AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sábado, 31 de dezembro de 2016

O SISTEMA É ASSIM

Para finalizar 2016 esta história serve e é elucidativa da necessidade  de mudança.
Precisei de comprar um pequeno electrodoméstico e após pesquisa online fui a uma das lojas de uma cadeia conhecida. A coisa correu mais ou menos assim e na versão abreviada
Perguntei a uma simpática funcionária se existia o modelo que queria e estava na página da net. Após consulta de stock informa-me que havia um disponível no sistema.
Perguntei se encomendando viria para a loja ou para a residência.
A moça diz-me que pode vir para a loja ou para casa com custo adicional.
Procedo então ao pagamento para levantar na loja mas verifico que me é debitado o custo adicional da entrega.
Levanto a questão e a moça simpaticamente esclarece-me que o bem seria entregue na loja mas deveria eu pagaria o custo da entrega porque era assim que estava no sistema.
Expliquei que deveria haver um equívoco, o bem estava anunciado para venda na loja, não o tinham, mandavam vir, eu iria comprá-lo na loja não deveria pagar custo adicional a não ser que me fosse entregue em casa.
Nada a fazer, está assim no sistema, insistiu.
Como não consigo mudar o sistema, pedi o livro de reclamações. Uma funcionária mais “graduada”, igualmente simpática, aparece, inteira-se da situação e diz à colega para proceder à devolução do custo de entrega. Diz-me também que não era necessário reclamar pois internamente quando tivesse de justificar a devolução do custo de entrega explicaria a razão e quem de direito decidiria o que fazer com o sistema.
De maneira que a coisa foi assim, o sistema é omnipotente decide e nós, as pessoas, cumprimos, eu vou comprar um bem anunciado numa loja, não têm em stock, encomendam-no para a loja e eu pago o custo da entrega mais o bem.
Talvez o Ano Novo traga um sistema novo. Ou não, mais provavelmente.
Bom Ano e muita paciência para o sistema, para os muitos sistemas.

E SE, POR UMA VEZ, O ANO NOVO FOSSE MESMO ... NOVO?

Vamos então mudar de ano.
Estamos no tempo em que todas as falas e todos os escritos acabam num incontornável Bom Ano Novo. Muito de nós fazem mesmo questão de se preparar a sério para receberem o Ano Novo, de acordo com as posses de cada um, evidentemente. Aliás, o Ano que virá também virá de acordo com as posses de cada um. É sempre assim. E se não fosse?
E se por uma vez, só por uma vez, o Ano Novo fosse mesmo Novo. Por exemplo:
Ser Novo no respeito efectivo pela dignidade, pelos direitos básicos das pessoas e no combate sério e empenhado às desigualdades e à exclusão e pobreza.
Ser Novo na gestão da coisa pública com transparência, justiça e ao serviço das pessoas.
Ser Novo na definição de políticas dirigidas às pessoas e não ao sabor dos endeusados mercados e da agenda da partidocracia.
Ser Novo no recentrar das grandes questões da educação na qualidade dos processos educativos, na tranquilidade e no sucesso do trabalho de alunos e professores.
Ser Novo na construção de uma escola onde coubessem todos os alunos sem que o cumprimento de direitos e a qualidade da resposta pública a todos os que estão na idade de a frequentar pudesse, sequer, ser motivo de discussão.
Ser Novo no combate ao desperdício e à iniquidade de mordomias insustentáveis.
Ser Novo nos discursos e padrões éticos das lideranças políticas, económicas e sociais.
Ser mesmo Novo, estão a ver?
De repente, ao escrever estas notas, lembrei-me do Zé, um jovem com uma deficiência motora significativa com quem me cruzei há anos, que quando falava de alguns dos seus desejos de futuro terminava sempre da mesma maneira, “sonhar? sonhar não custa nada, viver é que custa”.
Que o Ano Novo vos (nos) seja leve.
Tão leve e tão novo quanto possível.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

DA INDIGNIDADE

Quando pensamos que já vimos tudo em matéria de comunicação social vem algo que ainda nos consegue surpreender.
O Correio da Manhã aborda com chamada à primeira página a possibilidade das festas relativas à passagem de ano poderem ser postas em causa pelo luto nacional que obrigatoriamente será decretado com a morte de Mário Soares.
Acontece que apesar do estado crítico em que se encontra Mário Soares está vivo.
Parece-me absolutamente inaceitável este tipo de procedimento.
É uma indignidade sem nome para com a família e para qualquer outra pessoa com sentido ético.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

PREVISÕES PARA 2017

Como é habitual, à entrada de um novo ano são mais do que muitas as tentativas de prever os dias que nos aguardam.
Acotovelam-se "opinadores", comentadores, estudiosos, analistas, especialistas, politólogos, "pessoas conhecedoras" (uma espécie em levar em conta), enfim, uma infinidade de tudólogos que em tudo quanto é comunicação social se "engarrafam" na produção de infalíveis previsões.
Não tenho dotes nem a intenção de substituir quem quer que seja pelo que deixo um pequeno contributo no que respeita a previsões.
Diz-me a experiência que é sempre de grande e comprovada utilidade.
Bom Ano.


ENTRE O NATAL E O ANO NOVO

Os dias que medeiam entre o Natal e o Ano Novo têm, do meu ponto de vista, um conjunto de características muito particulares. Fico sempre com a sensação de que os vivemos como não dias. Pode parecer uma ideia estranha mas vou tentar explicar.
Logo depois do Natal, ainda a recuperar do espírito natalício, entramos numa espécie de ressaca advinda da azáfama das prendas, dadas, recebidas ou sonhadas e da culpa resultante dos excessos. Acresce para muita gente o problema das trocas, ou porque já tinham o que receberam ou porque não serve o que receberam,
Para que se não saia dos espaços comerciais o ânimo recupera-se entrando de imediato na época de saldos, descontos, promoções ou outra qualquer designação apelativa a mais umas compras. Trata-se do efeito terapêutico do mercado e do consumo.
Deste estado, passamos para os dias de aproximação ao Ano Novo que, independentemente do que de menos bom possamos racionalmente esperar, vivemos com a esperança de que seja mesmo novo e, sobretudo, Bom.
Iremos certamente trocar inúmeras mensagens e votos noutra azáfama que aparenta assentar numa ideia mágica dos tempos de miúdo que nos parece fazer acreditar em que se assim procedermos, o Ano Novo vai ser mesmo Novo e, repito, Bom. De tanto falarmos nele, ele vai convencer-se de que terá mesmo que ser assim.
É certo que de há uns tempos para cá, como devem ter dado por isso, foi desaparecendo o Próspero, basta que seja Bom, ou até mesmo que não seja pior do que este. Já era bem bom, por assim dizer.
É também muito provável que nos últimos dias do próximo Dezembro, o de 2017, estaremos com o mesmo sentimento a enunciar os mesmos discursos apesar das promessas optimistas de que ... a coisa está a mudar..
Alguns de nós tentarão de forma mais ou menos dispendiosa ou criativa encontrar uma maneira feliz e divertida, assim a entendemos, de entrar no Ano Novo. Pode até nem ser muito divertida mas vai parecer com toda a certeza. Este ano, talvez possa até já ser um pouco menos comedida nos custos, dizem que a coisa está um bocadinho melhor.
No entanto, como se sabe a crise quando nasce não é para todos e haverá réveillons para todas as bolsas. Acresce que muitas autarquias no seu espírito de missão e de serviço ao cidadão proporcionarão fantásticos espectáculos de fogo-de-artifício e música para que toda agente possa receber o Ano Novo sem grande custo.
O problema mais sério é que a 2 de Janeiro está aí o Ano Novo que, para muita gente, vai continuar velho e para muita outra gente não vai ser Bom, longe disso.
Mas para um povo sereno e de brandos costumes como nós, haja saúde que é o principal, no resto, no resto, algum jeito se há-de dar.
Bom Ano.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

PROFESSORES, UMA CLASSE PROFISSIONAL GENEROSA E VOLUNTÁRIA

Os professores são reconhecidamente uma classe generosa que olha para a sua profissão com sentido de missão, voluntariado e serviço.
No ensino básico e secundário existem milhares de professores que durante muitos anos são sucessivamente contratados, realizam substituições de colegas, deslocam-se centenas de quilómetros, dispersam a sua actividade por várias escolas e não acedem a um lugar na carreira. A maioria não desiste e assim vai cumprindo a sua missão e sonho.
No ensino superior, situação conhecida mas menos falada apesar das referências de hoje na imprensa, existem professores e investigadores que asseguram aulas sem receber. Correm atrás da remota possibilidade de uma carreira de docência e/ou de investigação.
Os directores e responsáveis das instituições de ensino superior entendem como normal, a realização de uma espécie de “voluntariado” realizado “a pedido dos investigadores” para “disseminação da sua investigação”. Curiosamente alguns afirmam que estas unidades curriculares nem são “necessárias para o funcionamento dos ciclos de estudos”, serão, presume-se uma espécie de ATL para gente desocupada, os voluntários que as leccionam e os alunos que as frequentam.
Acontece ainda que estes “voluntários” não podem fazer constar a actividade docente no seu currículo pois os responsáveis pelas unidades curriculares que leccionam terão de ser docentes da carreira.
Para além da questão óbvia da sobrevivência sem salário, trata-se evidentemente, de uma situação lamentável que atinge a dignidade das pessoas e das instituições que despudoradamente assim procedem.

OS CUSTOS DA DEFICIÊNCIA

Está em consulta pública uma proposta do Governo que entre outros aspectos revê os dispositivos e montantes dos apoios sociais a pessoas com deficiência. As medidas propostas abrangerão um número estimado de 120 000 pessoas dos quais 50 000 não acedem actualmente a qualquer subsídio.
Uma primeira fase de alterações entrará em vigor em Outubro de 2017 e em 2018 completar-se-á o ciclo de ajustamento.
Apesar de muitas vezes ver referências  à corrida de obstáculos em que se transforma a vida das pessoas com deficiência e das suas famílias, é menos abordado o que poderemos chamar os custos da deficiência que são de natureza variada e muito elevados.
Neste sentido, a revisão dos dispositivos de apoio social é uma necessidade urgente.
Retomo algumas notas por referir um ensaio recente da Fundação Francisco Manuel dos Santos. “Pessoas com deficiência em Portugal” em que se analisa os problemas e contextos de vida da população com deficiência nas últimas décadas. Segundo o autor, Fernando Fontes, da Universidade de Coimbra, “Desde os anos 1980, as mudanças reais nas vidas das pessoas com deficiência em Portugal têm sido mínimas: os benefícios sociais são insuficientes para elevar a vida das pessoas acima da linha de pobreza, os problemas no acesso ao emprego mantêm-se e continuam a ser excluídas por um sistema de ensino que não considera as suas necessidades e por um mercado de trabalho que exclui a diferença”.
Recordo um relatório, "Monitorização dos Direitos Humanos das Pessoas com Deficiência em Portugal", divulgado em 2014 no âmbito da terceira conferência anual da Associação Europeia de Estudos da Deficiência, indiciando a existência de empresas que usam indevidamente os apoios estatais para a contratação de pessoas com deficiência obrigando estes trabalhadores a estágios sucessivos e a uma situação de precariedade. Este expediente é, aliás usado com outros grupos, jovens, por exemplo.
Nada de novo. Num mercado fortemente desregulado e em "flexibilização" acelerada, os direitos das pessoas ou a lei são irrelevâncias formais.
Em contextos de maiores dificuldades e dados os níveis fortíssimos de desemprego os grupos mais vulneráveis são duplamente penalizados, pela sua condição e situação de vida e por mercados e empregadores sem alma, desregulados que apenas conhecem "activos" descartáveis e a explorar e não pessoas.
No caso particular das pessoas com deficiência é também de recordar que O “Estudo de avaliação do impacto dos planos de austeridade dos Governos europeus sobre os direitos das pessoas com deficiência”, coordenado pelo Consórcio Europeu de Fundações para os Direitos Humanos e a Deficiência conhecido no final de 2013, traçou um retrato devastador do impacto que as políticas de austeridade e a crise económica tiveram e têm nas condições de vida das pessoas com deficiência e, naturalmente, das suas famílias. Este impacto, muito diferenciado de acordo com as idades e problemáticas envolvidas, compromete seriamente os direitos básicos em matéria de educação, saúde, trabalho e apoios sociais. Em todas as áreas os cortes orçamentais têm efeitos pesadíssimos, sendo que as pessoas com deficiência em Portugal têm uma taxa de risco de pobreza 25% superior à das pessoas sem qualquer deficiência.
Como sempre não posso deixar de retomar algumas notas sobre esta matéria que não são informadas por qualquer discurso de natureza paternalista ou assistencialista, mas colocadas num plano de direitos humanos, de discriminação positiva de pessoas em situação particularmente vulnerável e na não-aceitação do princípio de que equidade significa igualdade.
Talvez alguns decisores políticos não saibam, por exemplo, que o desemprego no grupo social das pessoas com deficiência terá aumentado cerca de 70 % face a 2011, e estima-se que ronde os 75 %, uma taxa catastrófica.
Sabemos que os recursos são finitos e os tempos de contenção, mas pode-se afirmar que para as pessoas com deficiência os tempos sempre foram de recursos finitos e de contenção, ou seja, as dificuldades são recorrentes e persistentes.
Um estudo realizado, creio que em 2010, pelo Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, apontava para que uma pessoa com deficiência tenha um gasto anual entre 6 000 e 27 000 € decorrentes especificamente da sua condição e considerando diferentes quadros de deficiência. Este cálculo ficou incompleto porque os investigadores não conseguiram elementos sobre os gastos no âmbito do Ministério da Saúde.
O estudo, para além das dificuldades mais objectiváveis, referenciou ainda os enormes custos sociais, não quantificáveis facilmente, envolvidos na vida destes cidadãos e que têm impacto no contexto familiar, profissional, relacional, lazer, etc.
Creio também que é justamente no tempo em que as dificuldades mais ameaçam a generalidades das pessoas que se avoluma a vulnerabilidade das minorias e, portanto, se acentua a necessidade de apoio e de políticas sociais mais sólidas, mais eficazes e, naturalmente, mais reguladas.
Os números sobre o desemprego nas pessoas com deficiência são dramaticamente elucidativos desta maior vulnerabilidade. A vida de muitas pessoas com deficiência é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, em variadíssimas áreas como mobilidade e acessibilidade, educação, emprego, saúde e apoio social, em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são enormes. Assim sendo, exige-se a quem decide uma ponderação criteriosa de prioridades que proteja os cidadãos dos riscos de exclusão, em particular os que se encontram em situações mais vulneráveis.
As pessoas com deficiência e as suas famílias fazem parte deste grupo.

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

SIM, ELES SÃO CAPAZES

Ela tem síndrome de Down e é professora primária

É verdade.
Sem ser por magia ou mistério quando acreditamos que os alunos, as pessoas com algum tipo de necessidade especial, são capazes, não se "normalizam" evidentemente seja lá isso o que for, mas são, na verdade, mais capazes, vão mais longe do que admitimos ou esperamos. Não esqueço a gravidade de algumas situações mas, ainda assim, do meu ponto de vista, o princípio é o mesmo, se acreditarmos que eles progridem, que eles são capazes de ... , o que fazemos, provoca progresso, o progresso possível.
E isto envolve professores do ensino regular, de educação especial, técnicos, pais, lideranças políticas e toda a restante comunidade.
Em algumas circunstâncias, apesar de excelentes práticas que aqui registo e saúdo, o trabalho desenvolvido com alunos necessidades especiais é, do meu ponto de vista, parte do problema e não parte da solução, situação potenciada entre nós com a Portaria em vigor relativa ao trabalho nas escolas secundárias para os alunos com “CEI” a cumprir escolaridade obrigatória.
É um trabalho por vezes inconsequente, assente em avaliações pouco consistentes, descontextualizado, mobilizando pouca participação e envolvimento nos contextos em que os alunos se inserem. Dito de outra maneira, em algumas circunstâncias o trabalho desenvolvido com e por estes alunos é ele próprio um factor de debilização, ou seja, alimenta a sua incapacidade, numa reformulação do princípio de Shirky.
Tal facto, não decorre da incompetência genérica dos técnicos, julgo que na sua maioria serão empenhados e competentes, mas da sua (nossa) própria representação sobre este grupo de alunos, isto é, não acreditam(os) que eles realizem ou aprendam. Desta representação resultam situações e contextos de aprendizagem, tarefas e materiais de aprendizagem, expectativas baixas traduzidas na definição de objectivos pouco relevantes, que, obviamente, não conseguem potenciar mudanças significativas o que acaba por fechar o círculo, eles não são, de facto, capazes. É um fenómeno de há muito estudado.
Mais uma vez. a inclusão assenta em quatro dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade). Estas dimensões devem ser operacionalizadas numa perspectiva de diferenciação justamente para que acomodem a diversidade das pessoas.
É neste sentido que devem ser canalizados os esforços e os recursos que deverão, obrigatoriamente, existir. Não, não é nenhuma utopia. Muitas experiências noutras paragens mas também por cá mostram que não é utopia.
O primeiro passo é o mais difícil, tantas vezes o tenho afirmado. É acreditar que eles são capazes e entender que é assim que deve ser.

OS VIDEOJOGOS E OUTROS ECRÃS NA VIDA DOS MIÚDOS

No Público encontra-se uma peça sobre os riscos de excessiva utilização dos videojogos.
A este propósito recordo um estudo da Universidade de Oxford afirmando que o uso moderado dos videojogos, até uma hora por dia, pode ter efeitos positivos nas crianças. A utilização mais demorada, acima das três horas, repercute-se negativamente em aspectos psicossociais.
É sempre interessante aprofundar o conhecimento sobre estas matérias mas o estudo não traz nada de novo e desconheço se foi considerada uma variável importante, o tipo de videojogos.
Volto a umas notas sobre esta matéria tão dentro da vida dos miúdos e adolescentes.
Na verdade, a utilização dos videojogos não é uma matéria de simples abordagem, existem opiniões de sentido bem diferente.
Uns opinam que os estudos sugerem riscos no uso excessivo destes materiais, recordo uma conferência há algum tempo realizada no ISCTE por Bruce D. Bartholow. Por outro lado, alguns socorrem-se de estudos que não encontram nenhuma relação de causa efeito entre o consumo de videojogos violentos e o desencadear de comportamentos de extrema violência, sendo ainda que existe quem defenda, em abstracto, o potencial educativo dos videojogos.
Sobre este último ponto recordo um Relatório de 2009 do Parlamento Europeu coordenado por Toine Manders em que se afirmava, curiosamente, que os resultados “contradizem muitos estudos que sublinham a dependência e a violência que os videojogos podem provocar nos mais pequenos, deixando alguns pais mais tranquilos” e, citando o próprio relatório, os videojogos estimulam “a aprendizagem de factos e habilidades como a reflexão estratégica, a criatividade, a cooperação e o sentido de inovação”. O relatório também referia, no entanto, que alguns videojogos podem não ser apropriados. O acesso extraordinariamente facilitado a videojogos com conteúdos obviamente desajustados algumas idades constitui justamente a base das opiniões mais cautelosas.
Julgo que se trata de uma matéria em que, por estranho que pareça, todos podem ter razão, ou seja, em muitas crianças, adolescentes ou adultos, comportamentos de enorme violência aparecem associados ao consumo de videojogos violentos mas nem todos os miúdos adolescentes ou jovens que os consomem desenvolvem comportamentos de violência, daí a inexistência de uma relação de causa-efeito.  
A questão central, do meu ponto de vista, não é sobre se os videojogos fazem mal ou se fazem bem, é sobre o tempo que ocupam na vida dos miúdos e a qualidade e os conteúdos disponíveis considerando a idade das crianças. Muitos de nós, especialistas ou não, inquietamo-nos com o tempo excessivo que muitas crianças e adolescentes passam sós, ou com outros "sós" do outro lado, agarradas a um ecrã, numa espécie de teledependência e já configurando um comportamento aditivo com consequências importantes no bem-estar dos mais novos. Aliás, este é um aspecto central na peça do Público.
Esta preocupação não tem nada a ver com um entendimento definitivo de que os videojogos são perigosos. Existem excelentes videojogos que, naturalmente, serão úteis e positivos na vida dos miúdos.
Uma outra questão, é o espaço que estes produtos ocupam na vida dos miúdos. Segundo alguns estudos, perto de 50% das crianças até aos 15 anos terão computador ou televisor no quarto sendo que com os smartphones estes dados são menos indicativos e também se conhece o tempo imenso que muitas crianças e adolescentes dedicam aos ecrãs. Acontece que durante o período de sono e sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes estarão diante de um ecrã, pc, tv ou telemóvel. Com é óbvio, este comportamento não pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida.
Comer faz bem às crianças, mas comer excessivamente e produtos de má qualidade, provoca sérios problemas de saúde. Que se eduque o consumo, sem se diabolizar ou exaltar o produto.
Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos, são problemas novos para muitos pais, alguns deles com níveis baixos de alfabetização informática. Considerando as implicações sérias na vida diária e que só estratégias proibicionistas não são muito eficazes, importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes.

O INCONSEGUIMENTO DO MINISTRO SANTOS SILVA

O Ministro Santos Silva não tem, evidentemente, qualquer responsabilidade nas infelizes declarações em que, ao que consta, comparou o trabalho na Concertação Social a uma “feira de gado”.
E não tem responsabilidade por várias razões.
Em primeiro lugar e desde logo porque um Ministro, para mais com o pedegree de Santos Silva nunca erra. Sendo certo que não é perfeito, nem o Primeiro-ministro o é, os ministros não erram, podem, no limite, evidenciar alguns inconseguimentos.
Em segundo lugar, a responsabilidade é sempre de algum técnico, nunca do Ministro. Presumo que o técnico do teleponto estaria em greve ou esqueceu-se ligar o aparelho.
Em terceiro lugar, pode acontecer que exista uma responsabilidade grave dos assessores de imprensa. Qualquer assessor de imprensa com um mínimo de experiência sabe que importa ter o máximo dos cuidados quando, por exemplo, um Ministro anda descontraído no meio de um evento, ainda por cima dentro da sua tribo. A tentação de dizer qualquer coisa é enorme, não se resiste facilmente, resistem, pelo que o improviso é um comportamento de risco, e às vezes, sai mesmo asneira, foi o caso do Ministro Santos Silva
Certamente que a responsabilidade é das pessoas que interpretam abusivamente as cândidas e engraçadas palavras, como se sabe existem pessoas sem sentido de humor.
Assim sendo e nesta conformidade, é imperioso forçar o homem do teleponto ou os assessores de imprensa a apresentar a sua demissão ou mesmo demiti-los.
É também de considerar a demissão dos cidadãos que interpretaram mal as palavras sábias, oportunas e de bom gosto do Ministro Santos Silva. Não merecem a condição de cidadãos, são pouco argutos e incapazes de acompanhar o brilho do Ministro.
Que se demitam, pois.
Recordem-se do Ministro Manuel Pinho que também teve um problema sério com a questão do gado.
Parece sina.
O que é ainda mais interessante são os comentários vindos de outros artistas da cena política como se nesta matéria existissem santos e pecadores, Na verdade são são todos pecadores.
Considerando o espírito natalício um público pedido de desculpa seria decente.

DAS LEIS NECESSÁRIAS

Entra amanhã em vigor o Decreto-Lei n.º 58/2016 que determina que em todas as entidades “públicas e privadas, singulares e colectivas que prestem atendimento presencial ao público” as pessoas com deficiência, grávidas, com crianças pequenas e idosos passam a ter direito, agora em forma de lei, a atendimento prioritário.
Vejamos o seu artigo 3º.
Dever de prestar atendimento prioritário
1 — Todas as pessoas, públicas e privadas, singulares e colectivas, no âmbito do atendimento presencial ao público, devem atender com prioridade sobre as demais pessoas:
a) Pessoas com deficiência ou incapacidade;
b) Pessoas idosas;
c) Grávidas; e
d) Pessoas acompanhadas de crianças de colo.
2 — Para os efeitos estabelecidos no presente decreto-lei, entende -se por:
a) «Pessoa com deficiência ou incapacidade», aquela que, por motivo de perda ou anomalia, congénita ou adquirida, de funções ou de estruturas do corpo, incluindo as funções psicológicas, apresente dificuldades específicas susceptíveis de, em conjugação com os factores do meio, lhe limitar ou dificultar a actividade e a participação em condições de igualdade com as demais pessoas e que possua um grau de incapacidade igual ou superior a 60 % reconhecido em Atestado Multiusos;
b) «Pessoa idosa», a que tenha idade igual ou superior a 65 anos e apresente evidente alteração ou limitação das funções físicas ou mentais;
c) «Pessoa acompanhada de criança de colo», aquela que se faça acompanhar de criança até aos dois anos de idade.
3 — A pessoa a quem for recusado atendimento prioritário, em violação do disposto nos números anteriores, pode requerer a presença de autoridade policial a fim de remover essa recusa e para que essa autoridade tome nota da ocorrência e a faça chegar à entidade competente para receber a queixa nos termos do artigo 6.º
Algumas notas.
Idealmente, uma sociedade desenvolvida, eticamente saudável e atenta a todos os seus elementos e às suas necessidades não deveria precisar de leis desta natureza. No entanto, de há muito que aprendi que a realidade não é a projecção dos meus desejos apesar de muitos discursos de lideranças políticas definirem o que é a realidade por maior que seja a diferença entre o que dizem e o que vemos e sentimos.
Esta questão recordou-me uma história real que já aqui contei e ilustra a questão das leis necessárias.
Uma senhora das nossas relações, Mãe de um jovem adulto com uma severa deficiência motora e mental que se desloca exclusivamente em cadeira de rodas e sem autonomia, depois de realizadas as compras no supermercado, chegou com o filho à zona das caixas e colocou-se na fila da caixa com prioridade. Uma senhora diz-lhe “então a aproveitar-se” e continua depois do ar perplexo da Mãe “aproveita-se da situação para se safar”. A Mãe, embaraçada, ainda tentou explicar que a situação do filho na cadeira de rodas e mais as compras era complicada mas ouviu, “ele está melhor que eu, está sentado”. A Mãe fugiu dali para não bater na senhora.
Que se passa na cabeça das pessoas que as torna tão feias? É da crise económica? É da crise dos valores? Como pode uma pessoa estar tão doente ou ser tão infeliz que precisa de cobrar alguma coisa a uma Mãe naquela situação? Têm alguma ideia?
É só um exemplo do muito que está por fazer.
Assim sendo, que se protejam legalmente os direitos das pessoas bem como se regulamentem os deveres. Pode ser que contribua para a mudança de comportamentos.

A MEDIATIZAÇÃO DA POBREZA

Escrevi este texto no final da tarde de ontem mas apenas hoje que já não há Natal o divulgo, não queria atrapalhar o espírito natalício, seja lá isso o que for. Na verdade, o Natal não é quando um homem quiser.
A não ser num exercício romântico em torno da ideia do clochard francês que escolhe a rua como acto de resistência e projecto de vida, o sem-abrigo é, por natureza e condição, isso mesmo, um sem-abrigo.
Numa sociedade que procura e promove os níveis de bem-estar que já atingimos e que nunca nos satisfazem, a falta de um abrigo, é, creio, a mais despojada das condições sendo que modelos de desenvolvimento e políticas dirigidas a mercados e não a pessoas têm produzido legiões de desabrigados.
Um abrigo, uma casa, grande ou pequena, constitui uma espécie de céu protector para cada um de nós. É também verdade, que não basta o abrigo para ser protector, nas mais das vezes, para além da falta de abrigo existe um mais sério problema de abandono e solidão.
De vez em quando, por diferentes razões, agora porque é Natal e as consciências obrigam, descobre-se a existência de sem-abrigo nas nossas cidades, Então, durante algum tempo, aparecem ad nauseam notícias e peças televisivas que "cobrem" iniciativas variadas, almoços, jantares, distribuição de bens, etc., muitas vezes de um nível intrusivo absolutamente inaceitável. Já perdi a conta às reportagens sobre os jantares de Natal que estão a ser "oferecidos" a "pobrezinhos" de Lisboa, do Porto e de outras cidades do País.
As entrevistas, de uma forma geral, são obscenas e insultam a dignidade dos entrevistados, "este senhor" ou "esta senhora" que têm uma refeição "muito boa", "estou muito contente", "está tudo muito bem", têm um aspecto lavadinho e composto e agradecem muito a quem lhes oferece tal experiência muito caridosa.
Hoje surgiu um almoço para sem-abrigo realizado num hotel de luxo em Lisboa com a habitual auscultação das pessoas que, naturalmente, agradeceram tal privilégio mostrando o seu enorme contentamento. 
Não questiono, evidentemente, a genuína intenção das pessoas e instituições que se disponibilizam para minimizar dificuldades, muitas delas durante todo o ano, embora o problema não seja o cobertor mas, fundamentalmente, o abrigo e a solidão. As pessoas e as instituições desenvolvem um trabalho e um esforço notáveis. A minha questão é o lado voyeurista e quase predatório com que boa parte da comunicação social, sobretudo televisiva, trata pessoas a que poucas vezes dedica atenção. As perguntas e reportagens, sem decoro nem respeito, que esforçados e incompetentes “profissionais” realizam são quase insultuosas e atentatórias dos direitos das pessoas. Esta forma de mediatização da pobreza, sazonal como é evidente, é um verdadeiro escândalo que nos deveria envergonhar a todos, a começar pelos (ir)responsáveis editoriais.
As pessoas sem-abrigo, "só" não têm abrigo, não são adereços fornecidos por uma qualquer produção para montar espectáculos televisivos. Ainda lhes restará, acredito, o que ninguém pode perder, a dignidade.

PS – Ainda a propósito das peças televisivas alusivas ao Natal. Numa das incontornáveis reportagens na Serra da Estrela, um experimentado e bem informado repórter, ao perceber que a sua entrevistada era romena, resolveu perguntar, “E lá na Roménia há muitas pistas de ski ou nem por isso”. Notável.

domingo, 25 de dezembro de 2016

DA MENSAGEM DE NATAL

Achei interessante a mensagem de Natal do Primeiro-Ministro que fugiu ao padrão habitual nestas circunstâncias.
Em primeiro lugar pelo espaço dedicado à educação, o único caminho que nos pode garantir um futuro melhor e onde todos possam construir um projecto de vida positivo e com capacidade de realização. Trata-se agora de acompanhar o desenvolvimento das políticas educativas.
Em segundo lugar porque a construiu fora da retórica da política partidária ainda que tenha sido carregada de política. 

SONHOS DE NATAL

O Natal traz quase sempre algo de muito saboroso, os sonhos.
Amanhã já não é Natal. Não, o Natal não é quando um Homem quiser. Aliás, muitos homens não querem que seja Natal
E Sonhos, haverá?
É necessário que sim. Em nome dos nossos Filhos, dos Filhos dos nossos Filhos, dos Filhos ...
É um Sonho.
Bons Sonhos.

sábado, 24 de dezembro de 2016

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

GOSTEI DE LER "TRABALHO, TEMPO, DINHEIRO"

Parece-me interessante o texto de António Guerreiro, "Trabalho, Tempo, Dinheiro".
Um dia vamos ter que pensar seriamente nestas questões. Até lá, tempo, trabalho e dinheiro são dimensões difíceis de equilibrar.

COM VOTOS DE BOM NATAL, UMA SUGESTÃO PARA PRESENTE DE NATAL

Para muitas famílias a época de Natal traz uma questão, que oferecer aos miúdos. Eles já têm tudo, dizemos nós, os adultos. Eles acham que não, pedem tudo, aprenderam com a gente.
Tentando ajudar deixo uma sugestão.
Trata-se de um presente que apesar de nem sempre parecer fácil é sempre possível encontrar.
Trata-se um presente que pode ser usado de múltiplas formas e por isso é estimulante e fomenta a criatividade.
Trata-se de um presente que pode ser usado por várias pessoas.
Trata-se de um bem de primeira necessidade e que muitos miúdos não têm tanto quanto precisariam.
Trata-se, finalmente, de um presente objectivo, quantificável, como agora se pretende que tudo seja.
Porque não oferecer tempo aos mais novos?
E já agora. Porque não oferecer a tempo também aos adultos que andam à nossa beira?

Bom Natal e Bom Ano

"AS FACES DO AUTISMO"

Não sei porquê mas o trabalho “As faces do autismo” recordou-me “Todas as cartas de amor são ridículas” de Fernando Pessoa aqui através de Álvaro de Campos.

(…)
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
(…)

Bom Natal

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

TRUMPISMOS

A discussão pública do novo referencial da Educação para a Saúde envolvendo diferentes dimensões como alimentação, consumos, violência ou educação sexual levantou um enorme alarido. A possibilidade de ser abordada com os alunos a questão da interrupção voluntária da gravidez desencadeou uma tempestade que envolveu uma petição onde se lê algo de tenebroso e terrorista como “É um verdadeiro absurdo ensinar crianças que é legítimo e justo matar bebés no ventre materno”.
Por outro lado, a Juventude Centrista propõe que seja iniciada no 2º ciclo a “educação para a abstinência sexual”. Muito bem.
Umas notas breves.
Sendo a questão da sexualidade e, por tabela, a educação sexual uma questão altamente permeável a valores é natural e legítimo que suscite abordagens e visões diferentes até mesmo se a escola deve ter alguma função neste domínio.
Por outro lado, falando de valores, parece-me absolutamente crucial que não se questione o bem-estar de crianças e adolescentes permitindo, por ausência ou omissão de orientação e apoio, que os comportamentos de risco em várias áreas lhes possam causar problemas ou sofrimento.
Também me parece inegável que devido aos estilos de vida actuais, a reorganização dos papéis educativos daí decorrentes, por exemplo, o prolongamento até ao limite do aceitável da estadia das crianças e adolescentes na escola, faz deslizar para o interior dos espaços educativos formais muito do que em termos formativos faz parte da vida das crianças.
No entanto, a organização do comportamento social, o estabelecimento de regras e limites e a formação global dos indivíduos também está fortemente ligada a valores e ninguém contesta o papel da escola nesse domínio, aliás, a tendência é, por vezes de forma excessiva, responsabilizar quase que exclusivamente a escola por essa formação.
O contributo da escola em matéria de educação social assenta sobretudo em informação e na construção autónoma e informada duma relação com a sexualidade que seja positiva, informada e adequada.
Neste quadro, afirmações como a da petição que acima referi são parte do problema, não são parte da solução. A linguagem é de terror, não tem rigorosamente a ver com educação nem com bom senso.
A proposta da Juventude Centrista sobre a educação para a abstinência sexual é algo que me parece ter mais a ver com hipocrisia do que com educação sexual. Poder-se-ia dizer com a superioridade que os velhos reclamam, nem sempre com razão diga-se, “são jovens, não pensam”, mas será que também não f…?
Enfim, trumpismos de trazer por cá.

O RESCALDO DA FESTA

Segundo a imprensa de hoje, a Escola Básica e Secundária de Carcavelos manter-se-á encerrada no início do segundo período em Janeiro por falta de condições de segurança e de funcionamento. O problema decorre, ao que refere o director, da inexistência de manutenção por parte da Parque Escolar que reabilitou a escola.
Era, é, reconhecido por toda a gente a necessidade de modernização do parque escolar, em algumas situações inaceitavelmente degradado, pelo que o processo desencadeado sob a responsabilidade da Parque Escolar merecia concordância, independentemente da agenda político-partidária que gere os discursos das lideranças políticas.
A verificada derrapagem nas contas de muitas das obras relacionadas, que se não estranha em Portugal, têm sido apenas e lamentavelmente a "rotina" das obras geridas por capitais públicos. No caso particular da recuperação e modernização de edifícios escolares, a avaliação do que foi realizado foi mostrando algo que muitas pessoas que conhecem as escolas tinham como claro, o desajustamento de algumas soluções técnicas, o novo-riquismo saloio de alguns equipamentos e materiais, o custo exorbitante de manutenção que as soluções adoptadas implicam, etc.
Estas opções, a “Festa” como lhe chamou Maria de Lourdes Rodrigues, e a política de desinvestimento e cortes que se seguiu comprometeram o desenvolvimento do programa com consequências muito negativas em várias escolas que ainda continuam em eternas obras com milhares de alunos com aulas em contentores e em edifícios sem qualidade mínima. Pelas mesmas razões e como será o caso da Escola de Carcavelos a manutenção adequada ficou também comprometida.
Agora que estamos no rescaldo da festa as facturas são elevadas, escolas por intervencionar e degradadas, escolas com obras paradas há anos, escolas sem manutenção face à intervenção de que foram alvo.
E não acontece nada? Não existem responsabilidades?

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

A ESCOLA ESTÁ ATENTA A TUDO

A discussão sobre as funções da escola está permanentemente em aberto e o entendimento sobre estas funções é de uma enorme latitude.
Se considerarmos o universo de necessidades dos mais novos face à comunidade dos adultos, incluindo família e instituições, poderemos de forma simples identificar três grandes dimensões o ensinar, o educar e o cuidar cuja interdependência se vai ajustando ao longo do crescimento e desenvolvimento.
À escola parece que sempre esteve e está cometida a resposta ao nível do ensina, sendo que à família e outras instituições estariam fundamentalmente atribuídas as funções de educar e cuidar.
No entanto, as mudanças rápidas e significativas nos estilos de vida e exigências, no quadro de valores sociais, culturais, políticos, económicos, etc. obrigaram a ajustamentos para os quais talvez ainda não tenhamos encontrado o ponto de equilíbrio.
As crianças chegam mais cedo às instituições educativas, ainda bebés, passam cada vez mais tempo nessas instituições, até inventaram a “Escola a Tempo Inteiro” e têm percursos cada vez mais longos.
Este quadro leva a que de uma forma geral todos os problemas que afectam as crianças e adolescentes emergem na escola pois é na escola que eles estão boa parte do seu tempo.
A questão é que a escola não consegue, não tem meios e recursos, para acomodar e responder a todas as necessidades de crianças e adolescentes para além de responder com qualidade ao que a si é exigido e, por tal, responsabilizada.
Vem esta introdução a propósito da notícia de que professores, funcionários e outros técnicos a exercer funções nas escolas sinalizaram mais dois mil casos de maus tratos e suspeitas de maus tratos a crianças e jovens no ano lectivo de 14/15 o que corresponderá a cerca de um quarto do total de situações identificadas a nível nacional.
Esta atenção da gente da escola ao bem-estar dos miúdos é fundamental para que se identifiquem situações de risco, por vezes, com consequências severas.
O problema é o que vem depois e que ainda nos suscita muita preocupação e que aqui refiro com frequência.
Por questões relativas a insuficiência de recursos e técnicos, por dificuldade de articulação entre instituições, por burocracia e morosidade, ouve-se com demasiada frequência uma das expressões que me deixam mais incomodado, a(s) criança(s) estava(m) “sinalizada(s)” ou “referenciada(s)” mas … a intervenção aconteceu ou aconteceu tarde.
Em Portugal sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver os problemas referenciados ou sinalizados.
Por isso, sendo importante registar a menor tolerância da comunidade aos maus-tratos aos miúdos, também será importância que desenvolva a sua intolerância face à ausência de respostas.
A escola vai cumprindo, também aqui, a sua parte.

PARECE-ME BEM

Da audição de ontem na AR da equipa do ME, para além da continuação da cacofonia em torno dos testes de paternidade dos resultados do TIMSS e PISA, relevam algumas notas que julgo de registar.
Em primeiro lugar uma referência à posição favorável do ME ao reforço do papel dos Conselhos Pedagógicos de escolas e agrupamentos. A afirmação surge associada a um recente manifesto que defendia fundamentalmente o repensar das direcções unipessoais das escolas e agrupamentos no sentido de retomar modelos de direcção colegial.
Numa nota e como disse na altura, tanto quanto o modelo importa repensar a forma de participação e eleição, promovendo a participação alargada da comunidade na eleição das direcções não restringindo o processo aos Conselhos Gerais. Parece-me importante o reforço do papel dos Conselhos Pedagógicos, desejavelmente associado a um incremento sério e real da autonomia de escolas e agrupamentos.
Merece também referência positiva a intenção de promover maior equidade entre o ensino profissional e a via “regular”, valorizando-o e procurando minimizar até ao limite a ideia ainda razoavelmente instalada de que é uma percurso de segunda destinado aos que têm “menos jeito” ou motivação para a escola.
Uma nota ainda para a reafirmação da intenção de baixar o número de alunos por turma embora ainda não seja conhecido o estudo que definirá a forma de operacionalizar este abaixamento e os critérios a que obedecerá.
A ver vamos como tudo isto se traduz.

CHOQUE E HORROR

Vão faltando as palavras para falar do horror e da barbaridade que no mar e em terra vai acontecendo cada vez mais perto de nós, que, provavelmente, acreditávamos estar a salvo de tamanhas tragédias.
A merda de lideranças actuais da generalidade dos países que põem e dispõem no xadrez do poder mundial e de tantos outros subservientes e submissos que, em muitos casos, de pessoas não sabe nem quer saber, permite, sem um sobressalto e com palavras que de inócuas são um insulto, que se assista à barbaridade que as imagens, os relatos mostram e o muito que se imagina mas não se vê.
Apesar da complexidade é evidente para toda a gente com um pouco de senso que nada disto se resolve com muros ou vedações, com bombardeamentos cegos, com milhares de mortos e de e refugiados, com a manipulação de emoções e interesses de circunstância ou combatendo alguns e depois apoiar esses alguns ao sabor dos movimentos da luta pelo poder
Crescem muros, chovem bombas, a barbaridade estende-se, o horror é imenso e, por vezes, nem a retórica da condenação é convincente e muitos menos, evidentemente, eficaz.
A questão é séria, os ventos sempre semeiam tempestades e as tempestades num mundo global não ficam confinadas nos epicentros. E são tempestades que por mais policiado que um estado seja não se conseguem evitar.
Não existe terror mau e terror bom. Não existe horror mau e horror bom. Não existe terrorismo bom e terrorismo mau.
Como é possível que tal horror aconteça e tanta gente com responsabilidades assobie para o ar e se fique pelas palavras de circunstância.
Estou a lembrar-me de Rafael Alberti e o seu "Nocturno".
(...)
Las palabras entonces no sirven, son palabras...
Siento esta noche heridas de muerte las palabras.
Não, não é para estragar o Natal. É só porque é neste mundo que vivemos, vivem os nossos filhos e viverão os nossos netos.

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

GOSTEI DE LER, "ADMIRÁVEL LÍNGUA NOVA (PARTE I)"

Gostei de ler o texto de Manuel Matos Monteiro “Admirável Língua Nova (Parte I)” no qual fica bem evidente a mixórdia em que o Acordo do nosso descontentamento transformou a Língua Portuguesa.
Um excerto.
(...)
Consultando este dicionário, verificará que há “lácteo” e “laticínio”. (Citando uma publicação de 27/10 da página Tradutores contra o Acordo Ortográfico, agora “Os produtos lácteos são laticínios”.) Observará que os “epiléticos” sofrem de “epilepsia” em crises “epiléticas” e que “epileptiforme” é aquilo que é semelhante aos ataques “epiléticos”. Confuso? Nada. Para ajudar à missa, tem ainda “epileptoide”, que mantém o pê, mas perde o acento no ó, porque as palavras graves que têm como sílaba tónica o ditongo “oi” perdem o acento (passamos a ter, entre outras, “boia”, “joia”, “jiboia”, “heroico”, “paranoico”). Comprovará ainda na sua consulta que os “catos” são da família das “Cactáceas”; que “ortóptico” é aquilo que corrige problemas “óticos”; que há “bissetrizes” e “trissectrizes”; que “convetor” é um calorífero que transmite o calor por “convecção” num processo “convectivo”; que “infanto-juvenil” perde o hífen e se aglutina em “infantojuvenil”, mas já “materno-infantil” fica como estava.
(...)
Imperdível.

O ALUNÃO

Por estes dias, tempo em que as notas escolares são conhecidas por alunos e pais sempre me lembro deste texto que gostava que um dia ficasse fora de uso, sim eu sei que é uma utopia mas não é grave, é só mais uma.
Acabou o primeiro período, reúnem-se os professores e atribuem-se as notas. A maioria dos miúdos, felizmente, sairá bem tratada do processo, os professores são gente que gosta, ensina, educa e cuida dos miúdos. Com notas mais ou menos elevadas ficarão contentes e o espírito natalício encarregar-se-á de os compensar também da forma possível, pois, como se sabe, o espírito natalício não é igual para todas as famílias, algumas terão até muito pouco espírito natalício.
Outros alunos, apesar de terem alguns resultados menos positivos, com o apoio dos professores e da família e, naturalmente, com o seu esforço, encararão o resto do ano com uma atitude positiva e de confiança assumindo a convicção de como se diz “vão lá”, “são capazes”. Assim deve ser.
Haverá ainda um grupo de alunos de quem a escola, mesmo estando no primeiro período, desistirá, às vezes sem se dar conta. São os miúdos que “não vão lá”, seja porque “com a família que tem não é possível”, “porque, coitado, não é muito dotado, já o irmão quando cá andou assim era”, “não se interessa por coisa alguma, não anda aqui a fazer nada” ou outra qualquer apreciação entendida como razão justificativa para a dificuldade. E teremos, finalmente, um grupo de alunos que desistem eles da escola, confirmando a antecipação do insucesso, desde já estabelecida.
Num tempo em que a grande orientação é reaproveitar e reciclar o que não serve ou não presta, talvez não fosse má ideia que os municípios, com a orientação do Ministério da Educação, procedessem à instalação de um novo recipiente nos ecopontos que quase sempre existem perto das escolas. Assim, junto do vidrão, do pilhão e dos outros contentores, colocar-se-ia um alunão, um recipiente onde se colocariam os alunos que não servem ou não prestam e esperar que algo ou alguém os recicle e devolva à escola novinhos, reciclados, cheios de capacidades, competências e capazes de percorrer sem sobressaltos o caminho do sucesso.
O problema é que somos uma sociedade de desperdícios, até de pessoas, e começamos logo nas pequenas.

DA CRIAÇÃO DO INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Li no Público que o PCP avançou com um projecto de lei propondo um novo quadro legal para a designada educação especial. Ao que parece a medida mais significativa será a criação de um Instituto Nacional de educação Inclusiva cuja função será coordenar os serviços de apoio à educação de crianças e jovens com necessidades educativas especiais e seria tutelado pelo Ministério da Educação.
Não conheço a totalidade da proposta mas do que é referido na peça não vejo argumentação que sustente a criação de um Instituto Nacional de Educação Inclusiva ainda que algumas referências mereçam acolhimento.
Aliás, um sistema educativo será tanto mais integrado e inclusivo quanto integrada e inclusiva for a sua organização e funcionamento.
Certamente por desconhecimento meu da proposta o INEI será algo como as escolas inclusivas de 2ª geração que constam das intenções do ME, ou seja, não percebo bem o que será.
No entantanto, como tantas vezes o tenho afirmado, sublinho a necessidade urgente de mudanças nesta área. Aguardo com alguma expectativa o resultado do Grupo de trabalho criado para este efeito e cuja divulgação estará para breve. Recordo que na sessão de trabalho para a qual o Grupo de trabalho gentilmente me convidou tive oportunidade de sublinhar alguns aspectos concretos a carecer de ajustamento e que recordo.
 Em termos mais gerais.
. Sublinhar a importância e urgência da alteração do quadro legal, sobretudo o DL 3/2008.
. Aligeirar a presença de conteúdos “doutrinários” nos instrumentos legislativos. Os normativos dever ser “enxutos”, reguladores de medidas, recursos e procedimentos e estar, tanto quanto possível a salvo de “interpretações de doutrina”, os tão habituais, “cá para mim quer dizer" …)
. A resposta educativa à diversidade (educação inclusiva) não cabe num normativo específico e, por isso, importa pensar a coerência legislativa e não esquecer matérias como currículo, (a entretanto anunciada flexibilização do currículo parece-me positiva), organização e gestão de recursos, autonomia e organização das escolas, avaliação escolar, etc.
. Uma das maiores fragilidades do nosso sistema educativo é, do meu ponto de vista, a sua desregulação. Como tantas vezes afirmo, em matéria de trabalho com alunos com NEE e não só, convivem práticas e respostas de extraordinária qualidade com situações inaceitáveis. Parece-me imprescindível que se definam formas e dispositivos de regulação que não têm a ver com avaliação ou inspecção, são funções diferentes, mas com apoios e recursos verdadeiramente reguladoras do trabalho de professores e escolas. Existem muitíssimos profissionais nas escolas altamente competentes e experientes que podem integrar, por concurso por exemplo, estes dispositivos de regulação.
. Recursos técnicos e docentes suficientes e qualificados.
Em termos um pouco mais específicos entendo que o caminho passará:
. Por uma sólida e real autonomia das escolas como forma de melhorar a sua resposta a especificidades de contexto, incluindo as características dos alunos e dos recursos disponíveis
. Por repensar a existência de “conceitos” como “necessidades permanentes”, “elegibilidade” e uma infinidade de “instrumentos” como diferentes Planos (PEIs, PITs, CEIs, etc.). Talvez esteja errado, mas parece-me mais eficaz e económico que quando necessário tenhamos um Plano Educativo no qual consta o que é ajustado para UM determinado aluno, seja ao nível das aprendizagens, da transição para a vida activa ou dos conteúdos curriculares, é o seu Plano Educativo, ponto. Aliás, até tenho dificuldade em perceber alguns destes “conceitos” que, desculpem as boas práticas existentes, muitas vezes funcionam com ferramentas de exclusão.
. Repensar o modelo de Unidades de Ensino Estruturado, de Unidades de Apoio Especializado para a Educação de Alunos com Multideficiência ou Escolas de referência para alunos cegos ou com baixa visão. O espaço não permite desenvolver a justificação mas já aqui a tenho referido que sem regulação e devidamente organizados alguns destes espaços são espaços de exclusão.
. Repensar o modelo de avaliação centrado na CIF. Trata-se de um instrumento de classificação, útil e competente para outros objectivos que não a avaliação em educação.
. Reforçar a competência das escolas e dos professores na decisão sobre medidas de natureza educativa incrementando também um real envolvimento e participação das famílias.
. Repensar o modelo de apoios especializados prestados por entidades exteriores à escola. Sendo de natureza educativa, a sua gestão será da responsabilidade das escolas. Sendo de outra natureza devem ser integrados no Plano Educativo do aluno e desenvolvidos em moldes diferentes do actual modelo que gera situações de ineficiência.
. Na mesma linha devem ser repensados os modelos de parceria com outras entidades também no que respeita, por exemplo, à preparação e transição para a vida activa em que, mais uma vez, a responsabilidade de decisão é das escolas, inalienável dentro da escolaridade obrigatória.
. Simplificar tanto quanto possível as “medidas de apoio”. Em termos muitos simples temos alunos que precisam de algum tipo de apoio para percorrer de forma bem-sucedida um trajecto semelhante ao de todos os seus colegas, os alunos para os quais seja necessário algum ajustamento curricular que não comprometam o acesso às competências globais do ciclo de estudos e os alunos para os quais seja adequado uma adaptação mais significativa dos conteúdos curriculares.
Questões como alterações na avaliação ou na matrícula são de outra natureza, não são medidas de apoio educativo.
Aguardemos pelo que será a proposta do Grupo de Trabalho.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

OS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO

Foi hoje divulgado na FMH coordenado pela Professora Margarida Gaspar de Matos integrado na rede internacional do Desenvolvimento Positivo dos Jovens (Positive Youth Development). O estudo envolveu 2700 jovens portugueses entre os 16 e os 29 anos e apresenta alguns dados interessantes. Refiro-os a partir da notícia do Público pois não conheço ainda o trabalho.
Em síntese e olhando apenas para alguns aspectos parece-me relevante que com a idade os jovens parecem perder auto-estima e confiança em si próprios.
Os dados sugerem também que os jovens melhor estatuto económico e com mais competências académicas parecem revelar menos valores e consciência social.
Como afirma Professora Margarida Gaspar de Matos, considerando alguns dos resultados o quadro não particularmente animador. No entanto, importa aprofundar, provavelmente de forma mais qualitativa, o sentido e fundamento das respostas dos jovens.
Na verdade, estes dados merecem reflexão atenta.
Em que medida uma perspectiva de futuro positiva, com potencial de realização pessoal e profissional que se vai esbatendo com a idade poderá levar a que muitos os jovens desenvolvam sinais de mal-estar e frustração?
Em que medida a construção de modelos de sociedade social e profissionalmente muito competitivos e uma pressão fortíssima face a resultados e à excelência poderá promover nos jovens um menor sentido dos valores e da consciência social, alimentando perspectivas autocentradas e de indiferença face ao outro?
Estas interrogações, do meu ponto de vista já afirmado a propósito de outras questões, deveriam funcionar como um alerta, escolham a cor, relativamente ao que estamos a fazer em matéria de educação global.
Veremos o que os desenvolvimentos da investigação nos trarão, mas seria desejável que de forma intencional e estruturada reflectíssemos nos caminhos da educação, em casa e na escola.

FAMÍLIA, UM BEM DE PRIMEIRA NECESSIDADE

O Natal como se sabe é um tempo simbolicamente ligado à família.
Por coincidência, lê-se no JN com chamada a primeira página que o Tribunal de Família e Menores do Porto decidiu enviar manter em acolhimento institucional e enviar para adopção uma criança de três anos, abando nada pela mãe e a quem o pai querendo empenhadamente garantir os cuidados não tendo emprego e casa não está em condições de o assegurar, pediu que lhe concedessem mais seis meses para tentar assegura condições mas tal solicitação foi-lhe negada pelo Tribunal.
Não conheço pormenores pelo que as notas seguintes são elaboradas com alguma reserva.
Apesar da evolução que se tem constatado, continuamos com uma elevada quantidade de crianças institucionalizadas, muitas das quais sem projectos de vida viáveis pese o empenho dos técnicos e instituições. É também reconhecido que os processos de adopção são morosos e que muitas crianças não reunem condições que lhes facilitem a adopção.
Seria desejável que se conseguisse até ao limite promover a desinstitucionalização das crianças por múltiplas e bem diversificadas razões e minimizar até ao limite a sua institucionalização.
Recordo um estudo da Universidade do Minho mostrando que as crianças institucionalizadas revelam, sem surpresa, mais dificuldade em estabelecer laços afectivos sólidos com os seus cuidadores nas instituições. Esta dificuldade pode implicar alguns riscos no desenvolvimento dos miúdos e no seu comportamento.
A conclusão não questiona, evidentemente, a competência dos técnicos cuidadores das instituições, mas as próprias condições de vida institucional e aponta no sentido da adopção ou outros dispositivos como forma de minimizar estes riscos e facilitar os importantes processos de vinculação afectiva dos miúdos. Neste contexto acentua-se a importância da promoção da existência de mais famílias de acolhimento que respondam às situações que não são para adopção e promover processos de adopção mais ágeis. Existem contextos familiares que podem reverter situações negativas que justificam a retirada dos menores durante algum tempo e com apoio reconstruir uma relação familiar bem-sucedida.
Uma família que de facto o seja é um bem de primeira necessidade na vida de uma criança.
Termino com uma afirmação de um autor muito conhecido na área da educação e do desenvolvimento, Bronfenbrenner, "Para que se desenvolvam bem, todas as crianças precisam que alguém esteja louco por elas".
Aparentemente, a este pai não chega querer sê-lo, nada faz pensar que não seja competente para o ser, falta-lhe um emprego e uma casa.
A solução melhor será retirar-lhe a filha, mantê-la numa instituição e aguardar que chegue, se chegar, um processo de adopção?
Com que custos para a criança e para este pai?

domingo, 18 de dezembro de 2016

A FORMAÇÃO EM FILOSOFIA REVISTA EM ALTA

Nos tempos que correm julgo muito interessante que todas as vagas disponíveis nas licenciaturas em Filosofia no ensino público tenham sido preenchidas. É bom saber que as pessoas que agora iniciam a formação em Filosofia não se deixaram intimidar com as referências recorrentes à sua baixa utilidade e também baixa empregabilidade.
Na verdade, nos últimos anos emergiram discursos que de forma mais explícita ou implícita desvalorizam o papel desta área. Mesmo ao nível da investigação científica e do seu financiamento a área das Ciências Sociais foi arrasada pela crática negrura que se abateu sobre o tecido científico e de investigação em Portugal.
A visão centra-se quase que exclusivamente na empregabilidade e “utilidade” destas áreas científicas, as Ciências Sociais e as Humanidades.
As Universidades tendem a ser vistas uma escola profissional para as empresas o que assenta num equívoco tremendamente perigoso, confundir desenvolvimento tecnológico com desenvolvimento científico.
Este equívoco esteve claramente presente na política de Nuno Crato para a ciência e investigação com o esmagamento das Ciências Sociais e das Humanidades ou em discursos como do então Ministro da Economia, Pires de Lima quando afirmava com preconceito e ignorância que é preciso que a investigação (maioritariamente desenvolvida enquadrada pelas universidades) "se traduza em produtos, marcas e serviços que possam fazer a diferença no mercado e devolver à sociedade o investimento que fizemos".
Tal entendimento mostra mais uma vez a ignorância sobre a ciência, o seu desenvolvimento e o papel fundamental no desenvolvimento das sociedades, eliminando pura e simplesmente as ciências sociais e das humanidades, evidentemente inúteis por não criarem "produtos, marcas e serviços".
É evidente que a empregabilidade e a transferência de conhecimentos para o tecido económico são dimensões a considerar na organização da oferta formativa mas existe um conjunto vasto e imprescindível de formação universitária de que não podemos prescindir com o fundamento exclusivo no mercado de emprego. Podemos dar como exemplo justamente a Filosofia ou nichos de investigação que são imprescindíveis num tecido universitário e social moderno e que cumpra o seu papel de construção e divulgação de conhecimento e desenvolvimento em todas as áreas.
As universidades não podem ser o departamento de formação profissional das empresas.
Uma sociedade com gente formada e investigar nestas áreas é uma sociedade mais desenvolvida.

AINDA E SEMPRE A QUESTÃO DO CHUMBO ESCOLAR

Em entrevista ao DN a propósito da divulgação dos rankings escolares David Justino, presidente do Conselho Nacional de Educação, volta a afirmar “o benefício de uma retenção não compensa os danos pessoais e sociais que provoca. Há alunos que não aprendem ou não querem aprender, mas estes representam muito menos do que os quase 13% que todos os anos são retidos e igual proporção dos que desistem através do abandono precoce. O que é importante é contrariar essa cultura, proporcionando a todos os alunos oportunidades de aprender mais ajustadas ao seu perfil.
Considerando os discursos sobre esta questão e as práticas desenvolvidas em muitas escolas parece-me sempre oportuno insistir nesta ideia, chumbar, só por si e de forma geral, não melhora a qualidade do trabalho dos alunos e dos professores.
Recordo um estudo recente da Universidade Nova de Lisboa, "Será a Repetição de Ano Benéfica para os Alunos?" concluiu que reprovar alunas do 4.º ano com mau desempenho escolar tem um efeito positivo muito reduzido e, entre os rapazes, não traz qualquer vantagem.
Estes resultados estão em linha com também recente trabalho “Números, letras ou tubos de ensaio?” do CNE e da Fundação Manuel Francisco dos Santos.
A questão da retenção escolar em Portugal é objecto de muita discussão, diferenças de entendimentos e práticas e de alguns equívocos.
Insisto sempre que a questão é saber se os efeitos são positivos e não os critérios pelos quais se chumba um aluno.
Relembro um Relatório “Low-Performing Students - Why They FallBehind and How To Help Them Succeed” divulgado pela OCDE no início deste ano se evidencia que o “chumbo”, a retenção, é para os alunos portugueses o principal factor de risco para os resultados na avaliação posterior, dito de outra maneira, os alunos chumbam … mas não melhoram. O peso da retenção no nosso sistema escolar parece assentar na errada convicção de que a repetição só por si conduz ao sucesso.
Confesso sempre alguma surpresa e dificuldade em compreender quando ao discutir-se os efeitos pouco positivos da retenção, cerca de 150 000 alunos por ano, algumas vozes, mesmo dentro do universo da educação, clamam que se está a promover o "facilitismo" ou a defender que "então passam sem saber". A leitura das caixas de comentários da imprensa online a notícias sobre esta matéria é elucidativa e merecia ser analisada.
Como me parece evidente não é dada disto. Como exemplo, a Noruega tem uma taxa de retenção próxima do 0% e não consta que os alunos noruegueses passem sem saber, são, aliás, dos alunos com melhores resultados nos estudos comparativos internacionais.
Insisto. A questão é saber se o chumbo transforma o insucesso em sucesso. Não transforma, repetir só por repetir não produz sucesso, aliás gera mais insucesso conforme os estudos mostram.
Assim sendo, o que deve ser discutido e objecto de políticas adequadas será que tipo de apoios, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores e famílias desde o início da percepção de dificuldades com o objectivo de evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É necessário diversificar percursos de formação com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional. Importa ainda que as políticas educativas sejam promotoras de condições de sucesso para alunos e professores.
O número de alunos por turma em algumas escolas e agrupamentos, um modelo curricular extenso e prescritivo, uma cultura de competição e centrada quase que exclusivamente em resultados, os cortes no número de docentes que poderiam desenvolver dispositivos de apoio, são apenas alguns exemplos do que pode não se favorável à promoção de qualidade e sucesso.
Como é evidente este tipo de discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem sempre se resiste.
Assim sendo, o essencial é promover e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É fundamental não esquecer que o insucesso continua a atingir fundamentalmente os alunos oriundos de famílias com pior condição económica e social pelo que inibe o objectivo da mobilidade social, replicando o velho "tal pai, tal filho".
É necessário também diversificar percursos de formação com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional mas não em idades precoces criando percursos irreversíveis de "segunda" para os "sem jeito para a escola" e "preguiçosos".
A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.
É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar.
É o que não tem acontecido em Portugal.
Ponto.

sábado, 17 de dezembro de 2016

MULHER CORAGEM

Partiu a Professora Laura Ferreira dos Santos, uma lutadora com uma coragem que ilumina. Quero acreditar que partiu em paz com a luta que travou.

Morreu Laura Ferreira dos Santos, “pioneira na defesa da despenalização da eutanásia”

OS RANKINGS MOSTRAM TUDO. BEM, QUASE TUDO

Aí está o produto sazonal que dá pelo nome de “rankings escolares”.
Não tenho nenhuma atitude fundamentalista face à sua construção, sobretudo considerando a evolução que se tem verificado nos últimos anos, quer na disponibilização de informação por parte do ME para além dos “meros” resultados da avaliação externa, quer na forma como essa informação é tratada e divulgada por diferentes entidades.
E a verdade é que os rankings mostram tudo.
Mostram que genericamente as escolas privadas apresentam melhores resultados e que também existem escolas privadas com resultados mais baixos.
Mostram que a maioria das escolas que mais discrepância apresentam entre a avaliação externa e a avaliação interna, sendo esta "inflacionada", são privadas. 
Mostram que existem escolas públicas com bons resultados e escolas públicas com resultados menos bons.
Mostram que existem escolas que face ao contexto sociodemográfico que servem conseguem bons resultados ou, pelo menos, progresso no trajecto dos alunos e que existem escolas públicas que ainda não conseguem contrariar o destino de muitos dos seus alunos. Aliás, até existe uma “escola de maioria africana” que ficou entre as “10 primeiras a Português”. Uma “escola de maioria africana”?!
Mostram que existem muitos alunos que, por várias razões inclusivamente por convite das escolas que desistem das disciplinas, entram numa espécie de clandestinidade  a que se chama aluno “externo” ou “autoproposto” pelo que  o olhar sobre os rankings deve ser cauteloso.
Mostram que o nível de retenção é elevado e que o recurso à retenção não faz subir os resultados dos alunos.
Mostram que a menor dimensão das turmas pode em escolas em contextos menos favoráveis promover a melhoria de resultados.
Mostram que a tradição ainda é o que era, pais (mães) mais escolarizados, têm, potencialmente, filhos com melhores resultados.
Mostram que a escola, os professores, fazem a diferença.
Mostram ainda que se continua a falar de “melhores escolas” e “piores escolas” enviesando as várias leituras possíveis.
Mostram que …
Enfim, os rankings mostram tudo, só não mostram o que se fará a seguir com a informação que os rankings mostram. Na verdade, também não mostram o que não se pode medir mas se pode avaliar e que é tão essencial como o que se mede.
Uma nota final, eu sei que é o mercado a funcionar mas continuo embaraçado com a inserção de publicidade a escolas privadas e ao ensino privado nos suplementos dos jornais dedicados aos rankings.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

"A OPERAÇÃO PISA". AINDA UMA OUTRA VISÃO

O texto de António Guerreiro no Público, "A operação PISA", merece leitura e reflexão, de preferência sem preconceito e com racionalidade informada sobre o que é conhecido relativamente a este dispositivo de avaliação.
O excerto final para aguçar a motivação.
...


VÊM AÍ OS RANKINGS ESCOLARES

Está no tempo e entramos em contagem decrescente. Alguma imprensa já o anuncia, amanhã conhecer-se-ão os rankings escolares que alguns órgãos de comunicação social preparam em parceria com instituições universitárias.

Muito se tem evoluído na informação disponibilizada pelo ME e na forma como é tratada.
Sobre os rankings escolares já se escreveu imenso. Sobre o seu impacto maior ou menor, sobre a sua construção, sobre a própria existência, sobre os seus resultados. Eu próprio já o fiz a convite do Público.
Mas muito mais ainda há, não tanto para escrever, mas, sobretudo, para pensar em termos de política educativa que ao longo de décadas alimenta a situação que os rankings retratam, no que de mais positivo como no que de mais negativo existe. Era este o caminho que desejava ver percorrido.
Este ano aguarda-se que seja integrada e considerada uma nova dimensão, o trajecto dos alunos, que introduzirá uma outro olhar sobre as escolas permitindo uma outra forma de análise comparativa.
No entanto, embora entenda que a informação relativa aos resultados dos alunos possa e deva ser tratada e divulgada, a minha questão é “Qual tem sido o contributo significativo da organização e divulgação destes “rankings” para a melhoria da qualidade do sistema?”
A partir das 0 horas de sábado teremos os dados. Veremos o que trazem.