AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sábado, 30 de abril de 2011

PROJECTOS DE VIDA ADIADOS

O CM titula em primeira página que o desemprego atinge 21.3 % dos jovens. Por outro lado, segundo dados recentes do INE, 314 000 jovens não estudam nem trabalham, a designada situação “nem nem”. Estes números, atendendo à dimensão do país são absolutamente dramático. Além disso a OCDE divulgou há tempos que mais de metade dos jovens empregados até aos 24 anos têm empregos precários. Na mesma linha, também há algum tempo, o Banco de Portugal referia que em cada dez empregos novos, nove são precários.
Deste cenário e dos números do desemprego, resulta que os mais novos à entrada no mercado de trabalho são os mais vulneráveis ao desemprego e à precariedade quando, apesar das dificuldades, acedem a algum emprego.
Esta situação complexa e de difícil ultrapassagem tem, obviamente, sérias repercussões nos projectos de vida das gerações que estão a bater à porta da vida activa. Entre outras, contar-se-ão, os indicadores mostram-no, o retardar da saída de casa dos pais por dificuldade no acesso a condições de aquisição ou aluguer de habitação própria ou o adiar de projectos de paternidade e maternidade que por sua vez se repercutem no inverno demográfico que atravessamos, há dias referido pela OCDE e que é uma forte preocupação no que respeita à sustentabilidade dos sistemas sociais, a União Europeia já indicia a intenção de colocar a reforma nos 70 anos.
No entanto, um efeito muito significativo mas menos tangível desta precariedade no emprego, é a promoção de uma dimensão psicológica de precariedade face à própria vida no seu todo. Dito de outra maneira, pode instalar-se, está a instalar-se, uma desesperança que desmotiva e faz desistir da luta por um projecto de vida de que se não vislumbra saída motivadora e que recompense. Podemos estar perante as gerações perdidas de que há algum tempo se falava.

PODIA SER PIOR

Umas das muitas expressões que frequentemente utilizamos e que, à semelhança de outras que por aqui vou referindo, me parece curiosa e, sobretudo, útil é "podia ser pior", daí a sua presença assídua nos nossos discursos.
Utilizamo-la para comentar as mais variadas situações ou problemas e por mais complicados ou graves que possam ser, existe sempre alguém que em tom bem vivo afirma, "podia ser pior" o que nos ajuda a encarar e lidar com tais circunstâncias. Daí a enorme utilidade a que me referia.
Temos uma doença, bom mas podia ser pior, há tanta gente mal. Perde-se o emprego, bom, pelo menos temos saúde, podia ser pior. O salário é baixo, podia ser pior, tanta gente no desemprego. Perdemos alguém querido, é duro, mas podia ser pior, ainda ficamos com outro alguém querido.
Esta enorme ferramenta de reparação, de fácil utilização e com um custo baixíssimo é de particular utilidade nos tempos que correm. De facto, a inquietação, dificuldades e receios que enfrentamos leva-nos a procurar desesperadamente a ideia que nos descansa, está mal, muito mal, mas podia ser pior, há vidas no mundo bem mais difíceis e lá continuamos à espera de um novo dia que nos traga nova afirmação, podia ser pior.
O problema mais sério é que na verdade, se podia ser pior, também podia ser melhor.
E uma parte da responsabilidade é nossa.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

AS LINHAS TORTAS

O modelo de avaliação dos docentes que tinha entrado em vigor com esta equipa do ME, aceite pelos representantes dos professores depois do consulado de Maria de Lurdes Rodrigues, é um mau modelo de avaliação, burocratizado e desajustado.
Na altura em que foi aprovado, os partidos da oposição não assumiram a posição conjunta que recentemente tomaram, suscitando a revogação do normativo que entretanto entrou, naturalmente, em vigor.
Em novo passo deste processo, o Tribunal Constitucional vem definir a inconstitucionalidade da decisão, retomando-se, assim, o normativo.
Do meu ponto de vista, este episódio é um excelente exemplo da gestão dos interesses partidários, das decisões tomadas pelos partidos com base nas contas eleitorais e menos no interesse genuíno pelo que de verdadeiramente necessário está em jogo. A estranha aliança de todos os partidos, numa altura em que já se vislumbravam as eleições que temos à porta, com a óbvia intenção de capturar os votos dos professores é um mau serviço prestado aos professores e à educação.
De facto, um mau modelo de avaliação vai continuar em vigor, portanto, a servir mal a imprescindível avaliação dos docentes, o ME sai vitorioso de uma guerra que não poderia ganhar, o modelo é mau, pelo que desde o início deveria ter sido rejeitado, e os partidos da oposição saem a perder, não só pelo deplorável exemplo de calculismo eleitoral, como também por terem perdido a oportunidade de combater na altura certa um modelo de avaliação que efectivamente não deveria ter entrado em vigor.
As linhas tortas porque se rege a política pequenina.

CASAMENTOS, NAMOROS E DIVÓRCIOS

O mundo hoje acordou possuído por uma inexplicável histeria em torno do casamento na família real inglesa. Não consigo entender o espaço e o tempo de antena que tal evento ocupa entre nós, até parecemos um país feliz, mas trata-se, obviamente, de uma qualquer incapacidade ou incompetência da minha parte para perceber a importância do acontecimento.
Em todo o caso espero que os noivos sejam felizes porque assim as histórias são mais bonitas e todos nós gostamos e precisamos de histórias bonitas.
Menos felizes parecem ser as relações entre o pessoal cá no burgo e essas são mais inquietantes.
Os padrinhos querem que o casamento, ou, pelo menos, a união de facto entre PS e PSD se processe mas os envolvidos, Pedro Passos Coelho e José Sócrates, não parecem interessados na relação, embora há algum tempo atrás tenham ensaiado uns passos de tango que auguravam o início de uma relação que parecia estável.
Entretanto, parece acentuar-se o divórcio entre os cidadãos e a generalidade da classe política, ao que parece por infidelidade, ou seja, boa parte da classe política não parece fiel aos interesses da maioria dos cidadãos e apenas se centram nos seus próprios interesses, coisa que como se sabe não faz nada bem nas relações entre as pessoas.

NÃO VALE A PENA, OS MIÚDOS NÃO PERCEBEM

As muitas conversas em que me envolvo com pais levam-me, por vezes, a ficar com alguma inquietação sobre como comunicam com os filhos pequenos. Estas inquietações têm várias direcções. Numas situações porque basicamente pode dizer-se que não há conversa, a família é um grupo de pessoas com a chave da mesma casa, no dizer de um sociólogo cujo nome não recordo. Outras situações inquietam-me porque encontro pais que entendem que tudo, mas tudo, deve ser falado com as crianças e outras situações ainda os que entendem que não vale a pena conversar com as crianças pequenas porque elas não entendem.
Hoje, umas notas sobre este último cenário. Não é raro que alguns pais não desenvolvam com os miúdos conversas que não passem do registo do quotidiano imediato da escola ou da brincadeira. Por vezes até utilizam um tom que sublinha o facto de se dirigirem a pessoas (os miúdos) que não conseguem entender e conversar sobre coisas “mais sérias”, ou seja, infantilizam conteúdos e formas de comunicação.
Pergunto com frequência aos pais com quem estou se alguém fala alguma coisa de inglês e, como é natural, há pessoas que apenas sabem meia dúzia de palavras até as que dominam a língua inglesa com alguma proficiência. Mas quando pergunto se toda a gente compreende mais em inglês do que aquilo que é capaz de expressar nessa língua, a resposta é afirmativa por parte de todos. Na verdade, independentemente do nível dos nossos conhecimentos, entendemos mais do que nos dizem do que aquilo que sabemos dizer. E é também assim que aprendemos.
Com os miúdos passa-se algo do mesmo tipo. Entendem bastante mais do que, por vezes, são capazes de exprimir. Assim sendo, vale a pena conversar com eles, envolvê-los nas nossas conversas desde adequadas às idades (isto é uma outra questão que fica para outra altura). Eles entendem bem mais do que acreditamos, valorizam a sua presença e o facto de partilharmos ideias e opiniões com eles.
É bom para todos, sobretudo porque se trata de uma família.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

CIÊNCIA EM PORTUGUÊS. Uma excelente notícia

Com uma agenda marcada pelo negócio que a troika tenta impor a Portugal, a que se convencionou chamar simpaticamente “ajuda externa” e pelas agruras desportivas de um rapaz chamado José Mourinho, também conhecido por “special one” com versão multilingue existem irrelevâncias que como tal passam despercebidas.
A Fundação Bill e Melinda Gates decidiram atribuir um financiamento de 100 000 dólares no primeiro ano com a possibilidade de se estender a um milhão de dólares para ensaios clínicos um projecto de investigação liderado por João Gonçalves do Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa.
O projecto de investigação centra-se no combate ao HIV, o vírus responsável pela sida.
Tal notícia, uma excelente notícia, merece um destaque que certamente não terá como aliás é, quase, sempre quando se trata de arte ou ciência em português.
Depois da recente atribuição a Souto Moura do Prémio Pritzker de arquitectura em 2011, este reconhecimento do projecto de João Gonçalves seleccionado de entre 2500 candidaturas é notável e permite sublinhar a qualidade genérica e nível de evolução da ciência em português.

A FECUNDIDADE REVISTA EM BAIXA

Segundo dados do de um relatório da OCDE hoje citado no I, Portugal tem a 2ª mais baixa taxa de natalidade dos países considerados. Embora a maternidade faça parte dos projectos de vida das mulheres portuguesas, apenas 10% das que têm mais de 49 anos não têm filhos, 30% Têm apenas um. Estes indicadores comprometem, obviamente, a renovação geracional, potenciando o envelhecimento populacional e o desequilíbrio demográfico. Contrariamente ao que se verifica noutros países que têm as respectivas taxas a subir, em Portugal o declínio a partir de 2003 tem sido constante.
Creio que a estes dados será interessante sublinhar que trabalhos recentes evidenciam que as mulheres portuguesas são de entre as europeias as que mais valorizam a carreira profissional e a família, a maternidade. Também é sabido de outros estudos que as mulheres portuguesas são das que mais tempo trabalham fora de casa.
Como parece claro este cenário, menos filhos quando se desejava fortemente compatibilizar maternidade e carreira, exige, já o tenho referido, a urgência do repensar das políticas de apoio à família. Os salários baixos são uma das razões que “obrigam” a que as famílias revejam em baixa, como agora se diz, os projectos relativos a filhos. Por outro lado, Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que, naturalmente, é mais um obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos.
Não pode ainda esquecer-se a discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc.
Toda esta situação torna urgente a definição de políticas de apoio à família com impactos a curto e médio prazo como, por exemplo, a acessibilidade aos equipamentos e serviços para a infância com o alargamento da resposta pública de creche e educação pré-escolar, cuja oferta está abaixo da meta estabelecida. Combater a discriminação salarial e de condições de trabalho através de qualificação e fiscalização adequadas.
Só com uma abordagem global e multi-direccionada me parece possível promover a recuperação demográfica indispensável.

VOU TER QUE TE PÔR NA RUA - Outro diálogo improvável

Eu tinha-te avisado Ricardo, outra intervenção dessas e terias que sair da sala de aula.
E então Setora?
Vou ter mesmo que te pôr na rua. Sai se faz favor.
Setôra diga-me só uma coisa também se faz favor.
Sim, mas rápido tenho a aula para dar.
A Setôra põe-me na rua para me castigar. É verdade?
Claro Ricardo, não páras de ser insolente, tenho mesmo que te castigar mandando-te para a rua.
Mas a Setôra sabe que eu não gosto de estar na escola, não sabe?
Sim, há algum tempo que percebi que não gostas da escola e acho que fazes mal. A escola é importante para o teu futuro.
Pois é Setôra, mas ainda estamos no presente. A Setôra também sabe que eu não percebo quase nada desta disciplina, a Matemática, não sabe?
Vês como és insolente. E na verdade tenho que dizer, embora lamente, que o teu aproveitamento é muito fraco.
Então a Setôra sabe que eu não percebo nada do que aqui se fala, não gosto da escola, manda-me para a rua e acha que é um castigo para mim?
Mas …
Não Setôra, acho mesmo que é um prémio, é mesmo isso que eu quero, sair daqui. Se a Setôra me quer castigar não me ponha na rua, tenho que estar aqui até ao fim.
Mas não pode ser, estás sempre a perturbar o funcionamento da aula, como achas que podemos então resolver isto?
Só se a Setôra me der Novas Oportunidades, é o que dão a toda a gente.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

O ZEZITO E O PEDRITO TÊM QUE SER AMIGUINHOS

O Zezito e o Pedrito andam no mesmo jardim-de-infância. O Zezito foi escolhido pelos outros miúdos (alguns) para delegado de turma.
Mas a coisa não tem corrido bem, o Zezito deixou estragar os brinquedos quase todos da sala, só os miúdos mais ricos é que ainda brincam porque têm brinquedos que trazem de casa. Ninguém se entende e os miúdos da sala fazem grupos. O Pedrito é o chefe de um desses grupos, o maior, e agora quer ser ele a mandar na sala. Uns miúdos acham bem, outros miúdos acham mal e a coisa parece não ter grande solução.
Como isto já se arrastava e os brinquedos estavam mesmo a acabar, vieram umas pessoas de fora dizer a toda a gente que as coisas não podem continuar assim, que é preciso que se entendam e mais coisas. E até dizem que se eles se entenderem e se portarem bem, trazem brinquedos novos para a sala.
Mesmo o director do jardim-de-infância e outros que já foram directores, andam a dizer que o Zezito e o Pedrito têm que ser amiguinhos, que é mais bonito e que a sala funcionaria melhor.
Eles não querem, mas como muitos dos outros miúdos já estão fartos de não ter brinquedos também acham que eles deviam ser amiguinhos.
O Zezito, assim com um ar de amiguinho, já veio dizer que pois, se tiver que ser e tal, mas o Pedrito como é mais novo e tem que se armar em forte diz que não quer ser amiguinho do Zezito, uma espécie de birra, própria da idade dos dois.
E a coisa anda assim na sala deste jardim-de-infância.
Tudo isto seria um jogo, mal jogado é certo, se não estivesse em causa os brinquedos da maioria dos miúdos, os que não têm dinheiro para os comprar e que precisam desesperadamente de brincar.

NA FALTA DO PÃO, QUE NÃO FALTE O CIRCO

Ao que foi anunciado os partidos preparam-se para campanhas eleitorais low cost, embora, para o que der e vier, a nova lei aprovada por PSD e PS permita permite algumas habilidades com as contas das campanhas, nada de estranho, portanto.
Os orçamentos entregues rondam os 6,5 milhões de euros sendo que só o PS e PSD destinam 1,6 milhões a comícios e espectáculos.
Bem avisado andava eu quando escrevi que apesar de se entender um esforço de economia, recorrendo a gravações de discursos, por exemplo, era importante não exagerar nesse esforço.
Parece-me positiva não utilização de outdoors, são caros e em termos estéticos alguns, valha-nos Deus, mas, por outro lado, custa-me ver milhares de rotundas sem as promessas que em todas as campanhas são feitas, quase sempre, com as mesmas caras e chavões.
Por favor, peço encarecidamente aos responsáveis partidários pelas campanhas que não cortem na distribuição das esferográficas e bonés que tanto nos atraem e pelos quais somos capazes de criar conflitos. Já me esquecia, os sacos de plástico também dão jeito, agora que começaram a ser cobrados nos supermercados.
Agradeço ainda que não cortem aqueles megacomícios em que é preciso trazer gente de fora. Nós portugueses apreciamos uma viagenzinha de borla mesmo que tenhamos que dar vivas a um partido e agitar uma bandeira. Sempre espairecemos um bocado das agruras da vida. Também espero que não se lembrem de abdicar dos espectáculos de música popular com os artistas em moda, já chega de cortes no Ministério da Cultura para termos que suportar mais uma machadada séria na cultura popular.
Finalmente, solicito encarecidamente que não deixem de organizar uns almocinhos ou jantares de campanha que são deliciosos e baratos. É certo que variam entre o bacalhau com natas, a carne assada e os bifinhos com cogumelos e ainda levamos com os discursos. Bom, mas também temos que fazer algum sacrifício, o preço compensa.
Vamos ver como correm.

PS – Como é óbvio a democracia tem custos, sendo um deles, a actividade dos partidos, pelo que este texto tem uma assumida ponta de demagogia. Mas é que estou mesmo farto da falta de pão e do excesso de circo.

O TERCEIRO PERÍODO, O DAS EXPLICAÇÕES

Começou o terceiro período escolar, este ano particularmente curto, A colagem do calendário escolar ao calendário religioso ocasiona destas situações, um período com pouco mais do que um mês de aulas, situação a pedir revisão. Considerando que uma boa parte dos alunos está já "arrumada" ou porque chumbados, ou porque passados, com excelência ou com suficiência, o terceiro período é o da recuperação, dito de outra maneira é o da explicação. Existe um grupo significativo de alunos dos quais se espera que recuperem o rendimento escolar de forma a salvar o ano pelo que cresce exponencialmente o recurso à velha "explicação", um importante nicho de mercado para professores, ex-professores, candidatos a professores ou simples curiosos que se dedicam à lucrativa arte.
A este propósito, aqui fica uma pequena história.

"Nestes primeiros dias de aulas do terceiro período, andava o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, pelo recreio quando se cruzou com o Diogo um miúdo reguila e atento que sempre que se encontram tem alguma inquietação a partilhar com o Velho.
Olá Diogo tudo bem?
Não Velho está tudo mal, já estou cansado. Tu que és Professor e Velho explica-me uma coisa. Porque é que é preciso explicação?
Explicação?! Não percebo.
No segundo período tive negativa a Inglês e a Matemática O meu pai explicou-me que eu precisava de uma explicação. Eu expliquei ao meu pai que se estiver um bocado mais atento, estudar mais e se falar com os setores, talvez não precise de explicação. O meu pai explicou-me que eu não posso chumbar ou mesmo passar com notas muito baixas, por isso era melhor a explicação. Expliquei ao meu pai que muitas pessoas estudam e fazem os cursos sem ter sempre notas altas e mesmo, às vezes, até chumbam, mas depois ficam bons nas profissões. Expliquei ao meu pai que na escola, a seguir às aulas tenho Estudo Acompanhado e a DT disse que vamos ter ajuda nas disciplinas mais fracas. O meu pai explicou-me que pode não chegar porque somos muitos e, portanto, era melhor uma explicação fora da escola com menos miúdos. Expliquei ao meu pai que saio da escola já tarde, a seguir ia para a explicação, ele disse três dias por semana, e depois ainda tenho que fazer o TPC das outras disciplinas. Ele explicou-me que é preciso muito trabalho para se ser alguém na vida e eu expliquei-lhe que tenho a certeza que vou ser alguém na vida, ser um Diogo é já ser alguém, mas ele explicou-me que ele é que sabe o que é melhor para mim. Velho, estás a ver como já estou cansado. Conheces alguma explicação para pais que não percebem a explicação dos filhos?"

O ESFORÇO - Outro diálogo improvável

1
Francisca, recebeste o teste de Português?
Sim pai, recebi hoje, tive 72% foi bom.
Não é mau, mas deves fazer algum esforço para que no próximo teste possas subir um pouco mais. Devemos sempre fazer um esforço para melhorar o nosso trabalho.
2
Francisca, recebeste o teste de Português?
Sim pai, recebi hoje, conseguir subir, tive 92 %, foi a melhor nota a turma.
É melhor que a última nota mas deves sempre fazer algum esforço para melhorar. Mesmo quando já sabemos fazer razoavelmente as coisas é sempre possível melhorar.
3
Francisca, recebeste o teste de Português?
Sim pai, recebi hoje, tive 100% e a Setora escreveu um elogio no teste. Vou guardar sempre.
É bom e fico contente mas agora deves fazer algum esforço por manter essa nota. Se não fazemos algum esforço pode acontecer que até aquilo que fazemos se comece a tornar mais difícil de novo.
Como ser tua filha Pai? Já sei bem como é, mas tenho sempre que fazer algum esforço para te entender.

terça-feira, 26 de abril de 2011

AS REFORMAS DOS SEM NADA

Segundo dados da Pordata relativos a 2010 e hoje divulgados no CM, existem cerca de um milhão e meio de portugueses com reformas abaixo do salário mínimo nacional. Neste cenário que as actuais circunstâncias tenderão a agravar, a maioria destes portugueses acabam a sua vida sem a dignidade e a qualidade que seriam próprias, mas que modelos de desenvolvimento económico e social injustos e criadores de exclusão, associados à insensibilidade ou incompetência política na definição de prioridades se encarregam de negar. A propósito, deixo uma pequena história que em tempos pousou aqui o Atenta Inquietude.

Era uma vez um homem chamado Sem Nada. Como é de tradição nasceu de um Sem Nada e Sem Nada ficou.
Toda a sua vida foi um homem que, como agora se diz, não teve oportunidades, ou se teve, não deu por isso, ou ainda, se as teve não as aproveitou.
Cresceu como crescem os Sem Nada, por ali, por aqui, em risco e sem projecto, como agora se diz.
A sua vida adulta foi uma sucessão de desencontros com os afectos e de passagens breves por actividades avulsas que foram autorizando a sobrevivência do Sem Nada.
Velho, o Sem Nada arrumou-se onde se arrumam os velhos como o Sem Nada, sós no meio dos outros iguais a si e sem nada.
Finalmente, saiu da vida exactamente como entrou, Sem Nada. Cumpriu o destino dos Sem Nada.

A INJUSTIÇADA CLASSE A QUE PERTENCE LELLO

Logo na altura em que o Presidente e os ex-presidentes solicitaram aos actores políticos que elevassem o nível da campanha eleitora, evitando o recurso a crispação excessiva ou a questões de natureza pessoal centrando-se no essencial, José Lello, uma figura menor mas bem colocada no cenário político português, certamente em paga da sua fidelidade canina, da arrogância e estilo caceteiro e da disponibilidade para a realização do "dirty work" político que deixa protegida a imagem dos lideranças, veio chamar "foleiro" ao Presidente da República. Não me considero propriamente um puritano mas entendo que não pode valer tudo.
O resultado está à vista. Deste tipo de comportamentos decorre a construção de uma atitude de reserva e pouca consideração que leva alguns inquietos seguidores deste blogue a fazerem-me notar que as minhas falas não parecem evidenciar especial apreço pela classe dos dirigentes políticos, é que utilizo muito frequentemente um registo negativo. Creio que não sou só eu, os estudos no âmbito da sociologia mostram que para o cidadão comum a confiança na classe política anda pela ruas da amargura. Estaremos certamente errados, até porque o mais eclético e isento dos opinadores profissionais, o iluminado tudólogo Pacheco Pereira, considera demagógico e populista o ataque aos políticos. Apesar de tudo e aceitando o risco de que, imponderado, desajeitado, populista ou demagógico, possa estar a ser injusto, proponho-vos, em jeito de expiação, um texto interactivo que completarão com as referências que entenderem por bem.
Assim, enquanto cidadão, quero expressar formalmente o meu reconhecimento a todos aqueles que:
. Depois de carreiras profissionais de sucesso e reconhecidas pela comunidade, entendem colocar essa experiência ao serviço do bem comum, como por exemplo, …
. Não ascenderam a lugares políticos tendo uma carreira exclusivamente dentro do aparelho dos partidos, começando logo nas jotas como, por exemplo, …
. Não utilizaram o desempenho de cargos políticos para acederem a colocações profissionais, às quais nunca teriam acesso se não tivessem um passado político como, por exemplo, …
. Fazem do desempenho político uma prova de seriedade sem demagogias ou falsas promessas como, por exemplo, …
. Reconhecem tão facilmente um erro seu, como a virtude de outra opinião ou ideia como, por exemplo, …
. Recusam utilizar o peso político para benefício pessoal, ou dos que lhe estão próximos, sem a utilização de critérios transparentes assentes no mérito como, por exemplo, …
. Entendem que na história fica a obra e não o autor como, por exemplo, …
. Nunca se esquecem que os eleitores são pessoas e não votos como, por exemplo, …
. Resistem à pressão dos sindicatos de interesses que conflituam com o bem comum como, por exemplo, …
Se quiserem ter a gentileza de partilhar as vossas escolhas, poderia ser interessante.

A PROMESSA - Outro diálogo improvável

Bom, Fábio, acabaram as férias da Páscoa, tiveste quatro negativas o que estás a pensar para o terceiro período?
Pai, não comeces já com secas ainda estou de férias.
Eu sei, mas estou preocupado, tenho medo que chumbes o ano.
Não te preocupes, se melhorar a alguma disciplina os setores depois dão-me notas para passar.
O problema não é só passares, é ficares a saber o que é preciso para estudares mais à frente. Se calhar seria melhor arranjar umas horas de explicação para te ajudar nas disciplina mais difíceis.
Pai, já estou na escola bué de tempo, ainda queres que vá para a explicação, ganda seca.
O meu colega o Francisco disse-me que a filha anda numa explicadora muito boa, é um bocadinho cara, mas a filha já subiu as notas no fim do segundo período.
Eu acho que sou capaz de me safar sozinho, podíamos fazer um negócio, se eu passar dás-me um telemóvel novo.
Sabes que não gosto muito desse tipo de negócios, deves sempre tentar fazer o melhor possível, porque é bom para ti, não porque vais ter um prémio.
Sim, mas ter um prémio também é bom para mim.
Todos nós temos obrigações e responsabilidades e não podemos cumpri-las só quando nos prometem prémios.
Pai, tás mesmo armado em menino. Toda a gente faz alguma coisa sempre a pensar o que vai ganhar com isso.
Certo, se te esforçares e passares de ano ganhas com isso.
Mas se ganhar também um telemóvel é melhor. No teu trabalho se te pagarem mais ficas mais contente, ou não?
Como sempre não desistes. Então vamos combinar o seguinte, se passares o ano, sem negativas compro-te o telemóvel.
E se for só com uma negativa?

segunda-feira, 25 de abril de 2011

A ESCOLA DO MEU TEMPO. Não a quero de volta

Nos últimos tempos, provavelmente como mais um efeito colateral da crise têm emergido discursos no sentido da descrença e na constatação resignada de que "afinal o 25 de Abril ...", e estamos como estamos.
Devo dizer que não simpatizo com este tipo de discursos. Sendo certo que estamos atravessar tempos difíceis e com a confiança em baixo, também é verdade que não é sequer possível comparar o país de 2011 com o país de 1973. Para refrescar algumas memórias ou contar alguma história aos mais novos, deixem que vos fale da escola do meu tempo, o tempo dos anos cinquenta e sessenta. Escolho falar da escola porque é uma área que conheço um pouco melhor, mas poderia fazer o mesmo exercício em todas as outras áreas de funcionamento da nossa sociedade.
Não me esqueço, antes pelo contrário, que a nossa educação, a escola, como tudo o resto, atravessa um período complicado e problemas sérios, mas só a falta de memória ou o desconhecimento sustentam o “antigamente era melhor”. Vou-vos falar um pouco da escola do meu tempo, conversa de velho, já se vê.
Na escola do meu tempo nem todos lá entravam e muitos dos que conseguiam saíam ao fim de pouco tempo, ficando com a segunda ou terceira classe, como então se chamava. Chegava.
Na escola do meu tempo os rapazes estavam separados das raparigas.
Na escola do meu tempo havia um só livro e toda a gente aprendia apenas o que aquele livro trazia.
Na escola do meu tempo levava-se muitas reguadas, basicamente por dois motivos, por tudo e por nada.
Na escola do meu tempo, ensinavam-nos a ser pequeninos, acríticos e a não discutir, o que quer que fosse.
Na escola do meu tempo eu era “obrigado” a ter catequese e missa.
Na escola do meu tempo aprendia-se que os homens trabalham fora de casa e as mulheres cuidam do lar e dos filhos.
Na escola do meu tempo não aprender não era um problema, quem não “tinha jeito para a escola, ia para o campo”.
No tempo da minha escola, quem mandava no país achava que muita escola não fazia bem às pessoas, só a algumas.
Na escola do meu tempo não se falava do lado de fora de Portugal. Do lado de dentro só se falava do Portugal cinzento e pequenino. Na escola do meu tempo eu era avisado em casa para não falar de certas coisas na escola, era perigoso. As pessoas até podiam ser presas.
Sim, eu sei, não precisam de me dizer que a escola deste tempo ainda tem muitas coisas parecidas com a escola do meu tempo. Mas o caminho é melhorar a escola deste tempo não é, não pode ser, querer a escola do meu tempo.

25 DE ABRIL

A 25 de Abril, para as pessoas da minha geração, é impossível não falar do 25 de Abril, daquele 25 de Abril, do nosso 25 de Abril, do meu 25 de Abril.
Há algum tempo, numa conversa informal com alunos, jovens, do ensino superior, alguns questionavam-me sobre como era a vida académica, e não só, antes desse 25 de Abril. Ao procurar dar-lhes um retrato desse tempo e do que era a nossa vivência diária, deu para perceber alguma perplexidade nos jovens não tanto pelas referências às grandes questões, mas, sobretudo, pelas pequenas histórias do dia-a-dia.
Histórias do clima de desconfiança e suspeição sobre a pessoa do lado que nos prendia dentro da gente; do livro que se não tinha; do filme que se não podia ver; do disco que se contrabandeava; do teatro que não se podia fazer; da conversa que se não podia ter; do professor de quem não se podia discordar; da ideia que se não podia discutir; da repressão visível e, mais pesada, invisível; do beijo que não se podia dar em público; do livro único para formar um pensamento único; de tantas outras histórias com que se tecia um mundo pequeno que nos queria pequenos.
Aquela conversa foi muito estimulante. É certo que me deixou a doce amargura da idade mas, mais interessante, fiquei convencido que aquele pessoal não permitirá nunca que se possa voltar a ter histórias daquelas para contar a gente mais nova.
Acho até que esta gente não vai mesmo estudar para ser escrava, esta gente vai, apesar de por vezes se sentir à rasca, chegar ao futuro.
Gosto de acreditar nisto. Também por causa daquele 25 de Abril.
E porque é mais fácil e mais bonito, "Traz outro amigo também".
 

domingo, 24 de abril de 2011

AS BOAS DECISÕES POR MÁS RAZÕES. Será?

Ao longo do processo desencadeado pelo ME de criação de mega agrupamentos, muito vezes referia aqui no Atenta Inquietude a algumas questões que do meu ponto de vista a medida poderia implicar e envolver.
Em termos sintéticos, fui referindo que esta medida para além dos contornos economicistas serviria, por exemplo, a um mais fácil controlo político do sistema através da redução do número de direcções e da manutenção da excessiva centralização do ME com níveis de autonomia insuficientes para estabelecimentos e agrupamentos.
Num momento em que vários sistemas educativos, por exemplo nos EUA, recuam na utilização de escolas muito grandes devido às consequências negativas para o trabalho de alunos, professores e pais, o ME insistindo sentido contrário, procede ao encerramento de escolas e definição de estabelecimentos e agrupamentos enormes, com critérios muitas vezes de natureza administrativa, com a co-existência problemática de miúdos com idades muito diferentes e com recursos humanos insuficientes para uma correcta supervisão.
Neste quadro, a decisão hoje conhecida de suspensão do processo de constituição dos mega agrupamentos será uma boa notícia.
A questão é que tal suspensão pode significar a assumpção da necessidade de repensar a bondade das decisões ou, ao que parece, a intenção de as redefinir à luz da decisões de natureza económica emergentes da discussão dos termos do negócio em curso entre o estado português, o FMI, o FEEF e o BCE.
Se assim for, depois de um tempo em modo "pause" o processo seguirá em piores circunstâncias.

DESEMPREGO E SOBRESSALTO SOCIAL

Apesar, ou por via disso mesmo, do tempo pascal, este ano juntinho ao feriado de comemorativo do 25 de Abril, a crise, as consequências da crise, não podem deixar de estar presentes.
A imprensa de hoje refere que, segundo dados do IEFP, o número de casais em que ambos estão desempregados quase triplicou em cinco meses, um número absolutamente devastador.
Estando em discussão os termos do negócio, a que chamam ajuda, que o FMI, o FEE e o BCE estão a fazer com o estado português, tem vindo a colocar-se a possibilidade de mais cortes nos chamados apoios sociais que envolvem, entre outras situações, os casos de desemprego que, aliás, se estima vir a aumentar.
Sabemos todos, embora alguns esqueçam, que os mercados não têm alma, são amorais e as pessoas são activos ao serviço dos interesses dessas entidades, os mercados.
É interessante nesta matéria verificar dois recentes exemplos providenciados de um empresário que tem emergido como paladino da ética e da verticalidade, Alexandre Soares dos Santos, do grupo Jerónimo Martins, detentor dos hipermercados Pingo Doce. O primeiro exemplo, como bem referiu Nicolau Santos no Expresso, foi o de publicitar até à exaustão que o IVA não aumentou na sua cadeia mas repercutiu o aumento do IVA nos preços pagos aos produtores, esmagando, assim, as suas já reduzidas margens. Continuou desta forma manhosa a assegurar a fatia de leão do lucro, a distribuição e ainda pôde clamar que não aumentou o IVA. O segundo exemplo prende-se com a tentativa em curso de "sugerir delicadamente" aos seus funcionários que trabalhem no 1º de Maio, dia em que o comércio sempre esteve encerrado mas que legislação recente permite a abertura. Neste exemplo em que está bem acompanhado pelo Grupo Sonae, a medida de abrir os hipermercados visa certamente promover o convívio e proporcionar um espaço de passeio e ocupação aos cidadãos.
Por isto tudo e voltando ao aumento extraordinário do aumento de casais de desempregados, seria absolutamente necessário que se entendesse e assumisse que o negócio em curso com a famosa troika não pode de forma alguma esquecer as pessoas, sobretudo as que mais vulneráveis e em risco de exclusão vão ficando.
Corremos o sério risco de ficar à beira, não de um sobressalto cívico como agora se fala , mas de um sobressalto social que pode assumir contornos imprevisíveis.

sábado, 23 de abril de 2011

AS LETRAS ACABAM-SE?

Porque hoje o calendário das consciências determina que se reconheça o Dia Mundial do Livro, aqui fica uma história velha com livro dentro.

Um dia destes a Ana entrou na biblioteca da escola para entregar uns livros ao Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros. A Ana ia muito concentrada e sentia-se importante na tarefa de responsabilidade que a professora lhe tinha encomendado, a devolução de uns livros.
O Professor Velho aproveitou e como estava arrumar alguns que tinham chegado, mostrou um novo à Ana que começou a folheá-lo e a tentar a leitura, a Ana está a iniciar-se nessa tarefa e ainda tropeça um pouco, é o seu primeiro ano de escola.
De repente, ficou com um ar apreensivo e interroga o Professor Velho.
Velho, as letras podem acabar?
Como assim Ana? Não estou a perceber o que queres dizer com isso.
Todos os livros têm palavras e as palavras têm letras. Eu estou a perguntar se as letras se podem acabar.
Já percebi. Não Ana, as letras não se acabam. Tu já sabes escrever letras?
Já e também já sei escrever palavras com as letras.
Então, se tu és capaz de fazer letras e todas as pessoas que sabem escrever também são capazes de fazer letras, as letras nunca vão acabar. A gente escreve sempre mais para tudo o que precisar.
Ainda bem que as letras não se acabam, assim vamos sempre ter livros novos para ler.
Tens toda a razão. E propósito de livros novos, faz-me um favor, leva estes para a tua professora ver e vos mostrar.
Adeus Velho, o primeiro é para eu ler.
Claro.

CONTINUO A PENSAR QUE SE ESCUTA DE MENOS

O Público de hoje traz à agenda a questão das escutas em Portugal. É recorrente, sobretudo quando envolvem gente melhor colocada, por assim dizer, no tecido social português. Sempre que esta matéria fica em discussão é frequentemente sustentado por diferentes sectores que em Portugal se usa a escuta de forma excessiva. Devo dizer que em matéria de escutas também eu, que procuro estar atento e inquieto, me sinto preocupado.
A minha preocupação advém do entendimento de que, contrariamente ao discurso mais generalizado, me parece que se escuta de menos. Diria mesmo que enquanto sociedade e considerando sobretudo os tempos actuais apresentamos um sério problema de surdez, não escutamos. Mais adequadamente poderíamos até dizer que revelamos o que se chama uma surdez selectiva, só escutamos o que queremos. Vejamos alguns dos nossos problemas de escuta.
Existem milhares de pessoas cuja voz que ninguém escuta. Provavelmente nem voz têm. É certo que em alturas como campanhas eleitorais fica bem escutá-los, de passagem é claro, sempre poderão render uns votos.
Escuta-se pouco os velhos sós, que vivem isolados e que sobrevivem com pensões de miséria.
Continuo a achar que existem demasiados putos que, por mais alto que gritem, ninguém os escuta.
Sabemos dos milhares de crianças maltratadas e de mulheres vítimas de violência a que damos pouca escuta.
É preciso escutar milhares de desempregados sem acesso a subsídios de desemprego ou a outras formas de apoio.
E que dizer de milhares de jovens com dificuldades enormes para entrar no mercado de trabalho e que vêem comprometida a possibilidade de um projecto de vida.
E a incapacidade de escuta de muitos políticos face à realidade difícil em que muitas famílias vivem.
É preciso escutar os milhares de pessoas sem médico de família e em listas de espera intermináveis para a prestação de cuidados de saúde.
É necessário escutar os injustiçados por um sistema de justiça caro, ineficaz, moroso e desigual.
Como vêem, contrariamente, às vozes que clamam contra a existência ou o excesso de escutas, mantenho a convicção de que cada vez se escuta menos.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

CAMPANHA ELEITORAL LOW COST. Sim, mas não exagerem

Ao que parece, o prazo para apresentação de orçamentos ainda não acabou, os partidos irão fazer um esforço de diminuição de custos com a próxima campanha eleitoral. Parece normal tal decisão face aos tempos que atravessamos que colocaram cortes e austeridade na agenda de todos, de uns mais do que outros, é claro.
Parece-me positiva não utilização de outdoors, são caros e em termos estéticos alguns, valha-nos Deus, mas, por outro lado, custa-me ver milhares de rotundas sem as promessas que em todas as campanhas são feitas, quase sempre, com as mesmas caras e chavões.
Também me parece que se poderia economizar utilizando, tanto quanto possível os tempos de antena de campanhas passadas. Em muitos discursos de muita gente, não há novidades, é o que se convencionou designar por cassete.
No entanto, embora simpatize com campanhas eleitorais low cost acho que é preciso ter alguma cautela e não exagerar.
Por favor, peço encarecidamente aos responsáveis partidários pelas campanhas que não cortem na distribuição das esferográficas e bonés que tanto nos atraem e pelos quais somos capazes de criar conflitos. Já me esquecia, os sacos de plástico tanbém dão jeito, agora que começaram a ser cobrados nos supermercados.
Agradeço ainda que não cortem aqueles megacomícios em que é preciso trazer gente de fora. Nós portugueses apreciamos uma viagenzinha de borla mesmo que tenhamos que dar vivas a um partido e agitar uma bandeira. Sempre espairecemos um bocado das agruras da vida.
Finalmente, solicito encarecidamente que não deixem de organizar uns almocinhos ou jantares de campanha que são deliciosos e baratos. É certo que variam entre o bacalhau com natas, a carne assada e os bifinhos com cogumelos e ainda levamos com os discursos. Bom, mas também temos que fazer algum sacrifício, o preço compensa.
Vamos ver como correm.

PRECÁRIA DE VIDA - (Take 2)

Algumas dezenas de jovens apresentaram um manifesto, entrámos decididamente na era dos manifestos, suscitando a discussão e combate contra a precariedade das relações laborais e a ameaça, chamam-lhe desinvestimento, a direitos de natureza social adquiridos no pós 25 de Abril.
Este tipo de iniciativas expressa do meu ponto de vista uma trajectória cívica interessante e que parece poder continuar a desenvolver-se fora da tutela da partidocracia, a sua grande virtude, para além da óbvia importância da lutar pelos seus projectos de vida. É de recordar que o movimento que sustentou a manifestação de 12 de Março está a desenvolver uma iniciativa no sentido de levar à Assembleia da República uma proposta legislativa que combata a precariedade das relações laborais.
Do meu ponto de vista, parece-me algo de importante, novo e oportuno pois da agenda dos chamados partidos do arco do poder, os que previsivelmente, ditarão as decisões políticas nos próximos tempos, consta a maior flexibilização das relações laborais o que, naturalmente, é coerente com os ventos neo-liberais e o endeusamento do mercado que tudo permite, incluindo roubar a dignidade às pessoas e promover exclusão.
Parece, aliás, oportuno lembrar alguns dados que há alguns dias aqui tinha deixado.
A precariedade nas relações laborais quase duplicou na última década. Portugal é o segundo país da Europa, a seguir à Polónia, com maior nível de contratos a prazo. Tal quadro de relações laborais, que algumas lideranças políticas querem tornar ainda mais flexíveis, como referi acima, não afecta exclusivamente os jovens, embora quem esteja a entrar no mercado de trabalho se encontre, obviamente, em situação mais vulnerável.
Também merece atenção que de acordo com o INE, dados recentes, 314 000 jovens não estudam nem trabalham, a conhecida fórmula “nem, nem”. Este número, atendendo à dimensão do país é absolutamente dramático. Além disso, a OCDE divulgou há tempos que mais de metade dos jovens empregados até aos 24 anos têm empregos precários. Na mesma linha, também há algum tempo, o Banco de Portugal referia que em cada dez empregos novos, nove são precários.
Esta situação complexa e de difícil ultrapassagem tem, obviamente, sérias repercussões nos projectos de vida das gerações que estão a bater à porta da vida activa. Entre outras, contar-se-ão, os indicadores mostram-no, o retardar da saída de casa dos pais por dificuldade no acesso a condições de aquisição ou aluguer de habitação própria ou o adiar de projectos de paternidade e maternidade que por sua vez se repercutem no inverno demográfico que atravessamos e que é uma forte preocupação no que respeita à sustentabilidade dos sistemas sociais, a União Europeia já indicia a intenção de colocar a reforma nos 70 anos.
No entanto, um efeito muito significativo mas menos tangível desta precariedade no emprego, é a promoção de uma dimensão psicológica de precariedade face à própria vida no seu todo. Dito de outra maneira, pode instalar-se, melhor, podemos correr o risco de ver instalar-se, uma desesperança que desmotiva e faz desistir da luta por um projecto de vida de que se não vislumbra saída motivadora e que recompense. Podemos estar perante as gerações perdidas de que há algum tempo se falava.
Aí ficaremos, todos, bastante mais à rasca.

A EDUCAÇÃO - Algumas notas em jeito de balanço

O Público solicitou a algumas pessoas uma reflexão sobre o universo da educação a propósitio da legislatura que agora termina. Dado que o trabalho já foi divulgado, aqui ficam as notas que uma reflexão breve sugeriram. O texto é um pouco longo para este tipo de suporte mas arrisco.
De uma forma breve, creio que a legislatura que agora se interrompe continuou marcada por um clima de excessiva crispação, pouco saudável para a qualidade do trabalho de professores, alunos e pais. Esta crispação radica na profunda "partidarização" do universo educativo levando a que a definição e operacionalização das necessárias medidas de política educativa seja demasiado contaminada pelas agendas da política partidária. Um bom exemplo deste cenário, foi dado pela rejeição por toda a oposição do modelo de avaliação dos docentes apenas quando se definiu a realização de eleições e não na altura da apresentação. Deveria ter sido logo recusado porque se tratava, efectivamente, de um mau instrumento e poupava-se um tempo de ruído e práticas nas escolas com efeitos ainda por conhecer.
Por esta razão, creio que se perdeu a oportunidade de construir um necessário dispositivo de avaliação dos docentes que se constitui como ferramenta imprescindível à qualidade do sistema educativo, o grande desafio que enfrentamos.
Julgo também de sublinhar o facto de ainda não se ter procedido a uma verdadeira reforma curricular, designadamente, no ensino básico. Esta reforma, quer ao nível da matriz, quer ao nível dos conteúdos, parece-me urgente e deverá solicitar sempre o reforço do trabalho em língua portuguesa e educação matemática, as ferramentas de construção do conhecimento.
A prática do ME caracterizou-se neste domínio, como noutros, por uma atitude de natureza mais reactiva e avulsa, evidenciando uma certa deriva nas decisões sem que se conseguisse identificar um fio condutor para as mudanças no sistema.
Por razões que se prendem com as rápidas mudanças sociais, económicas e culturais os sistemas educativos estarão, por natureza, sob permanente pressão de ajustamento. No caso português acrescem as suas particularidades e constrangimentos quer de natureza estrutural, a sua organização por exemplo, quer conjuntural, a deriva e carácter avulso das decisões que o processo de encerramento de escolas e a definição de mega-agrupamentos pode ilustrar.
Neste quadro, os grandes desafios que se nos colocam em matéria de educação, salientaria alguns aspectos que me parecem mais relevantes, embora sem carácter exaustivo e não referidos por hierarquia de importância.
O nosso sistema ainda tem números de insucesso, retenção ou abandono, significativos pelo que a promoção da qualidade é uma urgência. Contrariamente ao que algumas vozes sempre clamam está provado que o "chumbo" não melhora o sucesso. Assim, à semelhança do que se passa nos países com melhores resultados educativos parece-me fundamental que se estruturem dispositivos de apoio a alunos e a professores que, logo no início de dificuldades percebidas, as identifiquem e possam ser desencadeadas intervenções que mais facilmente serão bem sucedidas.
Considerando que as exigências das sociedades actuais em matéria de qualificação é algo de incontornável e que, como habitualmente afirmo, a exclusão escolar é, quase sempre, a primeira etapa da exclusão social, deve continuar-se o esforço que tem vindo a ser realizado no sentido de permitir a construção de percursos educativos mais diferenciados, diversificando e tornando mais acessível a oferta educativa, de qualidade (estou a lembrar-me de muitas das práticas desenvolvidas no âmbito do Programa Novas Oportunidades), de forma a que, tanto quanto possível, todos os alunos pudessem a aceder a um patamar de qualificação profissional, ainda que de nível e duração diferentes.
Uma outra área do funcionamento da educação a que sou particularmente sensível é a resposta a crianças com maiores dificuldades. Sou das pessoas que continuam convencidas que a reintrodução do conceito de "elegibilidade" para aceder a apoio educativo instituído pelo DL 3/2008 é um mau serviço, na medida em que as crianças que passam no crivo da elegibilidade podem ter algum tipo de apoio educativo apesar das muitas falhas existentes, enquanto as "não elegíveis" ficam demasiadas vezes sem resposta ajustada às suas dificuldades ou necessidades. Apesar da avaliação recentemente divulgada pelo ME ser positiva, os dados conhecidos nas escolas não permitem ser tão optimista pelo que esta área deveria ser objecto de avaliação e ajustamento.
Parece-me ainda importante neste breve comentário chamar a atenção para o facto de que no nosso sistema educativo, a ideia de Escola a Tempo Inteiro, num lamentável equívoco com a ideia de Educação a Tempo Inteiro, operacionalizada através das Actividades de Enriquecimento Curricular a que acresce uma possibilidade decorrente de uma designada Componente de Apoio à Família, permitir que muitas crianças permaneçam na escola até 11 horas por dia.
Sendo certo que a supervisão das crianças nos tempos profissionais dos pais é um problema fundamental para o qual as comunidades precisam de encontrar resposta, importa também avaliar o impacto que em muitas crianças pode ter a permanência por tanto tempo na escola e, sobretudo, a qualidade e ajustamento do trabalho que é realizado durante esse tempo. Todos conhecemos certamente excelentes práticas, mas também todos sabemos de trabalho desenvolvido por profissionais não preparados, com recursos desajustados, a utilização excessiva de tarefas de tipo escolar, etc. que não podem deixar de ter consequências na relação que os miúdos estabelecem com a escola e com a aprendizagem ao longo do seu percurso.
Uma referência final à necessidade de se continuar um percurso de autonomia responsabilizada das escolas e agrupamentos, bem como a um aligeiramento muito substantivo da máquina do ME que possibilitasse maior agilidade e desburocratização do sistema. Temos estruturas e circuitos a mais e eficácia e qualidade a menos.

O RAPAZ QUE NÃO QUERIA CRESCER

Era uma vez um miúdo, o Manel que como todos os miúdos, gostava muito de brincar. Tinha sete anos, já andava na escola e sentia-se um bocadinho zangado pois achava que tinha pouco tempo para brincar. Estava de manhã até à noite a fazer coisas na escola, coisas que não eram de brincar, chamavam-lhe actividades. Não percebia bem porquê mas os adultos foram deixando de brincar com ele. O pai dizia, “Estás a crescer, tens de fazer os trabalhos”. A mãe dizia, “Prepara-te, quando fores grande a vida é a sério”. A professora dizia, “Não podes brincar, tens de realizar as actividades, assim não progrides”. E toda a gente achava que ele não podia brincar porque “tinha que se preparar para a vida”. Bom, toda a gente não, o avô do Manel, que ele só via nas férias e no Natal, ainda brincava com ele e contava-lhe histórias de rir, algumas até um bocado malucas.
De mansinho, o Manel começou a assustar-se com a ideia de crescer e já não brincar. Decidiu pois que não crescia. E continuou a fazer sempre o que os pequenos fazem, a falar o que os pequenos falam e até parecia que pensava o que os pequenos pensam. Ficou um menino estranho e triste. Toda a gente preocupada e sem entender. Uma vez, de visita ao avô puseram-se os dois a olhar para os bonecos e carros de cana que construíam nas férias. O avô falou, “Manel, toma bem conta destes bonecos e destes carros e não te esqueças de como se fazem. Quando cresceres vais ensinar os miúdos pequenos a brincar com eles e a fazer outros”.
O Manel estranhou e perguntou, “Mas quando crescer, ainda posso brincar e fazer brinquedos?”. Disse o avô, “Claro, é mesmo uma das coisas mais importantes que tens para fazer quando fores grande”.
O Manel perdeu naquele minuto o medo de crescer, afinal podia brincar mesmo crescido.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

MENSAGEM DA PÁSCOA - Inovação e promessas

Na mesma linha do famoso vídeo de Isabel Alçada no início do ano lectivo, o jovem mais velho da política portuguesa, Passos Coelho, dirigiu-nos uma mensagem de Páscoa através, claro, da rede social. Com uma encenação a condizer, a presença de mão dada com a esposa e um ar de família feliz, a peça é de um fino recorte estético-humanístico.
Quanto ao conteúdo da mensagem, essa sim, é absolutamente inovadora. Trata-se basicamente de um enunciado de promessas envolvidas na retórica habitual em campanha eleitoral. A educação como desígnio, a preocupação com os que mais dificuldades atravessam, o desenvolvimento do país e, pièce de résistance, a garantia de cuidados de saúde para todos.
Fiquei, naturalmente, convencido.
Como dizia a minha avó, este pessoal é tudo farinha do mesmo saco e, acrescento eu, sem grande qualidade.
Mas lá que é bonito é. Fica lindamente colocado ao lado do quadro com o menino com a lágrima no olho que se vende em todas as feiras.

UM PAÍS DE TOLERÂNCIA E A INTOLERÁVEL DANÇA DAS CADEIRAS

A administração das designadas tolerâncias de ponto sempre foi uma excelente ferramenta de acção política, razão pela qual a tradição em Portugal sempre foi de alguma generosidade nessa matéria.
A decisão de conceder hoje tolerância de ponto à administração central e em empresas públicas inscreve-se nessa acção política, nada como um tempinho de férias extra em tempos de crispação e dificuldade.
Bem podem os economistas chamar a atenção para a necessidade de produtividade e para o custo económico das tolerâncias de ponto ou o facto de o sector privado se manter a trabalhar bem como algumas autarquias que recusam a “benesse”.
A questão não tem nada ver com economia, tem a ver com política, pura e dura. Aliás, o facto de Passos Coelho já ter vindo contestar a tolerância de ponto é prova disso mesmo. Nunca nenhum governo, mesmo do PSD, geriu este processo de outra forma que não a busca de uns dividendos políticos graças à simpatia, por assim dizer, com que nós os portugueses olhamos os dias de descanso extra que nos são oferecidos.
Certamente ainda de forma mais animada com a retoma do PS nas sondagens, continuamos a assistir ao deplorável espectáculo da dança das cadeiras, também conhecida por elaboração de listas. Há frente no brilho está o grande momento protagonizado pelo contorcionista Fernando Nobre e a sua escolha por parte do PSD de que hoje foi conhecido mais um episódio com a posição de António Capucho. No entanto, outros episódios, com outros protagonistas e com outros partidos vão animando a dança. Luís Amado não quis e o PS não quis Teixeira dos Santos. O conhecido algarvio e residente desde sempre por tais terras, João Soares causou alguns estranhos embaraços entre os socialistas algarvios com a sua indigitação como cabeça de lista por Faro, mas a coisa passou e João Soares fica com a cadeira.
Ainda me comovi ao ver num jornal televisivo uma Sra. Dra. Celeste Correia que não tinha o prazer de conhecer, afirmar com ar de miúdo envergonhado e em voz baixa que esperava ficar (com uma cadeira) pois tinha trabalhado bem, mas as estruturas do PS assim não o entenderam e paciência, são uns ingratos, quase deu para perceber uma lágrima ao canto do olho.
Esperando ainda que a semana santa nos ajude a ter uma santa paciência, tolerância, ouvimos Otelo Saraiva de Carvalho, em nova prova de vida com mais uma brilhante e rigorosa análise histórica e política, afirmar a necessidade de termos um homem com a inteligência e a honestidade de Salazar nestes tempos que atravessamos.
Na verdade, mais do que tolerância de ponto é necessária tolerância de espírito. Não há saco.

PROFESSORES A TEMPO INTEIRO

Um estudo realizado no Porto envolvendo professores e hoje divulgado pelo Público, refere que a maioria dos inquiridos revela uma enorme dificuldade em desligar-se dos problemas de natureza profissional mesmo quando está fora da escola, em casa, por exemplo.
Não conhecemos os contornos específicos do estudo, mas os seus resultados inscrevem-se no conhecimento já adquirido de que a profissão docente é uma das mais sujeitas a stress como, aliás, o são todas as que envolvem interacção social agudizando-se quando o contacto envolve tensão ou sofrimento, daí o stress em docentes e em pessoal da área da saúde.
Esta expressa dificuldade dos professores em se abstrair dos problemas de natureza profissional, recorda-me sempre algo que ouvi já há alguns anos a um professor velho que quando comentei que a situação de reforma lhe dava descanso, se riu e disse que “professores e pais nunca se reformam ou vão de férias”.
Embora com uma pontinha de excesso que se desculpa, a dimensão ética e afectiva das funções, para além das questões profissionais no caso dos professores, é tão significativa que dificilmente se consegue “escapar” ainda que transitoriamente, e muito menos definitivamente, à condição de pai ou de professor.
È bom de ver que esta quadro está naturalmente mais presente nos bons professores, a esmagadora maioria. Os bons professores, tal como os pais, têm sempre os alunos, os filhos, “perto” de si, ou seja, não lhes é fácil libertarem-se da inquietação que sentem com o bem-estar dos miúdos e com a qualidade do trabalho.
Em situações informais em que algum ou alguns professores estejam presentes é muito frequente que a conversa, mais ou menos rapidamente, se direccione para as questões da vida dos miúdos e da escola.
Não raramente, este envolvimento de muitos professores, horas extraordinárias por assim dizer, tem implicações na sua vida pessoal e familiar que muitos entendem ser “ossos do ofício” e ajudam a explicar os resultados do estudo agora divulgado.
O Professor Velho tem mesmo razão, os professores e os pais não se reformam nem vão de férias, estão sempre a tempo inteiro.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

UM PAÍS ARMADO

Apesar da noticiada classificação de Portugal como país onde existe um risco de violência público, creio que ainda nos poderemos considerar um país pacífico e, como gostamos de considerar, de brandos costumes.
No entanto e por paradoxal que possa parecer somos um país fortemente armado e, de facto, a correr sérios riscos por tal circunstância.
Boa parte dos que nos têm governado passa o tempo armada em competente quando as coisas correm de forma positiva e logo os mesmos aparecem armados em vítimas de todo o mundo quando as coisas se complicam. Reparemos também naqueles que se armam em parte da solução quando sempre foram parte do problema.
Muitos de nós andamos o tempo todo armados em ricos a viver acima do que podemos a troco de uma vida a crédito até à falência.
Muita gente entre nós procura armar-se em “tudo bem” para esconder por pudor as dificuldades que atravessam.
Quantos de nós se armam em qualquer coisa para parecer por fora o que se não é por dentro, razão pela qual tanta gente, grande e pequena, se arma em forte para esconder fraquezas e medos que doem por dentro.
E as tantas pessoas que se armam em pessoas felizes para a fotografia do dia a dia, mas que se fossem fotografadas por dentro ficariam bem diferentes no retrato.
Pois é, somos um país de gente armada, pacífica mas armada.

BRANDOS COSTUMES

Uma entidade basicamente desconhecida para a esmagadora maioria de nós, a Aon Risk Solutions, coloca-nos no lote dos países com algum risco de violência pública em consequência da crise e da austeridade. Esta entidade tem a mesma isenção que as famosas agências de rating pois é parte interessada na avaliação, ou seja, quanto maior for o risco, maiores serão os encargos com seguros e, portanto, a favor dos interesses das seguradoras que financiam a Aon Risk Solutions. Ao que parece, a avaliação de risco assenta nos exemplos de outros países, designadamente da Grécia.
Se conhecessem o nosso país, as nossas particularidades veriam como o risco de violência pública é baixo como, aliás, veio afirmar o responsável pelo Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo.
De facto, somos reconhecidamente um país de brandos costumes.
Apesar de alguns indicadores de criminalidade violenta, ainda assim abaixo do que se verifica em países que a Aon Risk Solutions curiosamente não coloca em risco de violência pública, somos um povo discreto. Não abusamos da violência e quando o fazemos é no recato do lar ou, quando muito, no quintal.
A nossa violência, é uma violência de proximidade, violência doméstica em números muito elevados, umas tareias nos miúdos a ver se eles aprendem, uma sacholada ou tiro num vizinho por causa de uma partilha ou de uma pinga de água, pouco mais do que isso. Por vezes, lá trocamos uns sopapos ou coisa pior por causa de um desaguisado de trânsito, mas nada que possa configurar violência pública ou convulsão social graves.
Somos mesmo um povo tranquilo e de brandos costumes, uma das razões que os estrangeiros quase sempre referem como característica nossa.
A questão é que, como dizia Camões, todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades. Um dia cansamo-nos de ser bons rapazes.

ELES, OS GAJOS, É QUE TÊM A CULPA

Em mais um estudo de opinião sobre a nossa vidinha, 86 % dos inquiridos culpam José Sócrates e Cavaco Silva pelo estado a que o país chegou.
Tal número não surpreende, existe em Portugal e, naturalmente, para os portugueses uma entidade mítica e indefinível, omnipotente e omnipresente que tudo explica, tudo sabe e de tudo é responsável o que, obviamente, nos iliba de qualquer resíduo de responsabilidade por aquilo que nos acontece, não nos ocorrendo, por exemplo, que aqueles dois senhores assumem as funções que assumem por eleição.
Essa entidade mítica e indefinível liga-se fundamentalmente ao que de menos positivo nos acontece ou fazemos. Não, não estou a falar de uma entidade divina, estou a falar de algo mais complexo, se assim se pode dizer. Estou a referir-me a “ELES”. Se bem repararem, “ELES” estão absolutamente enraizados nos nossos discursos quotidianos. Apenas alguns exemplos. “Só querem o deles”, “Eles é que mandam”, “A culpa é deles”, “Eles querem assim, a gente faz”, “Eles apanham-se lá e estão-se nas tintas”, “Eles não fazem nada”, “Eles aumentam tudo”, “Isso é que era bom, faço como eles, que se lixe”, “Eles só fecham coisas”, “Eles só falam”, “Eu fazer mais? Façam eles”, “Eles têm grandes ordenados e depois não chega para a gente”, “Eles dão maus exemplos querem que a gente faça o quê?”, “Eles estão cheios dele e a malta na miséria”. “Eles pensam que somos parvos”, etc. etc.
O mais curioso, é que quando se tenta perceber sobre quem objectivamente estamos a falar, parece que se trata de todos menos de mim, ou seja, é sobre ELES. E assim explicamos a nossa vidinha.

PS – Por vezes, a referência a “ELES” é substituída pela fórmula, “OS GAJOS” o que empresta uma natureza bastante mais popular aos discursos.

ABANDONO ESCOLAR - a primeira etapa da exclusão social

O Público de hoje aborda o Relatório da União Europeia relativo ao cumprimento das metas em educação estabelecidas para 2010 e as que se desenham para 2020.
De uma forma geral os resultados obtidos ficaram aquém dos objectivos, excepção feita ao número de diplomados em Ciências, Tecnologia e Matemática. Neste particular indicador, Portugal teve um desempenho excelente tendo subido 193.2 %, o mais significativo crescimento.
Sendo de registar e saudar tal desempenho, importa conseguir que tal progresso não signifique hipotecar níveis de qualidade e exigência, na linha do que em alguns programas tem acontecido em Portugal nos últimos anos.
Do relatório constam também os indicadores relativos ao abandono escolar precoce e aqui a realidade é bem menos simpática, antes pelo contrário.
Sendo certo que em Portugal também diminuiu a taxa de abandono no período em análise, temos que em 2009 a média da UE a 27 era de 14.4 % e em Portugal 31.2 %. Segundo o INE, em 2010 o abandono continuou a cair mas é ainda de 28,7 %, ou seja, o dobro da média em europeia. Tal indicador vem mostrar o que sempre afirmo, não somos um país de “doutores”, ideia falsa vendida até à exaustão por uma opinião publicada ignorante e apoiada em alguma comunicação social mais negligente.
Como muito frequentemente afirmo, o abandono escolar é frequentemente a primeira etapa da exclusão social. Nesta perspectiva, o combate ao abandono deve, tem de, ser um eixo central na política educativa. A eficácia nesta tentativa de baixar os níveis de abandono passa necessariamente pela diversificação dos percursos de educação e formação, o que habitualmente se designa por oferta educativa.
Deve sublinhar-se que têm sido realizados progressos bastante significativos na diversificação desta oferta embora, muitas vezes, as alternativas disponibilizadas sejam percebidas pelos alunos e pelas famílias como “formação de segunda”. Algumas escolas têm práticas que alimentam esta percepção, na medida em que canalizam preferencialmente os “maus alunos” para formação “alternativa”.
Na verdade o que é absolutamente central é que os jovens ao sair do sistema se encontrem equipados com qualificação profissional, quer ao nível do ensino secundário, quer ao nível do ensino superior que com o trabalho no âmbito do ensino politécnico tem condições para processos de qualificação mais curtos e mais diversificados.

CHUVA ABENÇOADA E BEM CHOVIDA

Uns dias poucos no Meu Alentejo começaram sob os auspícios da chuva. Já estava a fazer falta depois de, como dizem os homens da meteorologia, termos passado pela primeira onda de calor deste ano. A terra pedia.
Na conversa com a vizinha do monte aqui do lado de cima sobre o borrego da Páscoa ela dizia que tinha sido uma noite e um dia de chuva abençoada e bem chovida, expressão curiosa e bonita.
A bênção do que aparece quando é preciso e o bem chovido que cuida e alimenta sem estragar a terra, ou seja, cuida bem da vida da gente, de toda a gente.
Durante a leitura diária da imprensa e um jornal televisivo lembrei-me da chuva abençoada e bem chovida.
As palavras que se ouvem e lêem não são abençoadas e não são bem chovidas, perdão, bem falado.
Não são precisas estas palavras, estão a mais, tratam do acessório e não do essencial, são ruído e não comunicação, servem para monólogos e não para diálogos, destinam-se ao interesse de uns poucos e não aos problemas de uns muitos. Estas faladas não abençoadas e mal faladas exasperam ou deprimem consoante o estado de alma do escutador.
A questão, para o melhor e para o pior, é que os homens não mandam nesta chuva, ainda, mas são os homens que escolhem as falas mal faladas.

terça-feira, 19 de abril de 2011

ESSA ROUPA?! Na escola não, onde é que vamos parar

Para fugir um pouco à circularidade das notícias sobre a presença da “troika” (que raio de nome) de negociadores internacionais que nos virão dizer como iremos viver nos próximos anos, o I traz a primeira página a questão do “dressing code” em vigor nas escolas. De facto, existe regulamentação, que alguns directores consideram excessiva e inibidora da abordagem caso a caso, que determina as regras de vestuário, apresentação e também de conduta em muitas das escolas públicas portuguesas.
As opiniões nesta matéria são sempre de grande elasticidade, variando entre os que defendem a “farda” até aos que sustentam que regular a apresentação é um atentado aos direitos individuais. Já não tenho muita paciência para certo tipo de discussões.
Peço desculpa, mas esquece-se algo que me parece essencial. Os miúdos nesta fase, pré-adolescência e adolescência, estão a construir uma identidade, a sua. Tal “trabalho” passa, em todas as épocas (lembremo-nos da recusa da gravata nos anos 50, das minissaias dos anos 60, dos cabelos às cores dos anos 80, dos piercings a seguir, etc.), pela tentação de andar nos limites do instituído, linguagem, vestuário, “aspecto visual”, música, consumos, etc. Este tipo de funcionamento, quase sempre transitório, presente, de forma mais ou menos evidente, na generalidade dos adolescentes levanta algumas inquietações aos adultos que, à falta de melhor solução, têm a tentação de proibir, o que se compreende. Também me lembro de me terem proibido socas, a camisa por fora das calças e cabelo comprido. Mas só proibir é tapar o Sol com a peneira. Claro que muitos pais ficam contentes com o facto de a escola proibir algo que eles gostavam de proibir mas que não se sentem capazes, assim a escola compra, por eles, a “briga” com os filhos.
Por outro lado, é fundamental para os próprios adolescentes que percebam claramente que “não vale tudo”, ideia que por vezes pode decorrer de retórica como, são direitos individuais, veste-se, fala-se e faz-se o que se quer, é um caso de liberdades individuais, etc. Devo dizer que parte deste argumentário cai no que considero uma espécie de delinquência educativa. A vida em sociedade e o respeito por regras sociais obriga a que ninguém de nós possa fazer sempre o que quer, quando quer, onde quer, da forma que quer, etc. Construir de forma sensata estas balizas reguladoras é uma tarefa indispensável ao desenvolvimento e à formação.
O que quero simplesmente dizer é que, muito para lá das proibições, ou em vez das proibições, trata-se de construir valores, capacidade de auto-regulação dos comportamentos por parte dos jovens, de construção conjunta dos necessários códigos de conduta e de sermos capazes de discriminar o essencial do acessório.
Não é o tamanho da saia que previne a vitimização, não é a calça descaída que determina a indisciplina.

ESTOU DESCANSADO. O meu filho está no computador

O DN e o I de hoje referem um estudo do Projecto EU Kids em que se refere 38 % das crianças dos 9 aos 12 anos têm perfis nas redes sociais enquanto que na faixa dos 13 aos 16 a percentagem sobre para 78 %. Acresce que cerca de um quarto tem perfil público, portanto sem protecção e acessível a qualquer pessoa.
Antes de umas notas breves parece-me interessante recordar que segundo um estudo do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa há algum tempo divulgado sobre a utilização da net por parte de crianças e adolescentes, entre os mais novos, dos 8 aos 10 anos, 35.7% afirma que utilizam a net em casa sem regras estabelecidas, sendo que 42% também refere que não têm controle dos pais sobre páginas consultadas e correio electrónico.
Estes dados, apesar de não surpreendentes, são preocupantes. Muitas vezes já aqui tenho referido como o ecrã, qualquer ecrã, é hoje a “baby-sitter” de muitíssimas das nossas crianças e adolescentes que neles, ecrãs, passam um tempo enorme “fechados”. Como também sabemos, parte importante desse tempo é passado só, facilitando a falta de controlo sobre a utilização do ecrã, neste caso a net. A situação é ainda agravada pelo facto de em muitas das nossas famílias ainda se verificar alguma iliteracia informática que também complica a possibilidade dos pais acederem e dominarem a utilização dos recursos informáticos. Neste quadro, importa que o acesso e domínio destes meios seja estimulado juntos dos pais, que os programas de net segura, sejam reforçados, e que pelas vias da educação a tempo inteiro (não confundir com escola a tempo inteiro) e de mudanças na organização do trabalho, se diminua o tempo que as crianças e adolescentes passam, sós, ligados a um ecrã.
Considerando as implicações e nos sérios riscos presentes na vida diária, importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda, em informação e na forma de lidar com os riscos, destinada aos pais de forma a que a utilização imprescindível seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes.

A HISTÓRIA DO BOM TIPO

Era uma vez um rapaz chamado Bom Tipo, na verdade um nome assim um bocado estranho. O Bom Tipo, não sendo um aluno de excelência, tem notas elevadas o que lhe permite cumprir o seu trajecto escolar sem qualquer espécie de sobressalto.
É um pouco falador, circunstância que por vezes lhe causa alguns embaraços nas aulas mas que se resolvem com tranquilidade, o Bom Tipo é um rapaz genericamente cumpridor das regras.
O Bom Tipo é um apaixonado pelo futebol o que o leva a jogar nas equipas de jovens do clube lá do bairro. Não tendo as qualidades futebolísticas de um Cristiano Ronaldo é um tipo apreciado, lutador e um excelente jogador de equipa.
Logo cedinho, sendo um rapaz simpático, começou com os namoros que o fazem crescer e agora anda mesmo perdido pela Sara com quem de vez em quando sonha poder um dia viver, quando for o tempo, é claro.
Tem um grupo de amigos, companheiros de brincadeira e de algumas idas a concertos. O Bom Tipo gosta imenso de música, a sua ocupação dos tempos livres.
Ainda não referi mas o Bom Tipo tem uns pais que gostam imenso dele e cuidam para que ele seja ele. E ele é ele, o Bom Tipo que também gosta mesmo deles e da irmã, dois anos mais nova.
Ninguém sabe mas os pais dele, pessoas com modestos rendimentos andam a ser investigados por apresentarem sinais exteriores de riqueza.
Ter um filho como o Bom Tipo é um luxo que importa perceber como se adquire.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

OS PARALELOS DO RITMO

Uma visita rápida à imprensa de hoje permite ficar a saber que o "FMI ataca reformas e subsídios", CM, que "Portas aceitou pagar 30 milhões a mais pelos submarinos", JN, ou que o TGV sem um metro de linha construído e com o projecto suspenso já custou 300 milhões de euros", no I.
Somos também informados no DN que Zeinal Bava é o mais bem pago dos gestores com 1,4 milhões ganhos em 2010 e no I que se verifica o abaixamento de 3,5 % do número de desempregados inscritos nos centros de emprego face a Março de 2010, mantendo-se ainda em cerca de 550 000.
O Público informa ainda que os hospitais devem cerca de mil milhões de euros às farmácias.
Mais informação deste tipo poderíamos encontrar.
Curiosamente, as notícias sobre a classe que dirige ou pretende dirigir os destinos do país em que tudo isto se passa, estão centradas na dança das cadeiras, chamam-lhe listas para as legislativas, também conhecidas por "arranja-me um luarzinho que eu voto no que for necessário sem arranjar ondas". Deste universo destaca-se o degradante e deprimente espectáculo da candidatura de Fernando Nobre pelo PSD. Considero que este episódio deveria ser proibido a menores de 18 anos pelos efeitos negativos que pode ter na sua formação cívica.
Quando se atenta neste cenário ocorre-me uma expressão da minha juventude quando nos referíamos a um imaginário conjunto musical chamado "Paralelos do ritmo" tão mau, tão mau que os seus elementos por mais que tocassem nunca se encontrariam.
De facto, boa parte dos discursos políticos quando comparados com a realidade, parecem os "Paralelos do ritmo", por mais que toquem nunca se encontram.
Sofre o país, isto é, a vida das pessoas.

A HISTÓRIA DO HOMEM QUE MUDOU

Era uma vez um Homem. Como acontece com todos os homens, os sonhos e desejos do Homem na maior parte das vezes e em várias áreas da sua vida não se realizavam.
Umas vezes, muitas vezes, o Homem pensava que essa não realização era fruto da intervenção das outras pessoas. Outras vezes pensava que as circunstâncias, o acaso ou o destino, como também lhe chamam, determinavam o seu insucesso. Havia também momentos, poucos por faziam doer, que o Homem achava que não era suficientemente bom e competente para conseguir realizar os seus sonhos e desejos.
As decepções a amargura que dele foram tomando conta levaram-no a voltar-se mais dentro com a companhia de um ecrã, situação nada rara na vida de muitos homens, grandes e pequenos.
De tanto tempo só e à procura da sobrevivência começou de mansinho a descobrir que a sua vida poderia não continuar assim.
Foi descobrindo que afinal era capaz de cumprir todos os sonhos e todos os desejos, ou quase. Tudo o que sempre quisera ser ou ter e ficava inalcançável, de repente, estava ali perto, mesmo à mão.
A sua dificuldade era escolher, o mundo estava aberto à sua frente, por vezes já não era capaz de decidir, tudo parecia possível.
Desde que passou a viver na realidade virtual que todos os dias e a todas as horas construía no ecrã, sentia-se um homem completamente diferente, sentia-se mesmo outro homem. De tal maneira se sentia outro que até mudou de nome.
Agora chamava-se Nick, Nickname.

domingo, 17 de abril de 2011

HÁ VIDA PARA LÁ DOS PARTIDOS

Ao que parece e a história mostra, falar de negociação a propósito da intervenção do FMI, ainda que numa co-produção com o FEEF, não passará de um eufemismo. Na verdade, estas duas instituições definirão o caderno de encargos mediante o qual injectam o dinheiro necessário, restando às autoridades portuguesas a assinatura do memorando e a utilização de uma retórica que mascare a sua falta de autonomia e a transformação de Portugal num protectorado nos próximos anos, como ontem Nicolau Santos bem referia no Expresso.
Neste quadro, resta às lideranças políticas que aspiram ao poder, designadamente PS e PSD, entreterem-se numa espécie de jogos florais de troca de opiniões vazias de conteúdo e assentes nas minudências pessoais ou partidárias, que pretende convencer o eleitorado de que sempre seremos nós, eles os que ocuparem o poder, a decidir.
Este caminho, fora da realidade, parece-me pouco desejável e com riscos.
São cada vez mais as vozes que se mobilizam contra a exclusiva concentração nos partidos dos destinos e dos conteúdos da vida política portuguesa que, aliás, bem se esforça por afugentar as pessoas sérias, veja-se o recente episódio da triste figura de Fernando Nobre contratado de forma oportunista pelo PSD.
O movimento iniciado a 12 de Março, discursos como o de Marinho Pinto apelando a "uma greve à democracia", a referência de Otelo Saraiva de Carvalho, "o dono do 25 de Abril", à democracia directa, fora do controlo partidário e o exemplo dos referendos na Islândia pode prenunciar a instalação de um sentimento de "revolta" que tanto pode encaminhar-se numa saudável reforma dos modelos de organização e participação cívica como, pelo contrário, traduzir-se em fenómenos de radicalização e protesto social com contornos e consequências imprevisíveis.
Os partidos continuam centrados nos seus umbigos e interesses de poder correndo o risco de se ver ultrapassados pelas circunstâncias históricas e perceber um dia, finalmente, que haverá vida política para lá dos partidos.

sábado, 16 de abril de 2011

O NOBRE PROPÓSITO E A TRISTE FIGURA

Parecem cada vez mais claros os Nobres propósitos, o poder, isso mesmo, o poder e só o poder. Quando me refiro a este assunto, acho por bem esclarecer que na altura da eleição para a Presidência da República me pareceu saudável a emergência de uma candidatura fora do controlo dos aparelhos partidários e os resultados vieram a confirmar a disponibilidade do eleitorado para esse não alinhamento.
Assente a poeira, a candidatura de Fernando Nobre como cabeça de lista do PSD por Lisboa com a “missão” de ser Presidente da Assembleia da República, representa o atropelo aos discursos e comportamentos que tinha vindo a assumir reiteradamente. Não é grave, ninguém é perfeito, a carne é fraca e não é o primeiro, nem será o último actor da cena portuguesa dar tão grande cambalhota, antes pelo contrário a maioria dos actores políticos mostram-se autênticos troca-tintas.
Em entrevista ao Expresso de hoje o Dr. Nobre mostra ainda de forma mais despudorada como é possível tamanho contorcionismo cívico. Apenas duas referências particularmente significativas. Em primeiro lugar, reconhece não conhecer o programa político do PSD o que para o cabeça de lista ao mais importante círculo eleitoral, Lisboa, seria anedótico se não fosse patético e elucidativo do nobre propósito, querer e aceitar o poder em nome seja do que for. A segunda referência ao facto de Fernando Nobre afirmar que apenas lhe interessa o lugar de Presidente da Assembleia, se não ficar com ele renuncia imediatamente ao lugar de deputado. Para democrata não está mal, ou ganha ou sai do jogo. Mais uma vez se percebe que o que move o Dr. Nobre não é a democracia, a cidadania, como lhe chama num abastardamento do termo, é o poder, sempre o poder.
Sempre me lembro do meu pai. A espinha direita e a dignidade são uma reserva que um homem não pode perder, nunca. Nobre ficou, em termos políticos, sem ambas, perdeu a espinha direita e a dignidade.
Ficaram claros os Nobres propósitos. Triste figura.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

UM EQUÍVOCO POUCO COMPREENSÍVEL

Segundo o Público, a Maternidade Alfredo da Costa pede aos utentes donativos que possam minorar os efeitos da contenção orçamental.
O director do hospital justifica a medida com as necessidades, naturalmente, e com o facto de em algumas instituições estrangeiras da mesma natureza também se fazer um apelo aos donativos dos utentes.
Poderíamos tentar ver uma medida pedagógica e preventiva nesta iniciativa. Isto é, destinando-se esta unidade a prestar cuidados envolvendo bebés o apelo a donativos estimula precocemente a solidariedade ou mesmo o hábito das contribuições para o estado, por vezes chamadas impostos. Pode ser essa a intenção.
A questão é, no entanto, grave e envolve um equívoco. As dádivas que algumas instituições estrangeiras solicitam não são destinadas a minimizar cortes orçamentais mas a criar folgas orçamentais que permitam benefícios à instituição e ao bem estar e à comodidade de quem a utiliza e não aos custos do cumprimento eficaz da missão, esses não podem estar sujeitos a donativos.
Para além disso, um serviço público de natureza gratuita não pode deixar instalar a dúvida de que a qualidade dos cuidados de saúde que se vão solicitar pode de alguma forma estar associada ao donativo que é sugerido no acto da marcação da consulta.
Há situações que apesar de bem intencionadas não podem, não devem, acontecer.