AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sábado, 23 de abril de 2011

CONTINUO A PENSAR QUE SE ESCUTA DE MENOS

O Público de hoje traz à agenda a questão das escutas em Portugal. É recorrente, sobretudo quando envolvem gente melhor colocada, por assim dizer, no tecido social português. Sempre que esta matéria fica em discussão é frequentemente sustentado por diferentes sectores que em Portugal se usa a escuta de forma excessiva. Devo dizer que em matéria de escutas também eu, que procuro estar atento e inquieto, me sinto preocupado.
A minha preocupação advém do entendimento de que, contrariamente ao discurso mais generalizado, me parece que se escuta de menos. Diria mesmo que enquanto sociedade e considerando sobretudo os tempos actuais apresentamos um sério problema de surdez, não escutamos. Mais adequadamente poderíamos até dizer que revelamos o que se chama uma surdez selectiva, só escutamos o que queremos. Vejamos alguns dos nossos problemas de escuta.
Existem milhares de pessoas cuja voz que ninguém escuta. Provavelmente nem voz têm. É certo que em alturas como campanhas eleitorais fica bem escutá-los, de passagem é claro, sempre poderão render uns votos.
Escuta-se pouco os velhos sós, que vivem isolados e que sobrevivem com pensões de miséria.
Continuo a achar que existem demasiados putos que, por mais alto que gritem, ninguém os escuta.
Sabemos dos milhares de crianças maltratadas e de mulheres vítimas de violência a que damos pouca escuta.
É preciso escutar milhares de desempregados sem acesso a subsídios de desemprego ou a outras formas de apoio.
E que dizer de milhares de jovens com dificuldades enormes para entrar no mercado de trabalho e que vêem comprometida a possibilidade de um projecto de vida.
E a incapacidade de escuta de muitos políticos face à realidade difícil em que muitas famílias vivem.
É preciso escutar os milhares de pessoas sem médico de família e em listas de espera intermináveis para a prestação de cuidados de saúde.
É necessário escutar os injustiçados por um sistema de justiça caro, ineficaz, moroso e desigual.
Como vêem, contrariamente, às vozes que clamam contra a existência ou o excesso de escutas, mantenho a convicção de que cada vez se escuta menos.

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