AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

AS PALAVRAS QUE OFENDEM

Ainda umas notas sobre a condenação em Tribunal da cidadã que em 2015 gritou na AR dirigindo-se ao então Primeiro-ministro Passos Coelho, “Metes nojo ao povo” e “Demissão”. Este comportamento inscreveu-se numa cenário de manifestação sobre as na altura divulgadas dívidas ao fisco que Passos Coelho assumiu existirem por não saber que teria de proceder a descontos.
O tribunal apesar da condenação registou a preocupação da cidadã com o "bem-estar geral da comunidade” considerando que é “politicamente empenhada” como “deveriam ser todos os cidadãos”. Mas tem que ser fora da AR, este espaço é reservado para outros cidadãos politicamente empenhados e procupados com o bem-estar geral, os senhores deputados.
São conhecidos mais incidentes desta natureza embora habitualmente sem condenação que não a pena suspensa.
Recordo alguns episódios. Em 2013, um cidadão que por duas vezes interrompeu o Primeiro-ministro no Parlamento foi constituído arguido pelos crimes de coacção contra órgãos constitucionais e perturbação do funcionamento de órgão constitucional. O malfeitor sustentou que a sua interrupção se destinava a chamar a atenção para as políticas em curso.
Relembro também a situação que envolveu Miguel Sousa Tavares que baptizou o Presidente da República, Cavaco Silva, de "palhaço" o que motivou um pedido de inquérito à PGR cujo despacho ou andamento desconheço. Ainda me lembro de um cidadão de Elvas que enviou um recado também a Cavaco Silva no sentido de o mandar "trabalhar" e ainda, de acordo com os seguranças mas negado pelo cidadão, ter-lhe-á chamado "chulo" e "malandro". Este cidadão foi condenado e o processo foir rápido pois, como se sabe, em Portugal a justiça é célere, a uma multa de 1300€.
No entanto, mais recentemente e em sentido contrário, o Tribunal da Relação do Porto, um tribunal que nos tem habituado a decisões bizarras e incompreensíveis, entendeu que expressões como “abaixo estes ladrões” ou “incompetentes” dirigidas por um contribuinte a um serviço de finanças não podem ser consideradas um “crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva”. A decisão do Tribunal responde a um recurso do cidadão que tinha sido condenado a multa por ofensa.
Como é evidente, o respeito e a dignidade das funções das pessoas não podem ser atropelados por um entendimento excessivamente elástico da liberdade de expressão. Na verdade e como todos reconhecemos, chamar palhaço, chulo e malandro, ladrões ou incompetentes é em Portugal uma raríssima e particularmente grave forma de insulto, tanto que a maioria de nós nunca a usa por pudor e vergonha de proferir tal enormidade. Também no Parlamento, interromper alguém e ouvir discursos ou assistir a comportamentos inadequados à nobreza da instituição á algo de inédito e muito raro. Os debates, quer na forma, quer no conteúdo são sempre de elevado padrão cívico e literário.
Acho sempre curioso o alarido que situações como estas levantam pois, apesar de nada querer branquear, as "ofensas" desta natureza são extraordinariamente frequentes na nossa vida política e não só.
Sempre me pareceu uma enorme ofensa à honra e dignidade afirmar que precisávamos de empobrecer e com esta crença coagir milhões de portugueses a viver em risco de pobreza e exclusão o que, aliás, me parece também constituir crime de coacção.
Por outro lado, a insensível e insensata persistência em políticas de austeridade cegas provocou um atropelo a direitos fundamentais das pessoas, o que me parece poder configurar crime de perturbação da dignidade e do normal funcionamento dos direitos constitucionais.
Parece-me uma enorme ofensa à ética e à equidade as despudoradas mordomias e salários que alguns arautos dos sacrifícios e da austeridade e aparelhistas e alpinistas sociais. Verifica-se até a despudorada situação da atribuição de prémios, perdão, de incentivos, bem altos a quem causa prejuízo.
Parece-me também uma enorme ofensa, a afirmação de que o desemprego é uma janela de oportunidade num país que na altura tinha cerca de um milhão de desempregados, mais de metade sem subsídio e com perto de 40% dos jovens sem trabalho.
Muitos velhos que conheço e que têm pensões e reformas miseráveis sentiram-se ofendidos quando o Presidente da Republica afirmou que os milhares de euros de reforma de que disporá não lhe chegarão para as despesas pessoais.
Enfim, o que mais existem são exemplos de como as palavras e comportamentos que por aí se soltam podem ofender.
Do meu ponto de vista, este tipo de situações e tratamento que lhes é dado, referências aos "palhaços", "malandros", "chulos", "incompetentes" ou "ladrões", "chulos" e o "vai trabalhar", tal como este “crime” de ofensa ao Primeiro-ministro, mais não fazem do que justificar a mais comum das referências da linguagem corrente, a "palhaçada" que tudo isto representa e que, como sempre, tem palhaços ricos e palhaços pobres.

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