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quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

OS CUSTOS DA DEFICIÊNCIA

Está em consulta pública uma proposta do Governo que entre outros aspectos revê os dispositivos e montantes dos apoios sociais a pessoas com deficiência. As medidas propostas abrangerão um número estimado de 120 000 pessoas dos quais 50 000 não acedem actualmente a qualquer subsídio.
Uma primeira fase de alterações entrará em vigor em Outubro de 2017 e em 2018 completar-se-á o ciclo de ajustamento.
Apesar de muitas vezes ver referências  à corrida de obstáculos em que se transforma a vida das pessoas com deficiência e das suas famílias, é menos abordado o que poderemos chamar os custos da deficiência que são de natureza variada e muito elevados.
Neste sentido, a revisão dos dispositivos de apoio social é uma necessidade urgente.
Retomo algumas notas por referir um ensaio recente da Fundação Francisco Manuel dos Santos. “Pessoas com deficiência em Portugal” em que se analisa os problemas e contextos de vida da população com deficiência nas últimas décadas. Segundo o autor, Fernando Fontes, da Universidade de Coimbra, “Desde os anos 1980, as mudanças reais nas vidas das pessoas com deficiência em Portugal têm sido mínimas: os benefícios sociais são insuficientes para elevar a vida das pessoas acima da linha de pobreza, os problemas no acesso ao emprego mantêm-se e continuam a ser excluídas por um sistema de ensino que não considera as suas necessidades e por um mercado de trabalho que exclui a diferença”.
Recordo um relatório, "Monitorização dos Direitos Humanos das Pessoas com Deficiência em Portugal", divulgado em 2014 no âmbito da terceira conferência anual da Associação Europeia de Estudos da Deficiência, indiciando a existência de empresas que usam indevidamente os apoios estatais para a contratação de pessoas com deficiência obrigando estes trabalhadores a estágios sucessivos e a uma situação de precariedade. Este expediente é, aliás usado com outros grupos, jovens, por exemplo.
Nada de novo. Num mercado fortemente desregulado e em "flexibilização" acelerada, os direitos das pessoas ou a lei são irrelevâncias formais.
Em contextos de maiores dificuldades e dados os níveis fortíssimos de desemprego os grupos mais vulneráveis são duplamente penalizados, pela sua condição e situação de vida e por mercados e empregadores sem alma, desregulados que apenas conhecem "activos" descartáveis e a explorar e não pessoas.
No caso particular das pessoas com deficiência é também de recordar que O “Estudo de avaliação do impacto dos planos de austeridade dos Governos europeus sobre os direitos das pessoas com deficiência”, coordenado pelo Consórcio Europeu de Fundações para os Direitos Humanos e a Deficiência conhecido no final de 2013, traçou um retrato devastador do impacto que as políticas de austeridade e a crise económica tiveram e têm nas condições de vida das pessoas com deficiência e, naturalmente, das suas famílias. Este impacto, muito diferenciado de acordo com as idades e problemáticas envolvidas, compromete seriamente os direitos básicos em matéria de educação, saúde, trabalho e apoios sociais. Em todas as áreas os cortes orçamentais têm efeitos pesadíssimos, sendo que as pessoas com deficiência em Portugal têm uma taxa de risco de pobreza 25% superior à das pessoas sem qualquer deficiência.
Como sempre não posso deixar de retomar algumas notas sobre esta matéria que não são informadas por qualquer discurso de natureza paternalista ou assistencialista, mas colocadas num plano de direitos humanos, de discriminação positiva de pessoas em situação particularmente vulnerável e na não-aceitação do princípio de que equidade significa igualdade.
Talvez alguns decisores políticos não saibam, por exemplo, que o desemprego no grupo social das pessoas com deficiência terá aumentado cerca de 70 % face a 2011, e estima-se que ronde os 75 %, uma taxa catastrófica.
Sabemos que os recursos são finitos e os tempos de contenção, mas pode-se afirmar que para as pessoas com deficiência os tempos sempre foram de recursos finitos e de contenção, ou seja, as dificuldades são recorrentes e persistentes.
Um estudo realizado, creio que em 2010, pelo Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, apontava para que uma pessoa com deficiência tenha um gasto anual entre 6 000 e 27 000 € decorrentes especificamente da sua condição e considerando diferentes quadros de deficiência. Este cálculo ficou incompleto porque os investigadores não conseguiram elementos sobre os gastos no âmbito do Ministério da Saúde.
O estudo, para além das dificuldades mais objectiváveis, referenciou ainda os enormes custos sociais, não quantificáveis facilmente, envolvidos na vida destes cidadãos e que têm impacto no contexto familiar, profissional, relacional, lazer, etc.
Creio também que é justamente no tempo em que as dificuldades mais ameaçam a generalidades das pessoas que se avoluma a vulnerabilidade das minorias e, portanto, se acentua a necessidade de apoio e de políticas sociais mais sólidas, mais eficazes e, naturalmente, mais reguladas.
Os números sobre o desemprego nas pessoas com deficiência são dramaticamente elucidativos desta maior vulnerabilidade. A vida de muitas pessoas com deficiência é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, em variadíssimas áreas como mobilidade e acessibilidade, educação, emprego, saúde e apoio social, em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são enormes. Assim sendo, exige-se a quem decide uma ponderação criteriosa de prioridades que proteja os cidadãos dos riscos de exclusão, em particular os que se encontram em situações mais vulneráveis.
As pessoas com deficiência e as suas famílias fazem parte deste grupo.

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