AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

domingo, 31 de janeiro de 2021

OS SEMPRE EM PÉ

 Há muitos anos era frequente brincarmos com uma figuras coloridas muito cómicas que permaneciam sempre em pé. Empurrávamos, abanávamos, atirávamos as figuras das mais variadas formas e elas, desafiantes, persistentes e criativas continuavam sempre em pé.

Há já muito tempo que não me cruzo com brinquedos deste tipo. Já não são deste tempo em que os brinquedos, dizem, são bastante mais sofisticados e complexos.

No entanto, muitas vezes penso como existem miúdos e circunstâncias na vida de muitos miúdos que me recordam os sempre em pé. São miúdos que passam por circunstâncias de vida muito complicadas, são objecto de maus tratos e mal-querer de variadas naturezas e por parte de diferentes mãos, surpreendentemente mantêm-se de pé, sempre em pé, embora, tragicamente, alguns não aguentem e se afundem.

Quando com mais atenção escrutinamos essas circunstâncias de vida, por vezes inimagináveis de violência, mais perplexos ficamos com a enorme capacidade desses miúdos de após alguns tropeções, tal como os bonecos, continuar de pé. Chamam-lhes resilientes e nem sempre compreendemos como e donde lhes vem essa capacidade de permanecer sempre em pé.

É por isso que eu acho que os Sempre em pé são algo de extraordinariamente complexo e sofisticado, os brinquedos e os miúdos.

Os tempos que correm fazem apelo a todas as capacidades que os miúdos possam ter e têm para se manterem “sempre em pé”.

sábado, 30 de janeiro de 2021

SERENIDADE PRECISA-SE

 Na passagem de olhos diária pela imprensa e no que respeita ao futuro próximo da educação escolar algumas das referências que encontrei.

“Directores preocupados com alunos que não têm condições para estudar em casa”, Público.

Covid-19: Costa não acredita em aulas presenciais dentro de 15 dias, alternativa é ensino online”, Público.

Regresso do ensino à distância preocupa dirigentes escolares”, Público.

Paulo Oom: “Abaixo dos 12 anos seria possível manter as escolas abertas””, Público.

Portáteis têm de chegar até 25 de março - É a data limite de entrega pelos fornecedores dos 335 mil computadores em falta, a distribuir pelos alunos do ensino básico”, Expresso.

A polémica da interrupção das aulas: pais, público e privado respondem às mesmas 4 perguntas - eis o que os une e os separa”, Expresso.

Computadores prometidos pelo Governo para o ensino público encomendados oito meses depois - Aquisição dos equipamentos foi assinada em 31 de dezembro de 2020”, CM

Aulas online. "Os pais estão mais bem preparados, mas as dificuldades tecnológicas continuam" (Jorge Ascenção, dirigente da CONFAP), Obervador.

É inquietante o conjunto de dúvidas que toda a gente sente sobre o futuro próximo, a percepção das dificuldades causadas pelo óbvio não cumprimento da promessa de dotação de alunos e escolas com os equipamentos necessários para assegurar que ensino não presencial chegue a mais alunos embora, a questão da equidade esteja bem para lá ter disponíveis um portátil e acesso.

As políticas públicas, independentemente maior ou menor concordância que possam merecer de cada cidadão, devem promover, tanto quanto possível confiança no universo a que se destinam. Essa confiança, entre outros aspectos, depende da comunicação clara das medidas e da sua fundamentação, da transparência nos processos de tomada de decisão ou da percepção de competência e realismo dos seus responsáveis. Esssa comunicação deve, obrigatoriamente, ter em consideração os diferentes destinatários e acomodar o seu sua natural posicionamento e envolvivento  face a decisões, medidas ou impolicações.  

A situação no universo da educação é insustentável, enorme dificuldade na percepção de algumas decisões que solicitam esclarecimentos posteriores que mais dúvidas levantam, navegação à vista em matéria de planeamento (sim a situação é difícil, mas importa a existência de medidas e cenários que possam induzir alguma percepção  realista do rumo próximo), falhas sucessivas no cumprimento de medidas anunciadas, e, finalmente, mas não menos importante, uma liderança cujas intervenções quase sempre geram dúvidas, referem-se a uma realidade que não corresponde ao que se passa nas escolas, uma comunicação que ela própria gera um problema  de confiança.

Como é óbvio, o que escrevi serve para nada.

No entanto, não deixo de entender que seria imprescindível que os discursos e narrativas produzidos, quer individualmente, quer em termos institucionais, identificando problemas, necessidades, comentando boas ou más decisões, que são essenciais ao escrutínio das políticas públicas tivessem uma preocupação de serenidade.

A serenidade é um bem precioso, precisamos de proteger, também, a tranquilidade dos mais novos. No fundo, tudo, de melhor ou pior, vai sobrar para eles através dos pais e dos professores.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

A DESPENALIZAÇÃO DA MORTE MEDICAMENTE ASSISTIDA

 O Parlamento aprovou despenalização da morte medicamente assistida, também designada por “lei da eutanásia”, sendo desejável e adequado que fosse enunciada na primeira forma, trata-se de facto, de despenalizar a morte medicamente assistida.

A iniciativa teve 136 votos favoráveis e 78 votos contra. Os votos contra foram os do CDS e Chega, de 55 deputados do PSD e 8 do PS que definiram liberdade de voto e dos 10 deputados do PCP.

Em primeiro lugar nenhuma dúvida sobre a legitimidade de cada sentido de voto. As minhas considerações remetem para o argumentário utilizado como as primeiras reacções evidenciam.

Desde o início, a discussão sobre a problemática da morte assistida ou eutanásia, tal como aconteceu com a interrupção voluntária da gravidez, está, do meu ponto de vista, contaminada por um pecado original, os termos em que se enuncia a questão

Discute-se se somos contra ou a favor da eutanásia tal como se discutia se se era contra ou a favor do aborto. Os termos da discussão deveriam sempre ser colocados na posição contra ou a favor da descriminalização do processo de morte assistida em condições claramente definidas legalmente, reguladas e escrutinadas seriamente.

Da mesma forma e relativamente à IVG, a questão é entender se a mulher que dentro das condições estabelecidas e de forma regulada recorresse à interrupção voluntária da gravidez deveria ser criminalizada. Isto não tem nada a ver com “ser contra ou a favor do aborto”.

Com a aprovação desta lei não se abriu a anunciada “Caixa de Pandora”, não subiram os casos de IVG, antes pelo contrário, desceram e baixaram significativamente os problemas decorrentes deste processo existentes com a situação anterior, designadamente as graves ou fatais complicações de saúde das mulheres.

Também da despenalização da morte assistida não creio que venha o caos e o terror anunciados em múltiplas narrativas individuais ou institucionais, que destilam manipulação e hipocrisia e insultam a inteligência e a sensibilidade. Aliás, o líder da bancada do PCP “compreende” a questão, mas preocupa-se com a eventual “banalização”. A sério Sr. Deputado? Uma lei não é para ter consequências? O mau uso da lei não está regulado?

Como já escrevi, não sei o que será o meu entendimento pessoal se e quando estiver em circunstâncias críticas, imagino que quererei serenidade e dignidade.

Mas sei que não devo impedir ninguém de recorrer à morte assistida sem que daí decorra a imputação de um crime a alguém.

É uma decisão individual, que se aplica no âmbito dos direitos individuais e da dignidade, nunca de um grupo político, de uma religião ou de uma corporação profissional. Nenhum é dono da autodeterminação, autonomia, da cidadania num quadro extremo e irreversível de sofrimento e desespero.

António Gedeão afirmou na “Fala do Homem Nascido”, “Só quero o que me é devido por me trazerem aqui que eu nem sequer fui ouvido no acto de que nasci”.

Toda a gente nasceu sem ser ouvida e muita gente vive sem a dignidade que lhe é devida.

Talvez a gente pudesse ser ouvida no acto de que morrerá e ter no seu fim ou, pelo menos no seu fim, a dignidade que lhe é devida.

Não é simples, não é fácil, envolve outras pessoas e os seus valores, mas não vejo mesmo outro caminho. Importa, no entanto, aguardar pela decisão do Presidente da República.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

AS PALAVRAS QUE OFENDEM

 É só mais um exemplo e grave. O opinador Camilo Lourenço, um manhoso vendedor de agendas, escreveu num texto do Jornal de negócios que a Ministra da Saúde é “mesmo autista”. O Camilo não percebe e não vai perceber que “autista” não é um termo que se deva usar de ânimo leve e ignorante para apreciar comportamentos. Seria pedir demais ao escriba, também não iria perceber o quadro ético e de valores que inibe tal comportamento, manifestamente não saberia do que se estaria a falar.

A verdade é que de há algum tempo para cá entrou no léxico comum da cena política uma terminologia vinda da área da saúde mental com efeitos que ainda não foram avaliados. Alguns exemplos. É muito frequente a referência a estados de depressão, o país está deprimido, os mercados estão deprimidos, algumas regiões portuguesas são consideradas deprimidas, etc. Diz-se com todo o à vontade que certos comportamentos políticos podem ser suicidas, seja de pessoas ou de partidos. Inventaram um quadro de claustrofobia democrática, seja lá isso o que for. Não há opinador, amador ou profissional, que não se refira a autismo, autista ou esquizofrénico para adjectivar discursos e comportamentos políticos. Aliás, deve recordar-se que a Assembleia da República aprovou há tempos, sem grande resultado aparentemente, uma moção no sentido de se não utilizar tal terminologia nos debates parlamentares. Multiplicam-se as referências a pessoas que assumem compulsivamente estratégias de vitimização, a comportamentos obsessivos ou alucinados, etc. Abundam as análises que sublinham a grave baixa auto-estima dos portugueses.

Toda esta linguagem é usada como o maior à vontade.

Recordo que, creio que em 2016, a Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo do Douro entendeu por bem apresentar queixa pela utilização em duas novelas de referências ao autismo de forma depreciativa. No entanto, a Entidade Reguladora da Comunicação Social entendeu que o uso da palavra “autista” não é ofensivo. É elucidativo.

No final de 2015 a associação BIPP (Banco de Informação de Pais para Pais) – Inclusão para a Deficiência desencadeou uma campanha de sensibilização que visava inibir o uso de expressões como “deficiente mental” ou “atrasado mental” como insulto ou para censurar determinados comportamentos humanos. A campanha intitulava-se “Ser deficiente não é um insulto” e tinha como objectivo que o recurso a esta terminologia alimenta ou promove comportamentos de exclusão social dos cidadãos com deficiência.

Na verdade, para além das expressões citadas remetendo para o universo da deficiência, são também usados com demasiada regularidade termos próprios da área da saúde mental, esquizofrenia ou autismo, por exemplo, para adjectivar comportamentos e discursos em particular na vida política.

Dito de outra forma, a condição de deficiência, de doença mental ou de qualquer outra dimensão de vulnerabilidade é utilizada como insulto sendo que este comportamento é recorrente mesmo em pessoas com responsabilidade de natureza pública e social de relevo o que agrava o seu já inaceitável uso.

Sem querer assumir uma posição "politicamente correcta" este uso e abuso incomoda-me. Creio que ignora e ofende o sofrimento das pessoas e das famílias que lidam com quadros clínicos, de desenvolvimento ou de funcionalidade desta natureza. A decisão em tempos tomada pela Entidade Reguladora da Comunicação Social foi lamentável.

No entanto, este é apenas mais um exemplo das palavras que ofendem e que tão frequentemente ouvimos.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

OS CONSUMOS DE ADOLESCENTES E JOVENS

 A imprensa de hoje refere o Relatório Anual sobre a Situação do País em Matéria de Drogas e Toxicodependência que será entregue no Parlamento e com dados até 2019. Em pleno confinamento pode parecer fora da agenda abordar estas questões, mas creio que é sempre pertinente.

Alguns indicadores divulgados pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências.

Entre os alunos dos 13 aos 18 verificou-se um aumento do consumo de outras drogas, que não canábis, e a diminuição do risco percebido pelos alunos de 16 anos decorrente do consumo e uma evolução de consumos menos positiva que na zona europeia.

No grupo dos 18 anos aumentou o consumo de canábis entre 2015 e 2019. Apesar dos números ainda não serem, felizmente, muito significativos o número de overdoses aumenta desde há três anos sendo que duplicaram as causadas por opiáceos entre 2017 e 2018 e as causadas por cocaína sobem continuamente há três anos.

Parece verificar-se um aumento da circulação de drogas em Portugal associadas ao crescente recurso à net para a sua comercialização.

No que respeita ao consumo do álcool entre 2017 e 2019 também existem indicadores que merecem preocupação. Verifica-se o aumento continuado do consumo e da modalidade “binge drinking”, consumir muito em pouco tempo, que promovem exponencialmente casos de embriaguez em alunos de diferentes idades, 18 anos e em particular no grupo de 16 anos.

Trata-se, de facto, de um cenário que merece uma atenção que, por razões óbvias, muito provavelmente não terá nesta altura. Algumas notas já por aqui reflectidas.

O consumo de diferentes substâncias, em quantidade e em grupo por adolescentes e jovens, sobretudo ao fim-de-semana, é muitas vezes entendido e sentido como o factor de pertença ao grupo, potenciando a escalada desse consumo, juntos bebemos ou fumamos mais do que sós, como é óbvio e o "estado" que se atinge é sentido como um "facilitador" relacional.

Por outro lado, a acessibilidade aos diferentes produtos não é complicada, antes pelo contrário, processa-se com a maior das facilidades. Muitos adolescentes, ouvidos em estudos nesta matéria, referem ainda a ausência de regulação dos pais sobre os gastos, sobre os consumos ou sobre as horas de entrada em casa, que muitas vezes tem que ser discreta e directa ao quarto devido ao “mau estado” do protagonista.

Como é evidente, já muitas vezes aqui o tenho referido com base na minha experiência de contacto com pais de adolescentes, não estamos a falar de pais negligentes. Podem acontecer situações de negligência, mas, na maioria dos casos, trata-se de pais que sabem o que se passa, “apenas fingem” não perceber desejando que o tempo “cure” porque se sentem tremendamente assustados, sem saber muito bem o que fazer e como lidar com a questão.

De fora parece fácil produzir discursos sobre soluções, mas para os pais que estão “por dentro” a situação é muitas vezes sentida como maior que eles.

É preciso que a comunidade esteja atenta a estes adolescentes que, por vezes ainda antes dos 13 ou 14 anos começam a “aceder” às “litrosas”, aos shots, a qualquer outro produto para fumar ou consumir e também aos seus pais que estão tão perdidos quanto eles.

Para além da legislação de natureza proibicionista, parecem-me imprescindíveis, evidentemente, a adequada fiscalização e, sobretudo a criação de programas destinados a pais e aos adolescentes que minimizem o risco do consumo excessivo das diferentes substâncias.

É mais uma das áreas, comportamentos e saúde, que podem ser abordadas nas escolas com todos os alunos e sem que tenham de se constituir como “disciplinas” apesar de manifestos e discursos insustentáveis face a indicadores desta natureza.

Acresce que a proibição, como sempre, não basta e se prevenir e cuidar é caro que se façam as contas aos resultados do descuidar.

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

"PREOCUPA-ME A SAÚDE MENTAL DOS MIÚDOS"

 Enquanto aguardamos o que será o futuro próximo em matéria de frequência escolar após o encerramento das actividades lectivas que está em vigor, talvez seja pertinente a leitura da entrevista da professora Margarida Gaspar de Matos ao Público. Fica um excerto.

(…)

A mim preocupa-me agora e em primeiro lugar, fazer barreira a este aumento terrível da transmissão do vírus! Esta inquietação perturba-nos a todos, é potencialmente letal para todos e a incerteza é difícil de gerir! Em segundo lugar preocupa-me a segurança física, mental e alimentar de algumas crianças para as quais a escola é um cenário de segurança. Dizia-me um miúdo "come-se sempre melhor na escola”. Esta afirmação foi para mim assustadora, até porque do nosso estudo sabemos que em geral os miúdos não gostam mesmo da comida do refeitório da escola ... imagine agora miúdos para quem aquela comida terrível é considerada a melhor opção alimentar por alguns .... ainda neste nosso estudo verificamos que há miúdos que referem violência em casa ... Uma das coisas a garantir é a segurança alimentar e física/mental. Accionar a distribuição alimentar (está a ser feito) e as comissões de protecção ...

Preocupa-me a saúde mental dos miúdos ... para além dos miúdos com vulnerabilidades específicas .... há aqui muita carga de incerteza ...de fadiga pandémica, de desesperança, de falhas importantes na socialização própria destas idades ... do receio pela saúde física deles e dos familiares (em especial Covid) do receio pelo futuro da situação profissional dos pais ...  muita preocupação e incerteza para um período de vida com outras tarefas de desenvolvimento mais desejáveis...

Por fim (apenas em quarto lugar) estou preocupada com as aprendizagens! Este é um assunto muito sério a ser levado muito a sério num futuro muito próximo... mas para mim o mais simples de resolver e o menos urgente! Talvez até venha a ser uma mais-valia, obrigando a uma revisão curricular e didáctica que todos clamam!

(…)

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

A TEMPESTADE

 Uma semana antes do dia da votação escrevi estas notas a propósito da campanha eleitoral.

 “É impossível ir ouvindo os discursos produzidos no âmbito das campanhas para as presidenciais, mas não só, sem um enorme sobressalto. Mais do que questões de natureza ideológica trata-se de uma questão de decência. Existem linhas vermelhas que não podem ser ultrapassadas. Não por uma questão de “moralismo”, mas por questões de natureza ética e de um quadro de valores que regula, ou devem regular, o discurso público.

Do que se tem ouvido, comentar o quê? Como?

A minha questão é onde estamos a falhar?

Que mundo estamos a construir?

Estamos num tempo de perplexidade e dúvida face ao crescimento de discursos populistas e demagógico, apelando à intolerância, ao xenofobismo e a valores de direita radical muitos deles atentatórios de direitos humanos básicos. Os exemplos são muitos, primeiro lá por fora e agora também por cá vão-se multiplicando réplicas deste caminho que nos deixa inquietos face ao futuro e criando ambientes de onde eclodem os ovos da serpente.

Milhões de excluídos e pobres e de jovens sem presente e sem futuro são um alvo fácil para discursos populistas e radicais.

As sementes de mal-estar que que estes milhões de pessoas carregam, muitos deles desde criança são muito facilmente capitalizadas e mobilizadas.

Como aqui há dias escrevia, a mediocridade da generalidade das lideranças e o que lhes permitimos fazer criaram, por exemplo, um mundo de desigualdade e exclusão que a pandemia veio sublinhar. É aqui, insisto, que nasce o que nos assusta.

É esta a batalha que não podemos perder e não sei se a estamos a ganhar. Também passa pela educação, pela escola, pela formação cívica e pela cidadania.”

 Dos resultados releva a continuidade esperada de Marcelo Rebelo de Sousa decidida, também sem surpresa, à primeira volta e a votação expressiva na sinistra figura, um resultado inquietante.

Está, assim, legitimado através de eleições democráticas a disseminação significativa de ambientes onde se abrigam os ovos da serpente e onde mais facilmente eclodem.

Como escrevi, talvez seja de reflectir sobre as razões, não há mérito, há demérito na forma como as sociedades actuais se organizam e funcionam possibilitando a emergência destas figuras sinistras que se alimentam das sementes de mal-estar que afectam tanta gente que sem confiança no futuro se sente atraída por um canto de sereia que repete à exaustão a demagogia, o insulto, o populismo, a xenofobia, a mentira e a manipulação, o despudor ético, que colhem apoios, mas que semeiam tempestades.

Será que ainda vamos tempo? Depende de nós e da dimensão ética e política das lideranças. Quero ter confiança num futuro onde caibamos todos que, sei bem, não é a sociedade que temos.

domingo, 24 de janeiro de 2021

DIA DE ELEIÇÕES

 Dia de eleições. Quando me dirigi ao local de voto e encontrei uma extensa fila não pude deixar de me lembrar o acto eleitoral realizado em 1975 para a Assembleia Constituinte, as primeiras eleições livres. Um dia que com muita luta tardou em chegar e absolutamente inesquecível.

Creio que já aqui referi, passei uma manhã inteira numa interminável fila para, finalmente, poder votar sem constrangimentos. Na rua, a gente falava de votar como de algo mágico. Desde esse tempo muita coisa se passou, umas mais bonitas, outras menos bonitas, os últimos tempos têm sido particularmente feios, mas é bom não esquecer.

De acordo com a imprensa, a afluência às urnas parece estar em níveis superiores aos verificados em 2011 e 2016 o que é animador considerando o tempo excepcional que atravessamos. Veremos se se confirma e se assim for ainda bem, é fundamental que o direito que nos confere um voto decidido livremente não fique no bolso. Ainda assim, a abstenção é também um direito.

Voltando a 1975, naquelas eleições estávamos a escolher e a assumir um destino que definitivamente deixasse para trás os tempos sinistros em que vivíamos e de que tanta gente parece esquecer-se ou ignorar. É bom conhecer a história e as nossas histórias.

Hoje, provavelmente, estaremos também a votar com o objectivo de mostrar que não valorizamos, não queremos, as figuras sinistras que ameaçam estes tempos. Conhecemos bem demais o que representam para que possamos aceitar que venham a poder decidir sobre nós.

Daqui a umas horas veremos.

Entretanto e felizmente, demorei bastante menos tempo do que a dimensão da fila quando cheguei sugeria.

sábado, 23 de janeiro de 2021

O DIA DA REFLEXÃO

 Manda a liturgia e o quadro legal dos processos eleitorais que o dia anterior à votação se dedique à reflexão. Como em outras ocasiões tenho afirmado não estou muito de acordo com este cenário. Do meu ponto de vista, ainda que pareça estranho, a haver um dia de reflexão deveria ser o dia seguinte.

É verdade que este processo eleitoral ocorre em circunstâncias excepcionais e essas sim, justificam reflexão aprofundada. A decisão em matéria de voto não exige um dia de reflexão.

Em primeiro lugar não julgo necessário o dia de reflexão antes do acto eleitoral porque não entendo que essa reflexão influencie significativamente os resultados eleitorais pois, se por um lado a abstenção continua a crescer, deixando cada vez mais o voto no eleitorado fidelizado, por outro lado, o eleitorado flutuante não decide na véspera, decide, creio, face a contextos e circunstâncias. No caso das presidenciais e por outras razões também o dia de reflexão parece algo de desnecessário.

Em segundo lugar, porque na verdade, em termos de futuro parece ser mais significativo reflectir nos resultados eleitorais que se verificarem. Estas eleições são um claro exemplo disso mesmo, por exemplo a partir da votação que receberá a extrema-direita.

No entanto e desde já, aproveito o dia de reflexão para deixar um apelo muito sentido.

Apelo vivamente aos senhores integrantes da classe política, em particular a uma figura notável, o Ministro Eduardo Cabrita,  que a propósito das eleições de amanhã se inibam de elaborar comentários como “queria felicitar o povo português pela forma tranquila como está a decorrer, ou decorreu, o acto eleitoral”, “quero registar a normalidade que o povo português evidencia no cumprimento do seu dever cívico”, “os cidadãos mais uma vez mostram a sua maturidade democrática” ou ainda “o acto eleitoral está a decorrer, ou decorreu, com toda a normalidade em todo o território”. Considero afirmações desta natureza um insulto à esmagadora maioria dos cidadãos eleitores em Portugal. Que diabo pensam de nós, para se surpreenderem com a “normalidade” do nosso comportamento?

Então não é de esperar que participar num acto eleitoral, das diferentes formas possíveis, seja algo de normal e tranquilo?

Lembro-me daqueles pais e professores que ao falarem de miúdos acrescentam de imediato “e até se portam bem”, como se o comportamento adequado seja uma surpresa e a excepção. Como se dizia no PREC, “repudio veementemente tais afirmações”.

Já agora, nós, os cidadãos que votamos, ou não, com normalidade democrática, gostávamos de poder comentar as campanhas dos políticos dizendo que tudo decorreu com a elevação, sentido ético e de esclarecimento normais. Mas não, existem sempre os insultos, a demagogia, a trafulhice nas ideias e nas promessas, a falta de esclarecimento e debate sério, etc.

A campanha que ontem terminou constituiu um autêntico manual. Aliás, achei até curioso que ouvindo ou lendo muitas das intervenções dos candidatos, mas parecia que são candidatos a chefe de governo e não á presidência da República num quadro de distribuição de poderes como o nosso.

A actividade política das lideranças é que não decorre com normalidade e tranquilidade democráticas. Não tratem os cidadãos como gente incapaz e de quem sempre se espera o pior.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

ESCOLAS ENCERRADAS

 Uma pequena colaboração com Público a propósito do encerramento das escolas. Em linha com o que tenho escrito, e partindo do pressuposto de que as duas semanas agora decididas e mesmo na eventualidade de se prolongar um pouco mais terão impacto positivo em termos de saúde pública, creio que será possível acomodar durante o resto do ano lectivo alguns sobressaltos nas aprendizagens da generalidade dos alunos.

No entanto, importa que aos alunos em situação mais vulnerável seja possível disponibilizar algum tipo de apoio.

O tempo de paragem pode ainda ser utilizado para avançar no cumprimento da promessa de fazer chegar a todos os alunos e escolas equipamentos e recursos de natureza digital.

Se o regresso for mais tarde e/ou modelo de aulas for misto e se se mantiverem algumas carências conhecidas e que não são pontuais, então teremos de novo sérios riscos para o trajecto educativo de muitos alunos.

Isso, já aprendemos.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

ERA INEVITÁVEL

 Era inevitável. A pressão dos números devastadores da pandemia, da opinião de diferentes especialistas e de boa parte da opinião pública levou à decisão de encerramento de todas escolas por 15 dias sem que se desenvolva algum tipo de ensino não presencial. O Primeiro-ministro referiu a possibilidade de reflectir este tempo sem aulas no calendário escolar.

Nesta fase do ano lectivo, partindo do pressuposto optimista de que 15 dias de paragem terão o impacto que se deseja em matéria de saúde pública, creio que alunos e professores acomodarão sem grande sobressalto do ponto de vista das aprendizagens os quinze dias sem escola. No entanto, talvez fosse desejável que o ensino secundário pudesse continuar com aulas não presenciais ainda se possa considerar a questão de equipamentos e qualidade no acesso. Aliás, pode ser que este intervalo permita acelerar a prometida renovação de equipamentos e acessibilidades digitais, o ajustamento nos recursos humanos,  (professores, técnicos e auxiliares) e seria um ganho.

Seria desejável, ainda assim, que se conseguisse manter algum tipo de apoio/contacto com alunos e famílias em situação de maior vulnerabilidade.

Existe ainda a questão da presença dos pais ou de um dos pais em casa, situação imprescindível e que se desejaria possível sem impacto significativo no rendimento das famílias. É verdade que existe um quadro legal protector, mas em Portugal, demasiadas vezes, as leis são indicativas e não imperativas.

Resta-nos ter algum optimismo relativamente ao achatamento da maldita curva e que dentro de quinze dias, ou mesmo um pouco mais, os alunos voltem a um lugar onde gostam e precisam de estar como uma peça no Público ilustra.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

MAIS TRÊS MIL AUXILIARES DE EDUCAÇÃO. SERÁ?

 Leio no JN que escolas e autarquias terão recebido luz verde para lançar os concursos de vinculação de três mil auxiliares de educação.

O momento da comunicação deste processo coincide com o debate aceso sobre a manutenção das escolas ou de que escolas e níveis de ensino em modo presencial.

No contexto actual e independentemente do futuro próximo, o aumento do número de auxiliares de educação sustentado na nova portaria que estabelece os rácios que continua com alguns desajustamentos é importante.

No entanto, importa saber se estes números se reflectirão em novos profissionais ou se servirão para vincular pessoas que já estão nas escolas.

É também de considerar que o processo de contratação é moroso, envolve escolas e autarquias e em algumas situações as escolas têm referido escolhas com perfil inadequado à função prevista.

Vamos aguardar para ver.

Com bastante frequência aqui tenho referido o importante papel educativo que os auxiliares de educação, insisto na designação, desempenham para além das funções de outra natureza que também assumem e que exige a adequação do seu efectivo, formação e reconhecimento. No caso mais particular de alunos com necessidades educativas especiais e em algumas situações de alunos em maio vulnerabilidade serão mesmo uma figura central no seu bem-estar educativo, ou seja, são efectivamente auxiliares de acção educativa. A situação que atravessamos potencia a importância do seu trabalho e da sua presença em número suficiente, com estabilidade e formação.

Com frequência são elementos da comunidade próxima das escolas o que lhes permite o desempenho informal de mediação entre famílias e escola, têm uma informação útil nos processos educativos e uma proximidade com os alunos que pode ser capitalizada importando que a sua acção seja orientada, recebam formação e orientação e que se sintam úteis, valorizados e respeitados.

Os estudos mostram também que é nos recreios e noutros espaços fora da sala de aula que se regista um número muito significativo de episódios de bullying e de outros comportamentos socialmente desadequados. Neste contexto, a existência de recursos suficientes para que a supervisão e vigilância destes espaços seja presente e eficaz. Recordo que com muita frequência temos a coexistir nos mesmos espaços educativos alunos com idades bem diferentes o que pode constituir um factor de risco que a proximidade de auxiliares de educação minimizará.

Considerando tudo isto parece essencial o contributo dos auxiliares de educação para a qualidade dos processos educativos. Assim, é imprescindível a sua presença em número suficiente, que se mantenham nas escolas com estabilidade e que sejam formados, orientados e valorizados na sua importante acção educativa.

Este discurso pode ficar comprometido em alguns aspectos pelo eventual encerramento das escolas ou de algumas escolas, mas, na essência, as questões mantêm-se e hão-de manter-se.

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

MANUTENÇÃO DAS ESCOLAS ABERTAS. ATÉ QUANDO?

 Aguardava com alguma expectativa o anúncio das novas medidas de restrição das condições em vigor no actual estado de emergência.

Do que foi anunciado releva a manutenção das escolas em funcionamento mantendo-se também abertos os ATL para crianças até aos 12 anos.

Desde o confinamento de Março de 2020 que a questão das implicações do encerramento das escolas tem permanecido na agenda. Recordo ainda que nessa altura, o conhecimento sobre a pandemia e o volume casos era substancialmente diferente, a situação actual é significativamente diferente e os números da pandemia são assustadores.

Neste contexto, o que se sabe sobre a pandemia e sobre o número e a tipologia dos casos, tenho alguma dificuldade em entender em que se mantenham abertas todas escolas e não uma decisão diferenciada considerando, justamente, o que se conhece actualmente e a avaliação do confinamento anterior. Posso entender os discursos de representantes dos pais e encarregados de educação e de alguns directores, mas creio que são discursos mais de convicção que não parecem sustentados no universo das escolas  onde se registam situações muito complicadas que vão sendo conhecidas, apesar do ME insistir na não divulgação dos dados das escolas e agrupamentos em matéria de pandemia. 

Sempre entendi, do ponto de vista da educação, que para os alunos mais novos,1º ciclo e eventualmente 2º ciclo, o encerramento deveria acontecer em situação verdadeiramente excepcional que, poderemos estar, perto de atingir.

No que respeita ao 3º ciclo, ensino secundário e ensino superior, parece-me estranha a sua manutenção em modo presencial das variáveis relativas a escolas e aos alunos, autonomia e competências sendo, naturamente de considerar como ficou claro a partir de Março de 2020 a situação de alunos com necessidades especiais.

A passagem destes ciclos e níveis de ensino para o modo digital, ainda não lhe chamo à distância, ou misto, aliviaria as escolas e a comunidade de um número vastíssimo de contactos, quer nas comunidades escolares, quer em deslocação, quer em contextos sociais mais alargados. Alunos e famílias veriam certamente reduzidas as oportunidades de contacto e as escolas teriam outra possibilidade de gestão de recursos. Não esqueço o incumprimento da prometida dotação de escolas e alunos de equipamentos e acessibilidade em matéria digital e, portanto, das dificuldades de muitas escolas para assegurar com alguma qualidade regimes não presenciais. Este facto poderá ser, aliás, uma das razões para a decisão de manter abertas todas escolas.

Ainda ontem numa conversa com um@ director@ de um agrupamento vi justamente defendido este entendimento, 3º ciclo e secundário, encerrados ou em regime misto, com forte autonomia das escolas para a tomada de decisão com a cobertura da decisão do ME.

Acresce que um eventual encerramento, que já deveria ter sido decidido há uns dias, não teria, seguramente, os mesmos contornos do que ocorreu em meados de Março de 2020 e que durou até ao fim do ano lectivo, com excepção do 12º ano e do 11º visando a preparação para os exames.

Com base no que se sabe e é possível prever, os especialistas apontam nesse sentido, o período de confinamento seria bem mais curto, seis semanas permitiriam contribuir para uma situação mais positiva e controlada e o tempo remanescente até final do ano lectivo também possibilitaria algum tempo de recuperação.

Como também tenho dito, não é fácil um processo de tomada de decisão em circunstâncias tão complexas e com tantas implicações. No entanto, importa decidir e avaliar o impacto da decisão.

Neste caso, parece-me estarmos a correr riscos que poderiam ser minimizados e a avaliação do custo-benefício resultar em algo de muito negativo. 

Quero ser optimista, mas temo que se vier a ser necessário decidir pelo encerramento, os custos serão muito mais elevados pelo tempo que passou.

domingo, 17 de janeiro de 2021

INFORMAÇÃO, UM BEM DE PRIMEIRA NECESSIDADE

 Nas sociedades actuais a informação oportuna e a transparência no âmbito das políticas públicas, bem como na generalidade das dimensões da vida das comunidades, são necessidades básicas. A sua ausência ou falta de qualidade alimenta a desinformação, a informação falsa, a manipulação que permitem e dão força a discursos populistas, demagógicos e com agendas nem sempre óbvias. justamente por falta de informação.

Serve esta introdução para referir a insistência por parte do ME na não disponibilização de dados relativos ao volume de casos de Covide19 em cada escola ou agrupamento. Esta posição da tutela é, do meu ponto de vista, pouco sustentável ou perceptível, talvez, lá está, por falta de informação minha sobre as razões.

Numa altura em que foi decidido que as escolas se manteriam a funcionar parece-me absolutamente imprescindível que as comunidades, sobretudo as famílias, tivessem informação actualizada sobre o contexto escolar dos seus filhos.

Com a informação disponível seria mais provável assegurar a indispensável confiança e tomar decisões de forma mais racional.

As dúvidas e o desconhecimento geram desconfiança, alimentam o medo e os discursos reactivos de natureza mais emocional e promotores de mal-estar.

Os discursos recorrentes de “as escolas responderam muito bem”, “os riscos estão controlados”, “as regras da DGS são cumpridas”, “as escolas são espaços de baixa disseminação”, etc., produzidos por diferentes responsáveis do ME, da área da saúde, de responsáveis escolares e de associações colidem com muitos discursos, por exemplo, nas redes sociais, referindo a existência de múltiplos casos em múltiplos estabelecimentos escolares.

Com é óbvio, sem informação sustentada, este ruído é tudo menos útil e só serve, como sempre, a demagogia, o populismo.

Por outro lado, a persistência na falta informação que, aliás, já justificou uma decisão judicial no sentido do ME a disponibilizar, leva-me a pensar na razão ou razões desta atitude.

E fico inquieto. Não gosto do que penso e sinto-me desconfortável.

sábado, 16 de janeiro de 2021

DA DECÊNCIA

 É impossível ir ouvindo os discursos produzidos no âmbito das campanhas para as presidenciais, mas não só, sem um enorme sobressalto. Mais do que questões de natureza ideológica trata-se de uma questão de decência. Existem linhas vermelhas que não podem ser ultrapassadas. Não por uma questão de “moralismo”, mas por questões de natureza ética e de um quadro de valores que regula, ou devem regular, o discurso público.

Do que se tem ouvido, comentar o quê? Como?

A minha questão é onde estamos a falhar?

Que mundo estamos a construir?

Estamos num tempo de perplexidade e dúvida face ao crescimento de discursos populistas e demagógico, apelando à intolerância, ao xenofobismo e a valores de direita radical muitos deles atentatórios de direitos humanos básicos. Os exemplos são muitos, primeiro lá por fora e agora também por cá vão-se multiplicando réplicas deste caminho que nos deixa inquietos face ao futuro e criando ambientes de onde eclodem os ovos da serpente.

Milhões de excluídos e pobres e de jovens sem presente e sem futuro são um alvo fácil para discursos populistas e radicais.

As sementes de mal-estar que que estes milhões de pessoas carregam, muitos deles desde criança são muito facilmente capitalizadas e mobilizadas.

Como aqui há dias escrevia, a mediocridade da generalidade das lideranças e o que lhes permitimos fazer criaram, por exemplo, um mundo de desigualdade e exclusão que a pandemia veio sublinhar. É aqui, insisto, que nasce o que nos assusta.

É esta a batalha que não podemos perder e não sei se a estamos a ganhar. Também passa pela educação, pela escola, pela formação cívica e pela cidadania.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

ESCOLAS, ENCERRAR OU MANTER ABERTAS?

 E voltámos ao confinamento. Relativamente ao primeiro período, a diferença substantiva é a manutenção das escolas, de todos ciclos e níveis de ensino, em modo privilegiadamente presencial.

Como não podia deixar de ser, a decisão tem sido largamente discutida e por diferentes razões. Sem hierarquizar vejamos algumas delas.

Há quem concorde e discorde porque sim e quem num exercício de pensamento mágico afirme que tudo vai correr bem ou, ao contrário, profetize a desgraça.

Podiam fechar apenas as escolas a partir do 2º ciclo incluindo o secundário porque os alunos mais velhos constituem um risco superior de disseminação e, por outro lado, a sua autonomia e competências acomodam melhor os eventuais constrangimentos do ensino não presencial que, acrescento, em boa parte das situações não é ensino à distância.

No mesmo sentido, sobretudo nas crianças mais novas, o anterior encerramento promoveu as desigualdades aumentando para muitos alunos a distância para a escola sendo, por isso, mais ajustado mantê-las a funcionar.

Também não deve esquecer-se que os prometidos equipamentos e acessibilidades digitais prometidos a alunos, escolas e docentes, estão longe de estar satisfeitos tal como, aliás, acontece ao nível de recursos humanos, docentes, técnicos e funcionários. Assim, recorrer preferencialmente aos recursos digitais seria ineficaz pois são insuficientes

O impacto económico e social do encerramento das escolas seria enorme e insuportável.

Mas também se entende que a mobilidade diária e os contactos gerados pelas escolas em funcionamento geram redes de contacto gigantescas com os riscos associados e com maior dificuldade para baixar o famoso Rt.

Por outro lado também se afirma que as escolas não são os espaços mais potenciadores de disseminação.

Os miúdos mais novos em casa obrigariam a que os pais voltassem também a confinar e o impacto seria enorme, economicamente, socialmente e em termos de saúde mental.

Também li que as crianças seriam bem capazes de lidar de forma bem-sucedida com um novo encerramento das escolas por algum tempo, são resilientes e com capacidade de adaptação.

E também que muitas crianças carregam mochilas que já são tão pesadas que qualquer sobressalto é enorme e, por vezes, inultrapassável.

Também se conhecem referências aos riscos para professores, técnicos e funcionários que que lidam com múltiplos grupos, em espaços muitas vezes inadequados e incompatíveis com o cumprimento rigoroso das medidas de protecção.

Bom, a lista de razões para discutir o encerramento ou a manutenção em funcionamento das escolas poderia continuar, mas parece suficiente para sustentar uma ideia.

Ainda bem que não tive de decidir.

Apenas posso afirmar algo extremamente simples. Hoje de manhã, o meu neto Simão saiu para a escola todo contente, com os trabalhos de casa feitos e para ir estar com a sua Professora … e com os seus amigos do 2º ano de uma escolinha oficial aqui de Almada. Se ficasse em casa na “escola do Ipad” como ele lhe chamava, sentir-se-ia muito infeliz e era um sacrifício. Eu sei e bem que foi difícil.

O meu neto Tomás saiu para a creche satisfeito por ir para a escolinha levando, como sempre, uma mini-produção em Legos para mostrar aos amigos.

É esta a vida dos miúdos e não sustenta uma opinião fechada relativamente a uma questão do meu ponto de vista mal equacionada, escolas abertas vs escolas fechadas, pois a complexidade, multiplicidade  e variáveis de contexto não a permite. É apenas um olhar de miúdos sobre a escola.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

QUE HEI-DE DIZER SOBRE O QUE AÍ VEM? NADA, FUI VER O MAR

 

Bom, não podia deixar de ser. Preparei-me para umas notas sobre o confinamento que está a chegar.

Surgiu um problema, que dizer? Já tudo está dito pelos milhares de virologistas, epidemiologistas, infecciologistas, pneumologistas, especialistas em saúde pública e outra gente de ciência que regularmente alimentam uma pandemia de informação impossível de digerir e entender.

Também já está tudo dito pelos inúmeros opinadores, profissionais ou avençados, carregados de agendas que vendem com um ar convencido opiniões mascaradas de saber.

Também já esta tudo dito pelos agentes da desinformação através da imprensa, das redes sociais ou de outros suportes que confunde e alastra facilmente com efeitos potencialmente devastadores. Uma última referência algo que nunca antecipei, a pandemia dos que negam a pandemia e que também recorrem à venda à divulgação ou venda de opinião como ciência, com discursos com base em umbiguismos delirantes, é cool e genial não ir na carneirada “covidista, com base em “é assim, porque dizemos que é assim”, com discursos de “pela verdade” com base na crença e numa ciência que se tortura de ética e intelectualmente pouco séria para que confesse o que se deseja ouvir e num enviesamento claro do entendimento do que são sociedades solidárias em que o bem-comum é uma base.

Assim, e para vos poupar deixo-vos uns inícios de frases que poderão completar como vos parecer melhor.

De acordo com alguns estudos e análises, só mesmo um confinamento geral pode …

Há evidência que sugere que um confinamento geral não é determinante para …

Não é possível fechar as escolas conforme algumas experiências parecem indicar pois…

Alguns estudos sugerem que o encerramento de todas as escolas pode ser positivo porque …

Sim, encerrar, mas só as escolas com alunos mais velhos porque análises internacionais sugerem que…

As experiências de outros países mostram que os sectores de actividade a confinar devem ser …

Alguma evidência sugere que não tem impacto significativo encerrar o sector da …

Talvez seja de fazer um esforço no sentido de diferenciar culpa de responsabilidade porque …  

Bom, acho que já chega.

Entretanto, aproveitando o privilégio da aposentação achei melhor ir ver o mar nas praias mais bonitas do mundo, as da Costa da Caparica. É importante dizer que quando tal se faz devemos estar sempre de costas para terra e nunca olhar para trás. Aí dói o coração.



terça-feira, 12 de janeiro de 2021

OS ESPELHOS TAMBÉM SE ENGANAM

 As imagens reflectidas pelos espelhos são, acredita-se, reproduções exactas do original que as determina. Na verdade, nem sempre assim acontece, sobretudo quando se trata de gente. Aquilo que o espelho devolve é trabalhado no sentido, de tanto quanto possível, corresponder à imagem que efectivamente gostávamos que o espelho reflectisse.

É por isso que, tantas vezes, alguns de nós temos vontade de mudar de espelho ou desejar que se inventasse um espelho com uma espécie de "photoshop" incorporado que trabalhasse a imagem e nos devolvesse aquilo que desejamos ver.

Com os miúdos, alguns miúdos, passa-se uma situação da mesma natureza. Com alguma frequência, os espelhos que lhes vão devolvendo a imagem mostram qualquer coisa como "não sabes", "não és". "não fazes", “não és capaz”, "não rendes", "és irresponsável", "és distraído" "não fazes nada de jeito", "não prestas" e outro tipo de imagens.

Como é evidente, não parece particularmente confortável lidar com espelhos que devolvem estas imagens e que podem ser vários. Chamam-se, por exemplo, escola, pais, colegas ou professores.

Em algumas circunstâncias pode acontecer que se instale a tentação de "partir" os espelhos que devolvem tais imagens e, como sabemos, "partir espelhos" é uma actividade com algum perigo.

Por estas razões, mas não só, temos tantos miúdos em risco, não aguentam a imagem de si que lhes devolvem.

É que, às vezes, os espelhos também se enganam.

domingo, 10 de janeiro de 2021

A VAGA DE FRIO OU A FALTA DE CALOR

 Estas notas têm como tema o frio, ou melhor, a falta de calor. Estamos no tempo, a vaga de frio está aí e entramos no regime de alertas coloridos.

Sempre que tal acontece, e acontece quase todos os anos com maior ou menor intensidade, surgem as notícias, os alertas e as referências às mortes associadas ao frio. Sem surpresa, estas situações trágicas atingem fundamentalmente os excluídos e pobres, designadamente, os sem abrigo. São então frequentes as peças na comunicação social em que se mostram as medidas acrescidas de apoio a alguns grupos que se consideram mais vulneráveis ao frio ou reportagens patéticas com perguntas sobre ... frio no Inverno. Confesso que algumas delas são mesmo embaraçantes pela forma como mediatizam matérias como o sofrimento.

O problema é que muita gente não corre riscos sério por causa do frio, corre riscos por causa da falta de calor. Não, não estou a fazer alguma espécie de humor de mau gosto e desadequado. É mesmo isso e nas circunstâncias actuais o risco é maior.

Algumas pessoas vivem numa condição inaceitável e na grande maioria das vezes não é uma escolha sua. Faltou-lhes a partir de certa altura, ou nunca tiveram, o calor de uma casa, de uma família, de um trabalho que lhes desse sustento e dignidade que não mais conseguiram recuperar ou alcançar. O frio ou qualquer outro episódio extremo vai ser o gatilho que os tombará e constará na certidão de óbito. Mas não, não morrem de frio, morrem de falta de calor e às vezes de “sozinhismo”, o frio da solidão. Quando não se tem falta de calor, não se morre de frio.

Se assim não entendermos, e não me parece que queiramos entender, vamos continuar apenas atentos à meteorologia e a comunidade, no seu todo, é importante sublinhar que alguns esforçam-se para que assim não seja, nessa altura lembra-se dessa gente e do frio que estão a sentir. Vai-se embora a vaga de frio e tudo volta à normalidade meteorológica e a uma outra estranha e intolerável normalidade.

Os do costume e novos do costume que os tempos difíceis vão produzindo, continuarão a sentir a falta de calor até que o frio volte.

sábado, 9 de janeiro de 2021

PEDALA MIÚDO, PEDALA

 Ao pensar numas notas para hoje, senti que não me apetecia falar do frio que por aí vai induzido pelo clima, pelos números da pandemia, pela assustadora narrativa da política interna e externa. Também não sei que mais poderia ser dito sobre isto, face aos inúmeros especialistas e imensidade de notícias e opiniões.

Assim, uma pequena reflexão a propósito de uma ideia curiosa apresentada pelo PSD e que encontrei no Público. O seu Grupo Parlamentar aprovou um projecto de resolução recomendando ao Governo que “estabeleça o programa nacional de apoio ao uso da bicicleta no ensino pré-escolar" e “proceda atempadamente à cabimentação dos recursos necessários”.

A proposta é alicerçada nos benefícios da introdução precoce do uso da bicicleta com impacto no desenvolvimento das crianças a vários níveis e na promoção e adesão a opções de mobilidade amigável. Bem que noto o gozo que os meus netos, Tomás de quatro e Simão de sete anos têm com as binas e do constante pedido para “andar de bina”. E com tanto que os mais novos ainda têm para pedalar é bom que saibam.

A partir de algumas iniciativas que vão sendo conhecidas promovendo a aprendizagem do uso da bicicleta e da sua utilização nas deslocações para a escola, já por aqui tenho escrito como me parece útil a promoção de espaços de brincadeira de ar livre de que muitas crianças estão quase privadas sendo que a situação tem pouco a ver com as actuais circunstâncias de saúde pública. Está mais relacionada com estilos de vida e quadro de valores que deveriam, do meu ponto de vista, ser repensados e aí sim, a escola faz parte da solução, é pela educação que mudamos.

No âmbito de uma experiência numa escola básica de Lisboa em que se ensinava os alunos do 1º ciclo a andar de bicicleta e com segurança, o responsável pelo programa referia que no ano anterior trabalhou com uma turma de 4º ano com 25 alunos em que 80% não sabia andar de bicicleta. Numa outra experiência em Torres Vedras, um dos técnicos sublinhava que muitas crianças acedem primeiro ao “tablet” que à bicicleta. Elucidativo.

No entanto, o remeter tudo para a escola já me parece pouco cauteloso pois a escola não pode, nem deve, “ensinar” às crianças todas as competências de saber e saber-fazer que lhes possam ser úteis ou necessárias. Corre-se o risco de não conseguir realizar aquilo que, de facto, é a tarefa da escola, embora, naturalmente, as fronteiras nem sempre sejam óbvias.

É verdade que lidamos com problemas severos de falta de actividade física e autonomia nas crianças, já podemos falar de iliteracia motora e que é importante incrementar a mobilidade sustentável. Assim e como parece ser a preocupante tendência, a escola resolve. Não, repito, a escola não consegue, nem deve, resolver tudo.

A experiência de andar de bicicleta está de facto ausente da vida de muitas crianças. Por questões da segurança, a alteração da percepção de valores, equipamentos, brinquedos e actividades dos miúdos e, sobretudo, a mudança nos estilos de vida, o brincar e, sobretudo, o brincar na rua começa a ser raro.

Embora consciente de variáveis como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível “devolver” os miúdos ao circular e brincar na rua, talvez com a supervisão de velhos que estão sozinhos nas comunidades. Seria muito bom que as famílias conseguissem alguns tempos e formas de ter as crianças fora das paredes de uma casa, escola, centro comercial, automóvel ou ecrã.

Quantas histórias e experiências muitos de nós carregam vindas do brincar e andar na rua e que contribuíram de formas diferentes para aquilo que somos e de que gostamos.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

VIOLÊNCIA SOBRE PROFESSORES

 É hoje discutida na Assembleia da República uma Petição do Sindicato Independente de Professores e Educadores para que as agressões a professores em contexto escolar sejam consideradas crime público e, portanto, não carecer de queixa para que desencadeiem os adequados procedimentos de investigação. Não é uma ideia nova, recordo que já em 2002 tinha sido defendida pelo Conselho Nacional de Educação. Estarão ainda em discussão sobre a mesma matéria um projecto de lei do CDS-PP e uma recomendação do Bloco de Esquerda.

As notícias sobre agressões a professores, cometidas por alunos ou encarregados de educação, continuam com demasiada frequência embora nem todos os episódios sejam divulgados. Aliás, são conhecidos casos de direcções que desincentivam as queixas dado o “incómodo” e “publicidade negativa” que trará a divulgação.

Os testemunhos de professores vitimizados na peça do Público são perturbadores e exigem atenção e intervenção.

Deste ponto de vista a consideração de comportamentos ofensivos dirigidos a professores em crime público ou o agravamento de penas podem ser um factor de protecção embora me pareça necessária uma reflexão um pouco mais alargada.

Esta matéria, embora seja objecto de rápidos discursos de natureza populista e securitária, parece-me complexa e de análise pouco compatível com um espaço desta natureza. Apenas umas notas no sentido em muitas vezes aqui tenho escrito.

Começo por uma breve reflexão em torno de três eixos: a imagem social dos professores, a mudança na percepção social dos traços de autoridade e o sentimento de impunidade que me parecem fortemente ligados a este fenómeno.

Já aqui tenho referido que os ataques, intencionais ou não, à imagem dos professores, incluindo parte do discurso de gente dentro do universo da educação que tem, evidentemente, responsabilidades acrescidas e também o discurso que muitos opinadores profissionais, mais ou menos ignorantes ou com agendas implícitas, produzem sobre os professores e a escola, contribuíram para alterações significativas da percepção social de autoridade dos professores, fragilizando-a seriamente aos olhos da comunidade educativa, sobretudo, alunos e pais. Os últimos tempos têm sido, aliás, elucidativos. Quando o ME refere a existência de “casos pontuais” colabora na desvalorização destes episódios, um já seria grave.

Esta fragilização tem, do meu ponto de vista, graves e óbvias consequências, na relação dos professores com alunos e pais, alguns, naturalmente.

Em segundo lugar, tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade. Os professores, entre outras profissões, polícias ou médicos, por exemplo, eram percebidos, só pela sua condição de professores, como fontes de autoridade. Tal processo alterou-se, o facto de se ser professor, já não confere, só por si, “autoridade” que iniba a utilização de comportamentos de desrespeito ou de agressão. O mesmo se passa, como referi, com outras profissões em que também, por razões deste tipo, aumentam as agressões a profissionais, pessoal da saúde ou forças de segurança, por exemplo.

Finalmente, importa considerar, creio, o sentimento instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa porque não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a grandes, o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”.

Considerando este quadro, creio que, independente de dispositivos de formação e apoio, com impacto quer preventivo, quer na actuação em caso de conflito, obviamente úteis, o caminho essencial é a revalorização da função docente tarefa que exige o envolvimento de toda a comunidade e a retirada da educação da agenda da partidocracia para a recolocar como prioridade na agenda política.

Definitivamente, a valorização social e profissional dos professores, em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade sendo esta valorização uma das dimensões identificadas nos sistemas educativos mais bem considerados.

Por outro lado, a cultura profissional e institucional em boa parte das nossas escolas e agrupamentos é ainda marcada por um excesso de individualismo. Quero dizer com isto que, lamentavelmente, os professores evidenciam níveis de cooperação e partilha profissional abaixo do que seria desejável. As razões serão várias e não cabem aqui, mas creio que justificam, muitas vezes, a não realização de queixas de incidentes, muitas vezes graves, por receio de exposição e demonstração de fragilidades face a colegas e responsáveis, o que uma cultura de maior cooperação atenuaria. Acresce ainda que, por desatenção, incompetência ou negligência da tutela, de direcções de escolas e agrupamentos, não se vai mais longe na definição de dispositivos de apoio, recorrendo a outros docentes mais experientes ou à presença de dois professores por exemplo, que dariam aos professores apoio e confiança para o trabalho com os seus alunos, não se sentindo entregues a si próprios e com receio de "enfrentar" os alunos e os pais, a pior das situações em que um docente se pode sentir.

É ainda fundamental que se agilizem, ganhem eficácia e sejam divulgados os processos de avaliação ou julgamento, e a punição e responsabilização séria dos casos verificados, o que contribuirá para combater, justamente, a ideia de impunidade.

Neste quadro, a definição de crime público para as ofensas a professores, o agravamento de penas ou a isenção de custas judiciais para os queixosos, podendo ser factores de protecção, não serão,  certamente e só por si, a solução.

 

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

ESTÁ MUITO FRIO NA ESCOLA

 Continua a ser recorrente durante o Inverno a referência a situações de escolas em que os alunos e, naturalmente, professores e auxiliares passam frio variando as razões entre a qualidade dos edifícios, a falta de verba para fazer funcionar os dispositivos de aquecimento ou a inexistências desses dispositivos, a qualidade dos edifícios. A resposta passa pelas mantas que vêm da casa e o trabalho de blusão e luvas. Este ano, face ao prolongar dos dias de frio e às circunstâncias da pandemia com a “sugestão” de janelas abertas para minimizar riscos, a questão ganha maior relevância. 

As políticas educativas recentes têm tentado lidar com a questão mas de forma insuficiente. A organização da “festa” da Parque Escolar não terá enviado convites para todas escolas pelo que algumas ficaram de fora enquanto outras tiveram tratamento VIP e desperdício na escolha dos materiais e na natureza das intervenções.

Por sua vez, a equipa de Nuno Crato procurou combater o frio aumentando o número de alunos por turma criando, assim, ambientes educativos mais aconchegados e calorosos.

Entretanto, desencadeou-se uma onda de inovação, de novos paradigmas, de revolução tecnológica e transição digital, de inúmeros projectos que tira o tempo, a atenção e eventuais recursos para minudências como ter frio na sala de aula.

Sempre que penso nesta questão, miúdos com frio, recordo-me, já aqui o escrevi, da narrativa de Juan José Millás em "O Mundo" quando enuncia, “Quem teve frio em pequeno, terá frio para o resto da vida, porque o frio da infância nunca desaparece”.

Na verdade, no Inverno ou até no Verão existem muitos miúdos que passam frio, às vezes muito frio, e nem sempre conseguimos dar por isso. Acontece até que alguns deles sentem frio em ambientes muito aquecidos ou mesmo no Verão, como disse. Não se trata do frio que vem de fora, daquele de que falam os alertas coloridos que nos fazem no Inverno, que seria “fácil” minimizar se assim se quisesse. É, antes, o frio que está à beira, um bloco de gelo disfarçado de família, de escola ou de instituição de acolhimento, é o frio que vem de dentro e deixa a alma congelada. Do frio que vem de fora, apesar de incomodar, acho que, quase sempre, nos conseguimos proteger e proteger os miúdos, mas dos frios que estão à beira e dos que vêm de dentro nem sempre o conseguimos fazer porque também nem sempre os entendemos e estamos atentos ao frio que tolhe muitas crianças e adolescentes.

Apesar de sentir confiança na resiliência dos miúdos, expressa em muitíssimas situações de gente que sofreu e resistiu a experiências dramáticas, uns mais que outros naturalmente, parece-me fundamental que estejamos atentos aos frios da infância.

Quando olhamos para muitos adultos à nossa volta pode reconhecer-se o frio que terão passado na infância.

Quanto ao frio na sala de aula, acho que não seria assim tão difícil minimizá-lo. Além de que são também aspectos desta natureza que se espera serem acautelados pelas políticas públicas.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

CRIANÇAS, JOVENS E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

 O Governo lançou a partir do dia 5 um concurso com o objectivo de reforçar o apoio psicológico e psicoterapêutico para crianças e jovens vítimas de violência doméstica atendidas e/ou acolhidas na Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica.

Estará prevista uma verba de 2,78 milhões de euros destinada a colmatar as “necessidades de serviços de apoio especializado, privilegiando abordagens psicoterapêuticas focadas no trauma, com a designação de Respostas de Apoio Psicológico (RAP) para crianças e jovens vítimas de violência doméstica.

Nesta iniciativa colaboram a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género e a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) assinam também um protocolo de colaboração na resposta a construir.

Parece-me uma boa notícia, sobretudo num tempo em que escasseiam. Esperemos, no entanto, que se concretize e não seja algo que fica por assim mesmo. Não estranharei, mas era bom que avançasse.

Neste universo seria desejável que na altura, meados de 2020 se tivesse avançado para a aprovação no Parlamento do estatuto de Vítima para crianças inseridas em contexto de violência doméstica. O PS inviabilizou a aprovação com o argumento de que ao actual e mais abrangente estatuo de vítima protege os direitos das crianças e contou com o apoio do PCP e CDS, que se regista. Importa ainda recordar que entidades como o Instituto de Apoio à Criança e a Ordem dos Advogados, bem como uma petição assinada por cerca de 45000 cidadãos incluindo especialistas, entendem a necessidade de maior protecção para crianças em contextos de violência doméstica.

O reforço do dispositivo de apoio agora anunciado seria, do meu ponto de vista mais eficaz, com outro enquadramento legal mais amigável para as crianças.

De facto, parece importante a necessidade de protecção nestes casos considerando o número de situações e os efeitos destas vivências na vida das crianças e adolescentes.

Como indicador recordo que segundo do Relatório Anual de Avaliação da Actividade das CPCJ de 2019, a exposição de crianças e jovens a episódios de violência doméstica foi o tipo de risco mais comunicado, 28,9% tendo ultrapassado as comunicações por negligência, 28,6. Tal facto, reforça a a necessidade de aumentar o quadro de protecção.

Para além de sublinhar os danos potenciais que esta exposição pode provocar nas crianças gostava de chamar a atenção para um outro potencial efeito nas crianças que assistem a episódios, por vezes violentos, de violência doméstica, os modelos de relação pessoal que são interiorizados. Aliás, nos últimos anos tem-se verificado que a maioria das queixas de violência doméstica é apresentada por mulheres jovens o que permite pensar em crianças pequenas que assistirão a estes episódios.

Numa avaliação por defeito aos casos participados de violência doméstica estima-se que cerca de metade serão testemunhados por crianças. Se considerarmos que existem muitíssimas situações não reportadas, pode concluir-se que estas testemunhas, por vezes também vítimas, serão em número bem mais elevado.

Este quadro lembra o velho adágio "Filho és, pai serás", ou seja, num processo de modelagem social muitas crianças tenderão a replicar ao longo da sua vida, em adultos também, os comportamentos a que assistiram e que, tal como podem produzir efeitos traumáticos, poderão adquirir aos seus olhos, infelizmente, um estatuto de normalidade.

Não é certamente por acaso que estudos recentes em Portugal evidenciaram números elevadíssimos de violência em casais de jovens namorados universitários, uma população já com níveis de qualificação significativos.

Neste contexto e com o objectivo de contrariar uma espécie de fatalidade em círculo vicioso, os miúdos assistem à violência doméstica, replicam a violência, a sociedade é violenta, quando crescem são violentos em casa, e assim sucessivamente, importa que os processos educativos e de qualificação sublinhem a dimensão, a formação cívica e o quadro de valores.

Não é nada de novo, a afirmação desta necessidade.

A questão é que o próprio discurso social e político sobre a escola e sobre os professores não me parece contribuir para que se possa encarar a escola com a confiança necessária a que possa cumprir o seu papel e contribuir para quebrar o círculo vicioso do processo de modelagem social envolvido.

Acresce que a intervenção junto das famílias e a tentativa de contrariar dinâmicas disfuncionais, violência doméstica por exemplo, não dispõe dos meios e recursos suficientes.

Esperemos que a medida agora anunciada, seja mais do que uma promessa, e aumente significativamente os níveis de protecção e apoio a crianças e jovens.

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

LÁ PARA TRÁS NO TEMPO, "LIGHT MY FIRE"

Ontem, na passagem de olhos diária pela imprensa tropecei com uma curiosidade, no dia 4 de Janeiro comemora-se em Los Angeles o Dia dos The Doors. A data começou a ser sublinhada em 2017 para assinalar a publicação realizada há 50 anos do primeiro disco da banda, o “The Doors”.

Ainda me passou pela cabeça que podia ser engano, mas não, foi mesmo em 1967 e eu comecei a “curtir” os The Doors desde então. Deve ser também a isto que se chama velhice.

E como sempre trabalho ou leio com música por companhia, de vez em quando revisito a música deste pessoal, Jim Morisson, Robby Krieger, Ray Manzarek e John Densmore, mas de que se destacava a voz e "performance" a voz de Jim Morrison e as teclas de Ray Manzarek. De assinalar o desaparecimento prematuro de Jim Morrisson.

Às vezes, até acredito que fico mais novo, mas tal não acontece, a memória permite ir lá trás no tempo, mas não permite que se lá fique.

Para quem conhece recordo um dos temas mais conhecidos daquele primeiro disco, "Light My Fire", para quem não conhece pode ser uma oportunidade.





segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

DO "DIAGNÓSTICO DE AFERIÇÃO DAS APRENDIZAGENS"

 Há uns dias foi divulgado que, a pedido do ME, o IAVE vai desenvolver a partir do dia 6 o estudo já anunciado em Julho para se realizar em Setembro com o objectivo de “perceber impactos da suspensão das aulas sobre os conhecimentos de Matemática, Ciências e Leitura”, envolvendo 30 000 estudantes do 3.º, 6.º e 9.º anos”, com o objectivo de “dar informação às escolas para que possam ajudar os alunos a recuperar as matérias atrasadas” eao que parece, “não se trata de um exame nem de uma prova de aferição” mas de um estudo (?). 

Designado por “Diagnóstico de Aferição das Aprendizagens” terá um modelo próximo do de estudos o PISA, Programme for International Student Assessment, ou o TIMSS, Trends in International Mathematics and Science Study.

Ainda de acordo com a imprensa, serão avaliadas “literacias transversais” enquadradas nas competências definidas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória e contemplando dimensões como “linguagens e textos, raciocínio e resolução de problemas, pensamento crítico e pensamento criativo ou ainda saber científico, técnico e tecnológico” e centrado em Matemática, Ciências e Leitura e Informações.

Foi com alguma estranheza que li esta informação. Agora? Assim?

Como tenho escrito já me cansa duvidar ou discordar. Seria mais tranquilo aplaudir e apoiar as medidas e iniciativas neste meu, nosso mundo, a educação, mas também faz parte da seriedade e importância que lhe atribuo.

Também reconheço que os tempos são duros e os constrangimentos gigantescos para pessoas e entidades limitando a sua capacidade de resposta. Desde logo importa reconhecer isto.

Algumas notas.

Desde o início manifestei alguma reserva com a definição de cinco semanas para “recuperar e consolidar aprendizagens”. Parece-me razoavelmente claro que a diversidade de situações, o seu número, os anos de escolaridade dos alunos, as variáveis contextuais relativas a cada comunidade escolar, recursos disponíveis em cada comunidade, as necessidades específicas de muitos alunos, etc. etc. sugerem que devem ser as escolas a avaliar as necessidades, identificar os recursos necessários, estabelecer objectivos, definir metodologias e dispositivos de regulação e avaliação.  

Ainda mais estranhei quando o ME divulgou materiais de orientação para este trabalho de recuperação e consolidação em que se definiam “os princípios para identificação de aprendizagens que, quando não adquiridas, são impeditivas de progressão, e com exemplos de actividades”. O meu pressuposto sobre o trabalho dos professores é que estes conhecem os programas sabem definir o encadeamento e precedência das aprendizagens.

Por outro lado, também sabemos que durante o primeiro período as escolas sentiram falta de docentes, de técnicos e de auxiliares que chegaram ou tarde ou não chegaram e, para além de outros constrangimentos, também sabemos que boa parte dos equipamentos e recursos digitais prometidos ainda não estão nas escolas.

Relativamente ao estudo que se vai iniciar e tendo como objectivo “perceber impactos da suspensão das aulas sobre os conhecimentos de Matemática, Ciências e Leitura” e “dar informação às escolas para que possam ajudar os alunos a recuperar as matérias atrasadas.” Porquê realizá-lo no segundo período e devolver resultados em Março? Qual o impacto real que poderá ter?

Sendo um estudo por amostra os dados não são individualizados, serão indicadores certamente úteis, mas vejo com mais dificuldade o impacto relevante que ainda possam ter no trajecto individual dos alunos que, como disse mais acima, os professores identificaram nas suas turmas como mais vulneráveis ao impacto negativo do confinamento.

Parece-me claro que dispositivos de avaliação externa são ferramentas de regulação imprescindíveis nos os sistemas educativos, mas neste caso sinto alguma dificuldade em entender a sua sustentação e o seu impacto, sobretudo realizado agora e assim.

É certamente um problema de compreensão ou desconhecimento da minha parte.

Ainda assim … que seja útil … se possível.

domingo, 3 de janeiro de 2021

VAI INICIAR-SE O SEGUNDO PERÍODO

 Certamente com os mesmo receios e dúvidas com que terminaram as aulas inicia-se amanhã o segundo período escolar. Entre a necessidades de manter as aulas em modo presencial e as dificuldades de tal assegurar acautelando riscos e o impacto que podem conter para todos os envolvidos, as aulas recomeçarão numa “normalidade” que o não é, independentemente das narrativas produzidas.

O segundo período, a semestralização introduz algumas diferenças de percepção, continuará a ser, provavelmente, o período das decisões, o período com mais peso neste tipo de calendário escolar.

Este ano, para além de muitos outros aspectos, importa considerar o impacto nas aprendizagens de muitos alunos, sobretudo nos primeiros anos e em alunos com necessidades especiais, do tempo de confinamento e das dificuldades verificadas no âmbito do E@D apesar do esforço de professores e escolas. Aliás, está para se iniciar também o estudo do IAVE, a pedido do ME, com o objectivo de “perceber impactos da suspensão das aulas sobre os conhecimentos de Matemática, Ciências e Leitura, envolvendo estudantes do 3.º, 6.º e 9.º anos”, com o objectivo de “dar informação às escolas para que possam ajudar os alunos a recuperar as matérias atrasadas.” Amanhã tentarei deixar umas notas sobre este estudo pois não percebo muito bem porquê agora e porquê assim.

Voltando à importância do segundo período. Quando o primeiro trimestre corre bem e o segundo decorre de forma igualmente positiva o sucesso do ano de trabalho escolar estará praticamente assegurado.

Se os dois primeiros períodos não se desenvolverem de forma positiva torna-se, obviamente, bem mais difícil a recuperação durante o terceiro período e o risco de reprovação é muito elevado.

Assim, o segundo período é um tempo em aberto, um tempo que permitirá manter bons resultados, recuperar de algumas dificuldades ou “certificar”, antecipando, o insucesso.

É neste aspecto que centro estas notas que nesta altura tenho partilhado. De facto, alguns alunos devido aos seus resultados menos positivos no primeiro trimestre, à sua história escolar que poderá incluir eventuais dificuldades (de novo a questão da especificidade do ano anterior) ou até pela representação que deles foi construída, integrarão provavelmente um grupo, “ os que não vão lá”, para utilizar uma terminologia frequente no meio escolar.

Dito de outra maneira, a escola, algumas vezes sem se dar conta, outras por ausência de meios ou disponibilidade e outras ainda pela convicção de que é "normal" que nem todos aprendam apesar de possuírem capacidades para tal, constrói sobre alguns alunos uma baixa ou nula expectativa de sucesso que não é alheia ao “eles não vão lá” e cujos efeitos negativos estão estudados.

Neste cenário, a escola pode vir a desistir deles e eles podem vir a desistir da escola através de processos que nem sempre são conscientes, quer por parte da escola, quer por parte de alunos e pais.

Curiosamente, muitos destes alunos que “não vão lá” são reconhecidos como crianças ou adolescentes inteligentes, dotados, de tal maneira que "se eles quisessem" teriam sucesso. O problema é que com alguma frequência, por menor atenção, pelo número de alunos por turma e/ou por falta de recursos, não conseguimos que eles tenham sucesso, tal como eles não conseguem mobilizar eficazmente as suas capacidades para serem bem-sucedidos. Eu sei que a afirmação é forte e pode ser injusta em muitas situações, mas existem alunos de quem a escola, por várias razões, parece ter “desistido”.

Importa, pois, iniciar este segundo período com expectativas positivas face ao trabalho de alunos e de docentes. Por outro lado, é também importante que as expectativas positivas e confiança nas capacidades dos alunos lhes sejam claramente expressas por pais e professores. Finalmente é essencial que os apoios a eventuais dificuldades de alunos e professores estejam disponíveis, sejam suficientes, competentes e estruturados em tempo oportuno. É o que se espera de políticas públicas adequadas à minimização de dificuldades recorrentes eà anteipação de constrangimentos previsíveis e conhecidos. 

O risco de insucesso e exclusão na escola é também o primeiro grande risco, ou mesmo a primeira etapa, da exclusão social.

Eles vão lá. Bom trabalho e Bom Ano.