalho desenvolvido.
Tudo isto acontece, como sempre, porque os troca-tintas que vão emergindo na esfera do poder, dos poderes, se orientam pelos seus interesses partidários e corporativos funcionando tacticamente recorrendo à demagogia, hipocrisia e calculismo político.
Este comportamentos, a contradição, o discurso de cata-vento, mostra a arquitectura ética em que assenta a prática política em Portugal.

A VIDA É UM VIDEOJOGO

O recente episódio trágico da morte de um adolescente atropelado em Proença-a-Nova, ao que parece no âmbito de perigosas "brincadeiras" na estrada, e que são filmadas para, claro, ganhar estatuto mediático através do YouToube, sugere algumas notas.
Sabemos dos manuais e da experiência de vida que a adolescência e juventude são um tempo de desafio, de testagem de limites, valores, regras, etc. que, quando tudo corre bem, contribuem para a construção estável de uma identidade, sem incidentes de maior para além da histórias com que se fica para contar aos filhos e que quase sempre começam por algo como, "Quando tinha a tua idade ...".
Este processo pode envolver, desde um visual mais alternativo (que motiva o estabelecimento de dressing code em escolas e faculdades), gostos musicais fora do mainstream, até comportamentos bem mais radicais como o "street racing" ou as "touradas" com carros, experiência que alegadamente terá vitimado o rapaz de Proença-a-Nova.
É evidente que discursos moralistas sobre estas matérias, sendo fáceis, são ineficazes e sem interesse. A questão é a facilidade com que nós, de uma forma ou de outra, vamos vendo, sem grandes sobressaltos, a vida transformar-se num gigantesco videojogo que não envolve só os mais novos e de que se conhecem muitos exemplos, acho notável estar horas a cuidar de uma quinta virtual.
A comunicação social, os jogos à disposição dos miúdos, a busca de algo "estimulante", a "adrenalina", a "pica", etc., é algo que faz parte da nossa vida. É razoavelmente fácil e muitas vezes tentador, por razões de desafio e no âmbito do grupo, ceder à transposição do videojogo para a vida real, quase sempre com resultados negativos. A propósito, segundo alguma imprensa, o louco responsável pelo massacre de Oslo referiu no seu manifesto a utilização do Call of Duty: Modern Warfare 2 como "treino" para a tarefa a que se propunha.
Um dias destes vamos ter que respirar um pouco mais fundo, desacelerar e tentar perceber os contornos e implicações deste processo quase inconsciente de viver num permanente videojogo.

A DESPEDIDA

Colegas, desculpem, só mais um minuto antes de acabar a reunião. Como alguns sabem, embora me falte algum tempo de carreira, decidi pedir para aceder à situação de reforma e creio que esta será última reunião que farei convosco.
Gostava de vos dizer que a magia que me trouxe à profissão, contribuir para que os miúdos se façam gente e ir assistindo a essa narrativa, se manteve desde o primeiro até ao último dia. Descobri essa magia há muitos anos com a minha professora da primária que me fez querer ter esta missão como forma de vida. Foi um privilégio. Agradeço aos miúdos com quem me cruzei o caminho que fizeram comigo, Não fui bem sucedida com todos, mas com todos tentei ser bem sucedida. Vou tranquila.
Devo dizer-vos também que a sombra e abrigo que encontrei em muitos colegas ao longo destes anos foram alento e incentivo para que essa magia e encanto se mantivessem. Por isso agradeço também às companhias, muitas, que comigo foram fazendo esta estrada.
Finalmente, embora leve a magia do que vos falei, também carrego o desencanto que apressou a partida. Sei que os tempos são difíceis e são diferentes, mas o desencanto foi-se instalando de mansinho e não derivado dos problemas novos que os miúdos trazem, esses a gente tem que pensar que para problemas novos, soluções novas. Decidiram que os papéis são mais importantes que os miúdos e têm vindo a encharcar a escola e os professores com burocracia, legislação e orientações que apenas atrapalham e retiram qualidade e disponibilidade. Depois de décadas sem uma avaliação que discriminasse o mérito e combatesse a mediocridade, voltam-nos uns contra os outros de uma forma inexplicável que arruinou o clima de trabalho em muitas escolas. A escolas foram-se transformando em espaços privilegiados para o confronto de interesses outros que não os dos miúdos. Assistimos a discursos de gente responsável que denigre de forma leviana a imagem dos professores. Comecei a sentir que o meu bem mais precioso, a dignidade, estava ameaçado e nesse bem não deixo que toquem. Por isso, decidi partir.
Queria só pedir-vos que, se por acaso, alguns dos miúdos perguntarem por mim no próximo ano, digam-lhes que hei-de aparecer. Os professores não se reformam.
E eu sou uma professora. Até um dia destes.

terça-feira, 26 de julho de 2011

DE PEQUENINO É QUE ...

Como muitas vezes aqui tenho referido, a falta de respostas e recursos a preços acessíveis para o acolhimento a crianças dos 0 aos 3 anos é um dos grandes obstáculos a projectos familiares que incluam filhos, levando aos conhecidos e reconhecidos baixos níveis de natalidade entre nós, 30 % das mulheres portuguesas têm apenas um filho.
A alteração dos estilos de vida, a mobilidade e a litoralização do país, levam à dispersão da família alargada de modo a que os jovens casais dependem quase exclusivamente de respostas institucionais que, ou não existem, ou são demasiado caras. Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que é, naturalmente, um forte constrangimento um obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos.
Neste quadro, parece francamente uma boa notícia a intenção hoje anunciada pelo governo de conseguir o aumento de 20 000 lugares em creches e centros de dia. Parece-me ainda positivo que este aumento seja também conseguido através de um entendimento racional e desburocratizado dos normativos sobre equipamentos. É conhecida por quem se move neste universo, a existência de algumas exigências, perfeitamente aberrantes num país como o nosso, contidas nas normas relativas aos equipamentos socais que, muitas vezes, não são garante de qualidade mas sim um obstáculo, às vezes intransponível, à resposta necessária.
Sabemos todos como o desenvolvimento e crescimento equilibrado e positivo dos miúdos é fortemente influenciado pela qualidade das experiências educativas nos primeiros anos de vida, de pequenino é que ...
Assim, o aumento significativo da resposta ao nível da creche é, seguramente, uma aposta no futuro e, por isso, merece registo.

O DIREITO AOS AVÓS

Como tem acontecido aqui no Atenta Inquietude em cada 26 de Julho, dia que a agenda das consciências manda dedicar aos Avós, retomo a minha proposta no sentido de ser legislado o direito aos avós. Isto quer simplesmente dizer que todos os miúdos deveriam, obrigatoriamente, ter avós e que todos os velhos deveriam ter netos.
Num tempo em que milhares de miúdos estão sós e muitos velhos vão morrendo devagar de sozinhismo, qualquer partido verdadeiramente interessado nas pessoas, sentir-se ia obrigado a inscrever tal medida no seu programa ou, porque não, inscrevê-la nos direitos fundamentais.
Com tantas crianças abandonadas dentro de casa, institucionalizadas, mergulhadas na escola tempos infindos ou escondidas em ecrãs, ao mesmo tempo que os velhos estão emprateleirados em lares ou também abandonados em casa, isolados de tal forma que morrem sem que ninguém se dê conta, trata-se apenas de os juntar, seria um dois em um. Creio que os benefícios para miúdos e velhos seriam extraordinários.
Um avô ou uma avó, de preferência os dois, são bens de primeira necessidade para qualquer miúdo.

AS TATUAGENS NOS MIÚDOS

A imprensa de hoje cita um trabalho realizado pela DECO que alerta para os risco e perigos encontrados na realização de tatuagens e piercings.
Fico satisfeito pela divulgação destes riscos e perigos que, efectivamente, existem e que com alguma frequência deixam marcas indeléveis e comprometedoras dos projectos de vida de muita gente, mais pequena e maior.
A experiência mostra que com demasiada facilidade ainda se colocam em alguns miúdos "tatuagens" na sua pele nas quais constam inscrições como, "incapaz", "anormal", "distraído", "deficiente", "sem futuro", "não aprende nada", "não vai a lado nenhum", etc., embora a criatividade dos tatuadores possa potenciar os exemplos.
Como é reconhecido, estas tatuagens inscrevem-se de tal forma na pele dos miúdos que estes muito dificilmente conseguirão libertar-se delas, são extraordinariamente visíveis. Alguns ainda tentam alguma forma de remoção mas este processo de tatuagem é tão forte e eficaz que essa remoção é, por vezes, uma batalha perdida. Quase sempre acabam por se acomodar e funcionar de acordo com a inscrição tatuada.
Parece-me, pois, muito importante este alerta da DECO para os riscos e efeitos negativos que as tatuagens podem assumir. Nesse sentido, é sempre de chamar atenção dos profissionais e da comunidade em geral para estas matérias.

FALSAS PROMESSAS. Outro diálogo improvável

Comigo foi a mesma coisa, fizeram promessas e agora nada.
Já te disse, foi a mesma cena.
Mas já devíamos estar à espera. Quando é para prometer, não pensam em nada. Quando chega a altura arranjam sempre desculpas, agora é a crise.
Parece que aprendem uns com os outros. Prometeram tudo e mais alguma coisa. Já sabem que prometer não custa nada e depois logo se vê. E arranjam uma justificação qualquer, estúpida, para não cumprir o que prometem.
Já estou farto, não acredito mais em promessas vindas deles.
Nem eu.
E que te prometeram?
Os meus pais prometeram-me que se eu passasse, me davam um telemóvel novo e compravam outro PC com ecrã de 21,5” para ver filmes. E nada.
A mim prometeram-me um iPad e uma consola nova e agora por causa da crise dizem que não sabem se podem e vão vendo se eu me calo.
Pois é, mas não podemos ficar calados, as promessas são para cumprir.
Também acho, temos que protestar.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

A INCUBAÇÃO DO MAL

Desde o início optei por não abordar no Atenta Inquietude matérias exteriores à realidade portuguesa e raríssimas vezes tenho fugido a esta opção.
No entanto, a tragédia de Oslo, envolve do meu ponto de vista alguns aspectos que justificam algumas notas.Para além do sentimento de dor e perda, creio que perplexidade será o que melhor caracterizará a sociedade norueguesa nestes dias e é patente nos testemunhos ouvidos na imprensa. Porquê? Porquê na Noruega, comunidade aberta, tolerante e segura? Porquê um norueguês e não um terrorista associado a redes conhecidas? Porquê? Porquê?
A dificuldade de responder a estas questões é da mesma ordem da dificuldade de encontrar meios seguros de evitar tragédias deste tipo. O episódio, com contornos semelhantes ao protagonizado por Timothy McVeigh que em Oklaoma, em 1995, causou 180 mortos e mais de 600 feridos, assumido por uma só pessoa, inteligente, socialmente integrada, numa sociedade aberta é, de facto, muito difícil de prevenir.
A questão que me leva a estas notas é mais no sentido de tentarmos perceber um processo que designo como "incubação do mal" que se instala nas pessoas, muitas vezes logo na adolescência, a partir de situações de mal-estar que podem passar relativamente despercebidas mas que, devagarinho, insidiosamente, começam interiormente a ganhar contornos que identificam os alvos, sentidos com os causadores desse mal-estar.
A fase seguinte pode passar por duas vias, uma mais optimista em que alguma actividade, socialmente positiva possa drenar esse mal estar, nessa altura já ódio e agressividade, ou, a outra via, aumenta exponencialmente o risco de um pico que pode ser um tiroteio num liceu, a bomba meticulosamente e obsessivamente preparada ou o ataque a uma concentração de jovens de um partido que representa o "mal".
Por mais policiada que seja uma sociedade é extraordinariamente difícil prevenir processos desta natureza em que o mal se vai incubando e em que as ferramentas de acção são acessíveis.
Como bem têm afirmado as autoridades norueguesas, a questão não é abdicar da abertura e da tolerância que caracteriza a sua, nossa, sociedade. A questão, este tipo de questões, a iniciativa individual de natureza terrorista, passará sobretudo por uma permanente atenção às pessoas, ao seu bem-estar, tentando detectar, tanto quanto possível, sinais que indiciem o risco de enveredar por um caminho que se percebe como começa, mas nunca se sabe como acaba.
Na Noruega, nos Estados Unidos ou em Portugal.

A CONVICÇÃO

Hoje de manhã, depois de acabar a corrida no Parque da Paz, quando me preparava para voltar, fui abordado por duas senhoras simpáticas, aquelas figuras que por vezes nos interpelam na rua ou nos batem à porta propondo-nos generosamente o caminho, a orientação.
Certamente pelo cansaço dos quilómetros feitos, além de recusar com delicadeza, acho, a oferta do material de leitura, afirmei a minha condição de não crente com a expressão, "a vida ensinou-me a não acreditar". Curiosamente, uma das senhoras respondeu-me "E eu aprendi a acreditar" e insistiu na entrega de um opúsculo acompanhado de um incentivador, "o senhor tem ar de quem gosta de ler". Aceitei mas ainda não li.
Fiquei, no entanto, a pensar como seria o meu olhar sobre o mundo se eu acreditasse. Fui aprendendo a pensar que nós homens fazemos o que de bom e mau está no mundo. E se de repente pensasse que afinal, não somos nós os (únicos) responsáveis pelas coisas tão feias que acontecem e também pelas coisas tão bonitas que existem.
Os homens cometem, provocam, aceitam, impõem sofrimentos sem fim porque a sua condição de humanos lhes impõe, por vezes em nome do acreditar, fraquezas, imperfeições e maldade, que geram, por exemplo, a morte de milhares de crianças por fome todos os dias. Este quadro decorre da vontade dos homens ou corresponde a um desígnio que está para além dos homens?
Se tantas vezes se diz que o homem põe e Deus dispõe, porque disporá Deus tanta dor e tanta tragédia para gente que ainda mal entrou no mundo e nem chega à condição de gente. Será castigo ou prova? Mas porquê as crianças Senhor?
Se eu acreditasse poderia ser diferente. Seria? Não, não seria. Mas teria mais Alguém junto de quem protestar. Com convicção.

domingo, 24 de julho de 2011

SÓ AS CRIANÇAS ADOPTADAS PODEM SER FELIZES (take 2)

O Público de hoje aborda de novo a questão da adopção infantil em Portugal. Apesar dos dados hoje referidos, em média durante este ano tem sido adoptada uma criança por dia, o que é positivo, de 2008 para cá tem vindo a baixar significativamente o número dos candidatos à adopção e continuamos com uma elevada quantidade de crianças institucionalizadas, muitas das quais sem projectos de vida viáveis pese o empenho dos técnicos. Neste universo, acresce a dificuldade enorme de algumas crianças em ser adoptadas devido a situações como doença, deficiência, existência de irmãos ou uma idade já elevada. Assim, muitas crianças estarão mesmo condenadas a não ter uma família. Curiosamente, existem famílias interessadas na adopção de bebés que esperam até cinco anos porque entre os mais pequeninos passíveis de adopção, o número é menor, situação que se mantém, os candidatos à adopção preferem as crianças abaixo dos 3 anos.
Como é óbvio, um processo de adopção é algo cuja qualidade não pode em momento algum ser hipotecada e o Plano Nacional de Adopção zela por isso. No entanto, parece claro que o processo carece de agilização de modo a que os candidatos à adopção não desistam assustados com a morosidade.
Como repararão os mais atentos, sempre que aqui me refiro a este tipo de questões, julgo justificado umas notas sobre os contextos familiares das crianças.
Por estranho que possa parecer, existe uma outra realidade, menos perceptível em termos globais, mas conhecida por aqueles que lidam de mais perto com as crianças e que remete para a quantidade enorme de situações de crianças abandonadas e rejeitadas dentro das famílias, algumas destas famílias até com um funcionamento aparentemente normal.
Pode parecer surpreendente esta abordagem, mas muitas crianças vivem em famílias, diferentes tipos de família, que, por variadíssimas razões, as não desejam, as não amam, apenas as toleram, cuidam, pior ou melhor, sobretudo nos aspectos "logísticos". Em alguns casos, são mesmo crianças a que "não falta nada", dizem-nos. Na verdade falta-lhes o essencial, o abrigo de uma família.
Quando penso nestas situações lembro-me sempre de uma expressão que ouvi já há algum tempo a Laborinho Lúcio num dos encontros que tenho tido o privilégio de manter com ele.
Dizia Laborinho Lúcio que "só as crianças adoptadas são felizes, felizmente a maioria das crianças são adoptadas pelos seus pais”. Na verdade, muitas crianças não chegam a ser adoptadas pelos seus pais, crescem sós e abandonadas.
Existem mais crianças a viver narrativas desta natureza, abandonadas e ou rejeitadas dentro da família, do que se pode imaginar.

OURO A MATEMÁTICA

É um título estranho mas serve para sublinhar o resultado excelente que a equipa portuguesa conseguiu nas Olimpíadas Internacionais da Matemática, realizadas em Amesterdão. Do notável conjunto de resultados merece registo especial a medalha de ouro obtida por Miguel Santos, aluno da Escola Secundária de Alcanena.
No meio das desconfianças e dos discursos catastrofistas sobre os saberes dos miúdos e da gestão política do sistema com a tentação de "fabricar" estatísticas simpáticas, merecem o maior dos destaques os resultados obtidos internacionalmente por estes estudantes, alunos de escolas públicas deve dizer-se. Aliás, ainda hoje no Público se questiona o trabalho desenvolvido nas escolas a propósito dos baixos resultados nos exames nacionais dos ensinos básico e secundário.
Como é natural, um feito deste nível passará relativamente despercebido, como aliás outros feitos científicos, culturais ou mesmo desportivos que não envolvam o futebol e em particular, o CR7, o Professor Doutor Special One e, mais recentemente, o Special Two no Chelsea.
Um nota para saudar uma atitude que certamente poderá merecer reparos ou leituras divergentes. Segundo alguma imprensa, o Ministro da Educação, Nuno Crato, estará no aeroporto a receber a equipa de estudantes portugueses.
Do meu ponto de vista e apesar das divergências que por vezes aqui assumo com algumas das ideias de Nuno Crato, gosto desta atitude.
Uma última palavra para as escolas, professores e famílias dos estudantes da equipa portuguesa que certamente contribuíram para que as qualidades, competências e esforço individual dos alunos tivesse este sucesso.

sábado, 23 de julho de 2011

AS CONDIÇÕES PSICOLÓGICAS REVISTAS EM BAIXA

Ao que parece, em consequência da condenação em tribunal de dois colegas por agressão a um cidadão, os elementos da Esquadra das Mercês da PSP alegaram falta de condições psicológicas e no mesmo dia, o mesmo médico, concedeu 24 baixas com aquele fundamento. O próprio médico não deve ter ficado em muito bom estado, psicologicamente falando é claro.
Não vou discutir a questão da condenação, nem as razões de descontentamento que poderão assistir aos elementos da PSP. Aliás, considero que existem e muitas.
A questão prende-se com o "esquema", sempre o esquema.
Não é possível seriamente acreditar na bondade da avaliação clínica do médico que declara os polícias incapacitados psicologicamente para o serviço.
Por outro lado, também não me parece fácil provar que essa avaliação configure um mau acto médico.
O facto da Direcção da PSP e do MAI pedirem à Ordem dos Médicos que analise estas circunstâncias, parece-me algo de irrelevante e que estará certamente condenado ao arquivamento.
É o tipo de situações em que todos reconhecemos que existe algo que não está bem mas que fica por assim mesmo num país como o nosso.
Ainda há pouco tempo se noticiava a existências de milhares de casos de baixa médica que não resistiram a uma acção de fiscalização. Trata-se da cultura instalada e da relação ética com o trabalho, trata-se do "porreirismo" e da baixa consciência deontológica, para ser simpático, dos clínicos que de forma leviana assinam baixas médicas por "falta de condições psicológicas" e, finalmente, da impunidade e bonomia laxista com que tudo isto é encarado.
Um dia, boa parte de nós alegará "falta de condições psicológicas" para aqui viver, no Portugal dos Pequeninos.

OBVIAMENTE ABSOLVO-OS

O estado deplorável a que chegou a nossa desconfiança no sistema de justiça contribuiu, confesso, para que não estivesse convicto do que me parecia ser a única decisão possível, a absolvição, no julgamento do processo que envolvia a peça de teatro "A filha rebelde" em que se discutia a forma como foi abordado o envolvimento do ex-director da PIDE/DGS no assassinato pela polícia política do General Humberto Delgado, situação historicamente comprovada.
A realidade nunca é, no melhor e no pior, a projecção dos nossos desejos apesar de alguns dos líderes políticos se esforçarem profundamente para que a realidade seja aquilo que eles dizem que é a realidade.
Da mesma forma, a história não é o que cada um gostava que fosse, embora os mesmos factos possam merecer leituras diferentes. A análise histórica não é o mesmo que a história. Hoje em dia e relativamente a diferentes episódios ou períodos da história nacional ou internacional, assiste-se com alguma frequência à tentativa de reescrita ou branqueamento de decisões e comportamentos, transformando a subjectividade da análise na verdade, seja lá isso o que for.
Por outro lado, nos limites do respeito pelos direitos individuais, é fundamental garantir a liberdade de expressão e criação que a decisão do tribunal sublinhou. Curiosamente, no caso em apreço, o director da PIDE/DGS tinha, entre outras funções, a de zelar pela ausência da liberdade de expressão, usando para tal missão amplos poderes e diferentes metodologias, incluindo a tortura e a morte.
Neste contexto, acho que deve ser registada a decisão de absolvição agora conhecida.

O PODER DO ZAPPING

Há poucos dias, num daqueles momentos em que olhamos sem ver e que ouvimos sem escutar, tinha o comando da televisão na mão e automaticamente ia carregando no botão dos canais.
Nem me lembro do que ia aparecendo, mas de repente tomei consciência de que cada vez que tocava no botão aparecia um outro mundo, mais parecido ou mais diferente mas nunca igual a nenhum outro.
Naquele estado de meio adormecimento acho que comecei a sonhar como seria a vida se sempre que não gostasse do mundo carregasse no botão e pronto, mudava de mundo.
A ideia inicial parecia atractiva mas aos poucos fiquei assustado e ainda mais assustado fiquei ao imaginar que se todos nós, cada um de nós, tivéssemos o poder do zapping sobre o mundo. O mundo, os mundos, implodiriam em segundos.
Assim, tal como está, também parece, por vezes, a caminho da implosão mas como uma vantagem.
A responsabilidade nunca é nossa. É sempre de alguém, um outro, que não faz o que deve e da forma que deve.
Entretanto, apaguei a televisão.
Fechei o mundo.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

O FIM DO MUNDO

Depois dos mercados, perdão dos parceiros europeus, perceberem que talvez seja melhor não querer ganhar tudo de uma vez correndo o risco de tudo perder, resolveram, por isso, baixar os juros da "ajuda" e prolongar os prazos de pagamento dessa "ajuda". A delegação da troika cá no burgo, também conhecida por governo, já expressou a sua satisfação pelos novos termos do negócio, perdão, da "ajuda".
Estando o reino um pouco mais sossegado eis senão quando descubro no DN que a Diocese de Leiria - Fátima emitiu um comunicado a tranquilizar o povo, face a rumores e premonições sobre o fim do mundo e catástrofes que circulam pela região.
Devo dizer que tais factos não são de agora nem exclusivos da área de Leiria - Fátima.
Com efeito, de há muito que oiço regularmente expressões como "isto é o fim do mundo" aplicadas nas mais variadas circunstâncias. Ou é pelos comportamentos observados, nos outros é claro, ou é a linguagem utilizada, pelos outros é claro, ou é os aumentos que não param, ou é os "malandros" dos políticos que só pensam neles, ou é a crise, ou é ..., enfim, o fim do mundo.
Na verdade, o mundo anda feio. Tem, sempre teve e terá coisas bonitas. No entanto, muitas vezes, nem tempo nem disponibilidade temos para reparar nas coisas bonitas que o mundo tem.
Ainda assim, fez bem a Diocese de Leiria - Fátima em tranquilizar as gentes. Isto não anda nada bem, mas não vai acabar. Espero.

A HISTÓRIA DO ZÉ ALGUÉM

Era um vez um rapaz chamado Zé Alguém.
A vida dele, sendo uma vida complicada era muito fácil de descrever. Ele achava que era um Alguém e, portanto, queria ser alguém.
Parece normal, Alguém querer ser alguém. O problema é que as pessoas não achavam que o Alguém fosse capaz de ser alguém.
Achavam que ele não iria aprender o que os outros aprendiam e com a mesma facilidade. Aliás, nem percebiam porque queria o Alguém continuar na escola em vez de ir fazer qualquer outra coisa na vida. Não entendiam que ele queria ser alguém.
Mesmos os colegas já achavam também que ele não era capaz de ser alguém.
Todos estavam sempre à espera das dificuldades do Alguém e dos problemas que ele parecia evidenciar para realizar o que lhe era pedido. De tal forma era assim que viam o Zé Alguém, que quando ele mostrava o que com muito trabalho conseguia fazer bem feito, quase sempre achavam que teria sido alguém a fazer ou a ajudá-lo.
Não era mesmo nada fácil a tarefa do Zé Alguém ser alguém.
Nunca é uma tarefa fácil para uma pessoa ser um Zé Alguém quando toda a gente a vê como um Zé Ninguém. Dar a volta a uma narrativa que já está escrita é trabalho duro. Muitos ficam pelo caminho, de cansaço e de impotência.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

AS LEIS INTERESSEIRAS DOS DEPUTADOS INTERESSADOS

No âmbito da Transparência e Integridade - Associação Cívica, Paulo Morais, ex-vice-presidente da Câmara do Porto, prossegue a sua cruzada pela recuperação da recessão ética em que vivemos mergulhados. Na anterior legislatura, 70 dos 230 deputados tinham também assento em empresas do estado ou estavam ligados a interesses que conflituam com a sua acção no Parlamento. Nada de surpreendente como é óbvio.
Há uns meses atrás, lembro-me da ingenuidade de um pedido do Presidente do Conselho de Prevenção da Corrupção, Guilherme d’ Oliveira Martins, para que os deputados fizessem leis claras e fáceis. Na altura até achei que, sem darmos por isso, o Dr. d' Oliveira Martins teria emigrado e desconhecia o país.
Também há algum tempo, um estudo de uma técnica da Presidência do Conselho de Ministros estimava em 7,5 mil milhões de € os custos com a má qualidade das leis, embora um especialista da Universidade do Illinois entendesse, no Expresso, que o montante estaria subavaliado. Os problemas com a produção legislativa são de natureza diferenciada e uma das causas apontadas remete para o facto de parte substantiva dessa produção decorrer fora da Assembleia da República, no interior dos grandes escritórios de advogados que, posteriormente, são os principais beneficiados da má qualidade das leis que eles próprios produzem.
Por outro lado, como hoje se evidencia, a produção legislativa realizada por pessoas com manifestos interesses no universo das leis que produzem, só pode alimentar falta de transparência e os jogos de conveniência realizados com a óbvia cobertura dos aparelhos partidários.
É certo que aqui e ali, de vez em quando, surgem uma vozes que assumem a necessidade e, por vezes, a intenção de criar alguns mecanismos que favoreçam a transparência e a separação de interesses. Creio, no entanto, que a falta de vontade política, é uma situação que serve a todos os que aspiram ao poder, inibirá mudanças substantivas.
Para além dos aspectos económicos e políticos julgo que o efeito desta promiscuidade, às vezes, obscena, assume na percepção do cidadão comum sobre a seriedade e ética em política é devastador.

NÃO SOMOS UM PAÍS DE DOUTORES

Inicia-se hoje o processo de candidaturas ao ensino superior. Em tempos marcados por elevado desemprego são recorrentes os discursos que, apesar de não ser certamente essa a intenção, passam a ideia de que estudar não compensa pois o destino será o desemprego.
Sabemos que o número de desempregados jovens com qualificação superior é demasiado elevado mas parece-me sempre necessário sublinhar que estes jovens não estão no desemprego por serem licenciados, estão no desemprego porque temos um mercado pouco desenvolvido e ainda insuficientemente exigente de mão de obra qualificada e estão no desemprego porque, por desresponsabilização da tutela, a oferta de formação do ensino superior é completamente enviesada distorcendo o equilíbrio entre a oferta e a procura como muitas vezes aqui refiro. Muitas empresas, sobretudo as de menor dimensão, provavelmente devido ao baixo nível de qualificação dos empresários (um dos mais baixos da UE), parecem também mais avessas à contratação de mão de obra qualificada.
Vejamos alguns dados que nos parecem relevantes retomados de outros textos.
Um trabalhador licenciado ganha em média mais 80% que alguém com o ensino secundário. Um indivíduo com a escolaridade básica recebe em média menos 57% que alguém com o Ensino Secundário. Apenas 7.5% de pessoas com o 9º ano recebem duas vezes mais que a média nacional enquanto licenciados a receber duas vezes mais que a média são quase 60%. Os filhos de pais licenciados têm 3,2 vezes mais probabilidades de obter uma licenciatura. Entre os 25 e os 34 anos, 19% dos jovens tem uma licenciatura enquanto na OCDE a média é 32%. Em Portugal, o número de licenciados é metade da média da União Europeia. Na franja entre os 35 e 44 anos a percentagem ainda baixa para 13%. Um indivíduo com apenas o básico corre um risco de pobreza 20 vezes superior ao de um indivíduo com um curso superior.
Deste quadro relva a absoluta imprudência de passar a mensagem de que a formação é irrelevante, o desemprego é o destino.
A qualificação profissional, de nível superior ou não, é essencial como também é essencial a racionalidade e regulação da oferta do ensino superior.
Deixem definitivamente de lado a ideia de que somos um país de doutores, é um tiro no pé.
Uma última nota e um conselho que a idade já autoriza aos jovens que hoje se candidatam. É importante a informação sobre a empregabilidade e o mercado dos cursos e escolas a que se candidatam. Mas tão importante como essa informação é a construção de um projecto de vida que realize o sonho que se transporta e que agora vai começar a tomar forma.

AS VELOCIDADES DOS MIÚDOS

Um dos embaraços da nossa narrativa diária é a velocidade do mundo, melhor, as velocidades do mundo.
Umas notas sobre as velocidades do mundo tornariam demasiado extenso este alinhavo. Por hoje olhemos para as velocidades dos miúdos.
Pode parecer-vos estranho mas se bem repararem, com muita frequência, as velocidades que o mundo ou seja, nós, esperamos ou impomos aos miúdos nem sempre são compatíveis com as velocidades dos miúdos. Alguns exemplos do quotidiano.
Em muitas salas de aula organiza-se o trabalho esperando que os miúdos aprendam todos à mesma velocidade. Como tal não acontece, os miúdos não têm a todos a mesma velocidade, os mais lentos atrasam-se, os mais rápidos patinam e os do meio lá vão à velocidade esperada. Até há quem defenda escolas para lentos e escolas para rápidos sem perceber que a escola, tal como o mundo, deve ser para todos.
Muitos adultos, pais e não só, esforçam-se imenso para que os miúdos cresçam depressa, demasiado depressa, não lhes dão o tempo de miúdos. Os miúdos precisam de tempo para crescer, não podem crescer à pressa. Como sabem, depressa e bem, não há quem.
Por outro lado, também existem pais, mas não só, que acham que os miúdos são eternos miúdos, são os miúdos "ainda não". Retiram-lhes autonomia, decidem tudo por eles, infantilizam o seu comportamento, tornam-nos dependentes e sem ferramentas de funcionamento autónomo.
É verdade que as velocidades do mundo não tornam fácil o acomodar das velocidades dos miúdos. No entanto e como sempre, se não estivermos atentos às velocidades dos miúdos e às velocidades que lhes exigimos corremos o sério risco de ultrapassar os limites de velocidade, por cima ou por baixo, ou seja, o risco de acidente aumenta.
É fundamental que, tanto quanto possível, os miúdos façam viagens seguras. Por isso, atenção às velocidades.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

O BRINQUEDO NÃO É UMA ARMA, A NEGLIGÊNCIA SIM

A DECO alerta hoje, pode ver-se no Público, para algumas lacunas contidas na directiva comunitária sobre segurança dos brinquedos que hoje entra em vigor.
Alguns especialistas e a Associação para a Promoção da Segurança Infantil têm vindo regularmente a alertar para os riscos que os brinquedos, pela sua confecção ou utilização, podem conter, acentuando a necessidade de garantir até ao limite a sua segurança. Alertam ainda para o papel dos pais como os "verdadeiros inspectores" da segurança dos brinquedos.
Parece pois justificada a preocupação expressa pela DECO. No entanto, no que respeita à segurança dos miúdos chamo a atenção para o facto de continuarmos a ser um dos países da Europa com taxa mais alta de acidentes domésticos envolvendo crianças. Neste universo salientam-se casos trágicos de quedas de varandas ou janelas e afogamentos que já esta ano vitimizaram fatalmente algumas crianças.
O que me parece importante sublinhar é que num tempo em que os discursos e as práticas sobre a protecção da criança estão sempre presentes e em que a referência aos perigos dos brinquedos é recorrente, também se verifica um número altíssimo de acidentes o que parece paradoxal.
Por um lado, protegemos as crianças de forma que, em algumas circunstâncias e do meu ponto de vista, me parece excessiva face às suas necessidades de autonomia e desenvolvimento e, por outro lado e noutros contextos, adoptamos atitudes e comportamentos altamente negligentes e facilitadoras de acidentes que, frequentemente, têm consequências trágicas.
E não vale a pena pensar que só acontece aos outros.

A CRISE DAS CRISES, A DA ÉTICA

Ao mesmo tempo que milhões de portugueses atravessam sérias dificuldades para assegurarem padrões de qualidade de vida básicos, a imprensa continua diariamente a mostrar um outro lado da crise a que recorrentemente aqui me refiro e cujos efeitos não se tornam facilmente quantificáveis mas são certamente devastadores, a crise de valores e de ética ao nível das lideranças políticas e económicas.
A notícia de hoje da escandalosa, mais uma, situação que envolve Alberto João Jardim e os seus colaboradores que continuam, ilegalmente, a acumular pensões com vencimentos e a arrogância e impunidade com que assumem fazê-lo é apenas mais um contributo para o grau zero a que se chegou.
Sei bem que referências a estas questões num espaço desta natureza, ainda que recorrentes, são irrelevantes. No entanto, também acredito que é necessário reflectir e insistir em discursos e em posições que permitam pressionar no sentido da mudança, daí a insistência em notas que já tenho abordado e a que chamo a pegada ética.
O despertar das consciências para as questões do ambiente e da qualidade de vida colocou na agenda a questão das pegadas, das marcas, que imprimimos no mundo através dos nossos comportamentos. Este novo sentido dado às pegadas tornou secundárias e ultrapassadas as míticas pegadas dos dinossauros e as românticas pegadas que os pares de namorados deixam na areia da praia.
Fomo-nos habituando a ouvir referências às várias pegadas que produzimos com nomes e sentidos mais próximos ou mais distantes mas, sobretudo, tem-se acentuado a grande preocupação com a diminuição do peso, isto é, do impacto das nossas pegadas. Conhecemos a pegada ecológica numa perspectiva mais global ou, em entendimentos mais direccionados, a pegada hídrica, a pegada energética, a pegada verde, a pegada do papel, a pegada do carbono, etc.
Do meu ponto de vista e sempre preocupado com o ambiente, com a qualidade de vida e com a herança que deixaremos a quem nos segue, nunca encontro referências e muito menos inquietações sérias com a pegada ética, isso mesmo, a pegada ética. Os comportamentos e valores que genericamente mobilizamos têm, obviamente, uma consequência na qualidade ética da nossa vida que não é despicienda. Os maus-tratos e negligência que dedicamos aos princípios éticos mais substantivos provocam um empobrecimento e degradação do ambiente e da qualidade de vida das quais cada vez parece mais difícil recuperar.
As lideranças, hipotecando a sua condição de promotores de mudanças positivas são fortemente responsáveis pelo peso e impacto que esta pegada ética está a assumir.
Vai sendo tempo de incluir a pegada ética no universo da luta pelo ambiente, pela qualidade de vida e pelo futuro.

ÉS O QUE TENS, MESMO A CRÉDITO

Um dos mais preocupantes sinais dos tempos, quer no que respeita a valores, quer no que respeita a dificuldades económicas, designadamente o nível de desemprego e baixos salários, é a quantidade de famílias em situação de sobreendividamento e o nível altíssimo da dívida face aos orçamentos familiares.
A imprensa de hoje refere a entrega de mais de três mil casas à banca no primeiro semestre deste ano por incumprimento do crédito
Segundo dados da DECO, as famílias em dificuldade que a si recorrem evidenciam frequentemente uma taxa de esforço cerca dos 90%, ou seja, ao receberem 1000 €, 900 estão destinados ao pagamento de créditos e em média têm que gerir 8,6 créditos, um assombro. Como é óbvio, trata-se duma situação insustentável e mesmo com taxas de esforço mais baixas basta uma pequena perturbação ou algo de imprevisto, desemprego por exemplo, para que se rompa o equilíbrio e as famílias entrem em incumprimento, com as previsíveis e complicadas consequências. A DECO recomenda 40% como a taxa de esforço aceitável e prudente.
Parece-me claro que este cenário não decorre, como muitas vezes ouvimos, exclusivamente da situação de crise económica que atravessamos. Radica, do meu ponto de vista, nos modelos económicos e sistema de valores que nos envolvem.
Como já tenho referido no Atenta Inquietude, instalou-se a ideia de que "és o que tens". Bem podemos afirmar que cada um de nós não olha assim para a vida mas na verdade é difícil resistir à pressão para o consumo e para a ostentação de alguns bens o estilos de vida que "atestem" como "somos" gente. É o crédito da casa, do carro, da mobília, das férias, do casamento do filho, do plasma, etc. etc. Tudo bens a que obrigatoriamente temos de aceder como prova de que somos gente, embora se verifique ainda o recurso ao crédito até para tratar questões de saúde.
Por outro lado, as instituições financeiras que concedem crédito estiveram durante demasiado tempo bastante mais atentas aos seus próprios interesses que aos riscos das pessoas que a elas recorrem. Actualmente, revelam-se bastante mais selectivas e cautelosas devido à subida enorme do valor do crédito malparado e dos seus próprios custos de financiamento.
Este tipo de problemas é apenas mais um indicador de como se torna necessário repensar valores e modelos de organização e desenvolvimento. Eu sei que não é fácil e pode parecer ingénuo, mas se não falarmos e não nos inquietarmos com isto, então é que nada mudará. Nunca.

O SUCESSO E O INSUCESSO. Outro diálogo improvável

Olá Isabel, há tempos que não te via, tudo bem?
Olá Dulce, felizmente tudo bem, cansada mas tudo bem.
Nem me fales, estou estoirada, é só burocracia, relatórios, mais os exames, os horários, as reuniões sem fim. Ainda bem que as férias estão à porta.
Podes dizê-lo, vamos a ver se isto muda agora com o novo ministro, passava o tempo a dizer o que devia ser feito, vamos ver o que faz, ou o que o deixam fazer.
Mas nem tudo corre mal, tenho uma direcção de turma e os miúdos tiveram resultados excelentes.
Comigo nem isso, também sou directora de turma mas os resultados foram péssimos, vimo-nos aflitos para tentar compor o cenário na avaliação, era mesmo mau.
Sabes, tive uma sorte incrível, formámos um grupo de professores fantástico, três eram gente nova mas muito bons e todos muito interessados. Formámos uma equipa boa, a discutir o trabalho, a preparar as coisas para os miúdos, sempre alguém disponível para tentar mais alguma coisa e correu tudo muito bem. É certo que, como se costuma dizer, nos saiu do pêlo, mas valeu a pena.
Olha Dulce, estavas a falar dos colegas e eu a lembrar-me de nós lá na escola. Trabalhámos exactamente assim, fizemos um esforço enorme, trabalhámos tal e qual tu descreveste mas nada. Não conseguimos resultados minimamente satisfatórios.
E qual será a razão?
Os pais, claro. Aqueles miúdos têm todos famílias horríveis, cheias de problemas, não fazem nada, não se interessam. Bem podemos esforçarmo-nos que não adianta. Não irão a lado nenhum.
És capaz de ter razão, estou a pensar que os nossos miúdos são todos órfãos. Tivemos sorte.

terça-feira, 19 de julho de 2011

ENTRE O "DRESSING CODE" E O "THINKING CODE"

Para fugir um pouco à circularidade das notícias sobre a crise, umas notas sobre a "recomendação" do Conselho Académico da Universidade Católica sobre o vestuário a adoptar no campus universitário.
Como é habitual, a tentativa de regulação de aspectos desta natureza desencadeia polémica e entendimentos diversos.
As opiniões nesta matéria são sempre de grande elasticidade, variando entre os que defendem a “farda” até aos que sustentam que regular a apresentação é um atentado aos direitos individuais. Já não tenho muita paciência para certo tipo de discussões.
Peço desculpa, mas esquece-se algo que me parece essencial. A adolescência e juventude é um tempo de construção de identidade. Tal “trabalho” passa, em todas as épocas (lembremo-nos da recusa da gravata nos anos 50, das minissaias dos anos 60, dos cabelos às cores dos anos 80, dos piercings a seguir, etc.), pela tentação de andar nos limites do instituído, linguagem, vestuário, “aspecto visual”, música, consumos, etc. Este tipo de funcionamento, quase sempre transitório, presente, de forma mais ou menos evidente, na generalidade dos adolescentes e jovens levanta algumas inquietações, naturais, aos mais velhos que, à falta de melhor solução, têm a tentação de proibir, o que se compreende. Também me lembro de me terem proibido socas, a camisa por fora das calças e cabelo comprido. Mas só proibir é tapar o Sol com a peneira. Claro que, sobretudo com gente mais nova, muitos pais ficam contentes com o facto de a escola proibir algo que eles gostavam de proibir mas que não se sentem capazes, assim a escola compra, por eles, a “briga” com os filhos.
Por outro lado, é fundamental que os próprios adolescentes e jovens percebam com clareza que “não vale tudo”, ideia que por vezes pode decorrer de retórica como, são direitos individuais, veste-se, fala-se e faz-se o que se quer, é um caso de liberdades individuais, etc. Devo dizer que parte deste argumentário cai no que considero uma espécie de delinquência educativa. A vida em sociedade e o respeito por regras sociais obriga a que ninguém de nós possa fazer sempre o que quer, quando quer, onde quer, da forma que quer, etc. Construir de forma sensata estas balizas reguladoras é uma tarefa indispensável ao desenvolvimento e à formação, daí perceber a decisão da Universidade Católica. A minha experiência no contacto com jovens do ensino superior mostra que ao longo do curso e com o aproximar dos contextos profissionais esse lado mais "alternativo" se aquieta. Às vezes lamentavelmente, caindo-se na normalização cinzenta em que corpo e "cabeça" vestem farda, ficam todos iguais.
O que quero simplesmente dizer é que, muito para lá das proibições, ou em vez das proibições, trata-se de construir valores, capacidade de auto-regulação dos comportamentos por parte dos jovens, de construção conjunta dos necessários códigos de conduta e de sermos capazes de discriminar o essencial do acessório.

UM HOMEM CHAMADO SURFISTA

Naquela terra onde acontecem coisas havia um homem chamado Surfista. Desde cedo revelou uma enorme capacidade para apanhar boas ondas, quer com mar flat, quer com mar grande.
Quando jovem, o Surfista procurou sempre a onda que garantisse maior projecção de modo a que os seus aéreos fossem bem visíveis. Por vezes lá realizava uns drops, mas rapidamente, mesmo que fosse necessário mudar de discurso, ideias ou grupo recorria a uma cavada e retomava a crista da onda onde, de novo, coreografava vistosos aéreos, 360º ou até, porque o Surfista é bom, conseguia um outro aéreo 360º, uma das mais difíceis manobras em cima de uma onda.
Em grande, o Surfista aproximou-se daquela zona cinzenta, próxima dos corredores do poder, onde, independentemente dos donos conjunturais do poder, é possível para alguém especialista em ondas conseguir boas e duráveis prestações.
Assim, o Surfista, homem habituado a todas as condições de mar, do flat ao grande, ao swell, ao offshore, etc. sempre conseguiu escolher as manobras mais ajustadas e que lhe permitiram manter-se na onda, qualquer onda.
Actualmente, para não variar, o Surfista corre a onda do poder instalado, com excelente posição e proveito na administração de uma empresa de capitais públicos, como já tinha acontecido nas ondas do poder anterior, e do poder anterior do anterior.
É certo que é uma vida esforçada, sempre a nadar, com os olhos postos na próxima onda, mas tem as suas compensações.
Vida de Surfista, surfista social

segunda-feira, 18 de julho de 2011

O IRRESPONSÁVEL DESPERDÍCIO

O universo da saúde em Portugal sustenta duas manchetes na imprensa de hoje. No CM em primeira página pode ler-se "Médicos com ordem para receitar menos" remetendo para orientações da Direcção-geral de Saúde no sentido de economizar a prescrição de antibióticos nas unidades do SNS.
No I a notícia é "IPO deixa milhões em caixotes", referindo material de radioterapia comprado há sete anos por quatro milhões de euros envolvendo duas máquinas, uma das quais continua sem funcionar, situação detectada por uma auditoria do Tribunal de Contas.
Estas duas notícias ilustram algo de profundamente característico e preocupante do nosso funcionamento. Por um lado, temos o corte de meios em áreas absolutamente sensíveis para vida e bem-estar das pessoas, os medicamentos, embora se entenda que deva ser combatido, se existir, o excesso de prescrição, quer por razões económicas, quer por razões de saúde pública.
Por outro lado, temos mais um exemplo de irresponsável desperdício dos dinheiros públicos, um equipamento, certamente necessário, no valor de milhões de euros e que se encontra inoperacional desde a sua aquisição, há anos.
É certo que vivemos naquela terra onde acontecem coisas pelo que a capacidade de ficar perplexo é inesgotável mas é difícil acreditar como a incompetência impune permite que situações destas se verifiquem quando são conhecidas todas as dificuldades que atravessamos.
Como é evidente e habitual entre nós, ninguém será responsável técnica ou politicamente por esta situação.
E assim se cumpre Portugal.

UMA INFORMAÇÃO DE QUALIDADE E UMA OPINIÃO ESCLARECIDA. Outro diálogo improvável

Não acredito em nada do que os gajos dizem.
Mas o que é que os gajos disseram?
Nem percebi, a televisão estava baixa, mas não acredito nestes gajos.
...
Então já sabes o que aconteceu?
Ouvi qualquer coisa, sem pormenores.
E que achas?
Eles não deviam ter resolvido a coisa como resolveram. Era bem melhor que tivessem decido de outra maneira. Noutro dia até ouvi um tipo falar sobre isto mas nem me lembro o que ele disse. Mas o tipo sabia daquilo, não percebi bem, mas o gajo sabia.
...
Parece que vão cortar mais umas coisas, como têm cortado pouco, é sempre a carregar, sempre para cima dos mesmos.
Mas o que é vão cortar desta vez?
Não sei bem, foi o meu cunhado que me disse que tinha ouvido, mas também não sabia o que era, parece que tinha a ver com subsídios.
Pá, a malta tem que protestar, os gajos fazem o que querem.
...
Sabes que morreu o Manel António?
Não, coitado, morreu de quê?
Acho que foi qualquer coisa que lhe deu e morreu já no hospital.
É sempre a mesma coisa, um gajo chega ao hospital e depois espera horas, acaba por ir desta para melhor sem que ninguém lhe ligue.
...
Não há nada como informação de qualidade e uma opinião esclarecida.

domingo, 17 de julho de 2011

LANÇAR O BARCO À ÁGUA

O Público de hoje apresenta um trabalho sobre a crise que envolve os Estaleiros de Viana do Castelo e o risco real de encerramento devido aos prejuízos acumulados decorrentes da gestão e das decisões políticas que nos têm levado a voltar costas ao mar e à terra, tornando-nos num mau país de serviços.
Este trabalho sobre o voltar de costas ao mar, no caso envolvendo a indústria naval, causou-me alguma nostalgia.
Numa das maiores rotundas da minha terra, sim também temos muitas rotundas, foi instalado um conjunto escultórico de grandes dimensões dedicado à construção naval uma das actividade emblemáticas do concelho de Almada, com o extinto estaleiro da Parry & Son, do Arsenal do Alfeite em vias de extinção e da mais recente Lisnave também em maus lençóis.
Na minha família, o meu pai como serralheiro, o meu sogro como caldeireiro e vários tios, para além de muita gente conhecida, a maioria já com a narrativa terminada, foram operários da construção naval pelo que aquele monumento acorda ressonâncias e, mais do que isso, acho-o bonito. Um dos seus elementos de maior dimensão representa um barco no plano, aprendi desde miúdo que o plano é o local seco, não uma doca, inclinado, onde os barcos são construídos e reparados. Quando prontos, procedia-se ao seu lançamento à água, partiam-se as cordas que seguravam o barco no plano e este deslizava, ganhava velocidade e entrava na água levantando um enorme cachão e ficava a flutuar ganhando a sua condição de barco.
Nos idos de 50 e 60 o meu pai tentava, por vezes, conseguia, com a conivência dos guardas que eu, miúdo, umas vezes só, outras com o meu primo, passasse o mítico Portão Verde do Arsenal do Alfeite para assistir ao lançamento de um barco.
Nem dormia, era algo que me impressionava e ainda hoje está bem vivo na memória, no lado das coisas mais bonitas que carrego na mochila já bem composta pela estrada andada.
Lamentavelmente, hoje estão a acabar com os lançamentos dos barcos à água nas nossas terras.
Parece que toda a nossa terra, ela própria, se transformou num enorme barco, à deriva.

sábado, 16 de julho de 2011

A SAÚDE MENTAL DOS ATÍPICOS PORTUGUESES

Segundo o Público de hoje, citando dados do Observatório do Medicamento do Infarmed, o consumo de psicofármacos em Portugal subiu 52% entre 2000 e 2009, sendo que os encargos do SNS com esta gama de medicamentos subiram 213% no mesmo período.
No final de 2010 um estudo da OMS sobre o universo da saúde mental revelava que em Portugal, dois em cada dez indivíduos sofrem de alguma forma de perturbação. Só mesmo os americanos parecem mais "perturbados" que nós e os espanhóis não chegam a atingir metade da nossa taxa de perturbação.
Parece ainda relevante sublinhar que a área de maior prevalência de problemas é a das perturbações da ansiedade o que até não surpreende face ao nosso quotidiano.
Sendo poucos os dados em que nos distinguimos pela positiva, e quando se verificam não são suficientemente valorizados o que traduz uma outra atipicidade nossa, começa a ser preocupante esta conjugação negativa de dados e padrões que nos caracterizam nas mais diversas áreas de funcionamento. Tudo isto representa uma séria ameaça à nossa auto-estima e à confiança que seria importante sentirmos o que alimenta, também, as situações de mal-estar que nos parecem caracterizar. O mais recente episódio de nos considerarem lixo é, apenas mais um exemplo.
Ainda em matéria de saúde mental é também de sublinhar o altíssimo consumo de psicofármacos que se verifica em Portugal. Dados do Alto Comissariado da Saúde relativos a 2007 dizem-nos que, em média, se verificou um consumo diário de 152,1 fármacos daquele tipo por cada mil habitantes, enquanto a média da EU para 2006 foi de 42,3 o que é, de facto, uma diferença significativa.
Por outro lado, de há uns tempos para cá entrou no léxico comum da cena política uma terminologia vinda da área da saúde mental com efeitos que ainda não foram avaliados. Alguns exemplos. É muito frequente a referência a estados de depressão, o país está deprimido, os mercados estão deprimidos, algumas regiões portuguesas são consideradas deprimidas, etc. Diz-se com todo o à vontade que certos comportamentos políticos podem ser suicidas, seja de pessoas ou de partidos. Inventaram um quadro de claustrofobia democrática, seja lá isso o que for. Não há opinador, amador ou profissional, que não se refira a autismo, autista ou esquizofrénico para adjectivar discursos e comportamentos políticos. Aliás, deve recordar-se que a Assembleia da República aprovou uma moção no sentido de se não utilizar tal terminologia nos debates parlamentares. Multiplicam-se as referências a pessoas que assumem compulsivamente estratégias de vitimização, a comportamentos obsessivos ou alucinados, etc. Abundam as análises que sublinham a grave baixa auto-estima dos portugueses. A comunidade atribui o estatuto de inimputável ao Dr. Alberto João o que o deixa “à solta” dizendo ou fazendo a primeira coisa que lhe passa pela cabeça.
Neste contexto e considerando ainda a situação grave que o país tem vindo a atravessar, não é de estranhar que os portugueses depositem nos psicofármacos a esperança de dias melhores.
Temo que, estando em discussão a versão V do Diagnosis and Statistical Manual of Mental Disorders a publicar em 2013, que ainda possa surgir uma entidade clínica capaz de explicar esta estranha atipicidade dos portugueses e transformar-nos numa espécie de case study para a comunidade científica internacional, em diferentes áreas.
Já faltou mais.

ENSINO SUPERIOR. Questão de vagas ou de rede?

O ensino superior em Portugal é, como muitíssimas outras áreas, vítima de equívocos e de decisões políticas nem sempre claras. Uma das grandes dificuldades que enfrenta prende-se com a demissão durante muito tempo de uma função reguladora da tutela que, sem ferir a autonomia universitária, deveria minimizar o completo enviesamento da oferta, pública e privada, que se verifica. Um país com a nossa dimensão não suporta tantos estabelecimentos de ensino superior, sobretudo, se atentarmos na qualidade. As regiões e autarquias reclamam ensino superior com a maior das ligeirezas. Durante algum tempo, a pressão vinda da procura e a incapacidade de resposta do subsistema de ensino superior público associada à demissão da tutela da sua função reguladora, promoveu o crescimento exponencial do ensino superior com situações que, frequentemente, parecem incompreensíveis à luz de um mínimo de racionalidade e qualidade. Portugal contará, segundo a informação disponível, com cerca de 160 instituições de ensino superior e como indicador relativo pode referir-se um rácio de 17,4 estabelecimentos por milhão de habitantes, enquanto a Espanha apresenta 7, um dado extraordinário.
Nesta matéria, a qualidade e o redimensionamento da rede, espera-se que o processo em curso de Avaliação e Acreditação se revele um forte contributo. Segundo dados recentes da A3ES de 5262 cursos em funcionamento em 2008 já encerraram 1221, o que parece bastante significativo. Uma consulta à oferta de licenciaturas e mestrados por parte do ensino superior público e privado mostra como imperiosa se torna a racionalização dessa oferta. Como afirma o Professor Alberto Amaral, o presidente da A3ES, “Portugal tem excelentes cursos mas criou-se imenso lixo no ensino superior”. Deixo alguns exemplos interessantes de designação de cursos de mestrado em estabelecimentos de ensino superior público e que vão no sentido das considerações da Coordenadora do CNE para o Ensino Superior e ex-reitora da Universidade de Aveiro, a Professora Helena Nazaré em entrevista de hoje no Público. Vejamos, Políticas de Bem Estar em Perspectiva: Evolução Conceito e Actores; Fruticultura Integrada; Design do Produto; Marketing Relacional; Negócios Internacionais; Resolução Alternativa de Litígios; Empreendedorismo; Biorremediação; Aconselhamento e Informação em Farmácia; Ciências da Complexidade; Estudos Sociais da Ciência; Gestão de Mercados de Arte; Instituições e Justiça Social, Gestão e Desenvolvimento; Novas Fronteiras do Direito; Branding e Design de Moda; Estudos Regionais e Locais; Design e Desenvolvimento de Fármacos; Alimentação - Fontes, Cultura e Sociedade; Ciências da Paisagem; Psicomotrocidade Relacional; Anatomia Artística; Gestão Integrada de Relvados Desportivos e Ornamentais; Geomática Ambiental; Comunicação de Moda; Comunicação e Desporto; Ciências Gastronómicas; As Humanidades na Europa: Convergências e Aberturas; Metropolização, Planeamento Estratégico e Sustentabilidade; Gestão de Pessoas.
Embora entenda que a oferta formativa de qualificação superior não deva ser liderada pelo mercado, longe disso, também não o pode esquecer. Existem cursos que apesar de alguma menor empregabilidade se inscrevem em áreas científicas de que não podemos prescindir com o fundamento exclusivo da empregabilidade, aparente ou real. Podemos dar como exemplo formações na área da filosofia ou nichos de investigação que são imprescindíveis num tecido universitário moderno. Será também importante que o processo permita desenvolver e incentive modelos de cooperação, universitário e politécnico, público e privado, que potencie sinergias, investimentos e massa crítica que promovam a imprescindível reorganização da rede.
O enviesamento da oferta de que acima falava, alimenta a formação em áreas menos necessárias e não promove a formação em áreas carenciadas. Tal facto, conjugado com o baixo nível de desenvolvimento do país e com uma opinião publicada pouco cuidadosa na informação, leva a que se tenha instalado o equívoco dos licenciados a mais e destinados ao desemprego, quando continuamos a ser um dos países da UE com menos licenciados, já o disse aqui muitas vezes.
Precisamos que, com lucidez e coragem por parte da tutela e das instituições, que se repensem os caminhos do ensino superior em Portugal.

O FECHAMENTO DAS ESCOLAS

Porque o encerramento de escolas continua na agenda e me parece justificar-se, aqui se retomam algumas notas de algum tempo atrás.
Muitas das questões que se colocam em educação, como noutras áreas, independentemente da reflexão actual, solicitam algum enquadramento histórico que nos ajudem a melhor entender o quadro temos no momento. Durante décadas de Estado Novo, tivemos um país ruralizado e subdesenvolvido. Em termos educativos e com escolaridade obrigatória a ideia foi “levar uma escola onde houvesse uma criança”. Tal entendimento minimizava a mobilidade e a abertura sempre evitadas. No entanto, como é sabido, os movimentos migratórios e emigratórios explodiram e o interior entrou em processo de desertificação o que, em conjunto com a decisão de política educativa referida acima, criou um universo de milhares de escolas, sobretudo no 1º ciclo, pouquíssimos alunos. Como se torna evidente e nem discutindo os custos de funcionamento e manutenção de um sistema que admite escolas com 2, 3 ou 5 alunos, deve colocar-se a questão se tal sistema favorece a função e papel social e formativo da escola. Creio que não e a experiência e os estudos revelam isso mesmo. Parece pois ajustada a decisão de em muitas comunidades proceder a uma reorganização da rede.
É também verdade que muitas vezes se afirma que a “morte da escola é a morte da aldeia”. No entanto, creio que será, pelo menos de considerar, que os modelos de desenvolvimento económico e social possam começar a matar as aldeias e, em consequência, liquidam os equipamentos sociais, e não afirmar sem dúvidas o contrário.
Por outro lado, a concentração excessiva de alunos não ocorre sem riscos. Para além de aspectos como distância a percorrer, tipo de percurso e apoio logístico importa não esquecer que escolas demasiado grandes são mais permeáveis a insucesso escolar, absentismo, problemas de indisciplina e outros problemas de natureza comportamental.
Neste cenário, a decisão de encerrar escolas não deve ser vista exclusivamente do ponto de vista administrativo e económico, não pode assentar em critérios cegos e generalizados esquecendo particularidades contextuais e, sobretudo, não servir como tudo parece servir em educação, para o jogo político.
Neste processo, a equipa anterior do ME estabeleceu como média os 1700 alunos e como limite os 3000. Estes números são completamente comprometedores da qualidade e, portanto, inaceitáveis e desejamos que não sejam considerados.
De há muito que se sabe que um dos factores mais contributivos para o insucesso, absentismo e problemas de disciplina é o efectivo de escola. Não é certamente por acaso, ou por desperdício de recursos, que os melhores sistemas educativos, lá vem a Finlândia outra vez, e agora os Estados Unidos na luta pela requalificação da sua educação optam por estabelecimentos educativos que não ultrapassam a dimensão média de 500 alunos. Sabe-se, insisto, de há muito que o efectivo de escola está mais associado aos problemas que o efectivo de turma, ou seja, simplificando, é pior ter escolas muito grandes que turmas muito grandes.
As escolas grandes, com a presença de alunos com idades muito díspares, são autênticos barris de pólvora e contextos educativos que dificilmente promoverão sucesso e qualidade apesar do esforço de professores alunos, pais e funcionários.
Não conheço nenhuma justificação de natureza educativa que sustente a existência vantajosa de escolas grandes. A razão para a sua criação só pode, pois, advir da vontade de controlo político do sistema, menos escolas envolvem menos directores ou de questões economicistas que a prazo se revelarão com custos altíssimos pela ineficácia e problemas que se levantarão.
O bem-estar educativo dos miúdos é demasiado importante.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

OS PROFESSORES. Essa "malandragem" a quem entregamos os nossos filhos

Nos últimos tempos e sem estranheza, também no nosso país começaram a emergir e ganhar visibilidade as abordagens ao universo educativo vindas da área da economia e da gestão, o que tem sustentado a elaboração de estudos e a vinda de especialistas neste tipo de análises. Dois exemplos. Um estudo desenvolvido pelo ISEG-UTL conclui que as variáveis exteriores à escola, (nível de escolaridade dos pais, por exemplo) explicam apenas 30% do sucesso dos alunos no ensino secundário, ou seja, 70% é explicada pelo trabalho das escolas, dos professores. Uma outro exemplo, numa conferência realizada em Lisboa, o Professor Erik Hanushek, economista da educação, como não podia deixar de ser, sublinhou o factor "qualidade do trabalho do professor" como a chave do sucesso na educação, mesmo no sentido de contrariar desigualdades sociais de origem nos alunos. De há muito que no interior das ciências da educação é esse o entendimento, agora recebe a chancela dos economistas. Cito com frequência uma afirmação de 2000 do Council for Exceptional Children, "o factor individual mais contributivo para a qualidade da educação é a existência de um professor qualificado e empenhado".
Neste quadro, parece-me sempre importante sublinhar algo que de tão óbvio por vezes se esquece, a importância essencial e a responsabilidade que o trabalho dos professores assume na construção do futuro. Tudo passa pela escola e pela educação. Assim sendo, as mudanças na educação só podem ocorrer e ser bem sucedidas com o envolvimento dos professores, ideia hoje sublinhada pelo Ministro Nuno Crato.
Alguns dos discursos que de forma ligeira e muitas vezes ignorante ocupam tempo de antena na imprensa parecem esquecer a importância deste trabalho e das circunstâncias em que se desenvolve.
Pensemos no que é ser professor hoje, em algumas escolas que décadas de incompetência na gestão urbanística e consequente guetização social produziram.
Pensemos em como os valores, padrões e estilos e vida das famílias se alteraram fazendo derivar para a escola, para os professores, parte do papel que compete à família.
Pensemos na forma como milhares de professores cumprem a sua carreira de poiso, em poiso, sem poiso e sem condições. E não nos esqueçamos também da imprescindível necessidade de que o seu trabalho seja avaliado através de dispositivos sólidos, eficazes e justos de forma a proteger a própria classe, os miúdos e as famílias.
Pensemos nos professores que nos ajudaram a chegar ao que hoje cada um de nós é, aqueles que carregamos bem guardadinhos na memória, pelas coisas boas, mas também pelas más, tudo contribuiu para sermos o que somos.
Pensemos na deriva política a que o universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas, criando instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio que potencie o trabalho de alunos, pais e professores.
Pensemos em como os professores são injustiçados na apreciações de muita gente que no minuto a seguir à afirmação de uma qualquer ignorante barbaridade, vai, numa espécie de exercício sadomasoquista, entregar os filhos nas mãos daqueles que destrata, depreendendo-se assim que, ou quer mal aos filhos ou desconhece os professores e os seus problemas.
Pensemos como é imprescindível que a educação e os problemas dos professores não sejam objecto de luta política baixa e desrespeitadora dos interesses dos miúdos, mesmo por parte dos que se assumem como seus representantes.
Pensemos em como a forma como os miúdos, pequenos e maiores, vêem e se relacionam com os professores está directamente ligada à forma como os adultos os vêem e os discursos que fazem.
Pensemos, finalmente, como ser professor deve ser uma das funções mais bonitas do mundo, ver e ajudar os miúdos a ser gente.
Esperemos, pois, pelas mudanças necessárias.