AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quinta-feira, 30 de junho de 2011

"SÓ AS CRIANÇAS ADOPTADAS SÃO FELIZES"

O Público de hoje aborda de novo a questão da adopção infantil em Portugal matéria que frequentemente aqui refiro. De 2008 para cá tem vindo a baixar significativamente o número dos candidatos à adopção e continuamos com uma elevada quantidade de crianças institucionalizadas, muitas das quais sem projectos de vida viáveis pese o empenho e o profissionalismo dos técnicos. Neste universo acresce a dificuldade enorme de algumas crianças em serem adoptadas devido a situações como doença, existência de irmãos ou uma idade já elevada. Assim, muitas crianças estarão mesmo condenadas a não ter uma família. Curiosamente, existem famílias interessadas na adopção de bebés que esperam até cinco anos porque entre os mais pequeninos passíveis de adopção, o número é menor, situação que se mantém, os candidatos à adopção preferem as crianças abaixo dos 3 anos.
Como é óbvio, um processo de adopção é algo cuja qualidade não pode em momento algum ser hipotecada e o Plano Nacional de Adopção zela por isso. No entanto, parece claro que o processo carece de agilização de modo a que os candidatos à adopção não desistam assustados com a morosidade.
Apesar da necessária cautela e qualidade dos processos o trabalho do Público levou-me a alguma reflexão que queria partilhar convosco. No âmbito do processo os candidatos passam por uma "Formação" e dois em cada cinco candidatos desistem após a primeira aula deste curso para "pai/mãe adoptante". Percebo a ideia de potenciar o sucesso da adopção mas um "curso" soa-me a estranho e com mais dúvidas fiquei face a alguns exemplos sobre as "aulas", ainda que corra o risco de estar a falar apenas a partir do exemplos citados. Muitos pais, apesar das criança não virem com manual de instruções desenvolvem a sua acção educativa com serenidade e de forma tranquila, com os erros próprios da condição humana e da natureza da educação familiar. Não precisam de curso de pais, precisam, creio eu, de sentir que têm apoio para eventuais dificuldades. Um curso para pais nos termos em que me pareceu estar estruturado pode, ainda que de forma não intencional, antes pelo contrário, ter um efeito dissuasor, pois assusta os candidatos face aos "enormes" problemas que as crianças vão colocar. O resultado é a elevada desistência após a primeira aula. Será que se este curso fosse ministrado a todas pessoas que querem ter filhos a sua intenção se mantinha? Duvido, ficariam certamente assustadas. Para algumas pessoas não seria mau mas para outras, muitas, provavelmente, perder-se-ia a possibilidade de ter uma família feliz, ainda que com as dificuldades próprias dos processos educativos familiares.
Quando penso nestas situações lembro-me sempre de uma expressão que ouvi já há algum tempo a Laborinho Lúcio num dos encontros que tenho tido o privilégio de manter com ele.
Dizia Laborinho Lúcio que "só as crianças adoptadas são felizes, felizmente a maioria das crianças são adoptadas pelos seus pais”. Na quase totalidade das situações sem "Curso" para pai.

OS MIÚDOS INVADEM AS PRAIAS

O meu amigo Miguel, oito anos de gente, hoje não me pareceu nada bem, não trazia o sorriso pendurado na cara como de costume.
Tinha ido à praia e ficou mal disposto, cansado com o calor, disse. Mais uma vez fiquei a pensar como se sofre nas férias, às vezes.
A partir de Junho as praias da Costa da Caparica são invadidas por centenas de autocarros e carrinhas transportando miúdos das mais diversas origens e destinados a passar uma deliciosa manhã de praia. Os outros utilizadores têm a simpática e tranquila companhia destes bandos que ocupam literalmente o areal em grupos identificados por cores e zonas delimitadas por mochilas.
A coisa parece ser divertida, correr bem, mais areia, menos salto, mais mergulho, menos escaldão.
Ao fim da manhã, quando chega a hora da retirada o ar feliz dos miúdos é contagiante. Arrastam-se penosamente com as mochilas às costas pela areia. Pode observar-se uma espécie de jogo de praia em que os mais novitos são arrastados por solícitos amigos ou impacientes monitores e espalham-se para dentro dos autocarros e carrinhas que em mais uma agradável e amassada viagem os devolve à precedência. Quando se olha para dentro dos autocarros e carrinhas é extraordinário notar o ar feliz e de férias relaxantes que os miúdos trazem.
Com o calor destes últimos dias a coisa fica um bocado mais para o reconfortante, por assim dizer.
Por isso, o Miguel dizia mesmo a sério, “amanhã não vou à praia, fico com a minha avó”. Boas férias Miguel.

PS - Esta história não me faz esquecer que para muitos miúdos e famílias esta é a única oportunidade para uns dias de praia. Desejo sempre que se sintam felizes, que se divirtam, cansados mas felizes e divertidos.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

MAIS EXAMES. Agora tudo vai melhorar

Soube-se hoje que no próximo ano lectivo, de acordo com o calendário divulgado pelo ME já se realizarão exames no 2º ciclo. Não é surpresa, consta do programa do governo e vai ao encontro do discurso recorrente do Professor Nuno Crato.
Conheço estas posições mas ainda não percebi como é que, objectivamente, a introdução de mais exames contribui para a qualidade da educação em termos genéricos e torna mais bem sucedido o trabalho de alunos e professores, partindo do princípio de que os exames não servirão para promover "administrativamente" (por assim dizer) bons resultados. Os discursos que oiço na defesa dos exames não explicitam os ganhos de que aí advirão como hoje referiam os Professores Adalberto Dias de Carvalho da Univ. do Porto e José Pacheco da Univ. do Minho.
Esta ideia parece decorrer da estranha convicção de que se medir muitas vezes a febre, esta irá baixar o que é, no mínimo, ingénuo.
A introdução de mais exames como panaceia da qualidade promove, do meu ponto de vista, o risco do trabalho escolar se organizar centrado na preparação dos alunos para a multiplicidade de exames que realizam, ou seja, como me dizia há tempos um professor do ensino secundário, "o trabalho com os alunos é muito interessante mas a partir de certa altura sou eu e eles contra os exames".
A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a definição de currículos adequados e de vias diferenciadas de percurso educativo para os alunos sempre com a finalidade de promover qualificação profissional, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados de organização e funcionamento das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc. O problema é que de há muitos anos a educação anda à deriva das agendas políticas.
A defesa de mais exames, como muitas vezes é feita, corre o risco de sustentar um discurso demagógico, as referências a exigência e a rigor vendem bem, que deixa de lado os aspectos mais essenciais, a necessidade de promover qualificação para todos, sublinho todos, os alunos. Esta qualificação pode obter-se em diferentes níveis, desde o curso profissionalizante de curta duração até ao doutoramento.
E nesta perspectiva continuo pouco convencido da imprescindibilidade de mais exames, embora me pareça que é fundamental antecipar as consequências desta medida que parece irreversível.

SOS PAIS

O DN de hoje retoma uma matéria que, embora mereça referências esporádicas, não tem tido, do meu ponto de vista, a atenção que justifica. Refiro-me às dificuldades, diria incapacidade, que muitos pais sentem para lidar com os problemas colocados pelos filhos.
Segundo alguns dados conhecidos, cerca de 9%, dos casos de pedido de ajuda às Comissões de Protecção de Crianças e Jovens foram realizados pelos pais, o que corresponde a perto de 2350 situações e conforme o trabalho de hoje do DN continuam a aumentar.
Na maioria dos pedidos tratava-se obviamente de situações em que os pais já não conseguem controlar os comportamentos e atitudes de adolescentes, ou mesmo de crianças, pelo que recorrem às Comissões em situação muitas vezes de desespero e completamente fora de controle. Estas, através de um esforço de mediação, procuram evitar a situação, por vezes desejada pelos pais, da retirada da criança ou jovem do agregado familiar com recurso à institucionalização. Parece correcta a tentativa de manter até ao limite a integridade da família, desde que em condições de funcionalidade e equilíbrio.
A experiência mostra-me de há muito que o exercício da parentalidade, em algumas circunstâncias, não é tarefa fácil, as crianças e adolescentes colocam problemas novos com que muitos pais, e até profissionais, têm dificuldade em lidar. Embaraça-me a excessiva ligeireza com que frequentemente se culpam os pais pelos problemas dos filhos. Enquanto pais serão responsáveis, mas por vezes os problemas estão para além da capacidade de resposta das famílias. Não estou a falar dos casos de negligência, que também existem e devem ser objecto de intervenção, mas de dificuldades reais sentidas por pais que querem ser bons pais e da inexistência de estruturas de apoio acessíveis e generalizadas que ajudem a lidar com essas dificuldades.
Neste contexto e porque os problemas das crianças e jovens em idade escolar não podem deixar de envolver as escolas, parece-me imprescindível que nos estabelecimentos educativos ou próximo e com funcionamento articulado, existam dispositivos de apoio às famílias e ao exercício da parentalidade que ajudem no trabalho dos pais e à relação destes com a escola.

terça-feira, 28 de junho de 2011

A REFORMA DA ORGANIZAÇÃO E CONTEÚDOS DOS CURRÍCULOS. Será desta?

Esperemos que desta vez não seja um mero ajuste à organização e conteúdos curriculares. De há muito que me parece que sem uma séria reforma curricular não teremos alterações significativas e sólidas, não artificiais, nos conhecimentos dos miúdos e na qualidade do trabalho global das escolas. Nesta mudanças assumem especial centralidade as duas ferramentas fundamentais de acesso ao conhecimento, o domínio do português e da educação matemática.
A promoção de maiores competências e conhecimentos nestas duas áreas remete para o que me parece ser uma das mais urgentes prioridades dos nosso sistema educativo, a revisão curricular, quer a nível dos conteúdos, quer a nível da sua organização.
Se repararmos na matriz curricular em vigor parece relativamente claro que o tempo de trabalho destinado a português e à educação matemática dificilmente permitirão obter melhores resultados, apesar de iniciativas como o Plano Nacional de Leitura ou o Plano de Acção para a Matemática ou do trabalho das escolas que, através de dispositivos de apoio próprios, tentam minimizar as dificuldades de muitos alunos. Dado o volume de dificuldades e os recursos das escolas, estas iniciativas acabam, em regra, por ter como destinatários menos alunos do que o necessário.
Defendo um primeiro ciclo com seis anos e uma reorganização de conteúdos para estes primeiros anos de escolaridade obrigatória em que o Português e a e a Educação Matemática devem ocupar um lugar central.
Creio que de uma forma geral se entende que o correcto domínio da língua de trabalho, o português, é um requisito fundamental para as aprendizagens em todas as áreas curriculares, bem como a literacia matemática, base do conhecimento científico. Não se compreende, portanto, o pouco peso curricular dado ao português e à educação matemática, sobretudo no 2º ciclo em pleno processo de aquisição das ferramentas básicas de domínio da língua nas suas várias dimensões.
Assim sendo, independentemente da boa vontade de escolas e docentes ou de planos de natureza supletiva, a questão central remete para mais e melhor trabalho em dois domínios essenciais, a língua portuguesa e a educação matemática.
Considero também que o número de disciplinas e a extensão e natureza dos conteúdos curriculares se associam às questões mais frágeis do sistema educativo, designadamente no 3º ciclo, insucesso, absentismo e indisciplina, tudo dimensões fortemente ligadas aos níveis de motivação e funcionalidade percebida dos conteúdos curriculares. A lógica da "disciplinarização" excessiva dos saberes tem informado o sistema educativo mas também o sistema de formação de professores durante demasiado tempo, o que suporta esta disciplinarização sem sentido, 14 disciplinas para 25,5 horas de aulas no 3º ciclo. É, aliás, curioso notar, se bem estivermos atentos, a frequência com que a propósito de qualquer saber, se defende a existência de mais uma disciplina.
Deste quadro resulta, do meu ponto de vista a necessidade imperiosa de mudança significativa na organização e conteúdos curriculares. A ver vamos.

EXAME PARA PROFESSOR

No programa do Governo para a educação retoma-se uma ideia da realização do exame de entrada para a carreira docente que já Jorge Pedreira, ex-Secretário de Estado da Educação, tinha defendido há anos com o argumento de que existem Escolas de Ensino Superior sem qualidade e facilitistas, sempre o facilitismo, que não dão garantias de qualidade na formação dos seus alunos.
A falta de regulação da qualidade do ensino superior, público e privado, é algo que toda a gente minimamente conhecedora do meio tem como adquirido. É, no entanto, necessário um “pequenino” esclarecimento, a falta de regulação da qualidade de formação inicial, neste caso dos professores, é da exclusiva responsabilidade do Estado, através do quadro legal que definiu e da demissão com que encarou a proliferação de cursos públicos e privados que contribuindo, caso dos privados, para que milhares de jovens acedessem a formação de nível superior que as instituições públicas não tinham condições de providenciar, mas que nasceram e cresceram sem qualquer controlo sério de qualidade. Do caos instalado emergem, naturalmente, boas e más instituições. Regule-se pois a sua qualidade, (a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior mantém-se, felizmente), independentemente da questão do exame para entrar na carreira docente que me parece sustentável dado o quadro existente.
Ainda assim, já que pode ser sustentável a exigência de um exame para aferir do grau de preparação para o desempenho de funções, também os políticos deveriam passar por esse crivo. Sabe-se muito bem que as principais escolas de formação dos políticos, as juventudes partidárias, são de qualidade duvidosa, formando políticos novos já velhos, vejam-se os múltiplos exemplos em todos os partidos. Assim, defendo a institucionalização de um exame de entrada para a carreira política com base nos seguintes moldes:
Exame escrito de Língua Portuguesa avaliando o “domínio escrito da L.P. tanto do ponto de vista da morfologia e da sintaxe, como da clareza da exposição” e organização de ideias, além da “capacidade de raciocínio lógico”, (cito antiga proposta do ME, para os professores).
Exame escrito de competências técnicas e científicas envolvendo entre outros conteúdos: capacidade elaboração de promessas a partir de um tema, capacidade de comentar demagogicamente um texto, elaborar cinco opiniões diferentes a partir de um facto, citar, de forma organizada, dois nomes reconhecidos nas áreas económica, cultural e política, etc.
Exame oral em que se avalia o domínio de uma língua estrangeira para além do “portunhol”, a capacidade de elaboração de uma apresentação em “powerpoint” em três versões sobre o mesmo tema e, finalmente, a competência para defender uma ideia e o seu contrário no tempo limite de cinco minutos.
Entendo que se torna absolutamente imprescindível combater a incompetência, o facilitismo, o compadrio e o laxismo presentes na carreira dos políticos e na sua progressão.

MIÚDOS ON-LINE

Segundo dados divulgados no âmbito do PISA sobre a utilização das novas tecnologias os alunos miúdos portugueses utilizam mais a net em casa do que na escola e 98% têm computador em casa. A utilização em casa é superior à média dos países da OCDE e na escola é abaixo. É interessante que os alunos portugueses estão em primeiro lugar no que respeita ao assumir a competência para a produção de uma apresentação multimédia.
Sobre estes dados, nomeadamente a utilização da net em casa, algumas notas já por aqui deixadas em textos anteriores.
Um primeiro dado sobre a adesão das crianças às redes sociais. Um estudo realizado nos Estados Unidos pela revista "Consumer Reports" informa que estão registados 7,5 milhões de utilizadores no Facebook com menos de 13 anos, a idade recomendada pela rede social para proceder ao registo. Destes 7,5 milhões de utilizadores, cerca de 5 milhões têm menos de 10 anos e utilizam a rede social com baixo nível de supervisão dos pais. Parece-me justificável esta referência porque sendo um fenómeno emergente e global, importa que também entre nós se esteja atento à relação dos mais novos com as redes sociais e à forma como nós adultos lidamos com esta questão. Aliás, há pouco tempo foi também divulgado um estudo europeu do Projecto EU Kids, em que se referia que 38 % das crianças dos 9 aos 12 anos têm perfis nas redes sociais enquanto que na faixa dos 13 aos 16 a percentagem sobre para 78 %. Acresce que cerca de um quarto tem perfil público, portanto acessível a qualquer pessoa.
Recordo também que um estudo recente do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa sobre a utilização da net por parte de crianças e adolescentes, entre os mais novos, dos 8 aos 10 anos, 35.7% afirmam que utilizam a net em casa sem regras estabelecidas, sendo que 42% também referem que não têm controle dos pais sobre páginas consultadas e correio electrónico.
Estes dados, apesar de não surpreendentes, são preocupantes. Muitas vezes já aqui tenho referido como o ecrã, qualquer ecrã, é hoje a “baby-sitter” de muitíssimas das nossas crianças e adolescentes que neles, ecrãs, passam um tempo enorme “fechados”. Como também sabemos, parte importante desse tempo é passado só, facilitando a falta de controlo sobre a utilização do ecrã, neste caso a net. A situação é ainda agravada pelo facto de em muitas das nossas famílias ainda se verificar alguma iliteracia informática que também complica a possibilidade dos pais acederem e dominarem a utilização dos recursos informáticos. Neste quadro, importa que o acesso e domínio destes meios seja estimulado juntos dos pais, que os programas de net segura sejam reforçados, e que pelas vias da educação a tempo inteiro (não confundir com escola a tempo inteiro) e de mudanças na organização do trabalho, se diminua o tempo que as crianças e adolescentes passam, sós, ligadas a um ecrã.
Considerando as implicações e nos sérios riscos presentes na vida diária, importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda, em informação e na forma de lidar com os riscos, destinada aos pais de forma a que a utilização imprescindível seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes.

AS TRAGÉDIAS ANUNCIADAS

Peço desculpa pela insistência mas mais uma tragédia a isso obriga. Desta vez o drama de uma criança que, no meio de uma festa familiar, acaba por morrer trancada dentro do carro dos pais devido ao calor.
É evidente que existirá um lado de imprevisibilidade e risco na vida de todos os dias mas a verdade é que continuamos a ser um dos países europeus em que as crianças mais são vítimas de acidentes domésticos. Nas mais das vezes verifica-se alguma negligência ou excesso de confiança da nossa parte, adultos, na vigilância dos miúdos.
O que me parece importante sublinhar é que num tempo em que os discursos e as práticas sobre a protecção da criança estão sempre presentes também se verifica um número altíssimo de acidentes mortais o que parece paradoxal. Por um lado, protegemos as crianças de forma que, do meu ponto de vista, me parece excessiva e por outro lado e em muitas circunstâncias, adoptamos atitudes e comportamentos altamente negligentes e facilitadoras de acidentes que com a inexperiência e o à vontade próprias dos mais pequenos podem ter consequências trágicas.
A culpa que alguém pode carregar depois de uma episódio desta natureza será, creio, suficientemente forte para que deixemos de lado o aspecto da culpabilização. A questão é mesmo de promover uma cultura de atenção e de minimização, tanto quanto possível, das situações de risco.
E não vale a pena pensar que só acontece aos outros.

A HISTÓRIA DO SIMPLES

Era uma vez um rapaz chamado Simples o que na verdade é um nome um pouco estranho, embora, nesta coisa de nomes, nunca se saiba.
O Simples era um rapaz absolutamente tranquilo e normal, seja lá isso o que for.
Gostava de brincar com os amigos, não era muito de arranjar problemas e de uma forma geral a miudagem lá da escola gostava dele.
Era um aluno normal, sem grandes dificuldades mas também sem grandes rasgos de brilhantismo, ou seja e como se costuma dizer, cumpria com o que era solicitado sem sobressaltos ou dificuldades de maior.
O Simples comportava-se como era de esperar na sua idade. É certo que por vezes lá apareciam umas brincadeiras, fora do tempo, por assim dizer, mas os miúdos como se sabe, nem sempre acertam com o tempo.
Gostava do irmão com quem brincava quando tinha algum tempo e, por vezes, ajudava-o no trabalho de casa.
Dava-se bem com os pais de quem, de uma forma geral acatava as orientações e regras ainda que, uma vez por outra e como todos miúdos, lá pisasse o risco que uma fala mais dura ou um olhar mais firme ajustava sem problemas.
Curiosamente, muita gente, sobretudo adultos, achava qualquer coisa de estranho no Simples. As pessoas tinham dificuldade em entender um miúdo assim tão Simples. Quase não existem, dizem.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

EXAMES DIFÍCEIS? FÁCEIS? ASSIM, ASSIM? Tem dias

Os exames nacionais do Secundário têm cumprido nos últimos anos duas funções em simultâneo, certificar o cumprimento do Ensino Secundário e ordenar o processo de candidatura ao Ensino Superior. Sempre me pareceu uma má decisão, a certificação dos saberes do Secundário é uma tarefa do Secundário e o acesso ao Superior é uma tarefa do Superior e, portanto, deveriam estar separadas. Espero que a nova equipa do ME que junta secundário e superior considere tal questão. Mas isso seria uma outra conversa. Voltando aos exames e considerando o facto de a educação se ter transformado, também, numa arena de interesses políticos, partidários e corporativos, creio que, mais do nunca, estarão outros aspectos em exame.
Estará em exame o grau de dificuldade dos exames. Exames mais acessíveis tenderão a ser interpretados como forma de promoção de sucesso escolar com objectivo de promover estatísticas favoráveis ao ME como, aliás, tem acontecido. Exames menos acessíveis serão considerados como excessivamente selectivos.
Estará, como sempre, em exame a política do ME. Com os tempos conturbados que se vivem e o clima instalado nas escolas, os resultados nos exames tenderão a ser instrumentalizados, quer sejam mais positivos, o empenho e o profissionalismo resistente dos professores, quer sejam menos positivos, a perturbação introduzida nas escolas teria de ter consequências.
Estará em exame o trabalho dos professores e escolas, tanto o desenvolvido nas aulas como o desenvolvido em dispositivos de apoio e em condições de funcionamento contributivas para o maior ou menor sucesso. Também aqui os resultados, seja qual for o sentido, serão apropriados pelas diferentes visões em campo. Ou serão apropriados por estruturas representativas dos professores ou pelo discurso do ME.
Finalmente, estará em exame o conhecimento e o grau de preparação dos alunos, justificação primeira da sua existência mas que nem sem sempre são devidamente consideradas. Se os resultados são mais positivos os exames eram fáceis, se são menos positivos, os exames eram difíceis. É bom não esquecer que a maioria os estudantes procura preparar-se a sério para os exames.
Aguardemos então pelas apreciações. Sem surpresa discutir-se-á o grau de dificuldade dos exames.

O PROFESSOR E O ÁLVARO

Para começar a semana, mais uma que se anuncia pesada, vêm aí mais medidas de austeridade, Passos Coelho dixit, e os alertas sobre o calor e o risco de incêndios também não ajudam, julgo oportuno algo de mais leve.
O ministro da Economia e etc. disse publicamente que preferia ser tratado por Álvaro que por ministro, na linha do que se passa em matéria de tratamento pessoal em muitas paragens fora do Portugal dos Pequeninos.
Logo o Professor, um conhecido entertainer político que opina sobre tudo e lê livros na brasa, veio a terreiro abespinhado. Não pode ser, diz, um dia destes acontecerá o motorista perguntar, "Álvaro, vamos para o ministério ou paramos para um café?". Realmente, onde já se viu tamanho desconchavo.
O Professor tem razão, temos de respeitar os títulos. Num país onde alguns treinadores de futebol, por exemplo, com formação universitária na área do desporto são tratados por Professor como o famoso Professor Neca ou o Professor Manuel Machado, ou que temos o Professor Karamba, chamar Álvaro ao ministro é ofensivo.
E depois se vingasse a pretensão do ministro como ficaria aquela multidão de Drs. ou Engs. que exigem tal tratamento, conheço alguns que até nas relações mais pessoais o solicitam, exigem.
O Professor tem mesmo, como não podia deixar de ser, a razão do seu lado. Não se consegue imaginar alguém a dirigir-se-lhe e a perguntar qualquer coisa como "Marcelo, como acha que vai evoluir a situação?". Acho que nem se perceberia de quem se estava a falar. Mas era do Professor, é claro.
O Professor do Portugal dos Pequeninos.

UMA HISTÓRIA SEM PÉS NEM CABEÇA. Outro diálogo improvável

Uma vez a professora pediu aos miúdos que inventassem uma história.
Quando no dia seguinte devolveu o trabalho aos miúdos deixou para o fim a história do Tiago e disse-lhe.
Tiago, tive alguma dificuldade em perceber a história que escreveste. Não tem pés nem cabeça.
Professora, o que é a cabeça da história e o que são os pés da história.
Bom, todas as histórias tem um começo e, naturalmente, um fim, ou seja, aquilo que se conta na história começa e depois termina de uma forma que quem escreve escolhe como é.
Mas professora, a minha história, também começou e também acabou.
Sim, mas não se percebe bem.
Então é a Professora que não percebeu como a minha história aconteceu. As histórias quando são inventadas podem ser de todas as maneiras.
É verdade, mas é bom que as outras pessoas percebam as histórias que inventamos.
Eu contei a história à minha irmã e ela fartou-se de rir, ela gostou da história. O meu avô contava histórias assim e a gente gostava.
Mas estamos na escola Tiago.
Já percebi, na escola só se podem inventar histórias com pés e cabeça mas ainda não sei o que é a cabeça da história e o que são os pés da história.
Tiago, não sei mais o que te dizer. Bom, vamos então trabalhar na ficha de hoje, abram os vossos manuais.

domingo, 26 de junho de 2011

DE TANTO CHUMBAR, UM DIA APRENDES

O Expresso deste sábado que só hoje consegui ter tempo para ler, apresenta um trabalho muito interessante sobre uma questão que recorrentemente refiro, a reprovação escolar. Esta matéria está completamente na agenda pois, quer o novo ministro da Educação, o Professor Nuno Crato, quer o CDS-PP que integra a coligação no poder, defendem a introdução de mais exames, com hoje também se refere no Público.
Antes de algumas notas reincidentes, alguns dados citados pelo Expresso relativos ao ano passado.
No ensino básico chumbaram 77 000 alunos e no secundário 41 500. Neste número não estão incluídos alunos que frequentam currículos alternativos. No 1º ciclo chumbam cerca de 16 000 crianças, 3,5%, metade logo no 2º ano, o que é notável. Segundo uma investigação do ISCTE também citada, 35 % dos alunos tem Plano de Recuperação sendo que destes, 30 % acabam por chumbar. Os 7º e 9º anos do 3º ciclo têm retenções de 16% e 13% respectivamente. Portugal é um dos cinco países da UE com mais chumbos. Segundo relatório recente da Comissão Europeia, aos 15 anos 34.5% dos alunos portugueses já tinham chumbado, sendo que a média da UE a 27 é 16% e na Finlândia é menor que 3%.
Este quadro parece indiciar que reprovar mais não produz mais sucesso. Escapa-me a insistência no chumbo como forma de promover qualidade.
Muitos estudos internacionais também mostram que os alunos que começam a chumbar, tendem a continuar a chumbar, ou seja, a simples repetição do ano, não é para muitos alunos, suficiente para os devolver ao sucesso. Os franceses utilizam a fórmula “qui redouble, redoublera” quando referem esta questão.
Nesta conformidade, a questão central não é o chumba, não chumba e quais os critérios (quantas disciplinas, por exemplo) é que tipo de apoio, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores e famílias de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É necessário diversificar percursos de formação com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional. Como é evidente este tipo de discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação uma tentação a que nem sempre se resiste.
Neste cenário a insistência na introdução de mais exames como panaceia da qualidade corre, do meu ponto de vista, o risco do trabalho escolar se organizar centrado na preparação dos alunos para a multiplicidade de exames que realizam, ou seja, como me dizia há tempos um professor do ensino secundário, "o trabalho com os alunos é muito interessante mas a partir de certa altura sou eu e eles contra os exames".
Esta perspectiva, mais exames como fonte de qualidade, parece decorrer da estranha convicção de que se medir muitas vezes a febre, esta irá baixar o que é, no mínimo, ingénuo.
A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados de organização e funcionamento das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc. O problema é que de há muitos anos a educação anda à deriva das agendas políticas.
A defesa de mais exames, como muitas vezes é feita corre o risco de sustentar um discurso demagógico, as referências a exigência e a rigor vendem bem, que deixa de lado os aspectos mais essenciais.

RATING: LIXO. Que se lixem.

A edição de hoje do Público apresenta um elucidativo trabalho sobre as agências de rating e formas de funcionamento. Por coincidência, tinha colocado aqui um texto há dois dias onde me referia a estes nossos "parceiros" recentes. Assim, pedindo desculpa pela insistência repetitiva, aqui fica a reflexão sobre o papel destas agências.
Durante muito tempo as referências a lixo decorriam sobretudo dos nossos bons hábitos de cidadania ao transformar cada recanto de estrada numa lixeira e cada pedaço de jardim urbano numa mini-lixeira.
Com o tempo, as referências a lixo foram-se ligando de forma cada vez mais significativa ao discurso eco-preocupado. Passámos a entender que se deve produzir menos lixo reaproveitando o que é possível, que se deve combater e eliminar as lixeiras e que o lixo deve ser separado e reciclado a bem do desenvolvimento sustentado e sustentável que melhora a nossa qualidade de vida.
À excepção de uma parte da nossa classe política e liderança económica que tem insistido na produção de lixo e na poluição do nosso clima social e económico deixando uma pegada ética de assinalável dimensão, a coisa parecia estar a caminhar no bom sentido.
Eis senão quando emergem uns abutres sem alma que gerem um deus chamado mercado e que desatam a transformar em lixo quem muito bem entendem à luz dos seus objectivos de saque imoral e escandaloso, criando milhões de pobres, esses sim assumindo a condição de lixo.
Refiro a essa coisa chamada "agências de rating" que enquanto cabeças de um polvo que as alimenta e que delas se alimenta, transforma países em lixo, empresas em lixo, bancos em lixo com critérios que, frequentemente, nem os especialistas entendem mas que a alguém irão certamente servir.
Nós, portugueses, também já somos lixo, os nossos bancos são lixo, as nossas empresas são lixo, enfim, esperamos agora pela reciclagem de que os abutres ditam as regras e com a qual o continuarão a sacar.
Como diz o povo, só à vassourada, mas não é só no lixo, é nos abutres que nos transformam e tratam como lixo.

sábado, 25 de junho de 2011

FAZ CALOR NO ALENTEJO. A sério?

Creio que hoje é o primeiro dia de calor bravo aqui pelo Meu Alentejo. Logo surgem as incontornáveis e patéticas reportagens sobre o modo como os alentejanos lidam com o calor, tal como surgem nos dias de frio com o pessoal de Trás-os-Montes. Há pouco comentava com o Mestre Zé Marrafa o calor e os avisos que o anunciavam.
O Velho Marrafa lá me disse, eu acho que para me agradar, que achava que embora estivesse calor, o problema era mais à noite porque as casas não arrefecem, de dia anda-se na lida e "não tem dúvida", expressão peculiar no Alentejo.
Numa de indivíduo atento e informado introduzi na conversa a recorrente informação sobre os alertas e respectivas cores com que somos bombardeados, neste caso devido ao calor.
O Velho Marrafa, por simpatia e generosidade alentejanas, não disse o que lhe terá passado pela cabeça, certamente qualquer coisa como "tão sempre a inventar molengas", foi mais comedido e considerou engraçado essa "coisa dos alertas". Então, dizia ele, estão a avisar-nos que faz calor no Alentejo, estamos no Verão queriam o quê? O Alentejo sempre teve calor no Verão, uns dias mais ásperos que outros, mas sempre quentes. A gente lida com o calor, anda mais coberto e bebe mais água. Deviam avisar a gente, continuava o Mestre, era se viesse aí frio em Agosto, que a gente ainda se constipava, e ria-se com aqueles olhos pequeninos pretos debaixo da pala do boné, a boina como ele lhe chama, que lhe protege a cabeça do calor, é claro.
Comecei a pensar e realmente não havia nada de novo que merecesse um alerta, é Verão e está calor no Meu Alentejo.
É assim, sempre foi.

NA LISTA DE ESPERA PARA SER EDUCADO

Nas últimas semanas tem vindo a aparecer com alguma frequência notícias da passagem significativa de alunos do ensino privado para o ensino público, ao que parece, devido à progressiva dificuldade das famílias em assumir os encargos com a frequência do subsistema do ensino privado.
O Público de hoje retoma a notícia e sublinha a maior dificuldade de resposta na educação pré-escolar, verificando-se a existência de muitas escolas e agrupamentos com extensas lista de espera para os mais novos.
Esta situação obriga-me, de novo, a alguma notas.
Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos, creches e jardins-de-infância, e serviços para crianças o que obviamente constitui uma enorme dificuldade para as famílias, sendo, aliás, um pesado constrangimento a projectos de maternidade acentuando o caminho regressivo da nossa demografia.
É importante referir que alguns estudos revelam que as mulheres portuguesas são de entre as europeias as que mais valorizam a carreira profissional e a família, a maternidade e também é sabido que as mulheres portuguesas são das que mais tempo trabalham fora de casa o que dificulta a conciliação que desejam entre profissão e parentalidade.
Este quadro, baixa natalidade e necessidade de acolhimento das crianças, exige, naturalmente, o repensar das políticas de apoio à família que numa situação de dificuldade como a que atravessamos ganham ainda maior pertinência.
É urgente a curto médio a curto e médio prazo, por exemplo, o aumento da acessibilidade aos equipamentos e serviços para a infância com o alargamento da resposta pública de creche e educação pré-escolar, cuja oferta está claramente abaixo do necessário.
Pode parecer disparate mas acho que se poderia investir na construção de redes comunitárias de apoio e guarda das crianças, aproveitando, por exemplo, os seniores que estão sós, desocupados e cheios de vontade de ser úteis a “filhos” e a “netos” que deles precisem.
Numa época de vacas magras a definição de prioridades é ainda mais exigente e deve ser também mais escrutinada no âmbito da cidadania. Do meu ponto de vista, investir adequadamente em políticas de família é investir no futuro. No entanto, pode haver quem chame futuro a mais auto-estradas, por exemplo.

LIXO

Durante muito tempo as referências a lixo decorriam sobretudo dos nossos bons hábitos de cidadania ao transformar cada recanto de estrada numa lixeira e cada pedaço de jardim urbano numa mini-lixeira.
Com o tempo, as referências a lixo foram-se ligando de forma cada vez mais significativa ao discurso eco-preocupado. Passámos a entender que se deve produzir menos lixo reaproveitando o que é possível, que se deve combater e eliminar as lixeiras e que o lixo deve ser separado e reciclado a bem do desenvolvimento sustentado e sustentável que melhora a nossa qualidade de vida.
À excepção de uma parte da nossa classe política e liderança económica que tem insistido na produção de lixo e na poluição do nosso clima social e económico deixando uma pegada ética de assinalável dimensão, a coisa parecia estar a caminhar no bom sentido.
Eis senão quando emergem uns abutres sem alma que gerem um deus chamado mercado e que desatam a transformar em lixo quem muito bem entendem à luz dos seus objectivos de saque imoral e escandaloso, criando milhões de pobres, esses sim assumindo a condição de lixo.
Refiro a essa coisa chamada "agências de rating" que enquanto cabeças de um polvo que as alimenta e que delas se alimenta, transforma países em lixo, empresas em lixo, bancos em lixo com critérios que, frequentemente, nem os especialistas entendem mas que a alguém irão certamente servir.
Nós, portugueses, também já somos lixo, os nossos bancos são lixo, as nossas empresas são lixo, enfim, esperamos agora pela reciclagem de que os abutres ditam as regras e com a qual o continuarão a sacar.
Como diz o povo, só à vassourada, mas não é só no lixo, é nos abutres que nos transformam e tratam como lixo.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

ESCOLAS BEM ORGANIZADAS, GERIDAS E LIDERADAS, MAS COM MENOR CAPACIDADE DE MELHORIA

São conhecidos os resultados da avaliação externa dos agrupamentos e escolas realizada pela Inspecção-geral de Educação no ano lectivo 2009/2010. Num universo de 233 agrupamentos e 67 escolas, quatro estruturas educativas obtiveram "muito bom" nos cinco parâmetros considerados, "Resultados", "Prestação de serviços educativos", "Organização e gestão escolar", "Liderança" e "Auto-regulação e melhoria".
Neste espaço não é possível uma reflexão mais aprofundada sobre estes dados começando pelos instrumentos e metodologia de avaliação. Apenas algumas notas telegráficas.
O parâmetro "Capacidade de auto-regulação e melhoria" é o que merece uma avaliação menos positiva, quase metade das estruturas avaliadas não vai além do "Suficiente" o que contrasta com "Organização e gestão escolar" e "Liderança" em que 92% merecem "Muito bom". Parece também interessante sublinhar o excesso de carga burocrática que o modelo de avaliação em utilização exige e a necessidade de que a avaliação ponderasse factores de natureza contextual como condições económicas e sociais dos territórios educativos em que se inscrevem as diferentes escolas e agrupamentos. São dados curiosos.
Se bem entendo as escolas e agrupamentos estão muito bem organizadas, muito bem lideradas mas não têm capacidade de melhoria e regulação. Parece no mínimo estranho. Creio não estar enganado no entendimento de que a melhoria e regulação dependem da organização e gestão escolar e, obviamente, da liderança. Como entender pois, que agrupamentos e escolas bem organizadas, geridas e lideradas revelem uma menor capacidade de melhoria e regulação?
Do meu ponto de vista, já o tenho afirmado, o actual modelo de organização das escolas e do trabalho dos professores leva a que um número extraordinário de horas de trabalho dos docentes seja dedicado a um conjunto interminável de actividades, a inúmeras tarefas de natureza quase administrativa, para além das reduções inerentes à progressão na carreira e de outras funções não lectivas. Tudo isto contribui para que em termos práticos tenhamos um modelo menos eficiente e facilitador do trabalho dos alunos e os próprios professores, cujo empenho e profissionalismo esbarra muitas vezes com modelos inadequados de organização e funcionamento das escolas. Este quadro parece-me contribuir para entender a dificuldade de promover regulação e melhoria em estruturas que, paradoxalmente, se consideram "bem organizadas e geridas". Parece-me que não estão e este é um aspecto central.
Temo que a necessária discussão sobre os dados da avaliação se centre excessivamente em aspectos de forma e menos nos e menos nos aspectos essenciais, as práticas que se desenvolvem, os modelos (no plural) de organização e do trabalho em sala de aula, os modelos de organização e funcionamento das escolas, o modelo e a organização da carreira docente envolvendo os conteúdos funcionais, etc., ou seja, um caminho efectivo e desejável de autonomia das escolas e agrupamentos.

A IGREJA E A CONDIÇÃO FEMININA

Na mesma semana em que se produziram inúmeros discursos registando o facto de a Presidência da Assembleia da República ser pela primeira vez assumida por uma mulher, Assunção Esteves, D. José Policarpo, Cardeal Patriarca de Lisboa, afirma no JN que as mulheres só serão ordenadas quando Deus quiser, o que me parece significar nunca, pois os homens, estes homens, o poder dentro da igreja, não quererão, esperam que seja Deus a querer.
Curiosamente, há já algum tempo D. José Policarpo avisou ser necessário ter cuidado com os muçulmanos pois as meninas europeias correm o sério risco de arranjar um monte de sarilhos ao casarem-se com a gente de Alá. Apesar de defensor do diálogo inter-religioso, D. José Policarpo alerta para as especificidades religiosas e para as suas implicações, por exemplo, ao nível da condição feminina.
É importante este aviso e esta preocupação.
Estranho, no entanto, as sucessivas posições da igreja desfavoráveis ao divórcio quando, manifestamente, a família não funciona e estranho o entendimento de que as pessoas divorciadas percam “direitos” de natureza religiosa. Estranho o imobilismo face à discriminação do acesso das mulheres ao sacerdócio agora reafirmado colocando a decisão nas insondáveis mãos de Deus. Estranho o ruidoso silêncio sobre maus-tratos e violência doméstica dirigidas a mulheres, à luz do princípio de que “há que proteger a família”. Estranho as posições da igreja face à interrupção voluntária da gravidez e da contracepção, que, frequentemente, estão na base de situações de grande sofrimento para as mulheres e, eventualmente, para muitas crianças.
É velha a presunção de superioridade religiosa, apenas se actualizam os discursos. Talvez também seja por esta aparente incapacidade de ajustamento a tempos que são diferentes que se regista um progressivo afastamento, designadamente entre os mais novos, das convicções religiosas.

UM TEXTO ESTRANHO, ESQUISITO MESMO

Existem muitos miúdos que estão ausentes da sala de aula mesmo estando presentes.
Quando assim é, um presente que está ausente, passa a ser um ausente.
Um ausente, estando ausente do presente, estará, provavelmente, ausente do futuro.
Não podemos tranquilamente aceitar que existam miúdos ausentes do futuro.
Curiosamente, a muitos deles oferecemos imensos presentes que, muitas vezes, são inúteis para que os miúdos estejam presentes no futuro.
E eles continuam ausentes.
Por isso, a questão não é dar-lhes presentes.
É considerá-los um presente.
Um presente que garante o futuro.
Um futuro onde eles estarão presentes.
Se no presente não estiverem ausentes.
Texto estranho, esquisito mesmo.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

SE CUIDAR É CARO, FAÇAM AS CONTAS AO DESCUIDAR

Nas situações em que se torna necessário proceder a redução de despesas coloca-se obviamente a questão dos critérios ou prioridades a seguir nesse esforço de redução. Não se trata de uma situação fácil, mas na verdade, a qualidade das lideranças e das suas decisões aferem-se melhor em contextos de maior dificuldade.
Serve esta introdução para referir o alerta contido no relatório hoje divulgado do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência sobre os efeitos negativos que os cortes anunciados podem ter no trabalho positivo que reconhecidamente tem vindo a ser desenvolvido em Portugal.
Há algum tempo foi noticiado que em virtude dos limites orçamentais o Instituto da Droga e da Toxicodependência iria prescindir dos serviços de algumas centenas de técnicos, psicólogos e assistentes sociais, que integravam as unidades de tratamento de proximidade com resultados conhecidos. O IDT procederá ainda ao encerramento de unidades de atendimento ao nível concelhio em vários locais do país.
O presidente do IDT embora reconhecendo o impacto negativo procura desvalorizar a situação. Por outro lado, sem o peso da hierarquia a condicionar opiniões, os especialistas referem as consequências negativas de tal decisão que, aliás, começou a ser conhecida há já uns meses.
Existem áreas de problemas que afectam as comunidades em que os custos da intervenção são claramente sustentados pelas consequências da não intervenção, ou seja, não intervir ou intervir mal é sempre bastante mais caro que a intervenção correcta em tempo oportuno. A toxicodependência é uma dessas áreas. Um quadro de toxicodependência não tratado desenvolve-se habitualmente, embora possam verificar-se excepções, numa espiral de consumo que exige cada vez mais meios e promove mais dependência. Este trajecto potencia comportamentos de delinquência, alimenta o tráfico, reflecte-se nas estruturas familiares e de vizinhança, inibe desempenho profissional, promove exclusão e “guetização”. Este cenário implica por sua vez custos sociais altíssimos, persistentes e difíceis de contabilizar.
Costumo dizer em muitas ocasiões que se cuidar é caro façam as contas aos resultados do descuido. Assim sendo, dificilmente se entendem algumas opções.

VIDA DE STRESS? Sim, a de muitos miúdos

As questões ligadas ao stress, seja lá isso o que for, entraram decididamente no nosso quotidiano. Depois de uns meses muito preocupados com os testes de stress à banca, coisa para mim inovadora, hoje fico saber que o stress da cidade deixa marcas no cérebro das pessoas. Os cientistas que realizaram o estudo encontraram diferenças entre as pessoas que vivem nas cidades e as que vivem no campo, por assim dizer. Fiquei perplexo. A sério? Parece mesmo que sim.
Do meu ponto de vista podemos estar perante um equívoco. O problema não é a cidade, são os estilos de vida da maioria de nós. Quem habitar em zonas rurais e mantiver estilos de vida com determinadas características corre os mesmos riscos. Pode viver-se tranquilamente na cidade, depende das rotinas que queiramos ou conseguirmos instalar.
Como já uma vez aqui referi, inquieta-me bastante mais o stress presente na vida de muitos miúdos que não têm autonomia nem capacidade de auto-determinação para modificarem a sua stressantes narrativa.
Em 2010, o Relatório da Acção de Saúde para Crianças e Jovens em Risco da Direcção-Geral de Saúde refere que foram detectados 3551 casos de maus-tratos, cerca de 10 por dia, considerando apenas os casos identificados.
Muitos miúdos passam o dia a saltitar entre actividades e a correr de espaço para espaço sem tempo para respirar.
Muitos milhares de miúdos vivem em famílias que experimentam tremendas dificuldades em assegurar patamares mínimos de bem-estar e qualidade de vida.
Muitas crianças são vítimas de maus-tratos e negligência que transforma a sua vida num inferno inaceitável.
Muitos miúdos e adolescentes são fortemente pressionados pelas famílias para a excelência do desempenho vivendo angustiadas perante o risco do fracasso e de se sentirem responsáveis por expectativas familiares defraudadas.
Muitos miúdos e adolescentes vivem em ambientes afectivamente hostis, ameaçadores da sua auto-estima e confiança quando não vitimizados pela fragilidade que demonstram.
Muitos adolescentes sentem-se perdidos e incapazes de construir um projecto de vida viável capaz de os rebocar até ao futuro.
Os exemplos poderiam crescer, mas parecem suficientes para mostrar o nível de especialização que muitas crianças, adolescentes e jovens já atingiram em experência de stress.
E só falei dos mais novos.
A questão, insisto, é mesmo o estilo de vida, a cidade pode não ser stressante.

OS MIÚDOS ATRAPALHAM

Enquanto os joelhos e a idade me permitiram fui um furioso praticante de futebol, amador é claro, que os dotes não davam para mais, embora a motivação fosse muita.
Nesses tempos quando nos queríamos referir a alguém que jogava à bola mas era "pé de pedra", usávamos uma expressão que de vez em quando recordo. Era qualquer coisa como "o tipo até nem é mau jogador, a bola é que o atrapalha um bocado".
Quase sempre recordo esta expressão quando oiço alguns pais, raros, e alguns professores, ainda mais raros, a falar dos miúdos, filhos ou alunos. De facto, às vezes, fico a pensar para com os meus botões, "até nem são mau educadores ou professores, os miúdos é que atrapalham um bocado".
E na verdade os miúdos atrapalham um bocado esta coisa de lidar com eles.
Continuam a ser fornecidos sem manual de instruções e muitas vezes sem serem desejados, pelos pais, ou objecto de investimento, por professores. Os miúdos nestas circunstâncias transformam, quer em casa quer na escola, a educação numa coisa a que chamo aturação, deixam de ser educados para passarem à condição de aturados ou suportados.
Os miúdos têm a mania de ser diferentes uns dos outros o que, obviamente, só atrapalha. Uns aprendem mais depressa, outros mais devagar, uns são mais inteligentes, outro são menos dotados, uns são mais simpáticos, outros são menos simpáticos, uns têm uma cor, outros têm outra, até há alguns a quem chamam mesmo os diferentes, esses é que atrapalham mesmo. E mais diferenças podíamos enunciar porque não existe alguém igual a outro alguém.
Além disso e para complicar a atrapalhação, os miúdos precisam que lhes dêem tempo, lhes dêem atenção e disponibilidade, bens que, como sabem, não são fáceis de providenciar.
Bom, bom seria, se eles aprendessem todos a mesma maneira e sem grandes ajuda, que eles crescessem por si e sem incomodarem muito, ficava tudo bastante mais fácil. Lamentavelmente, a coisa não funciona assim e para algumas pessoas, muito poucas, mesmo muito poucas, os miúdos atrapalham mesmo.
E os miúdos sabem quando atrapalham, uns gritam para dentro, outros gritam para fora.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

CORRUPÇÃO

A passagem de olhos pela imprensa de hoje deixa uma sensação absolutamente aterradora. Não, não estou a falar da crise económica. Vejamos.
No DN, Maria José Morgado assume e um relatório da Inspecção-geral das Autarquias Locais demonstra que o estado não consegue combater a corrupção nas autarquias.
Pelo JN ficamos a saber que João Pedroso redigiu ele próprio os contratos que por adjudicação directa o ligaram ao Ministério da Educação para realizar tarefas que não cumpriu tendo recebido o pagamento.
No I refere-se que a Inspecção-geral de Finanças avalia em 40% as despesas com medicamentos decorrentes de fraude. E pode não ser tudo, acrescenta-se.
Também no I ainda uma referência à Inspecção-geral de Finança que detectou no sistema de justiça pagamentos em excesso, não autorizados e até subsídios a magistrados já falecidos.
No mesmo jornal pode ler-se que o Tribunal de Contas detecta quase 3 000 milhões de euros de despesa pública irregular.
Ainda mais uma irrelevância citada no I. A Inspecção-geral de Finanças obriga gestores da ANA a devolver 60 000€.
No mesmo dia, convenhamos que é obra.
Há poucos dias foi noticiado que segundo o último relatório da Transparency International, Portugal é um dos 21 países em que existe "pouca ou nenhuma implementação" da Convenção anti-corrupção da OCDE. No mesmo relatório sugere-se o aumento das penas para este tipo de crimes e, naturalmente, mais eficácia e empenho no seu combate. Neste contexto faz também sentido lembrar que os últimos indicadores do Barómetro Global da Corrupção, também no âmbito da Transparency International, mostram que 83% dos portugueses acham que piorou a questão da corrupção e 75% não acredita na eficácia do combate.
Neste quadro parece-me importante não esquecer que a economia paralela representa cerca de 24% do PIB português, facto que, do meu ponto de vista, não deve ser desligado do fenómeno da corrupção.
O que me parece verdadeiramente inquietante é instalada e persistente sensação de que não existe vontade política de combater a corrupção. Veja-se, aliás, o número residual de condenações por este crime.
A teia de interesses que ao longo de décadas se construiu envolvendo o poder político, a administração pública, central e autárquica, o poder económico, o poder cultural, a área da justiça e segurança, parte substantiva da comunicação social e toda a relação do dia a dia com a "atençãozinha" ou o "dar um jeitinho", dificulta seriamente um combate eficaz e mudança cultural nesta matéria. Este combate passará, naturalmente, por meios e legislação adequada, mas passa sobretudo pela formação cívica que promova uma outra cidadania. Estarão lembrados que há algum tempo atrás foram divulgados estudos evidenciando a nossa atitude tolerante para com a corrupção.
Certamente que poderíamos viver sem a corrupção, "atençãozinha" ou o "jeitinho", mas não era a mesma coisa. Depois, é uma questão de escala, varia entre o favorzinho irrelevante e o negócio de muitos milhões.

A HISTÓRIA DO CULPADO

Era uma vez um rapaz chamado Culpado. É um nome um bocado estranho e na verdade ninguém sabia se ele se chamava mesmo Culpado, mas toda a gente o tratava assim.
Os colegas na escola não tinham grandes dúvidas que se alguma coisa acontecesse e não se soubesse exactamente quem tinha feito tal coisa, só podia mesmo ser o Culpado.
Com o tempo também os professores foram entendendo que o Culpado seria o responsável por tudo o que de menos bom acontecia na escola. Logo que não percebessem com clareza quem teria sido o autor ou autora concluíam, claro, que teria de ser o Culpado.
Os pais do Culpado, embora de início achassem que o seu filho não poderia ser o causador de todos os problemas que se passavam na escola, acabaram também por se convencer que o Culpado estava sempre envolvido nesses problemas.
Como é evidente, as pessoas não tinham outra alternativa. Entre um Francisco, uma Maria e um Culpado quem poderia ser o responsável por qualquer asneira?
O Culpado é claro. Por isso é tão importante que exista sempre um Culpado. Fica tudo muito mais fácil.
Para nós, os Franciscos e as Marias, é claro.

terça-feira, 21 de junho de 2011

COMBATE AO DESPERDÍCIO. Like

Uma vez que me converti (pouco) ao Facebook comento assim a informação sublinhada pelo Público de que o novo governo já não substituirá os governadores civis, inscrevendo esta decisão na sua intenção de reforma da organização da administração do estado. Em actualização sabe-se que após a apresentação da demissão dos governadores civis o governo entendeu não os substituir até ao anunciado processo de extinção.
Como é óbvio, esta medida é quase irrelevante do ponto de vista orçamental sendo, isso sim, um sinal de que podem verificar-se mudanças.
No entanto, aqui entra algum do meu cepticismo, as mudanças mais profundas são, naturalmente, mais difíceis de produzir mas bastante mais necessárias. Algumas notas.
Todos reconhecemos a existência de uma teia de entidades e organismos inúteis e dispensáveis que apenas existem para alimentar as clientelas partidárias, de todos os partidos que chegaram ao governo. Sempre que se verificam auditorias e inspecções a diferentes serviços e organismos da administração local ou central, emergem níveis assustadores de ineficácia e desperdício no funcionamento e gestão dessas estruturas. Lamentavelmente, como todos sabemos, não é um problema novo nem conjuntural, é velho e estrutural. A grande questão é a irresponsabilidade e a impunidade negligente com que as sucessivas lideranças políticas têm lidado com esta questão. Os interesses partidários, a distribuição de jobs pelos diferentes boys prevalecem em detrimento do bem comum..
No actual quadro de crise pode acontecer, vou ser optimista, que finalmente se verifique um empenho verdadeiro no combate ao desperdício que é um dos mais gigantescos sugadouros de recursos, praticamente um poço sem fundo. Chamo, no entanto, a atenção para as diferentes áreas de desperdício. A título de exemplo, considere-se o tempo, um bem de primeira necessidade, que se desperdiça em inutilidades, por má gestão ou organização, que se dedica a discussões estéreis e ruidosas seja em reuniões improdutivas ou em debates inconclusivos por incompetência, demagogia ou intenção.
Considere-se ainda o desperdício de competências e de pessoas que, por falta de oportunidade ou de políticas ajustadas, públicas ou privadas, são completamente subaproveitadas.
Lembro-me também de algo a que costumo chamar de “agitação improdutiva” que envolve muitíssimas situações de pessoas que aos mais diversos níveis e em diferentes circunstâncias se empenham, se esforçam, mas com baixos níveis de qualidade e rentabilidade por má gestão ou organização penalizadora das pessoas e das instituições.
Enfim, são múltiplos os exemplos de desperdício e são ainda mais e mais graves as consequências desta espécie de cultura instalada.
Que não é nada fácil de mudar, serve a demasiados interesses.

UM VERÃO QUENTE

Mais de três décadas depois estamos à beira de novo Verão quente.
A irresponsabilidade e incompetência de muitas lideranças e os modelos de desenvolvimento assentes no endeusamento dessa entidade designada por mercado, conduziram-nos a uma situação dramática e que atinge muitos de nós portugueses.
Um nível de desemprego devastador com tendência de subida que coexiste com uma situação recessiva não produtora de riqueza para redistribuir. Todos os dias se referem dados que acentuam a gravidade deste cenário.
Estudos recentes mostra a existência de cerca de 40% por cento de miúdos a viver em situação de carência e 20% da população em risco de pobreza, situação que coexiste com a diminuição dos apoios e recursos disponíveis par políticas sociais minimizadoras da gravidade desta situação.
O acesso de muitos jovens ao mercado de trabalho e, portanto, à construção de um projecto de vida viável e com capacidade de realização parece ameaçado e desencorajador da esperança.
Uma agenda de sacrifícios imposta por quem de fora vem dizer o que os de dentro devem fazer vai contribuir certamente para a subida da temperatura social dos meses que se aproximam.
Apesar de me manter optimista e confiante na resiliência dos portugueses acho que de facto os próximos tempos vão ser quentes. Não tardam os avisos coloridos sobre a temperatura. Eu acho que já estamos em alerta vermelho.

AQUELES TRÊS SÃO MESMO BURROS

Há uns anos atrás, por razões profissionais estava numa escola do 1º ciclo e a directora, por simpatia convidou-me a visitá-la estando em pleno funcionamento. Devo dizer que não simpatizo com a ideia da entrada de pessoas estranhas pelas salas de aulas em trabalho mas não fui capaz de recusar.
Numa das salas com gaiatos do 1º ano e no breve período da visita comentava-se como os miúdos são diferentes uns dos outros. A professora que trabalhava com aquele grupo concordou com o entendimento e para reforçar esse acordo apontou para três miúdos que estavam juntos sentados a uma mesa e disse para mim e para a directora, "olhe aqueles três ali, são mesmo burros, não aprendem nada, nem vão aprender". Acrescento que a informação foi prestada num tom de voz que ninguém na sala podia deixar de a ouvir. Não consegui evitar olhar na direcção "daqueles três" e confesso que já não me lembro das caras dos miúdos, só me lembro de três pares de olhos, tristes, a olhar para nós e a pedir desculpa de existirem.
Parece estranho como por vezes não nos apercebemos, e acredito que não seja de forma intencional, como os juízos podem atropelar completamente alguém, a sua vida presente e, muito, provavelmente, a sua vida futura.
A escola era longe e não soube mais nada sobre "aqueles três burros". Gostava de estar enganado, mas a minha convicção é de que eles continuaram burros enquanto andaram na escola. Só com muita sorte e esforço se pode contrariar o destino dos "burros".
O que esta história tem de positivo e interessante é que, embora real, conta uma situação rara.
Muito rara mesmo.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

A CULTURA DO DESPERDÍCIO E DO JEITINHO AOS AMIGOS

Não é, obviamente, um problema exclusivo do Ministério da Educação, é um problema genérico da nossa administração. Sempre que se verificam auditorias e inspecções a diferentes serviços e organismos da administração local ou central, emergem níveis assustadores de ineficácia e desperdício no funcionamento e gestão dessas estruturas, quando não ilegalidades, aliás frequentes. Lamentavelmente, como todos sabemos, não é um problema novo nem conjuntural, é velho e estrutural. A grande questão é a irresponsabilidade e a impunidade negligente com que as sucessivas lideranças políticas lidam com esta questão. Os interesses partidários, a distribuição de jobs pelos diferentes boys, alimentam este quadro que ninguém parece verdadeiramente interessado em mudar. Este exemplo do Dr. João Pedroso, ilustre membro do PS, que recebeu uns milhares de euros para encher umas pastas com fotocópias de legislação, tarefa complicada e exigente que nem sequer cumpriu, tendo, no entanto, recebido a verba definida por ajuste directo é apenas mais um exemplo desta máquina de desperdício e do favor aos amigos.
Apesar da acusação agora deduzida contra a equipa dirigente do ME responsável por tal situação, não acredito que este processo conduza a efeitos reais de condenação. Existem demasiados telhados de vidro, o esquema serve a todos, é só uma questão de circunstância e calendário.
Esta cultura está de tal maneira enraizada que, tragicamente, nós já a encaramos como uma espécie de estranha conformidade e sem capacidade de nos indignarmos.

E TAMBÉM TERÃO DE REPETIR OS EXAMES ÀS CADEIRAS DE ÉTICA

Depois da celeuma levantada pela insustentável decisão de atribuir nota 10, portanto sucesso ainda que mínimo, a alunos que procederam de forma fraudulenta no exame no curso para magistrado parece agora que o mesmo vai ser repetido numa decisão que, apesar de tudo, parece curta.
Em primeiro lugar, convém não esquecermos que se trata de alunos a frequentar o curso para magistrados no Centro de Estudos Judiciários. Como se costuma dizer, "à mulher de César, não basta sê-lo, tem que parecê-lo", ou seja a formação de um magistrado não poderia ficar contaminada por um processo de fraude que envolveu mais de uma centena de alunos e que, por alegadas razões logísticas, não seria repetido, premiando com 10 o "esquema". A decisão vem tarde mas era a que, no mínimo, se impunha, repete-se o exame, embora, insisto, me pareça ligeira no alcance.
A segunda nota, para mim mais preocupante, é admitir que se a situação não tem sido escrutinada pela imprensa e, portanto, muito exposta e discutida, os responsáveis pela formação dos magistrados que nós cidadãos esperamos que venham a administrar a justiça e em quem não podemos deixar de confiar, achariam que a situação poderia ter sido da maneira que em primeira instância foi, "é uma chatice mas não dá para fazer de novo o exame, dá-se dez a todos", o que me parece verdadeiramente escandaloso.
Provavelmente é disparate, mas também julgo que se impunha uma tomada de posição do grupo enorme dos formandos envolvidos que alegremente aceitariam, parece, levar dez num exame em que terão copiado.
Como certamente existirão disciplinas sobre ética no curso do CEJ talvez tenha acontecido que também neste exame os formandos tenham copiado e, como tal, não sabem muito bem do que se trata.
Como tal, também os conhecimentos sobre ética deveriam ser reexaminados.

O JOGO DO PODER

Quando abordo esta questão sinto a necessidade de afirmar que na altura da eleição para a Presidência da República me pareceu saudável a emergência de uma candidatura, Dr. Fernando Nobre, fora do controle dos aparelhos partidários e os resultados vieram a confirmar a disponibilidade do eleitorado para esse não alinhamento.
Assente a poeira, a candidatura de Fernando Nobre como cabeça de lista do PSD por Lisboa com a “missão” de ser Presidente da Assembleia da República, representa o atropelo aos discursos e comportamentos que tinha vindo a assumir reiteradamente. Não é grave, ninguém é perfeito, a carne é fraca e não é o primeiro nem será o último actor da cena portuguesa dar tão grande cambalhota, antes pelo contrário a maioria dos actores políticos mostram-se autênticos troca-tintas.
Seguiu-se a entrevista ao Expresso em que surgiu de forma ainda mais despudorada o enorme contorcionismo cívico. Apenas duas referências particularmente significativas. Em primeiro lugar, reconhece não conhecer o programa político do PSD o que para o cabeça de lista ao mais importante círculo eleitoral, Lisboa, seria anedótico se não fosse patético e elucidativo do nobre propósito, querer e aceitar o poder em nome seja do que for. A segunda referência ao facto de Fernando Nobre afirmar que apenas lhe interessa o lugar de Presidente da Assembleia, se não ficar com ele renuncia imediatamente ao lugar de deputado, apesar de umas titubeantes variações posteriores. Para democrata não está mal, ou ganha ou sai do jogo. Mais uma vez se percebe que o que move o Dr. Nobre não é a democracia, a cidadania, como lhe chama num abastardamento do termo, é o poder, sempre o poder.
Depois, sempre a tentar sustentar o insustentável, em entrevista ao Público avançou, também não se estranha em Portugal, à teoria da conspiração, o mundo está a organizar-se contra si. Mas ele, resistirá a tudo na sua missão de salvar Portugal, diz. Nem tiros na cabeça, nem calúnias, nem o que quer que seja podem impedir a nobre figura da missão a que se propôs, chegar ao poder.
É verdade que a política à portuguesa é, nas mais das vezes de má qualidade, rasteira e despudorada e ao serviço de interesses que não os da generalidade dos cidadãos. O Dr. Nobre aprendeu depressa e talvez lá chegue, ao poder, o Dr. Nobre padece de um problema que não é da sua especialidade médica que tanto apregoa, não quer ver a figura triste e caricata em que se vai transformando, o poder cega.
Talvez o Dr. Nobre não queira entender, mas a decepção e embaraço que me causou a leitura que faço do seu lamentável discurso e comportamento recente não têm rigorosamente a ver com "campanhas orquestradas". De há muito que a partidocracia me transformou num abstencionista, atento mas abstencionista. Por isso saudei na altura a sua candidatura à Presidência, em nome da cidadania.
Como já aqui referi, o Dr. Nobre vai fazendo com que me lembre do meu pai. A espinha direita e a dignidade são uma reserva que um homem não pode perder, nunca. O senhor ficou, em termos políticos, sem ambas, perdeu a espinha direita e a dignidade.
Estão claros os Nobres propósitos. Triste figura.
Finalmente. Posso enganar-me, mas pode ficar tranquilo, vai ser Presidente da Assembleia da República. O Dr. Passos Coelho é um homem de palavra e os deputados saberão jogar o jogo do poder.

CARTA AOS ALUNOS DO SECUNDÁRIO

Meus caros,

Tinham de chegar, aí estão os exames nacionais. Durante os próximos dias o programa está assegurado, exames e mais exames. O trabalho realizado durante o ano, durante os anos, vai ser testado. Alguns de vós sentir-se-ão relativamente tranquilos enquanto outros, a maioria, começam a sentir a ansiedade a subir. É normal, afinal trata-se de um exame e um bocadinho de ansiedade ajuda-nos a estar mais concentrados. Para alguns de vocês os resultados serão muito importantes para acederem ao ensino superior na escola e no curso que vos interessa, mas para todos significa cumprir uma tarefa da vossa vida escolar, o que é sempre significativo. Muita gente, pais, professores, colegas, vos dá conselhos nesta altura, “estuda mais”, “descansa um pouco”, “devias fazer assim”, “era melhor desta maneira”, “não te esqueças de nada”, “toma atenção”, “começa pelas mais fáceis”, “revê no fim”, etc. É normal, é certo que às vezes ainda nos inquieta mais, mas, como diz o Paulo Bento, é preciso encarar esta época com tranquilidade ou, na versão de Futre, estar "concentradíssimo". A presença nas redes sociais vai certamente ajudar a dissipar o stress, divido por muitos dá menos para cada um.
Como é de prever alguns de vós acharão os exames mais fáceis e outros mais difíceis, depende sempre do que cada um sabe e dos conteúdos do exame, aquela história clássica de “ainda bem que saiu isto, sabia bem” ou, pior, “logo havia de sair isto que não estava tão preparado”, nada a fazer, é as circunstâncias e em toda a nossa vida nos defrontamos com circunstâncias mais ou menos favoráveis. Sabemos que a vossa tarefa não é fácil mas estou convencido que para a maioria de vós as coisas vão correr bem, o vosso trabalho e a ajuda de professores e pais merece.
Como já disse, para a maioria de vocês os próximos exames são a última etapa antes do ensino superior mas isso é uma outra narrativa. Cada coisa de sua vez.
Boa sorte e divirtam-se, se possível.

domingo, 19 de junho de 2011

AÍ ESTÃO OS EXAMES NACIONAIS DO SECUNDÁRIO

A partir de amanhã a agenda da educação ficará muito subordinada à época dos exames nacionais do ensino secundário. Sobre esta matéria algumas notas telegráficas.
Os exames nacionais do Secundário têm cumprido nos últimos anos duas funções em simultâneo, certificar o cumprimento do Ensino Secundário e ordenar o processo de candidatura ao Ensino Superior. Sempre me pareceu uma má decisão, a certificação dos saberes do Secundário é uma tarefa do Secundário e o acesso ao Superior é uma tarefa do Superior e, portanto, deveriam estar separadas. Mas isso seria uma outra conversa. Voltando aos exames que amanhã se iniciam e considerando o facto de a educação se ter transformado, também, numa arena de interesses políticos, partidários e corporativos, creio que, mais do nunca, estarão outros aspectos em exame.
Estará em exame o grau de dificuldade dos exames. Exames mais acessíveis tenderão a ser interpretados como forma de promoção de sucesso escolar com objectivo de promover estatísticas favoráveis ao ME como, aliás, tem acontecido. Exames menos acessíveis serão considerados como excessivamente selectivos.
Estará, como sempre, em exame a política do ME. Com os tempos conturbados que se vivem e o clima instalado nas escolas, os resultados nos exames tenderão a ser instrumentalizados, quer sejam mais positivos, o empenho e o profissionalismo resistente dos professores, quer sejam menos positivos, a perturbação introduzida nas escolas teria de ter consequências.
Estará em exame o trabalho dos professores e escolas, tanto o desenvolvido nas aulas como o desenvolvido em dispositivos de apoio e em condições de funcionamento contributivas para o maior ou menor sucesso. Também aqui os resultados, seja qual for o sentido, serão apropriados pelas diferentes visões em campo. Ou serão apropriados por estruturas representativas dos professores ou pelo discurso do ME.
Finalmente, estará em exame o conhecimento e o grau de preparação dos alunos, justificação primeira da sua existência mas que nem sem sempre são devidamente consideradas. Se os resultados são mais positivos os exames eram fáceis, se são menos positivos, os exames eram difíceis. É bom não esquecer que a maioria os estudantes procura preparar-se a sério para os exames.
Aguardemos então pelas primeiras apreciações. Sem surpresa, discutir-se-á o grau de dificuldade dos exames.

OS RESULTADOS DAS PROVAS DE AFERIÇÃO. A urgência da revisão curricular

Os resultados das provas de aferição dos 4º e 6º ano, ontem divulgados, continuam a acentuar a debilidade das competências e conhecimentos dos alunos em Matemática e Português. Aliás, a percentagem de alunos com negativa aumentou nas quatro provas ainda que de forma diferenciada, com a Matemática a evidenciar piores resultados.
A discussão habitual sobre este tipo de resultados centra-se, quase sempre, na apreciação sobre o grau de exigência dos exames e é também excessivamente contaminada pela agenda política dos opinadores, veja-se o comentário emanado do ME.
Do meu ponto de vista, a questão tem que ser recentrada no que é essencial, as competências e conhecimentos dos alunos nas duas ferramentas fundamentais de acesso ao conhecimento, o domínio do Português e da Educação Matemática.
A promoção de maiores competências e conhecimentos nestas duas áreas remete para o que me parece ser uma das mais urgentes prioridades dos nosso sistema educativo, a revisão curricular, quer a nível dos conteúdos, quer a nível da sua organização.
Se repararmos na matriz curricular em vigor parece relativamente claro que o tempo de trabalho destinado a português e à educação matemática dificilmente permitirão obter melhores resultados, apesar de iniciativas como o Plano Nacional de Leitura ou o Plano de Acção para a Matemática ou do trabalho das escolas que, através de dispositivos de apoio próprios, tentam minimizar as dificuldades de muitos alunos. Dado o volume de dificuldades e os recursos das escolas, estas iniciativas acabam, em regra, por ter como destinatários menos alunos do que o necessário.
Defendo de há muito um primeiro ciclo com seis anos e uma reorganização de conteúdos para estes primeiros anos de escolaridade obrigatória em que o Português e a e a Educação Matemática devem ocupar um lugar central.
Creio que de uma forma geral se entende que o correcto domínio da língua de trabalho, o português, é um requisito fundamental para as aprendizagens em todas as áreas curriculares, bem como a literacia matemática, base do conhecimento científico. Não se compreende, portanto, o pouco peso curricular dado ao Português e à educação matemática, sobretudo no 2º ciclo em pleno processo de aquisição das ferramentas básicas de domínio da língua nas suas várias dimensões.
Assim sendo, independentemente da boa vontade de escolas e docentes ou de planos de natureza supletiva, a questão central remete para mais e melhor trabalho em dois domínios essenciais, a Língua Portuguesa e a educação matemática.
Daí a urgência da reforma curricular, a discussão cíclica em torno da maior ou menor dificuldade dos exames é, quase, irrelevante.

sábado, 18 de junho de 2011

UM CASO DE SERIEDADE INTELECTUAL. Merece registo

A constituição de um governo, como todos os processos deste tipo, tem uma dimensão “double face”, ou seja, é tão interessante saber quem vão ser as novas caras do poder como conhecer aqueles que recusaram ser as novas caras do poder.
Relativamente aos que entraram vamos esperar para ver os programas.
A minha nota remete para a informação, segundo o Expresso e também veiculada pelo Público, de que Paulo Rangel teria alegadamente recusado a pasta da Educação embora pudesse estar disponível para a Justiça ou Administração Interna.
O que me merece realce é que a recusa radica no facto de que Paulo Rangel entende desconhecer a área.
Uma primeira nota para sublinhar o facto de num país em que os políticos se afirmam como verdadeiros tudólogos levando a que a apetência pelo poder promova “pára-quedistas”, verdadeiros erros de casting, ocupando funções para as quais são profundamente ignorantes, um político ter a seriedade intelectual de recusar uma função por entender não se sentir conhecedor merece registo, apesar de que tal atitude deveria ser um comportamento normal, não se deve dar passos maior do que as pernas, como diz o povo.
Uma segunda nota para o facto desta situação se passar na área da educação. Em Portugal se existe universo sobre o qual toda a gente opina é a educação. Não existe jurista, economistas, historiador, sociólogo, ensaísta, politólogo, opinador profissional, etc. que não “saiba” sobre educação. Entre nós a educação não é matéria de saber, é matéria de opinião, ou mais frequentemente, dizer umas coisas.
Neste cenário, quero registar com muito agrado a posição de seriedade assumida por Paulo Rangel.

OS PEQUENOS ISALTINOS DO PORTUGAL DOS PEQUENINOS

Há uns tempos atrás coloquei este texto aqui no Atenta Inquietude.


Contexto – Jornal televisivo
Cena – Peça sobre as eleições autárquicas
Script – Cena 1 - Enquanto em off uma voz divulga os resultados de uma sondagem sobre as eleições para a Câmara de Oeiras em que Isaltino Morais é dado como perto da maioria absoluta, as imagens mostram o próprio Isaltino Morais a sair de um edifício, creio que a Câmara, avançando com ar decidido, dentro de uma gabardina, entre vários figurantes enquanto tira umas baforadas de um visível charuto.
Cena 2 – Isaltino Morais, olha desafiante na direcção da câmara que o filma e num gesto assertivo e eficaz atira o charuto para o chão, mais precisamente para o canteiro de flores que compunha o cenário.
Nota 1 - Este personagem, Isaltino Morais, foi condenado em tribunal por fraude fiscal, abuso de poder, corrupção passiva para acto ilícito e branqueamento de capitais no âmbito das suas funções como presidente da autarquia.
Comentário – Pobre Portugal, entregue aos Isaltinos.

Face à condenação o Dr. Isaltino tem vindo através de expedientes e recursos sucessivos a procurar evitar o seu cumprimento. O Supremo Tribunal de Justiça confirmou agora mas ainda falta o Tribunal Constitucional ou, quem sabe, a prescrição.
Comentário de hoje - Pobre Portugal, entregue aos Isaltinos.

A HISTÓRIA DO HOMEM ESTRANHO

Já viste o ar dele.
É estranho, muito rígido.
E escuro.
Bom, há muita gente assim.
Não gosto do olhar, é frio.
É, até arrepia.
Ao mesmo tempo, tem assim qualquer coisa que assusta um bocado.
Também é grande,
Não é por isso, é qualquer coisa que não me percebo e que me faz sentir medo.
Realmente não é muito confortável.
Não gosto de estar por aqui, vamos embora.
Também acho.

Quando as duas personagens partiram, o Velho que estava sentado a ler na outra ponta do banco, achou estranho que estivessem a falar da estátua colocada naquele recanto do Parque.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

CONFIAMOS EM QUEM?

O I de hoje refere os dados do estudo da GFK sobre a confiança dos cidadãos de 19 países em diferentes profissões e organizações.
Tal como nos anos anteriores, bombeiros, professores e carteiros são os profissionais em quem os portugueses mais parecem confiar, enquanto políticos, advogados e banqueiros acompanhados agora pelos juízes vêem a confiança em si andar pelas ruas da amargura, pois estando no fim da lista de confiança viram os resultados piorar. De notar nos dados deste ano o abaixamento da confiança envolvendo sindicatos e organizações de caridade.
É bonito sentir que os portugueses confiam genericamente em quem cuida do seu bem estar e ajuda em caso de necessidade, os bombeiros.
Parece-me também de salientar a confiança em quem lhes constrói o futuro, os professores, cuidando do seu mais precioso bem, os filhos, apesar de tanta gente, alguns pertencendo à classe, se esforçar por abalar a imagem destes profissionais quer por ignorância, má-fé, ingenuidade ou interesses corporativos.
Finalmente acho muito bonito a ideia de confiar em quem lhes traz as notícias do mundo, os carteiros, provavelmente, com a secreta esperança de que sejam notícias boas. Mas mesmo quando portadores de más notícias, o mensageiro merece confiança.
Por outro lado, é significativo, inquietantemente significativo, que, nos que geram o nosso destino, ainda por cima por delegação cívica de nossa responsabilidade, os políticos e nos que deveriam ser os administradores e garantes dos direitos, da equidade e da justiça, advogados e juízes, a confiança é baixa, ou de forma menos simpática, a desconfiança é muita.
É certo que estes grupos têm vindo a fazer um notável esforço para que a nossa confiança em si e na sua actuação atinja estes níveis. Deve dizer-se que são bem sucedidos, todos os dias temos exemplos e episódios que alimentam este sentimento. Basta olhar para a imprensa durante esta semana.
A minha maior preocupação é que a arquitectura cívica e política que se instalou não permite facilmente a tão necessária mudança, eles continuam sempre a perceber-se como parte da solução quando são parte do problema.

AFINAL OS PAIS NÃO SÃO MÁGICOS

Pai, és capaz de guiar um avião?
João, guiar um avião é muito difícil, eu não sei guiar aviões.
Então és pai, és grande e não sabes guiar um avião!
...
Mãe, eras capaz de fazer uma casa sozinha?
Maria, fazer uma casa é uma coisa difícil. Sozinha não era capaz de a fazer.
Então és mãe, és grande e não és capaz de fazer uma casa sozinha!
...
Pai, tu conheces todas as pessoas?
Francisco as pessoas são tantas que eu não conheço todas.
Então és pai, és grande e não conheces as pessoas todas!
...
Mãe, já leste os livros todos?
Joana, existem tantos livros, tantos livros que eu nunca vou ler os livros todos.
Então és mãe, és grande e não és capaz de ler os livros todos!

Na melhor das hipóteses, estas serão as maiores decepções que daremos aos miúdos.
Na pior das hipóteses, estas serão as decepções mais pequenas que daremos aos miúdos.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

OS APRENDIZES DE MAGISTRADO TAMBÉM TERÃO COPIADO NAS DISCIPLINAS DE ÉTICA?

Depois da celeuma levantada pela insustentável decisão de atribuir nota 10, portanto sucesso ainda que mínimo, a alunos que procederam de forma fraudulenta no exame no curso para magistrado parece agora que o mesmo vai ser repetido.
Em primeiro lugar, convém não esquecermos que se trata de alunos a frequentar o curso para magistrados no Centro de Estudos Judiciários. Como se costuma dizer, "à mulher de César, não basta sê-lo, tem que parecê-lo", ou seja a formação de um magistrado não pode ficar contaminada por um processo de fraude que envolve mais de uma centena de alunos e que, por alegadas razões logísticas, não seria repetido, premiando com 10 o "esquema". A decisão veio tarde mas era a que, no mínimo, se impunha, repete-se o exame.
A segunda nota, para mim mais preocupante, é admitir que se a situação não tem sido escrutinada pela imprensa e, portanto, muito exposta e discutida, os responsáveis pela formação dos magistrados que nós cidadãos esperamos que venham a administrar a justiça e em quem não podemos deixar de confiar, achariam que a situação poderia ter sido da maneira que em primeira instância foi, "é uma chatice mas não dá para fazer de novo o exame, dá-se dez a todos", o que me parece verdadeiramente escandaloso.
Provavelmente é disparate, mas também julgo que se impunha uma tomada de posição do grupo enorme dos formandos envolvidos que alegremente aceitariam, parece, levar dez num exame em que terão copiado.
Como certamente existirão disciplinas sobre ética no curso do CEJ talvez tenha acontecido que também neste exame os formandos tenham copiado e, como tal, não sabem muito bem do que se trata.

RECREIOS SEGUROS

Ficámos agora a saber dos resultados mais visíveis da operação "Recreio Seguro II” que a PSP desenvolveu até ontem tendo por objectivos centrais a prevenção da delinquência e violência que envolve os espaços escolares e promover a segurança genérica na comunidade educativa. A PSP deteve 81 indivíduos por prática delinquente e apreendeu 27 armas junto a escolas  no conjunto das acções realizadas.
À luz dos últimos episódios neste universo, a iniciativa parece meritória mas, do meu ponto de vista fica como questão, "e agora?"
Retomo as notas que aqui deixei há alguns dias quando foi anunciado o arranque desta operação. Considerando a designação da operação, “Recreio Seguro II”, gostava de deixar alguma reflexão mais direccionada para os próprios recreios escolares e não tanto para os espaços envolventes das escolas, que tiveram no âmbito desta operação uma atenção mais particular.
É óbvio que os problemas mais significativos sentidos nas escolas, indisciplina, violência, delinquência, bullying, etc. ocorrem em grande parte nos recreios pelo que, afirmo-o muito frequentemente, me parece fundamental que se dê atenção educativa aos tempos e espaços de recreio escolar.
Em muitas escolas a insuficiência de pessoal auxiliar, agora baptizados “assistentes operacionais” não permite a ajustada supervisão desses espaços. Por outro lado, a sua formação em matérias como supervisão educativa e mediação de conflitos, por exemplo, e, ou, o entendimento que têm das suas competências, muitas não valorizadas pela própria comunidade, leva a alguma negligência ou receio de intervenção.
Talvez não seja muito popular mas digo de há muito que os recreios escolares são dos mais importantes espaços educativos, aliás, muitas das nossas memórias da escola, boas e más, passam pelos recreios. Neste sentido, defendo que a supervisão dos intervalos deveria ser da responsabilidade de docentes. A reestrutura da enorme carga burocrática do trabalhos dos professores, dos modelos de organização e funcionamento das escolas, por exemplo, poderiam libertar horas de docentes para esta supervisão que me parece desejável.
A boa e atenta “profes-vigilância” é mais eficaz que um invisível “big brother”, por exemplo a vigilância electrónica, ou a presença regular inviável e indesejável de elementos forças de segurança nos espaços escolares.
Parece evidente a necessidade de dar visibilidade e eficácia às instituições e procedimentos de combate à delinquência e violência que envolve jovens mas como afirmei muitas vezes nas últimas semanas, prendê-los não basta.