AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

A TEMPESTADE

 Uma semana antes do dia da votação escrevi estas notas a propósito da campanha eleitoral.

 “É impossível ir ouvindo os discursos produzidos no âmbito das campanhas para as presidenciais, mas não só, sem um enorme sobressalto. Mais do que questões de natureza ideológica trata-se de uma questão de decência. Existem linhas vermelhas que não podem ser ultrapassadas. Não por uma questão de “moralismo”, mas por questões de natureza ética e de um quadro de valores que regula, ou devem regular, o discurso público.

Do que se tem ouvido, comentar o quê? Como?

A minha questão é onde estamos a falhar?

Que mundo estamos a construir?

Estamos num tempo de perplexidade e dúvida face ao crescimento de discursos populistas e demagógico, apelando à intolerância, ao xenofobismo e a valores de direita radical muitos deles atentatórios de direitos humanos básicos. Os exemplos são muitos, primeiro lá por fora e agora também por cá vão-se multiplicando réplicas deste caminho que nos deixa inquietos face ao futuro e criando ambientes de onde eclodem os ovos da serpente.

Milhões de excluídos e pobres e de jovens sem presente e sem futuro são um alvo fácil para discursos populistas e radicais.

As sementes de mal-estar que que estes milhões de pessoas carregam, muitos deles desde criança são muito facilmente capitalizadas e mobilizadas.

Como aqui há dias escrevia, a mediocridade da generalidade das lideranças e o que lhes permitimos fazer criaram, por exemplo, um mundo de desigualdade e exclusão que a pandemia veio sublinhar. É aqui, insisto, que nasce o que nos assusta.

É esta a batalha que não podemos perder e não sei se a estamos a ganhar. Também passa pela educação, pela escola, pela formação cívica e pela cidadania.”

 Dos resultados releva a continuidade esperada de Marcelo Rebelo de Sousa decidida, também sem surpresa, à primeira volta e a votação expressiva na sinistra figura, um resultado inquietante.

Está, assim, legitimado através de eleições democráticas a disseminação significativa de ambientes onde se abrigam os ovos da serpente e onde mais facilmente eclodem.

Como escrevi, talvez seja de reflectir sobre as razões, não há mérito, há demérito na forma como as sociedades actuais se organizam e funcionam possibilitando a emergência destas figuras sinistras que se alimentam das sementes de mal-estar que afectam tanta gente que sem confiança no futuro se sente atraída por um canto de sereia que repete à exaustão a demagogia, o insulto, o populismo, a xenofobia, a mentira e a manipulação, o despudor ético, que colhem apoios, mas que semeiam tempestades.

Será que ainda vamos tempo? Depende de nós e da dimensão ética e política das lideranças. Quero ter confiança num futuro onde caibamos todos que, sei bem, não é a sociedade que temos.

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