AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

A SAGA DOS "DRS. DA MULA RUÇA"

Continua a narrativa dos actores políticos, figuras menores por mais importantes que sejam, que compõem os seus relevantes currículos com licenciaturas obtidas de forma enviesada, por assim dizer,  inexistentes ou até com a patética referência “frequentei a universidade mas não acabei o curso porque tinha muito que fazer".
Basicamente, estes "Drs." ou "Engs." terão feito a sua formação universitária nas Universidades de verão montadas pelo aparelhismo partidário, especializam-se em alpinismo político com sólidas carreias dentro desses aparelhos e integram como especialistas e assessores os inúmeros gabinetes da administração central ou local.
Parece-me bem, um país não pode, não deve, desperdiçar os seus mais talentosos e preparados cidadãos. Nesta perspectiva, tenho até alguma dificuldade em compreender porque se demitem, perdão, pedem a exoneração.
Não estando nas funções que desempenham pela formação adquirida, não a adquiriram, só pode ser por outros talentos de que são detentores. Estes talentos não deveriam ser desperdiçados.
Enfim, relvices e outras manhosices do Portugal dos Pequeninos em que ser doutor ou engenheiro é frequentemente visto como uma condição necessária e importante para usar colada ao nome e passar a fazer parte da identidade.
Este cenário alimenta-se de contextos desregulados pela falta de arquitectura ética de parte das nossas lideranças, da referida a importância social atribuída ao "canudo de Dr." e menos ao conhecimento, e a promiscuidade de interesses e dos lóbis (aliás, uma das 4 cadeiras feitas pelo "Dr." Miguel Relvas) que promove muitos casos de trânsito entre universidades privadas, e não só, e a classe política, sendo muito frequente que uma figura qualquer com currículo partidário ou a ocupação de um cargo político passe em seguida a “Professor universitário” sem currículo nem competência que o justifique, mas de cuja ligação se espera que todos ganhem, seja lá o que for.
Quando era miúdo ouvia com frequência uma expressão que era dirigida a quem se queria “armar” no que não era, chamavam-lhe “doutor da mula ruça”. É o caso destes “doutores da mula ruça”.

23 MILHÕES DE CRIANÇAS POBRES NA EUROPA. E O FUTURO?

De acordo com um estudo do European Institute for Gender Equality, ontem divulgado. a Europa tem mais pobres do que em 2010, cerca de 122 milhões de pessoas em 2014 e 23 milhões são crianças. Os grupos de maior risco de pobreza são os jovens, pessoas sós, migrantes, pessoas com deficiências e famílias com três ou mais filhos.
Recordo que no início do deste mês foi também conhecido um trabalho da Fundação Bertelsmann, "Social Justice in the EU – Index Report 2016 Social Inclusion Monitor Europe" que já com dados de 2015 apontava para cerca 25,2 milhões de crianças e adolescentes, 26.9% da população, em risco de pobreza ou exclusão social nos 28 países da União Europeia.
Nos países do Sul a situação é mais grave, afecta um em cada três.
A estes dados acresce que 4.6 milhões de jovens entre os 15 e os 24 anos, 20.4%, estão sem emprego sendo a taxa superior nos países mais afectados pela crise. Temos também que 17,3% dos jovens da UE entre os 20 e os 24 anos não estudavam nem trabalhavam.
Ainda uma referência final para sublinhar que o risco de pobreza afecta mesmo em pessoas com trabalho remunerado decorrente de abaixamento de salários, precariedade ou outras formas “atípicas” de emprego.
Como já escrevi, estamos num tempo de perplexidade dúvida face ao crescimento de discursos populistas e demagógicos, apelando à intolerância, ao xenofobismo e a valores de direita radical. A recente eleição de Trump, o que se tem vindo a passar na Europa do Norte, Central ou na América do Sul tal como o “Brexit” são exemplos deste caminho que nos deixa inquietos face ao futuro.
Acontece que provavelmente este caminho se alimenta no cenário descrito em cima.
Milhões de excluídos e pobres e de jovens sem presente e sem futuro são um alvo fácil para os discursos populistas radicais. As sementes de mal-estar que estes milhões de pessoas incubam desde criança são muito facilmente capitalizadas e mobilizadas.
Como tantas vezes tenho afirmado, a mediocridade da generalidade das lideranças e o que lhes permitimos fazer criaram a actual União (?!) Europeia onde, grosso modo, 25% da sua população mais nova e 18% da sua população mais velha é pobre ou corre risco de exclusão e pobreza.
É aqui que nasce o que nos assusta.
Não quero fazer concorrência aos politólogos mas parece-me claro que um projecto europeu só sobrevive assente numa Europa para as pessoas, com políticas sociais que combatam assimetria, desigualdade, exclusão e pobreza.
É esta a batalha que não podemos perder.

terça-feira, 29 de novembro de 2016

AINDA OS RESULTADOS DOS ALUNOS DO 4º ANO NO TIMSS

Voltando ao TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study) um olhar breve sobre os resultados.
Como é sabido Portugal participou neste estudo em três edições, 1995, 2011 e 2015.
Sendo que o ponto de referência da escala é 500 pontos, entre 1995 e 2011 os alunos portugueses do 4º subiram 90 pontos em Matemática, de 432 para 522. Em 2015 subiram 9 pontos para 531, estando na 13ª posição. Em Ciências a subida entre 1995 e 2011 foi de 70 pontos, de 452 pontos para 522. No entanto, em 2015 verificou-se uma descida de 14 pontos, baixando-se para a 32ª posição.
Deve sublinhar-se que Portugal registou a maior subida global a Matemática entre 1995 e 2015.
São ainda de referir e dentro do que é esperado resultados superiores dos alunos das escolas privadas, melhores resultados dos rapazes, a existência de assimetrias regionais que importa estudar e padrões de maior fragilidade na aplicação dos conhecimentos e resolução de problemas que solicitam análise e dispositivos de ajustamento.
Não me parece muito relevante a já iniciada tentativa de apadrinhar os resultados, sobretudo a Matemática. Uns fazem-nos assentar nos efeitos do Plano de Acção para a Matemática de Maria de Lourdes Rodrigues, outros olham para a aposta nos saberes “estruturantes” e no “rigor avaliativo” de Nuno Crato. Não estranho, a educação é um terreno habitual e tentador para o jogo de interesses da partidocracia mas a avaliação da educação e formação de uma geração de alunos é bem mais do que estes resultados. Eu sei que as políticas educativas são relevantes, evidentemente, mas são apenas uma variável ainda que central de um processo que complexo e multidimensionado.
Parece-me mais pertinente sublinhar o bom trabalho de alunos e professores, a necessidade de atentar na descida dos resultados em Ciências contrária à tendência verificada noutros países, identificando e divulgando boas práticas e definindo dispositivos de apoio diferenciados e também analisar a definir estratégias face ao padrão de dificuldades emergente em Matemática e que não é inédito.
Julgo ainda que talvez os resultados do PISA que irão ser também revelados no final deste ano forneçam indicadores complementares úteis também para melhor compreender e ter uma perspectiva integrada face aos dados agora conhecidos no TIMSS. 

PROFESSORES EMPENHADOS

Foram divulgados os resultados relativos a 2015 do estudo comparativo internacional TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study) realizado pela International Association for the Evaluation of Educational Achievement (IEA)  avaliando a área de Matemática e Ciências nos alunos de 4º ano.
Numa primeira nota breve para registar que 88% dos alunos portugueses demonstram um “elevado” sentimento de pertença face à escola e consideram os seus professores como “muito empenhados”.
Na verdade, se considerarmos os tempos atribulados que a escola tem vivido, em particular no período em análise, é fundamental registar o trabalho dos professores na promoção de bom clima de sala de aula e de melhor desempenho nas aprendizagens.
Os resultados merecem um outro comentário mas num clima de desvalorização dos professores, de crispação e perda no seu universo profissional, merece desde já registo o seu sentido ético, profissional e competência que permite que os alunos do 4º ano considerem de forma esmagadora os seus professores como empenhados e muitos empenhados e revelem sentimentos positivos face à escola.
Recordo sempre uma afirmação de 2000 do Council for Exceptional Children, "O factor individual mais contributivo para a qualidade da educação é a existência de um professor qualificado e empenhado".
É saber que assim é.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

A TERNURA DO MESTRE ZÉ

Não há vida que se cumpra e percorra sem o apoio ou suporte de alguém, na verdade de muitos “alguéns".
Nos últimos anos, no Alentejo, a minha vida e a da família tem contado como o apoio o suporte de um Homem, o Mestre Zé marrafa, de quem várias vezes aqui conto histórias e que traz todo o Alentejo nos seus setenta e quatro anos.
Sabe de tudo o que respeita à Terra, às modas e ao Cante. Nunca o vi de mal com a vida e há sempre uma léria e um riso.
É Mestre no ensinar e temo-nos esforçado por aprender. Ele acha que eu chego lá mas ainda me falta ser capaz de charruar terra a direito, sem entortar o rego. Eu creio que ainda me falta bastante mais mas ele é generoso.
Este fim-de-semana o Mestre chegou ao Monte com duas obras, dois cajadinhos, para os meus netos.
O Mestre Zé Marrafa é dos que entende que os gaiatos devem ter sempre um apoio por perto. Pode também ser o apoio de um cajadinho feito pela ternura do Mestre Zé Marrafa.
O Simão e o Tomás vão ser capazes de agradecer o cajadinho ao Mestre Zé Marrafa.
Eu já lhe agradeci o que fez para mim há já uns anos.

SEMINÁRIO "ANTES E DEPOIS DA ESCOLA" - NOTAS DA CONVERSA

No fim da semana que passou participei num Seminário promovido pela Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial e da Associação Pais em Rede sobre o tema “Na Escola e depois da Escola” no que respeita a alunos NEE.
Deixo aqui umas notas de suporte à conversa que realizei.
Uma pequena referência inicial ao cenário pós-escolar – desemprego estimado entre a população com deficiência 70/75% - risco de pobreza 25% superior nas pessoas com deficiência – poucos alunos com deficiência no ensino superior e nas escolas profissionais
Os dados sugerem que muitos alunos “transitam” para a vida activa mas não ficam – passam mesmo por ela em trânsito.
. A função do percurso de educação/formação é justamente a construção de um projecto de vida
(exemplo da tese de mestrado – 13 adultos com pc – 2 empregados, 3 desempregados e os outros nunca trabalharam – 3 com ensino superior – 9 institucionalizados)
Parece claro o enorme desafio e a questão começa antes, mesmo antes dos 15 anos – algumas inquietações e utopias
Quando falamos de inclusão falamos sem equívocos ou dúvidas de:
SER
ESTAR
PARTICIPAR
PERTENCER
APRENDER
E de dois princípios – AUTODETERMINAÇÃO – INDEPENDÊNCIA E AUTONOMIA
- Qual a situação neste entendimento? Muito a fazer.
- Que regulação do sistema – latitude de práticas – regularmente recebo relatos, alguns verdadeiramente inquietantes
Uma outra inquietação – o currículo
- O currículo é uma ferramenta fundamental de promoção de inclusão - a sua concepção e conteúdos devem ser adequados no sentido de acomodar a diversidade dos alunos.
- O modelo curricular actual e a sua gestão cumprem esta função? Não, não cumprem
Currículo Específico Individual – deve existir? Não, não faz sentido e muito menos faz sentido a existência de “turmas de CEIs(?!) (Aliás, como afirmo desde que surgiu, nem se entende  o “conceito”, um currículo “individual” não será “específico”?)
Que função cumpre uma matriz curricular que estabelece que na “Formação académica” os objectivos devem ser definidos pela escola e ter como referência os currículos nacionais e na área da “Capacitação” define como objectivos “vestir-se” ou “alimentar-se” (para alunos de 15 anos?!).
Por outro lado e no mesmo plano estão definidos objectivos de natureza e complexidade bem diferentes?
A questão da funcionalidade - a dimensão de funcionalidade não deve ser uma característica de qualquer currículo? Alguns dos entendimentos de funcionalidade podem traduzir-se em actividades pouco adequadas e muito menos inclusivas.
A Unidades especializadas - Quem verdadeiramente as frequenta? Promovem inclusão?
(dados de trabalhos que tenho desenvolvidos são pouco animadores) De novo a questão da regulação.
Finalmente - Depois da escolaridade obrigatória os jovens, todos os jovens, têm três vias.
- Formação profissional – escolas profissionais
- Percurso escolar – ensino superior
- Mercado de trabalho – Actividade comunitária
O trajecto pós-escolar dos jovens com NE tem que ser, imperativamente, uma destas três vias
A resposta “institucionalização” não pode ser vista como uma outra via e prevalecente – é uma resposta a um número muito pequeno que deve ser regulada e apoiada de acordo, também com critérios de inclusão.
As instituições poderão, deverão, assumir uma responsabilidade clara e monitorizada no apoio ao acesso e percurso dos jovens com NE nas três vias comuns? Como avançar neste sentido? Quem tutela?
Como disse de início, esta foi uma das circunstâncias em que senti maior dificuldade senti em preparar algo de estruturado e que pudesse, imodestamente, ser um contributo positivo para um caminho que tantas vezes me, nos, desencanta, mas que do qual não conseguimos sair.
Temos, creio, isso sim, de fazer diferente.
O empenho, a competência e as boas práticas que existem para terem efeitos multiplicadores, alargados e persistentes podem não ser suficientes.
O copo estará meio cheio … mas não podemos esquecer a parte que está meio vazia.

domingo, 27 de novembro de 2016

O FIM DA HISTÓRIA. CUSTOS?

Após cinco semanas de polémica, António Domingues demitiu-se da Caixa

O fim de uma história de que nenhum dos actores se sai bem e que não podia ter acontecido. Resta saber os custos desta novela manhosa.
Quam os pagará sabemos.

BRINCAR É A ACTIVIDADE MAIS SÉRIA QUE AS CRIANÇAS REALIZAM

O Natal aproxima-se. Entre outros aspectos, a época de Natal caracteriza-se por uma valorização temporária dos brinquedos e do brincar.
Digo temporária porque brincar e brinquedos têm vindo a ficar arredados da vida dos mais novos.
Estes empos que não são de brincar, são de trabalhar, muito, em nome da competitividade e da produtividade, condição para a felicidade, entendem alguns. Roubaram aos miúdos o tempo e o espaço que nós tínhamos e empregam-nos horas sem fim nas fábricas de pessoas, escolas, chamam-lhes. Aí os miúdos trabalham a sério, a tempo inteiro, dizem, pois só assim serão grandes a sério, dizem também.
Às vezes, alguns miúdos ainda brincam de forma escondida, é que brincar passou a uma actividade quase clandestina que só pais ou professores “românticos”, “facilitistas”, “eduqueses” ou “incompetentes” acham importante.
Muitos outros miúdos vão para umas coisas a que chamam “tempos livres”, que de livres têm pouco, onde, frequentemente, se confunde brincar com entreter e, outras vezes, acontece a continuação do trabalho que se faz na fábrica de pessoas, a escola.
Também são encaixados em dezenas de actividades fantásticas, com nomes fantásticos, que promovem competências fantásticas e fazem um bem fantástico a tudo e mais alguma coisa.
Era bom escutar os miúdos. Se perguntarem aos miúdos, vão ficar a saber que brincar é a actividade mais séria que eles fazem, em que põem tudo o que são, sendo ainda a base de tudo o que virão a ser.
Vem este texto a propósito de uma peça no Público sobre duas empresas que em Portugal produzem brinquedos, um bem de primeira necessidade. Uma mais antiga, a Majora, felizmente recuperada da falência (lá está, brinquedos não são produtos interessantes) que reaparece com muitos dos brinquedos e jogos que acompanharam a infância de muitos de nós.
A outra referência a uma empresa mais moderna, a Science4you, mais voltada para os tempos actuais e para a ligação entre a ciência e os brinquedos.
Num clima em que o tempo para brincar vai rareando importa sublinhar a importância dos brinquedos.
O brincar da infância vai-se encurtando, algum dia os miúdos vão nascer crescidos para já não precisarem de brincar.
No entanto, como sempre digo, brincar é a coisa mais séria que as crianças fazem. No brincar põem tudo o que são, sendo ainda a base de tudo o que vão ser.

DELINQUÊNCIA E INDISCIPLINA ESCOLAR

Dados do MAI ontem conhecidos mostram o aumento do registo de ocorrências criminais em contexto escolar no ano lectivo 2015/2016. Este aumento vem na linha do verificado em anos anteriores.
Trata-se de um universo complexo e, como tudo em educação, sem situações milagrosas.
Como é sabido e reconhecido a instituição escola é de alguma forma um espelho das comunidades em cada momento da história pelo em comunidades com índices de criminalidade significativos, com níveis de desesperança e dificuldades, com alterações nos quadros de valores, não será estranho que tal clima se reflicta no contexto escolar.
No entanto, a escola não pode ser responsabilizada e considerada competente por e para todo o universo de problemas nos comportamentos dos mais novos. Para situações de pré-delinquência ou perturbações do comportamento, por exemplo, pode, evidentemente, dar contributos mas não assumir a responsabilidade pelo que importa clarificar a análise.
Neste sentido, importa definir dimensões diferentes ainda que associadas, a delinquência verificada em contexto escolar ou nas proximidades e a indisciplina escolar que, aliás também parece em crescimento
Neste quadro tal como nos resultados escolares, também se deseja que a escola possa fazer a diferença em matéria de comportamentos.
Para que tal possa acontecer é necessário mais do que o desejo, a retórica e a boa vontade e empenho de direcções, professores, técnicos, funcionários, alunos e pais.
Algumas notas avulsas e sem hierarquia de importância.
Apesar de sabermos que o trabalho desenvolvido no âmbito da Formação Cívica seria pouco interessante em algumas escolas o seu desaparecimento dos conteúdos curriculares obrigatórios não poderia ter acontecido.
Muitas escolas procuram desenvolver projectos e iniciativas neste âmbito mas faltam recursos docentes e técnicos.
Nos espaços curriculares existentes dificilmente cabem abordagens mais diferenciadas face à pressão decorrente de programas demasiado extensos e prescritivos. A esta situação acresce o número de alunos por turma que se verifica em muitos territórios educativos apesar das habilidades na referência a rácios que não espelham a realidade. Não é certamente por acaso que na generalidade das instituições de ensino privado que conheço continuam a existir espaços curriculares e actividades dedicadas à formação pessoal dos alunos a existir mas o desinvestimento na escola pública tem, evidentemente, consequências.
Faltam professores que possam desenvolver projectos com impacto nos comportamentos dos alunos, faltam técnicos, psicólogos por exemplo que podem ser um contributo para minimizar risco de comportamentos desajustados e mediar o trabalho com famílias.
Faltam funcionários, assistentes operacionais, que com alguma formação permitam melhor acompanhamento de recreios e outros espaços escolares minimizando o risco de comportamentos desajustados.
Falta uma menor carga burocrática em cima do trabalho de docentes e um clima de maior serenidade nas escolas, uma variável reconhecidamente com impacto nos comportamentos de todos os que nela vivem.
Procurar responder desde cedo aos riscos de comportamento socialmente inadequado o que é um investimento com retorno garantido.

No entanto, como sempre, é uma questão de opção política.

sábado, 26 de novembro de 2016

POLÍTICA E PERPLEXIDADE

O momento político actual tem sido caracterizado por algumas surpresas. Contrariando sondagens, ensaios, previsões, opinadores e politólogos emergem situações surpreendentes, recorde-se o Brexit e mais recentemente a eleição de Trump nos Estados Unidos.
No entanto, mais surpreendente ainda é que a geringonça que nos governa aguentou um ano e, perplexidade das perplexidades, a coisa não está a correr mal mesmo na opinião de surpreendidas e desagradadas entidades como Comissão Europeia, agências de rating, Presidência da República e  até daquela coisa indefinida e tenebrosa que dá pelo nome de Mercados.
Só pode mesmo ser coisa do Diabo, ele anda aí.

A ESCOLA FAZ A DIFERENÇA

Referência a uma colaboração no Expresso num trabalho sobre  os rankings escolares e novos dados disponibilizados pelo ME a serem considerados na sua elaboração.
(...) "A escola tem de fazer a diferença, contrariar o destino e permitir mobilidade social. Mas as que servem populações mais vulneráveis não podem responder com os mesmos recursos e da mesma forma que as restantes. Têm de ter autonomia e meios." (...)


sexta-feira, 25 de novembro de 2016

A SAÚDE MENTAL DOS PORTUGUESES REVISTA EM BAIXA

Em estudo realizado por Caldas de Almeida, presidente do Lisbon Institute of Global Mental Health, a apresentar no Fórum Gulbenkian de Saúde Mental, com o tema “Crises Socioeconómicas e Saúde Mental: da Investigação à Acção”, comprova-se a relação entre a situação de crise económica e de dificuldades das famílias com a saúde mental.
Em 2008, a prevalência de doenças mentais na população portuguesa era de 19,8%,  em 2015 subiu para 31,2%.
Segundo o autor, “Confirma-se que, de facto, os determinantes económicos e financeiros têm uma influência muito grande na saúde mental das pessoas”.
Os dados, na linha de outros estudos, mostram também que no mesmo período subiu significativamente o consumo de psicofármacos, designadamente, de antidepressivos e ansiolíticos. O estudo mostra ainda que uma percentagem muito significativa dos inquiridos teve dificuldade em assumir os custos dos cuidados de saúde. Apenas 40% teve acesso aos cuidados de saúde adequados.
Os indicadores não surpreendem. Estudos divulgados em 2016 realizados pela Universidade Coimbra dos quais releva um aumento da procura das consultas de psiquiatria e o aumento de alguns quadros de problemas, designadamente, a referência à intenção de cometer suicídio, entre outros aspectos. Os estudos estabelecem também alguma associação entre este aumento e a degradação das condições de vida das famílias pois foram os grupos sociais mais atingidos os que justamente mais procuraram apoio.
Nada de surpreendente, é reconhecida alta prevalência de problemas de saúde mental e ainda mais evidente o fortíssimo consumo de psicofármacos por parte dos portugueses.
Recordo que o Relatório Portugal – Saúde Mental em Números 2014, na linha dos dados dos últimos anos, evidenciava o peso fortíssimo que as patologias no âmbito da saúde mental têm no âmbito da designada carga global de doença.
Estima-se que as perturbações do foro psiquiátrico afectem mais de um quinto dos portugueses, 22.9%, umas das taxas mais altas da Europa. O Relatório sublinha a inexistência de respostas ajustadas, equipas comunitárias de saúde mental por exemplo, o que potencia o recurso aos fármacos mesmo em situações não recomendáveis clinicamente. Este recurso excessivo à medicação torna-nos num dos maiores consumidores de psicofármacos com custo económicos brutais.
A propósito recordo que de acordo com o relatório "Portugal Saúde Mental em Números 2013", só 16,2% das pessoas com perturbações mentais ligeiras e 33,8% das que sofrem de perturbações moderadas recebem tratamento em Portugal.
São também referidas no Relatório de 2014 as dificuldades de resposta em saúde mental para crianças e adolescentes levando, por exemplo, a que em muitas situações os internamentos neste grupo etário ocorram em serviços vocacionados para adultos algo que, evidentemente, não deveria acontecer.
Num cenário de retracção dos investimentos nas políticas de saúde que tantas vezes referi no Atenta Inquietude, a experiência tem mostrado que a doença mental é, nas mais das vezes, um parente pobre no universo das políticas de saúde.
Quando a pobreza das pessoas aumenta e a pobreza dos meios e recursos também aumenta, o quadro é ainda mais grave.

A INDOMESTICÁVEL VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

O calendário das consciências determina para hoje o Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres. Umas notas.
Nos últimos 12 anos foram assassinadas mais de 450 mulheres em Portugal e 526 foram alvo de tentativas de homicídio. Entre Janeiro e Novembro deste ano já ocorreram 22 homicídios e 23 tentativas no âmbito de situações de violência doméstica.
O mundo da violência doméstica é bem mais denso e grave do que a realidade que conhecemos, ou seja, aquilo que se conhece, apesar de recorrentemente termos notícias de casos extremos, é "apenas" a parte que fica visível de um mundo escuro que esconde muitas mais situações que diariamente ocorrem numa casa perto de si.
Por outro lado, para além da gravidade e frequência com que continuam a acontecer episódios gravíssimos de violência doméstica é ainda inquietante o facto de que alguns realizados em Portugal evidenciam um elevado índice de violência presente nas relações amorosas entre gente mais nova mesmo quando mais qualificada. Muitos dos intervenientes remetem para um perturbador entendimento de normalidade o recurso a comportamentos que claramente configuram agressividade e abuso ou mesmo violência.
Importa ainda combater de forma mais eficaz o sentimento de impunidade instalado, as condenações são bastante menos que os casos reportados e comprovados, bem como alguma “resignação” ou “tolerância” das vítimas face à situação de dependência que sentem relativamente ao parceiro, à percepção de eventual vazio de alternativas à separação ou a uma falsa ideia de protecção dos filhos que as mantém num espaço de tortura e sofrimento.
Nesta perspectiva, torna-se fundamental a existência de dispositivos de avaliação de risco e de apoio como instituições de acolhimento acessíveis para casos mais graves e, naturalmente, um sistema de justiça eficaz e célere.
Torna-se ainda necessário que nos processos de educação e formação dos mais novos possamos desenvolver esforços que alterem quadros de valores, de cultura e de comportamentos que minimizem o cenário negro em que vivemos. A educação é arma mais poderosa de transformação do mundo como sabiamente afirmava Mandela. No entanto, como é sabido, a formação cívica deixou de ser um conteúdo e área curricular obrigatória.
A omissão ou desvalorização desta mudança é a alimentação de um sistema de valores que ainda “legitima” a violência nas relações amorosas, que a entende como “normal”.
Tudo isto tem como efeito a continuidade dos graves episódios de violência que regularmente se conhecem, muitos deles com fim trágico.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

UM RAPAZ CHAMADO SE ELE QUISESSE

Era uma vez um rapaz chamado Se Ele Quisesse. Desde pequeno que ouvia os pais a afirmarem que Se Ele Quisesse seria capaz de fazer tudo o que pediam de forma adequada.
Quando entrou na escola dos pequenos a educadora também começou a achar que Se Ele Quisesse tranquilamente aprenderia o necessário e realizaria as tarefas com perfeição e sem dificuldades.
Posteriormente, durante o resto do tempo de escola, as conversas dos professores passavam, invariavelmente, pela afirmação de que Se Ele Quisesse não teria nenhuma dificuldade em aprender as diferentes matérias nem a apresentar bons resultados, pois, Se Ele Quisesse, não tem nenhuma espécie de dificuldades que o impeçam de ser bem-sucedido.
Lamentavelmente, nunca ninguém se lembrou de perguntar ao Se Ele Quisesse porque é que ele não queria.

MAIS TRABALHO OU MELHOR TRABALHO?

O Público aborda hoje uma matéria que me parece actual e bastante relevante. Contrariamente ao que se verifica noutros países europeus, em Portugal estamos a assistir ao aumento da carga horária média no mundo laboral. É citado um estudo realizado pela AESE-Business School segundo o qual 53% dos inquiridos trabalha mais do que a carga horária semanal média.
O padrão utilizado é definição da OCDE que estabelece 48 horas como limite máximo sendo que a maioria dos portugueses inquiridos refere 54.
Esta situação tem repercussões negativas ao nível da saúde e das relações familiares.
Parece claro que a tão afirmado problema da produtividade é, fundamentalmente uma questão de melhor trabalho e não de mais trabalho. Aliás, conhecem-se estudos neste sentido e podemos reparar o que se passa noutros países com cargas de horários laborais semelhantes à nossa.
Por outro lado, existem factores menos considerados e que do meu ponto de vista desempenham um papel fundamental, a organização do trabalho, a qualidade dos modelos de organização e funcionamento, no fundo, a qualidade das lideranças nos contextos profissionais. O nível de desperdício no esforço, nos meios e nos processos em alguns contextos laborais é extraordinariamente elevado. Mais tempo nas organizações é o modo mais fácil mas menos eficiente de responder às necessidades de produtividade.
A este propósito um diálogo improvável

Bom dia, venho apresentar uma queixa.
Com certeza, contra quem?
Contra muita gente.
Será, portanto, contra incertos. E apresenta queixa porquê?
Por roubo, roubaram-me tempo.
Muito bem, então roubaram-lhe tempo. Por favor, pode explicar um pouco melhor para eu poder registar a situação.
Eu já não tinha muito tempo porque nunca fui uma pessoa muito rica de tempo, mas o pouco que tinha roubaram-me. Fiquei sem tempo para estar com os meus filhos e brincar com eles. Este tempo faz-me muita falta, os miúdos andam tristes porque desde que me roubaram o tempo não consigo mesmo. Já não tenho tempo para descansar ou ler qualquer coisa como gostava de fazer. Não tenho tempo descansado para a minha mulher que também precisava do tempo que eu tinha e que partilhava com ela. No meu trabalho não tenho tempo para parar um minuto sem que alguém venha logo chamar a atenção. Fiquei sem o tempo que tinha para beber um copo com os meus amigos e trocar umas lérias que serviam para aliviar das coisas da vida.
Eu percebo o seu problema, mas como deve calcular não tenho tempo para queixas como as que apresenta.
Não tem tempo? Não me diga que também lhe roubaram o tempo. Até às autoridades, é demais.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

PARADINHOS E GORDINHOS

Foi divulgado o Relatório Health at a Glance: Europe 2016. Para além dos dados preocupantes relativos à população adulta alguns indicadores sobre o universo dos mais novos são motivo de preocupação.
Em Portugal mais de uma em cada quatro crianças tem excesso de peso. Nas raparigas ultrapassa os 30% e nos rapazes temos 25%.
Acresce que no que respeita à actividade física e considerando a recomendação da OMS de uma hora diária de actividade física aos 11 anos só 16% das raparigas e 26% dos rapazes cumprem e aos 15 anos temos 5% das raparigas e 18% dos rapazes.
Estes dados estão em linha com os de relatórios anteriores e com estudos nacionais sobre os hábitos alimentares e estilo de vida dos mais novos.
Recordo um trabalho, creio ser 2014, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto sugerindo que aos 4 anos mais 87% das crianças ultrapassa já “os valores toleráveis de sal” para a sua idade. Crianças com dois e “têm consumos alimentares nada saudáveis”, aos dois anos, por exemplo
Lembro um outro,  “EPACI Portugal 2012 – Estudo do Padrão Alimentar e de Crescimento na Infância”, segundo o qual, 31.4% das crianças portuguesas entre os 12 e os 36 meses apresentam excesso de peso e 6.5% situações de obesidade.
A Direcção-Geral de Saúde e o ME têm vindo a determinar que nas escolas alimentos hipercalóricos, como doces ou bolos, não sejam expostos, devendo ficar visíveis aos olhos dos alunos os alimentos considerados mais saudáveis em como estão em curso medidas no sentido de baixar a publicidade a alimentos e bebidas com maior carga calórica.
Ainda um estudo divulgado de 2015 da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, encontrou 17% de rapazes e 26% de raparigas de quatro anos, sublinho, quatro anos, com excesso de peso e obesidade e níveis de colesterol elevados, um cenário verdadeiramente preocupante e de graves consequências futuras.
Creio ainda de sublinhar que estudos realizados em Portugal mostram que a obesidade infantil é já um problema de saúde pública, implicando, por exemplo, o disparar de casos de diabete tipo II em crianças.
Apesar de parecer uma birra ou teimosia acho sempre importante sublinhar a importância que deve merecer a questão dos hábitos alimentares e o combate ao sedentarismo, sobretudo nos mais novos.
No que respeita á actividade física, um trabalho da Universidade de Coimbra divulgado em 2013 sublinhava, mais uma vez, o impacto que o sedentarismo tem na saúde das crianças. Este estudo envolveu 17424 crianças entre os 3 e os 11 anos e mostrou a forte relação entre hábitos fortemente sedentários, ver televisão por exemplo, e obesidade infantil e óbvias consequências na saúde e bem-estar dos miúdos.
Um outro trabalho de 2012 da Faculdade de Motricidade Humana envolvendo cerca de 3000 alunos que evidenciava o efeito positivo da actividade física no rendimento escolar para além dos benefícios óbvios na saúde.
Também em 2012, um trabalho divulgado na Lancet referia que em Portugal, entre os adolescentes, dos 13 aos 15, quatro em cada cinco não são fisicamente activos.
As consequências potenciais deste quadro em termos de saúde e qualidade de vida são muito significativas, quer em termos individuais, quer em termos sociais. Assim, e como já tenho referido, um problema de saúde pública desta dimensão e impacto justifica a definição de programas de prevenção, educação e remediação que o combatam. Provavelmente, teremos algumas reacções contra o chamado “fundamentalismo nos hábitos individuais” mas creio que são também de ponderar as implicações colectivas e sociais do problema.
No entanto, como sabemos, o excesso de peso e os riscos associados não serão, para a esmagadora maioria das miúdos e graúdos nessa situação, uma escolha individual, é algo de que não gostam e sofrem, de diferentes formas, com isso.
Eu sei que à escola não compete tudo. Não pode, nem deve ser responsável por todos os problemas que afectem a população em idade escolar. Sei, sabemos, no entanto, que pela educação é que vamos lá.

INCLUSÃO E EDUCAÇÃO, CONTRIBUTO DA CONTRAMÃO - ASSOCIAÇÃO

A CONTRAMÃO - ASSOCIAÇÃO divulgou o documento que enviou ao Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento da Escola Inclusiva cujo Relatório de Progresso da sua actividade aqui abordei ontem.
O documento, que gentilmente recebi, é um excelente contributo para a discussão que se pretende alargada sobre os caminhos da educação em Portugal, sobretudo no que toca à sua capacidade para acomodar de forma bem sucedida a diversidade entre os alunos, a característica mais evidente de qualquer sala de aula nas escolas actuais, designadamente, nas escolas públicas.
Muias das questões e perspectivas apresentadas são de reflexão obrigatória num trajecto de evolução de políticas educativas que, de facto, promovam inclusão.
A urgência desta reflexão é tanto maior quanto é possível no quadro actual e por via de um pecado original do sistema educativo, a sua desregulação, coexistirem excelentes práticas educativas que merecem apoio e divulgação com situações de exclusão, curiosa e lamentavelmente, em nome da .. inclusão.
Também entendo que a reflexão sobre estas matérias não pode, não deve, como é mais habitual, ficar circunscrita ao que designo sem carga negativa pela "tribo do especial", a qual, aliás, acabo por habitar, e de que fazem parte pais, professores de educação especial e técnicos. A educação de TODAS as crianças é da responsabilidade de toda a comunidade educativa, mas a sério. 
No entanto, por muitas e variadas razões que envolvem também as práticas e discursos da "tribo do especial" (sim, também cá estou), a discussão e reflexão sobre a escola para todos, de 1ª ou 2ª geração, é quase sempre realizada no interior desta comunidade e tem uma participação que me parece sempre insuficiente dos docentes do chamado ensino regular, das direcções escolares, das associações de pais e dos pais em geral. A experiência de muitas décadas mostra-me isso.
Algumas das dificuldades que enfrentamos radicam neste entendimento que me parece urgente alterar. 
Uma criança, qualquer que seja o problema, condição ou dificuldade é sempre da responsabilidade da escola, de toda a escola.A retórica geral diz isto, a retórica legislativa diz isto, a tramitação administrativa acomoda isto, mas a verdade é que , em muitas situações, ela pertence, está, no ... "especial", nas suas múltiplas variações.
O documento agora conhecido pode ser um verdadeiro e importante contributo para a reflexão generalizada e, em particular, para o processo de ajustamento legislativo e de orientação política que está em curso. 
Pode ser encontrado aqui e justifica discussão aprofundada.

terça-feira, 22 de novembro de 2016

DOS RANKINGS ESCOLARES. MUDANÇAS À VISTA

Sobre os rankings escolares já se escreveu imenso. Sobre o seu impacto maior ou menor, sobre a sua construção, sobre própria existência, sobre os seus resultados. Eu próprio já o fiz a convite do Público.
Mas muito mais ainda há, não tanto para escrever, mas, sobretudo, para pensar em termos de política educativa que ao longo de décadas alimenta a situação que os rankings retratam, no que de mais positivo como no que de mais negativo existe. Era este o caminho que mais desejava ver percorrido.
Embora entenda que a informação relativa aos resultados dos alunos possa e deva ser tratada e divulgada, a minha questão é “Qual tem sido o contributo significativo da organização e divulgação destes “rankings” para a melhoria da qualidade do sistema?”.
A informação agora divulgada pelo ME sobre a integração de outra informação para além da avaliação externa, avaliação interna e dados sociodemográficos, como a relativa ao progresso dos alunos e a análise de dimensões comparáveis podem introduzir uma outra forma de olhar para os rankings que inevitavelmente se construirão a cada época de exames. No entanto, estou convencido que o "filtro" da entrada de alunos nas instituições privadas com melhor resultado nos rankings tradicionais continuará a ser suficientemente robusto para as manter nos lugares cimeiros. A tradição vai continuar ser o que tem sido.
A este propósito parece-me interessante a visão de Gert Biesta da Universidade Stirling numa obra notável, "Good Education in a Age of Measurement - Ethics, Politics, Democracy", uma obsessão centrada na medida, assenta na gestão continuada de uma dúvida, "medimos o que valorizamos ou valorizamos o que medimos?". Em entrevista ao Público em 2011, o Professor Biesta afirmava sugestivamente, “Os rankings são muito antiquados e não devem ter lugar numa sociedade civilizada".
No entanto, não tendo uma atitude fundamentalista, admito que se elaborem rankings com o maior cuidado possível mas que sobretudo se promova a análise em cada escola do seu próprio trabalho. Sendo um defensor intransigente de uma cultura e prática de exigência, avaliação e qualidade, parece-me bem mais importante o aprofundamento dos mecanismos de autonomia e responsabilização e a constituição obrigatória em todos os agrupamentos ou escolas de Observatórios de Qualidade (muitas têm) que integrem também elementos exteriores à escola. Existe capacidade técnica e recursos suficientes. O trabalho realizado por esses Observatórios, este sim, deveria ser divulgado e discutido em cada comunidade e passível de leituras cruzadas com dados nacionais.
Em síntese, a questão central, mais do que ordenar escolas a partir dos resultados dos alunos e independentemente das variáveis consideradas e das metodologias adoptadas, é reflectir seriamente sobre o que fazer, como fazer e com que recursos para a melhorar os processos de ensino e aprendizagem e que essa melhoria também se reflicta nos exames e em todas as outras formas de avaliação.
Neste sentido, parecem-me preocupantes alguns dos caminhos que foram trilhados nos últimos anos.
Uma nota final, esperemos que as melhorias evidentes que de uma forma geral se têm verificam na construção dos rankings e do que agora foi anunciado ajudem a evitar que na próxima época se mantenha a forma como alguma comunicação social trata os rankings com referências constantes "às melhores escolas" e às "piores escolas" induzindo uma leitura enviesada da realidade.

SEM AÇÚCAR MAS COM AFECTO

Ao radicalismo dos populismos responder com o radicalismo do amor

Confesso que fiquei impressionado, mesmo emocionado, até quase, quase, com uma lágrima no olho, como o menino dos quadros das feiras.

Isso sim, é política, é oposição, uma pedrada no charco, no pântano de insensibilidade e gelo em que a acção política se transformou.
Quando a Dra. Assunção Cristas retornar ao poder teremos uma política com afecto, feita com o coração e menos com a razão. A política que como Ministra subscreveu tão pouco afectuosa para tanta gente foi por influência demoníaca dos seus parceiros e contra o amor que foi impedida de demonstrar.
Agora sim, sem açúcar porque faz mal mas com afecto porque faz bem. Isto é visão.

DA ESCOLA INCLUSIVA DE 1ª E 2ª GERAÇÃO

Foi divulgado o Relatório de Progresso do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento da Escola Inclusiva que tem por objectivo redefinir o enquadramento legal da designada "educação especial", embora se aponte para algo de que ainda não vislumbrei com clareza o sentido, o desenvolvimento de uma "Escola Inclusiva de 2ª Geração". Recordo que tal desígnio consta do programa do Governo.
O trabalho apresentado ainda não aponta para o futuro quadro legal mas identifica alguns aspectos e orientações que me parecem globalmente positivas.
No entanto, existem ainda zonas de indefinição que numa segunda fase nos ajudarão a perceber o sentido da mudança que me parece imprescindível e inadiável.
Os problemas e dificuldades existentes nas escolas de 1ª geração criam-me alguma curiosidade e expectativa sobre as escolas inclusivas de 2ª geração.
Como muitas vezes afirmo não acredito numa escola inclusiva, nada do que diga respeito a humanos é verdadeiramente inclusivo pelo que a escola também não o pode ser, A sociologia e a experiência demonstram-no desde que existe escola.
Acredito. isso sim, e é um caminho que percorro há décadas, que possamos ir construindo contextos educativos assentes em princípios de educação inclusiva. Dito de outra forma, estando todas as crianças jovens em idade escolar na escola que todos frequentam, acredito e defendo que temos em cada momento e em cada escola identificar e contrariar processos de insucesso e de exclusão que se instalam pelas mais variadas razões.
Este caminho tem como base ser, estar, aprender, participar e pertencer.
Este caminho, é matéria de direitos e não exclusivamente de opções políticas ou científicas.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

A HISTÓRIA DO IMAGINADOR

Era uma vez um rapaz chamado Imaginador. Desde que chegou à escola pequena se notou a sua capacidade para contar histórias que ninguém tinha ouvido. As pessoas apressavam-se a aconselhá-lo a não inventar coisas, algumas até o achavam mentiroso. O Imaginador não se importava muito e continuava a inventar mais histórias que deixavam os seus coleguinhas de ouvidos abertos e os adultos mais preocupados.
Quando mudou de escola e aprendeu a ler e a escrever, coisas de que gostava muito, mais do que dos números, então começou a escrever as suas histórias fantásticas. As pessoas bem lhe pediam para não inventar porque já não era um miúdo pequeno e não podia acreditar naquelas coisas estranhas que punha nas histórias, às quais, aliás, o Imaginador se referia como se fossem bem reais.
Mais crescido, o Imaginador, para além das histórias que continuava a produzir, começou também a pintar coisas que surpreendiam as pessoas que, como sempre, lhe sugeriam que fizesse trabalhos mais bonitos e mais parecidos com os que toda a gente fazia. Tantas vezes e tanta gente pressionou o Imaginador que ele acabou, em adulto, por deixar de contar histórias e pintar coisas fantásticas.
Agora, faz como toda a gente, manda “sms” e tira fotografias e “selfies” com o telemóvel.

DAR A SALVAÇÃO

Como o povo costuma dizer estamos sempre a aprender. Fiquei hoje a saber que no calendário das consciências, o dia 21 de Novembro é o Dia Internacional da Saudação ou, noutra versão, o Dia do Olá. Ao que parece o objectivo é a promoção da paz através do cumprimento. Bem que precisamos mas não sei se será suficiente.
Ainda assim … Olá, boa tarde.
A este propósito acho que um dos enunciados que a língua portuguesa tem e que me encantam, “dar a salvação”, isto é, cumprimentar.
Desde miúdo que à minha avó ouvia esta expressão e a recomendação de que sempre que se entra em algum lado ou se passa por alguém, conhecido ou não, se deve dar a salvação. Este comportamento perdeu-se quase completamente, ninguém se cumprimenta ao cruzar-se na rua, excepto se for conhecido, naturalmente, e quando se entra num qualquer local, um café, por exemplo, e se solta um bom dia, a maioria das pessoas não liga e alguns olham-nos como alienígenas. Alias, tal estranheza verifica-se quase sempre que se cumprimenta alguém desconhecido com que nos cruzamos, convido-vos à experiência.
No Alentejo, como provavelmente noutras paragens, ainda muita gente dá a salvação na rua e, acho lindíssimo, muitos dos homens, sobretudo os mais velhos, ainda levam a mão ao chapéu ou à boina. E também se mantém para muitas pessoas o hábito de um cumprimento global ao entrar num espaço público.
Dirão que nada disto parece relevante e, provavelmente, não o será. Mas cumprimentar alguém com que nos cruzamos tem a enorme consequência de que esse alguém é olhado e interpelado, deixou de ser transparente, tornou-se visível, vivo. Num mundo em que as relações interpessoais são cada vez mais em suporte virtual e em que as pessoas estão mais sós, mas com uma “rede social imensa”, não é questão de somenos.
Finalmente, esta ideia de poder receber de alguém, ou poder oferecer a alguém a salvação é, no mínimo, reconfortante. Mais do que nunca.
De novo, olá e boa tarde.

domingo, 20 de novembro de 2016

A VOZ DA CRIANÇA

Uma boa notícia, um bem de primeira necessidade.
O Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados tomou a iniciativa de distribuir pelos tribunais de Família e Menores exemplares de livro destinado a ajudar magistrados, procuradores e advogados a realizar de forma adequada audições a crianças no âmbito de processos de regulação parental.
Esta iniciativa vai no mesmo sentido de duas outras que aqui referi em 2013.
Uma primeira referência para a criação por parte de um grupo de advogados especialistas em direito de família de uma Associação, "Voz da Criança" que "pretende dar voz às crianças nos tribunais e ser uma voz activa junto do poder legislativo".
Esta Associação tem como objectivos latos proteger os direitos das crianças e a forma como, do ponto de vista do direito, são consideradas, bem como analisar e promover ajustamentos nos procedimentos adoptados pelos diversos actores neste universo tendo sempre como grande preocupação o "supremo interesse da criança".
Também na mesma altura foi divulgado que a PSP, em pareceria com a APAV, criou nas instalações da Divisão de Investigação Criminal de Alcântara, em Lisboa, um “espaço criança”, destinado exclusivamente às crianças que se deslocam a esta Divisão que tem competência em matéria de investigação de abusos e maus tratos a crianças, por exemplo, no quadro de violência doméstica.
Na verdade, esta atenção à criança e às circunstâncias em que muitas crianças são ouvidas e recebidas devido a questões processuais e de investigação quase que configuram uma nova situação de vitimização ou são percebidas como ameaçadoras e intimidantes. Recordo, por exemplo, sucessivas audições de crianças vítimas de abuso sexual, situação que creio atenuada, mas não resolvida, com os depoimentos para memória futura ou ainda o contacto com os agressores. Quase parece dispensável a necessidade de referir como é violento e capaz de deixar marcas profundíssimas solicitar a uma criança que repetidas vezes relate, relembre e "viva" a situação dramática porque passou, o que significa, certamente, um novo abuso.
Acresce às questões processuais que podem ser, na verdade, outra experiência de violência, a importância do contexto de acolhimento, espaço onde ocorre e a preparação de quem recebe as crianças, nos diferentes serviços.
Também nos casos de regulação parental deve ser protegido o bem-estar da crianças e as audições e inquirições devem decorrer de forma protegida e adequada.
Nesta perspectiva, a distribuição do livro com duas histórias, "O dia em que a Mariana não queria" e "O João vai a tribunal", a criação da Associação de juristas, "A voz da criança" ou  a iniciativa da PSP e da APAV, merecem uma referência positiva pois vão no sentido de acautelar “o supremo interesse da criança”, fórmula repetida mas nem sempre colocada em prática.

DA PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS

O reforço dos técnicos e dos recursos à disposição das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens é um imperativo de há muito, muitas têm responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta como confirma o trabalho do JN.
As situações de risco, abuso e negligência estão a aumentar e muitos técnicos lidam com um número excessivo de casos que inviabilizam qualquer tentativa de apoiar de forma adequada as famílias, crianças e jovens envolvidos.
Aliás, é demasiado frequente ouvir algo como "a família estava referenciada" ou, noutra versão "a criança estava sinalizada" quando acontece algo de mais grave a alguma criança. No entanto, a ausência de recursos impediu que se passasse em tempo útil da "sinalização" à intervenção adequada. 
Às enormes dificuldades das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer um trabalho eficaz mas em difíceis circunstâncias acresce a falta de agilidade processual na articulação das múltiplas entidades envolvidas como também é frequente entre nós.
É verdade que existem situações que se desenvolvem por vezes de forma extremamente rápida e imprevisível o que torna tudo ainda mais difícil, mas também exige maior celeridade e atenção.
Este cenário permite que ocorram situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que, sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não tiveram, o apoio e os procedimentos necessários. Ouve-se então uma das expressões que me deixam mais incomodado, a(s) criança(s) estava(m) “sinalizada(s)” ou “referenciada(s)” o que foi insuficiente para a adequada intervenção. Em Portugal sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver os problemas referenciados ou sinalizados.
É verdade que mais recursos poderão requerer mais investimento. No entanto, os custos de não actuar na protecção adequada de crianças e jovens são muito mais elevados.

É uma questão de prioridades, como sempre.

ASSUSTADOR

A entrevista que se pode ler no Expresso a Jared Taylor , "intelectual de Yale", líder do movimento de extrema-direita Alt-Right, ideólogo e grande apoiante de Donald Trump, é verdadeiramente assustadora. Um pequeno excerto.
(...)
Acredita que as raças têm diferentes graus de inteligência?
Sim.
Pode explicar melhor?
Por exemplo, a média de QI dos brancos é 100 e a dos negros é 85. Não há um único distrito escolar no país onde os negros tenham em média melhores resultados que os brancos.
Factores sociais e económicos não entram nessa equação?
Acabe-se com as desculpas.
(...)
Comentar o quê? Como?
Onde estamos a falhar?
Que mundo estamos a construir?
Estamos num tempo de perplexidade dúvida face ao crescimento de discursos populistas e demagógico, apelando à intolerância, ao xenofobismo e a valores de direita radical. A eleição de Trump, o que se tem vindo a passar na Europa do Norte, Central ou na América do Sul tal como o “Brexit” são exemplos deste caminho que nos deixa inquietos face ao futuro.
Milhões de excluídos e pobres e de jovens sem presente e sem futuro são um alvo fácil para discursos populistas e radicais.
As sementes de mal-estar que que estes milhões de pessoas carregam, muitos deles desde criança são muito facilmente capitalizadas e mobilizadas.
Como aqui há dias escrevia, a mediocridade da generalidade das lideranças e o que lhes permitimos fazer criaram, por exemplo, a actual União (?!) Europeia onde, grosso modo, 25% da sua população mais nova e 18% da sua população mais velha é pobre ou corre risco de exclusão e pobreza.
É aqui que nasce o que nos assusta. É esta a batalha que não podemos perder e não sei se a estamos a ganhar.

sábado, 19 de novembro de 2016

TPCs. CONTRA OU A FAVOR?

Foram hoje divulgados os resultados de mais um interessante trabalho do Alexandre Henriques no blogue ComRegras, desta vez sobre os trabalhos de casa. Não tenho intenção de aqui discutir os resultados, traduzem a cultura instalada sobre a questão pelo que são previsíveis, incluindo as diferentes posições de professores, pais e encarregados de educação e alunos.
Talvez fruto do clima de fortíssima crispação que nos últimos anos envolve a educação, os debates e as ideias também tendem a ser crispados, com opiniões definitivas e sem margem de entendimento. Também assim tende a acontecer quando se discute a questão dos TPC, ser contra ou ser a favor. Mais uma vez e sem qualquer visão fundamentalista fica um contributo para uma discussão e mudanças que me parecem necessárias, aliás, umas não vão sem a outra. As notas que se seguem fazem parte de um texto que muito recentemente aqui coloquei, os TPCs estão sempre na agenda.
E porque assim é retomo-as.
“Segundo a OCDE num trabalho "Does homework perpetuate inequities in education?" produzido com base em dados recolhidos no âmbito do PISA nos anos de 2003 e 2012 os alunos portugueses de 15 anos, dados de 2012, gastam em média 4h semanais na realização de trabalhos de casa, menos uma hora que em 2003 e menos uma hora que a média dos 38 casos estudados pela OCDE.
Do meu ponto de vista, os dados mais relevantes deste relatório remetem para o facto de que os alunos com famílias de meios sociais e económicos mais favorecidos gastarem mais 2 horas em trabalhos de casa que os seus colegas com famílias de estatuto mais baixo o que, sublinha a OCDE, poderá alimentar a falta de equidade.
Neste contexto, parece-me pertinente recordar que o nível de escolaridade dos pais, em Portugal em particular da escolaridade da mãe conforme dados recentemente divulgados, é um fortíssimo preditor do sucesso escolar dos filhos. Um recente trabalho da responsabilidade conjunta da Fundação Francisco Manuel dos Santos e do CNE mostrou que nove em cada dez alunos com insucesso escolar são de famílias pobres.
Estes dados sustentam o entendimento de que os trabalhos de casa correm o sério risco de alimentar desigualdade de oportunidades e obriga-nos a reflectir sobre a sua utilização.
Parece-me também importante o facto de que no nosso sistema educativo os alunos do 1º, 2º e 3º ciclo podem passar 8 ou 10 horas diárias na escola considerando o tempo lectivo, as Actividades de Enriquecimento Curricular e a Componente de Apoio à família, (no limite algumas crianças poderão estar 55 horas semanais na escola, uma enormidade). Este tempo de permanência na escola é um dos mais longos dos países da OCDE e vai também envolver os alunos até ao 9º por decisão do actual ME. Acresce que em muitas circunstâncias, muitos alunos têm ainda Trabalhos Para Casa que, nas mais das vezes, são a continuação ou a réplica de trabalhos escolares, ou seja mais do mesmo.
Não tenho nenhuma posição fundamentalista, insisto, mas creio que deve distinguir-se com clareza o Trabalho Para Casa e o Trabalho Em Casa. O TPC é trabalho da escola feito em casa, o trabalho em casa será o que as crianças podem fazer em casa que, não sendo tarefas de natureza escolar, pode ser um bom contributo para as aprendizagens dos miúdos. O que acontece mais frequentemente é termos Trabalhos Para Casa e não Trabalho Em Casa.
Os TPCs clássicos têm ainda o problema de colocar com frequência os pais em situações embaraçosas, querem ajudar os filhos mas não possuem habilitações para tal.
A propósito, numa reunião de pais em que participava e se discutia esta questão, dizia uma mãe, “o senhor, da maneira que fala, se calhar é capaz de ajudar o seu filho, mas na minha casa, chora a minha filha e choro eu, ela porque quer ajuda, eu porque não sou capaz de lha dar.” Colocar os pais nesta posição parece-me discutível, no mínimo.
Sim, eu sei, que é apenas uma situação, não é a floresta mas dá que pensar.
Um professor do 1º ciclo dizia numa roda profissional que alguns dos conteúdos que tinha de ensinar aos alunos os punha como trabalhos de casa e esperava que os pais os ensinassem. Não me batam, eu sei que é apenas uma situação infeliz mas é real e dá que pensar.
Torna-se, pois, necessário que professores e escolas se entendam sobre esta matéria, diferenciando trabalho de casa, igual ao da escola, de trabalho em casa, trabalho em que qualquer pai pode, deve, envolver-se e é útil ao trabalho que se realiza na escola.
Tudo isto considerado. o recurso ao TPC deveria avaliar se o aluno, cada aluno, tem capacidade e competência para o realizar autonomamente, por exemplo, o treino de competências adquiridas. Na verdade, porque milagre ou mistério, uma criança que tem dificuldade em realizar os seus trabalhos na sala de aula, onde poderá ter apoio de professores e colegas, será capaz de os realizar sozinha em casa? Naturalmente tal só acontecerá com a ajuda dos pais ou, eventualmente, de "explicadores" a que muitas famílias, sabemos quais, não conseguem aceder.
No entanto, do meu ponto de vista, sobretudo nas idades mais baixas, o bom trabalho na escola deveria dispensar o TPC. É uma questão de saúde e qualidade de vida.
Parece ainda de sublinhar que os estudos sugerem que "é sobretudo a qualidade das aulas, mais do que o tempo global de aprendizagem que está associado ao sucesso na aprendizagem. Aliás, no citado relatório da OCDE também se conclui que não há uma relação significativa entre o número médio de horas gastas nos TPCs e os resultados escolares.
Andaríamos melhor se reflectíssemos sem preconceitos e juízos fechados sobre questões desta natureza. Não é uma questão de ser a favor ou contra os TPCs, é reflectir sobre o que são? Como se utilizam? Que efeitos na generalidade dos alunos? Como se adaptam às circunstâncias e diferenças de contexto dos alunos como idade/ciclo de escolaridade, nível de escolarização familiar, etc.

OS CUSTOS DA DEFICIÊNCIA

No âmbito da ultimação do OGE para 2017 o PAN propõe que se possa deduzir até 1000 euros as despesas com a contratação de pessoas para acompanhamento de pessoas com deficiência.
Apesar de muitas vezes ver referidas questões que a corrida de obstáculos em que se transforma a vida das pessoas com deficiência e das suas famílias, é menos abordado o que poderemos chamar os custos da deficiência. São de natureza variada e muito elevados pelo que a iniciativa do PAN se justifica.
Algumas notas começando por referir um relatório, "Monitorização dos Direitos Humanos das Pessoas com Deficiência em Portugal", divulgado em 2014 no âmbito da terceira conferência anual da Associação Europeia de Estudos da Deficiência, indiciando a existência de empresas que usam indevidamente os apoios estatais para a contratação de pessoas com deficiência obrigando estes trabalhadores a estágios sucessivos e a uma situação de precariedade. Este expediente é, aliás usado com outros grupos, jovens, por exemplo.
Nada de novo. Num mercado fortemente desregulado e em "flexibilização" acelerada, os direitos das pessoas ou a lei são irrelevâncias formais.
Em contextos de maiores dificuldades e dados os níveis fortíssimos de desemprego os grupos mais vulneráveis são duplamente penalizados, pela sua condição e situação de vida e por mercados e empregadores sem alma, desregulados que apenas conhecem "activos" descartáveis e a explorar e não pessoas.
No caso particular das pessoas com deficiência é também de recordar que O “Estudo de avaliação do impacto dos planos de austeridade dos Governos europeus sobre os direitos das pessoas com deficiência”, coordenado pelo Consórcio Europeu de Fundações para os Direitos Humanos e a Deficiência conhecido no final de 2013, traçou um retrato devastador do impacto que as políticas de austeridade e a crise económica tiveram e têm nas condições de vida das pessoas com deficiência e, naturalmente, das suas famílias. Este impacto, muito diferenciado de acordo com as idades e problemáticas envolvidas, compromete seriamente os direitos básicos em matéria de educação, saúde, trabalho e apoios sociais. Em todas as áreas os cortes orçamentais têm efeitos pesadíssimos, sendo que as pessoas com deficiência em Portugal têm uma taxa de risco de pobreza 25% superior à das pessoas sem qualquer deficiência.
Como sempre não posso deixar de retomar algumas notas sobre esta matéria que não são informadas por qualquer discurso de natureza paternalista ou assistencialista, mas colocadas num plano de direitos humanos, de discriminação positiva de pessoas em situação particularmente vulnerável e na não-aceitação do princípio de que equidade significa igualdade.
Talvez alguns dos decisores políticos não saibam, por exemplo, que o desemprego no grupo social das pessoas com deficiência terá aumentado cerca de 70 % face a 2011, e estima-se que ronde os 75 %, uma taxa catastrófica.
Sabemos que os recursos são finitos e os tempos de contenção, mas pode-se afirmar que para as pessoas com deficiência os tempos sempre foram de recursos finitos e de contenção, ou seja, as dificuldades são recorrentes e persistentes.
Um estudo realizado, creio que em 2010, pelo Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, apontava para que uma pessoa com deficiência tenha um gasto anual entre 6 000 e 27 000 € decorrentes especificamente da sua condição e considerando diferentes quadros de deficiência. Este cálculo ficou incompleto porque os investigadores não conseguiram elementos sobre os gastos no âmbito do Ministério da Saúde.
O estudo, para além das dificuldades mais objectiváveis, referenciou ainda os enormes custos sociais, não quantificáveis facilmente, envolvidos na vida destes cidadãos e que têm impacto no contexto familiar, profissional, relacional, lazer, etc.
Creio também que é justamente no tempo em que as dificuldades mais ameaçam a generalidades das pessoas que se avoluma a vulnerabilidade das minorias e, portanto, se acentua a necessidade de apoio e de políticas sociais mais sólidas, mais eficazes e, naturalmente, mais reguladas.
Os números sobre o desemprego nas pessoas com deficiência são dramaticamente elucidativos desta maior vulnerabilidade. A vida de muitas pessoas com deficiência é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, em variadíssimas áreas como mobilidade e acessibilidade, educação, emprego, saúde e apoio social, em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são enormes. Assim sendo, exige-se a quem decide uma ponderação criteriosa de prioridades que proteja os cidadãos dos riscos de exclusão, em particular os que se encontram em situações mais vulneráveis.
As pessoas com deficiência e as suas famílias fazem parte deste grupo.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

O TÍMIDO E O AMIGO

Era uma vez um rapaz chamado Tímido. Desde miúdo que era uma pessoa discreta, sem grandes falas, apenas o necessário, sempre no seu canto, umas vezes a observar, outras entretido com desenhos ou com letras.
Pouco disposto para as brincadeiras que o pessoal da sua escola organizava, os colegas do Tímido também se habituaram ao seu jeito, estava por perto mas sem grandes diálogos. Cumpria as suas tarefas de forma tranquila e voltava ao mundo das letras e dos desenhos.
Um dia, encontrou um amigo de quem gostou a sério. Era tão calmo quanto o Tímido quisesse, falava quando o Tímido queria que falasse, mostrava o que o Tímido queria ver, ensinava o que o Tímido queria saber, sempre que o Tímido queria o seu amigo estava por perto, o amigo não inquiria permanentemente o Tímido sobre o porquê dos seus comportamentos, enfim, o Tímido tinha encontrado o amigo ideal.
Chamava-se telemóvel. Havia um pequeno problema, os pais do Tímido não gostavam do amigo do filho. É natural, os pais nunca gostam de quem lhes leva os filhos.

AS PALAVRAS QUE OFENDEM

Ainda umas notas sobre a condenação em Tribunal da cidadã que em 2015 gritou na AR dirigindo-se ao então Primeiro-ministro Passos Coelho, “Metes nojo ao povo” e “Demissão”. Este comportamento inscreveu-se numa cenário de manifestação sobre as na altura divulgadas dívidas ao fisco que Passos Coelho assumiu existirem por não saber que teria de proceder a descontos.
O tribunal apesar da condenação registou a preocupação da cidadã com o "bem-estar geral da comunidade” considerando que é “politicamente empenhada” como “deveriam ser todos os cidadãos”. Mas tem que ser fora da AR, este espaço é reservado para outros cidadãos politicamente empenhados e procupados com o bem-estar geral, os senhores deputados.
São conhecidos mais incidentes desta natureza embora habitualmente sem condenação que não a pena suspensa.
Recordo alguns episódios. Em 2013, um cidadão que por duas vezes interrompeu o Primeiro-ministro no Parlamento foi constituído arguido pelos crimes de coacção contra órgãos constitucionais e perturbação do funcionamento de órgão constitucional. O malfeitor sustentou que a sua interrupção se destinava a chamar a atenção para as políticas em curso.
Relembro também a situação que envolveu Miguel Sousa Tavares que baptizou o Presidente da República, Cavaco Silva, de "palhaço" o que motivou um pedido de inquérito à PGR cujo despacho ou andamento desconheço. Ainda me lembro de um cidadão de Elvas que enviou um recado também a Cavaco Silva no sentido de o mandar "trabalhar" e ainda, de acordo com os seguranças mas negado pelo cidadão, ter-lhe-á chamado "chulo" e "malandro". Este cidadão foi condenado e o processo foir rápido pois, como se sabe, em Portugal a justiça é célere, a uma multa de 1300€.
No entanto, mais recentemente e em sentido contrário, o Tribunal da Relação do Porto, um tribunal que nos tem habituado a decisões bizarras e incompreensíveis, entendeu que expressões como “abaixo estes ladrões” ou “incompetentes” dirigidas por um contribuinte a um serviço de finanças não podem ser consideradas um “crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva”. A decisão do Tribunal responde a um recurso do cidadão que tinha sido condenado a multa por ofensa.
Como é evidente, o respeito e a dignidade das funções das pessoas não podem ser atropelados por um entendimento excessivamente elástico da liberdade de expressão. Na verdade e como todos reconhecemos, chamar palhaço, chulo e malandro, ladrões ou incompetentes é em Portugal uma raríssima e particularmente grave forma de insulto, tanto que a maioria de nós nunca a usa por pudor e vergonha de proferir tal enormidade. Também no Parlamento, interromper alguém e ouvir discursos ou assistir a comportamentos inadequados à nobreza da instituição á algo de inédito e muito raro. Os debates, quer na forma, quer no conteúdo são sempre de elevado padrão cívico e literário.
Acho sempre curioso o alarido que situações como estas levantam pois, apesar de nada querer branquear, as "ofensas" desta natureza são extraordinariamente frequentes na nossa vida política e não só.
Sempre me pareceu uma enorme ofensa à honra e dignidade afirmar que precisávamos de empobrecer e com esta crença coagir milhões de portugueses a viver em risco de pobreza e exclusão o que, aliás, me parece também constituir crime de coacção.
Por outro lado, a insensível e insensata persistência em políticas de austeridade cegas provocou um atropelo a direitos fundamentais das pessoas, o que me parece poder configurar crime de perturbação da dignidade e do normal funcionamento dos direitos constitucionais.
Parece-me uma enorme ofensa à ética e à equidade as despudoradas mordomias e salários que alguns arautos dos sacrifícios e da austeridade e aparelhistas e alpinistas sociais. Verifica-se até a despudorada situação da atribuição de prémios, perdão, de incentivos, bem altos a quem causa prejuízo.
Parece-me também uma enorme ofensa, a afirmação de que o desemprego é uma janela de oportunidade num país que na altura tinha cerca de um milhão de desempregados, mais de metade sem subsídio e com perto de 40% dos jovens sem trabalho.
Muitos velhos que conheço e que têm pensões e reformas miseráveis sentiram-se ofendidos quando o Presidente da Republica afirmou que os milhares de euros de reforma de que disporá não lhe chegarão para as despesas pessoais.
Enfim, o que mais existem são exemplos de como as palavras e comportamentos que por aí se soltam podem ofender.
Do meu ponto de vista, este tipo de situações e tratamento que lhes é dado, referências aos "palhaços", "malandros", "chulos", "incompetentes" ou "ladrões", "chulos" e o "vai trabalhar", tal como este “crime” de ofensa ao Primeiro-ministro, mais não fazem do que justificar a mais comum das referências da linguagem corrente, a "palhaçada" que tudo isto representa e que, como sempre, tem palhaços ricos e palhaços pobres.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

À PROCURA DO FUTURO

Um dia destes encontrei-me com aquele meu amigo que vocês conhecem, o Professor Velho, o que já não dá aulas, está na biblioteca da escola e fala com os livros. “Ainda bem que te encontro, tenho uma história que me aconteceu ontem, boa para o teu blogue, não é assim que se chama?”
“Conta, Velho”.
“Fui a uma turma, gente do 3º ano, falar com eles sobre o passado e sobre o futuro e para poder falar sobre o futuro lembrei-me de lhes pedir uma originalidade, o que gostavam de fazer quando crescessem e porquê. Apareceram-me umas respostas que me deixaram a pensar. Não consegui fixar todas, a seguir tivemos uma bela conversa, mas vou dizer-te algumas.
O Manel quer ser Leitor de Livros porque adora ler, agora não tem tempo, está todo o dia na escola sempre a fazer coisas e à noite tem trabalho de casa, janta e dorme. Ao fim de semana os pais levam-no o tempo todo para o Centro Comercial.
A Maria acha que vai ser Brincadora porque, pelas mesmas razões do Manel, não tem tempo para brincar.
A Joana diz que vai ser Faladora, gosta de falar com as pessoas e as pessoas falam pouco com os miúdos.
O Francisco disse que gostava de ser Neto para poder ter um avô.
O Mário quer ser Espectador para poder ver as coisas que agora ninguém o leva a ver.
A Cláudia gostava de ser Pequena porque agora, diz ela, tem uma vida com mais trabalho que os grandes.
O Zé disse que vai ser Relógio para mandar no tempo.
Que achas do futuro que escolhem?”
Está muito longe, Velho.

O ACORDO DO NOSSO DESCONTENTAMENTO. É PRECISO NÃO DESISTIR

Um grupo de cidadãos, "Cidadãos contra o Acordo Ortográfico de 1990", e a Associação Nacional de Professores de Português apresenta no Supremo Tribunal Administrativo de Lisboa uma acção com o objectivo de impugnar a resolução do Conselho de Ministros que obriga a que as escolas apliquem o Acordo Ortográfico de 1990.
Trata-se de mais uma iniciativa entre várias outras que procura resistir enquanto for possível ao atropelo à Língua Portuguesa que o Acordo Ortográfico representa.
Vale a pena insistir, importa que não nos resignemos. É uma questão de cidadania, de defesa da Cultura e da Língua Portuguesa.
Como tantas vezes tenho escrito, desculpem a insistência, entendo, evidentemente, que as línguas são estruturas vivas, em mutação, pelo que requerem ajustamentos, por exemplo, a introdução de palavras novas ou mudanças na grafia de outras, o que não me parece sustentação suficiente para o que o Acordo Ortográfico estabelece como norma.
Acresce que as explicações que os defensores, especialistas ou não, adiantam não me convencem da sua bondade, antes pelo contrário, acentuam a ideia de que esta iniciativa não defende a Língua Portuguesa. O seu grande defensor Malaca Casteleiro refere até "incongruências" no AO o que me parece curioso, para ser simpático. Dito de outra maneira, desencadeamos um acordo com esta amplitude e implicações para manter "incongruências e imperfeições" que  abastardam a ortografia da Língua Portuguesa.
Por outro lado, a grande razão, a afirmação da língua portuguesa no mundo, também não me convence pois não me parece que o inglês e o castelhano/espanhol que têm algumas diferenças ortográficas nos diferentes países em que são língua oficial, experimentem particulares dificuldades na sua afirmação, seja lá isso o que for.
De facto, não tenho conhecimento de alguma perturbação ou drama com origem nas diferenças entre o inglês escrito e falado na Inglaterra ou nos Estados Unidos, mas isto dever-se-á, certamente, a ignorância minha e à pequenez irrelevante daquelas comunidades anglófonas. O mesmo se passa entre a comunidade dos países com o castelhano/espanhol como língua oficial.
O que na verdade vamos conhecendo com exemplos extraordinários é a transformação da Língua Portuguesa numa mixórdia abastardada.
Como tenho escrito e repito, vou continuar a escrever assim, desacordadamente