AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

A ESCOLA NORMAL. Outro diálogo improvável

Pai, não sei fazer isto do trabalho de casa.
Deixa ver João ... acho que também não percebo muito bem, eu não estudei isso. Tens que perguntar à Professora.
Às vezes pergunto, mas a Setôra diz que não pode estar a explicar outra vez porque somos muitos e já explicou a todos.
E na tua escola não há outros professores que ajudem os alunos quando têm dificuldades, já ouvi na televisão.
Dizem que há poucos e não chegam para a gente.
E não tens colegas que te possam ajudar.
Às vezes copio o trabalho de casa da Sara mas quase nunca dá tempo.
Podias pedir à Sara que te ajudasse nos intervalos.
Ela não pode porque está sempre com o Bruno.
O Bruno é aquele teu colega que tem assim um problema, é deficiente?
É, também estão lá na sala o Tiago e a Tina que é muito engraçada mas faz um bocado barulho, mas não pode sair da sala porque não tem a professora que era dela que é do ensino especial, mas o Bruno tem muita dificuldade em andar e a Sara ajuda-o nos intervalos.
Mas não havia uma senhora lá da escola que ajudava o Bruno?
Já não há, agora são menos.
Eu talvez possa conseguir algum dinheiro para teres explicações. Não é fácil, mas se for preciso a gente faz mais um esforço, agora já consegui pagar os teus livros e os da tua irmã. Este ano já não tivemos ajuda para os livros.
Não é preciso, vou ver se consigo sozinho.

E VIVEM DE QUÊ?

Segundo dados hoje divulgados pela Segurança Social   e considerando dados de Agosto, apenas 44%  dos desempregados, acedem ao subsídio de desemprego, sendo que o valor médio das prestações é também mais baixo 4% relativamente ao ano passado devido a alterações das regras de cálculo.
Baixou também o número de crianças e jovens a receber abono de família assim caiu 10,2% o número de beneficiários do Rendimento Social de Inserção relativamente a Agosto do ano passado, também por alteração de critérios e regras tendo agora como valor médio 83,28€.
Dado que não se tem verificado qualquer subida nos rendimentos familiares, antes pelo contrário, estes dados, o abaixamento do número global de pessoas a beneficiar de apoios sociais não decorre de melhoria das condições de vida das famílias mas obviamente dos cortes no universo dos apoios sociais.
Este cenário impressionante, que pode agravar-se com a anunciada reforma do Estado, isto é, cortes nas suas funções sociais, coloca uma terrível e angustiante questão. Os milhares, muitos, de pessoas envolvidas vão (sobre)viver de quê?
Contrariamente ao que nos querem fazer acreditar, a maioria das famílias portuguesas não viviam ou vivem acima das suas possibilidades, mas cada vez mais famílias estão a viver abaixo das suas necessidades, com fome, pobres, sem apoio e em risco de exclusão. Os sucessivos Governos, desta e de outras terras, é que subscreveram políticas públicas que assentes em modelos económicos sem alma nem ética produziram o inferno em que vivemos, não foram as famílias, na sua maioria que o produziram. As famílias é que sofrem o ajustamento de que falam os burocratas que servem os mercados mas não foram elas que têm ou tiveram a maior responsabilidade pela situação criada.
Com este terramoto social e económico ainda insistem em que temos de empobrecer, expressão que indigna até à raiva. Nós já estamos pobres, não podemos ficar mais pobres, entendam isto de uma vez por todas.
Nós não precisamos de empobrecer, falar de empobrecer é insulto e terrorismo social. Nós precisamos de combater a assimetria da distribuição da riqueza e produzir mais riqueza, precisamos de combater mordomias e desperdício de recursos e meios ineficientes e muitas vezes injustificados que alimentam clientelas e interesses outros. Nós precisamos de combater a teia de protecção legal e política aos interesses dos mercados e dos seus empregados, que conflituam com os interesses das pessoas. Nós não precisamos de empobrecer, nós já somos um dos países mais pobres e assimétricos da Europa com perto de um terço da sua população pobre ou em risco de pobreza, com miúdos a chegar às escolas com fome, com gente sem trabalho e sem apoio social.
O que precisamos é de coragem e visão sem subserviência ao ditado dos mercados e dos seus agentes para definir modelos económicos, sociais e políticos destinados a pessoas e não a mercados ou a grupos minoritários de interesses mesmo que mascarados em malditos planos de "ajustamento", de "resgate" ou ainda e de forma ofensiva de "ajuda".
O que precisamos é de coragem e visão sem subserviência ao ditado dos mercados e dos seus agentes para definir modelos económicos, sociais e políticos destinados a pessoas e não a mercados especulativos ou a grupos minoritários de interesses.

MENORES EM RISCO, FUTURO EM RISCO

Foi conhecido o Relatório da actividade das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Risco relativo ao primeiro semestre. Algumas notas breves sobre alguns dos dados divulgados.
Aumentou o número  de processos novos relativamente ao 1º semestre do ano passado mas mais significativo foi o aumento de situações relativas ao direito à educação, cerca de 22% do total, embora a exposição a comportamentos que ameaçam o bem-estar da criança, violência doméstica, continuem a ser a situação mais frequente.
A tendência de aumento de situações relativas ao absentismo e abandono escolar potenciadas com o alagamento da escolaridade obrigatória para os 12 anos já vem a verificar-se desde 212 pelo que aumentou significativamente o número de casos reportados pelas escolas, 5480 casos no primeiro semestre deste ano, 31,6% dos novos casos sinalizados.
Verificou-se ainda o aumento do número de situações de consumos, álcool e droga, bem como de indisciplina severa.
Merece registo positivo a diminuição de casos envolvendo negligência, abuso sexual, maus-tratos psicológicos, abandono, mendicidade e trabalho infantil.
Em termos globais e como refere o Juiz Armando Leandro, presidente da Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco,  importa ainda considerar que "nem todos os casos chegam às Comissões de Protecção".
Embora não possa ser estabelecida de forma ligeira nenhuma relação de causa as dificuldades severas que muitas famílias atravessam e a insuficiência de apoios sociais não serão alheias a muitas das situações de risco em que crianças e jovens estão envolvidos pois os estudos mostram que crianças e velhos constituem justamente os grupos mais vulneráveis.
De há muito e a propósito de várias questões, que afirmo que em Portugal, apesar de existirem vários dispositivos de apoio e protecção às crianças e jovens e de existir legislação no mesmo sentido, sempre assente no incontornável “supremo interesse da criança", não existe o que me parece mais importante, uma cultura sólida de protecção das crianças e jovens de que temos exemplos com regularidade. Poderíamos citar a insuficiência e falta de formação de juízes que se verifica nos tribunais de Família com enorme morosidade na resolução de situações de regulação para além de surgirem com alguma regularidade decisões incompreensíveis em casos de regulação do poder parental ou o silêncio face a situações conhecidas, etc.
Por outro lado, as condições de funcionamento as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer um trabalho eficaz estão longe de ser as mais eficazes e operam em circunstâncias difíceis. Na sua grande maioria as Comissões têm responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta. A parte mais operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, tem muitos técnicos a tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as integram.
Este cenário permite que ocorram situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que, sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não tiveram, o apoio e os procedimentos necessários. Ainda acontece que depois de alguns episódios mais graves se oiça uma expressão que me deixa particularmente incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada” o que foi insuficiente para a adequada intervenção. Em Portugal sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver os problemas referenciados ou sinalizados.
Por isso, sendo importante registar uma aparente menor tolerância da comunidade aos maus tratos aos miúdos, também será fundamental que desenvolva a sua intolerância face à ausência de respostas.

ISALTINICES

Bem me parece que seria necessária a introdução de um dia de reflexão após a realização de eleições. Por mais que me esforce no sentido de assumir uma visão aberta, flexível e receptiva à inovação, ainda consigo ficar perplexo com o Portugal dos Pequeninos.

VELHOS E POBRES


Segundo a Organização Médicos do Mundo, lê-se no JN, cresce o número de idosos que se vêem obrigados a ter que decidir se compram medicamentos ou alimentos dado o valor das suas pensões ou reformas.
Aliás, também no JN divulga-se um estudo do economista Eugénio Rosa segundo o qual o impacto das medidas de austeridade é superior nos rendimentos de pensionistas e reformados que desde 2010 já perderam quase 20 % do poder de compra o que ajuda a explicar a situação referia pela organização Médicos do Mundo.
 A austeridade está a pesar mais nos bolsos dos reformados e pensionistas. Desde 2010 perderam quase 20% do poder de compra.
Talvez nestas duas notícias exista matéria que exige reflexão.
Lamentavelmente, boa parte dos velhos, sofreu para chegar a velho e sofre a velhice.
Não é um fim bonito para nenhuma narrativa.

domingo, 29 de setembro de 2013

O DIA DE REFLEXÃO

Manda a liturgia dos processos eleitorais que o dia anterior se dedique à reflexão. Confesso que não estou muito de acordo com este cenário, do meu ponto de vista, ainda que pareça estranho, deveríamos ter o dia de reflexão no dia seguinte das eleições por razões que sintetizo em seguida.
Em primeiro lugar não julgo necessário o dia de reflexão antes do acto eleitoral porque não entendo que essa reflexão influencie significativamente os resultados eleitorais pois, se por um lado a abstenção continua a crescer, deixando cada vez mais o voto no eleitorado fidelizado, por outro lado, o eleitorado flutuante não decide na véspera, decide, creio, face a contextos e circunstâncias, alimentando a alternância de poder no chamado centrão.
Em segundo lugar, porque na verdade, em termos de futuro parece ser mais significativo reflectir nos resultados eleitorais que se indiciam e estas eleições autárquicas reforçam este meu entendimento.
De facto, este processo eleitoral foi particularmente elucidativo. Desde logo na apresentação de candidaturas que envolveu o aparecimento de uns troca-tintas que torturaram uma lei até conseguirem, com o aval do tribunal Constitucional, a cobertura para uma despudorada e vergonhosa dança de cadeiras. As figuras paradigmáticas deste despudor, Fernando Seara e Luís Filipe Menezes sofreram, as projecções assim sugerem, estrondosas derrotas. Uma nota ainda para a derrota de Moita Flores um exemplo notável de "pára-quedista" atrás do poder.
Disse-se que nestas eleições subiram exponencialmente as candidaturas fora dos aparelhos partidários, independentes, mas na verdade o que se verificou em muitas situações é que se tratou da situação de pessoas com filiação partidária que por incidentes da partidocracia não foram escolhidos pelos respectivos partidos e apresentaram-se como "independentes" mas que apenas nisso se tornaram por guerras ou interesses pessoais e partidários.
Nesta matéria, os independentes, parece também muito significativa a vitória de Rui Moreira no Porto, que sem filiação e sem o apoio dos partidos do "costume", PS ou PSD, venceu de forma muito clara as autárquicas neste concelho.
Os resultados também sugerem a continuidade no aumento da abstenção que traduz um desinteresse pela participação cívica elucidativa sobre a saúde da democracia e os efeitos da partidocracia instalada.
Sem surpresa, dados os tempos que atravessamos parece verificar-se um abaixamento na votação global dos partidos da coligação no poder. Não precisam de nos dizer que os resultados de eleições autárquicas não devem ser alvo de interpretações ou leituras nacionais, conversa sem sentido. Como é evidente, os votos expressos traduzidos na subida do PS e descida acentuada do PSD e a abstenção crescente merecem, exigem, uma análise global do seu significado e implicações, ainda como exemplos temos os resultados da CDU e do jardinismo, perdão, do PSD, na Madeira.
Uma nota ainda para a forma completamente atípica como se verificou a cobertura televisiva desta campanha, não pelo que perdemos em função do que foi sendo conhecido de comportamentos e discursos dos candidatos, mas pelo modelo e pela sua adequação em termos de informação, ética e democracia.
Creio que este conjunto de notas pode ajudar a perceber como os resultados que se indiciam nestas eleições e a própria campanha exigem uma reflexão profunda que deveria começar formalmente no dia seguinte, dedicado, esse sim à reflexão.
Esta reflexão deveria necessariamente considerar, entre muito outros aspectos, se o modelo actual de organização da actividade política, alimentador da partidocracia instalada e inibidor da participação cívica fora dos aparelhos partidários, é o que melhor se adequa à construção de sociedades modernas, abertas, participativas e preocupadas com a vida colectiva.

POBREZA, O MAIOR FALHANÇO DAS SOCIEDADES ACTUAIS

O Público apresenta hoje com texto de Paulo Moura um impressionante e perturbador trabalho sobre a pobreza, “a ilha de onde ninguém sai” como lhe chama.
A pobreza e a exclusão deveriam envergonhar-nos a todos, a começar por quem lidera, representam o maior falhanço das sociedades actuais.
Afirmo com frequência que uma das consequências menos quantificável das dificuldades económicas, sobretudo do desemprego, em particular o de longa duração e de situações em que o tempo obriga a perder o subsídio, é o roubo da dignidade às pessoas envolvidas.
Também sabemos que se verifica oportunismo e fraude no acesso aos apoios sociais, mas a esmagadora maioria das pessoas sentem a sua dignidade ameaçada quando está em causa a sobrevivência a que só se acede pela “mão estendida” que envergonha, justamente por uma questão de dignidade roubada.
A questão da pobreza é um terreno que se presta a discursos fáceis de natureza populista e ou demagógica, sem dúvida. Mas também não tenho dúvidas de que os problemas gravíssimos de pobreza que perto de três milhões de portugueses conhecem, exigem uma recentração de prioridades e políticas que não se vislumbra. Na verdade, apesar da retórica oficial de que existe justiça social nas medidas de austeridade, o que é verdadeiramente insustentável é que as políticas assumidas, por escolha de quem decide, por cá e noutras paragens, estão a aumentar as assimetrias sociais, a produzir mais exclusão e pobreza.
Mais preocupante é a insensibilidade da persistência neste caminho.

 

sábado, 28 de setembro de 2013

OS EQUÍVOCOS DOS CUSTOS DA SAÚDE

De acordo com estudo hoje divulgado, a mortalidade por cancro é mais baixa nos países da União Europeia com maior despesa na área da saúde. Considerando os países da Europa ocidental, Portugal tem o gasto per capita mais baixo, 2690 dólares, cerca de 1990 euros.
A este propósito, os custos da saúde, recordo um Relatório da OCDE, divulgado em Fevereiro deste ano, “Health Spending Growth at Zero –Wich Countries, which sectors are most affected?” com alguns dados interessantes. O Governo português cortou o dobro do que estava definido no negócio acordado com a Troika. As contas portuguesas do sector da saúde terão caído em 2011 5,2% face a 2010, a média de toda a OCDE foi um crescimento de 0,7%. Para 2013 a saúde terá 5,1% do PIB, a média da zona euro será de 7%. Estes dados são elucidativos da política de cortes, custe o que custar e que agora se acentuam.
O mesmo relatório alerta para os impactos a prazo, sobretudo quando se atravessa um período alargado de perdas muito significativas do rendimento disponível das famílias. Aliás, é importante referir que, ainda de acordo com a OCDE, em 2010, já bem dentro do quadro de dificuldades, os portugueses continuavam a ser dos que mais pagam directamente do seu bolso despesas com saúde, 26% face aos 20,1% da média dos 34 países da OCDE.
Estes dados, apesar de terem sido desmentidos pelo Ministério da Saúde, parecem-me extremamente importantes no âmbito da discussão sobre a reforma do estado e das suas funções.
Na verdade, quando tanto se questiona os fundamentos do estado social e o peso destas funções no OGE, parece razoavelmente claro que Portugal tem, no sector da saúde mas não só, um investimento inferior ao de outros países.
Quando sempre que se decidem cortes, a saúde, tal como outras áreas sociais, são alvos privilegiados, os dados do Relatório da OCDE sustentariam outro caminho.
Embora seja importante ponderar a organização, eficácia e custos do chamado estado social, por exemplo na saúde, é fundamental perceber e entender que a comunidade tem sempre a responsabilidade ética de garantir a acessibilidade de toda a gente aos cuidados básicos de saúde. Os tempos que atravessamos criando obstáculos ao acesso aos serviços de saúde a que se acrescentam as dificuldades criadas aos próprios serviços no sentido garantirem o cumprimento da sua missão são ameaçadores dos padrões mínimos de bem-estar e qualidade da assistência em matéria de saúde.
Como afirma Michael Marmot, que há algum tempo esteve em Portugal, todas as políticas podem, ou devem, ser avaliadas pelos seus impactos na saúde.
Talvez a ideia do "custe o que custar" seja de repensar, pela nossa saúde.

A URGÊNCIA DE UM PLANO DE RESGATE

Ao que parece, Bruxelas, um dos administradores desta feitoria em que nos transformámos e nos transformaram, dá um segundo resgate como "inevitável".
Na verdade, os deuses mercados, entidades muito sensíveis como se sabe, andam nervosos e no seu típico comportamento de abutres ameaçam continuar a sua sinistra forma de "ajuda", nada de novo.
Acontece que, do meu ponto de vista e dado que o primeiro plano de resgate transformou a vida de muitos de nós num inferno do qual precisaria de ser resgatada, torna-se mesmo necessário um novo plano de resgate.
Milhão e meio de portugueses está sem emprego, mais de metade sem subsídio. Precisam urgentemente de ver resgatada a possibilidade da vivência, agora lutam pela sobrevivência.
Mais de um terço dos jovens precisa de ver resgatada a confiança num projecto de vida que teima em ser adiado e cada vez parece mais longe.
Muitos velhos, cada vez mais, a precisarem de ver resgatada a dignidade de um fim de vida decente e com patamares mínimos de qualidade.
Muita gente que precisa de ver resgatada a dignidade todos os dias atropelada pela mão estendida a uma ajuda que nem sempre chega.
Miúdos que precisam de ver resgatada a dignidade de, pelo menos, não lhes faltar o sustento, o aconchego e, naturalmente, a educação e o futuro.
O problema é que não é este o plano de resgate que se pode esperar. Mais provavelmente continuaremos no insensível e insensato trajecto que os mercados nos impõem e que os feitores administram.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

COPY, PASTE. Pá, um tipo tem que se safar, tás a ver

Numa iniciativa da Universidade Católica de Braga foi divulgado um estudo, citado no I, que envolveu sete países sobre as questões do plágio segundo o qual, entre 40 e 60% dos alunos do ensino secundário admitiram ter recorrido a tal procedimento.
De facto, o plágio é um fenómeno em alta também no ensino superior, realidade que conheço melhor, mas não só, a título de exemplo já tive textos do blogue plagiados. Considerando o volume crescente de situações muitas instituições têm vindo a adoptar dispositivos de despiste e regulamentos que minimizem o risco de tais práticas.
É verdade que de há uns tempos para cá, felizmente, tem vindo a emergir e entrar na agenda a questão da utilização da informação disponível, designadamente na net, na produção fraudulenta ou nos limites da ética de trabalhos académicos e científicos da mais variada natureza. Neste âmbito, conheceu-se o primeiro caso, creio, em Portugal de uma Tese de Doutoramento apresentada na Universidade do Minho e anulada por motivo de plágio. O Centro de Estudos Sociais da Faculdade Economia da U. de Coimbra tem vindo a desenvolver um estudo nacional sobre a questão da fraude académica cujos dados iniciais apontavam no sentido de que de que 37.6 % dos inquiridos aceita a fraude desde que “não prejudique ninguém”. A estes dados, pode acrescentar-se um estudo da Universidade do Minho há tempos divulgado referindo que as situações de algum tipo de “copianço” envolvem três em cada quatro estudantes.
Também a propósito do aumento das situações de plágio que se verificam em todos os níveis de ensino, do básico à formação pós-graduada, doutoramentos incluídos, bem como artigos científicos, me referi à natureza da relação ética que estabelecemos com o conhecimento e que os alunos replicam. Aliás, no estudo da U. do Minho, dos alunos que admitiam copiar, 90 % afirmavam fazê-lo desde sempre.
O conhecimento será entendido como algo que se deve mostrar para justificar nota ou estatuto, não para efectivamente integrar, ou seja, importante mesmo é que a nota dê para passar, que o curso se finalize, que a tese fique feita e se seja doutorado ou que se possa acrescentar mais um artigo à produção científica num mundo altamente competitivo. Que tudo isto possa acontecer à custa da manhosice, do desenrasca mais ou menos sofisticado, são minudências com as quais não podemos perder tempo.
No entanto, é bom termos consciência que esta questão não é um exclusivo nosso, o estudo referido no início mostra isso com clareza. De qualquer forma, não deixa de ser uma preocupação e justifica que as escolas, do básico ao superior, se envolvam nesta tentativa de que todos tenhamos uma relação sólida do ponto de vista ético com o conhecimento, a sua produção e divulgação.
O caminho passa pelo estabelecimento obrigatório de códigos de conduta com implicações sancionatórias severas e com uma atitude formativa e preventiva durante as aulas.
O trabalho será sempre difícil pois o actual contexto ao nível dos valores e da ética dos comportamentos e funcionamento social é, só por si, um caldo de cultura onde o copianço e o plágio, por vezes, não passam de "peanuts". É a cultura do desenrascanço, não importa como.

DIREITOS DOS MIÚDOS EM MODO SERVIÇOS MÍNIMOS

 

As crianças com necessidades educativas especiais, as suas famílias e os professores e técnicos, especializados ou do ensino regular conhecem, sobretudo sentem, um conjunto enorme de dificuldades para, no fundo, garantir não mais do que algo básico e garantido constitucionalmente, o direito à educação e tanto quanto possível, junto das crianças da mesma faixa etária. É assim que as comunidades estão organizadas, não representa nada de extraordinário e muito menos um privilégio.
Como é evidente, em situações de dificuldade económica, as minorias, são sempre mais vulneráveis, falta-lhes voz.
No fundo, esta situação é “apenas” mais um exemplo de como estas crianças e famílias vêem os seus direitos atropelados por quem deveria ser o garante do seu cumprimento.
Como sempre afirmo, os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como cuidam das minorias.
Lamentavelmente, estamos num tempo em que desenvolvimento se confunde com mercados bem sucedidos, com cortes nos recursos necessários e na normalização dos miúdos, mesmo dos miúdos especiais.

O CLIMA NÃO ESTÁ NADA BEM

O Relatório da ONU agora conhecido sobre as alterações climáticas reconhece a gravidade da situação, em particular no que respeita aos efeitos do aquecimento global, acentuando também a responsabilidade da actividade humana por este cenário preocupante.
Os dados conhecidos, sendo um forte motivo de inquietação, não serão uma surpresa.
A maioria de nós sente como o clima não está bem, são recorrentes as queixas sobre alterações no clima, nos climas, e sabemos tão bem que a responsabilidade é dos homens, como sabemos da irresponsabilidade com que o fazem.
O clima das escolas está longe de ser o mais favorável ao bom andamento do trabalho de professores, alunos e pais.
O clima na saúde também não atravessa melhores dias com queixas e dificuldades de natureza variada.
O clima político é de uma turbulência que impressiona o que acaba por criar turbulência na economia e nos mercados.
Todo este cenário tem implicações severas no clima das famílias com níveis de desemprego devastadores e com dificuldades sociais gravíssimas.
Finalmente, expressa-se a preocupação séria e justificada com o aquecimento global e não damos a devida atenção a um fenómeno de natureza contrária, o arrefecimento global na relação entre as pessoas. Parece razoavelmente claro que as relações interpessoais, estão mais frias, mais distantes apesar dos milhares de “amigos” nas redes sociais. Cada vez mais parecemos condomínios de uma pessoa só.

DE IR ÀS LÁGRIMAS


Um campanha em que
 

e também


Deixou-me assim.
 
 
 
Depois passa.


quinta-feira, 26 de setembro de 2013

LOGO SE VÊ

Uma das expressões que mais utilizamos e que acho particularmente curiosa é, “logo se vê”. O seu uso aparece a propósito das mais variadas circunstâncias. Vejamos alguns exemplos.
Pedem-nos uma opinião com a esperança de que a tenhamos e a possamos partilhar. Mas não, muitos de nós, depois de uma introdução circular, sem nada avançar, terminamos com um promissor, “de maneira que logo se vê”.
Quando discutimos projectos ou ideias e procuramos definir um calendário ou etapas desses projectos ou ideias, facilmente acabamos por nos refugiar num discreto e descomprometido “bom, mas logo se vê”.
É também interessante que muitos dos nossos políticos quando inquiridos sobre o futuro, em vez de nos passarem, seria desejável, as suas ideias sobre como construir o futuro, começam por um incontornável “não faço futurologia” e rapidamente evoluem para um mais prosaico, “em todo o caso, logo se vê como a situação evolui” que dito em politiquês será algo como, "trata-se de matéria complexa envolvendo múltiplas variáveis pelo que será necessário aguardar com alguma expectativa e a evolução das circunstâncias".
Também se pode constatar que em variadíssimos aspectos das nossas vidas confiamos mais num flexível “logo se vê” que em qualquer atitude mais prudente de cautela e planeamento. Veja-se, por exemplo, os níveis de endividamento que atingimos, queremos, compramos e depois, claro, “logo se vê”.
O problema sério é que, quase sempre, a seguir ao “logo se vê”, acrescentamos um esperançoso e crente “não há-de ser nada”.
As próxima eleições? Logo se vê. Não há-de ser nada.

OS PROBLEMAS ESPECIAIS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

O Movimento para a Manutenção das Reformas dos Deficientes solicitou ao Presidente da República, Governo e aos grupos parlamentares que os cidadãos com deficiência possam ficar isentos dos cortes de 10% previstos para as reformas acima de 600€, tal como irá acontecer com os deficientes das Forças Armadas.
Algumas notas sobre esta matéria que não são informadas por qualquer discurso de natureza paternalista ou assistencialista, mas colocadas num plano de direitos humanos, de discriminação positiva de pessoas em situação particularmente vulnerável e na não aceitação do princípio de que equidade significa igualdade.
Talvez os burocratas que nos governam ou mandam em quem governa não saibam, por exemplo, que o desemprego no grupo social das pessoas com deficiência terá aumentado cerca de 70 % face a 2011, e estima-se que actualmente ronde os 75 %, uma taxa catastrófica.
Sabemos que os recursos são finitos e os tempos de contenção, mas pode-se afirmar que para as pessoas com deficiência os tempos sempre foram de recursos finitos e de contenção, ou seja, as dificuldades são recorrentes e persistentes.
Um estudo realizado, creio que em 2010, pelo Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, apontava para que uma pessoa com deficiência tenha um gasto anual entre 6 000 e 27 000 € decorrentes especificamente da sua condição e considerando diferentes quadros de deficiência. Este cálculo ficou incompleto porque os investigadores não conseguiram elementos sobre os gastos no âmbito do Ministério da Saúde.
O estudo, para além das dificuldades mais objectiváveis, referenciou ainda os enormes custos sociais, não quantificáveis facilmente, envolvidos na vida destes cidadãos e que têm impacto no contexto familiar, profissional, relacional, lazer, etc.
Creio também que é justamente no tempo em que as dificuldades mais ameaçam a generalidades das pessoas que se avoluma a vulnerabilidade das minorias e, portanto, se acentua a necessidade de apoio e de políticas sociais mais sólidas, mais eficazes e, naturalmente, mais reguladas.
Os números sobre o desemprego nas pessoas com deficiência são dramaticamente elucidativos desta maior vulnerabilidade. A vida de muitas pessoas com deficiência é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, em variadíssimas áreas como mobilidade, educação e emprego em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são enormes. Assim sendo, exige-se a quem decide uma ponderação criteriosa de prioridades que proteja os cidadãos dos riscos de exclusão, em particular os que se encontram em situações mais vulneráveis.
É verdade, todos o sabemos, que existe uma minoria em Portugal, e não só, que atravessa os tempos de chumbo que vivemos, apenas com ligeiros sobressaltos e sem especial inquietação.
No entanto, existem outras minorias que são, de forma múltipla e acumulada, vítimas destes tempos carregando um fardo demasiado pesado.
As pessoas com deficiência e as suas famílias fazem parte desses grupos.

QUALIFICAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

Terminadas as duas fases de candidatura ao ensino superior verificou-se um abaixamento global de 4% face a 2012 ano em que também já se tinha verificado uma queda no número de estudantes que entraram no superior. Dada a importância desta questão, parece-me justificado retomar algumas notas.
Estes dados não são unicamente explicados pela variação demográfica nem pela crise económica embora estes sejam, naturalmente, factores com impacto fortíssimo, sobretudo as dificuldades financeiras das famílias.
Quando terminou a 1ª fase de candidatura ao ensino superior para este ano lectivo foi divulgada uma redução de cerca de 5 000 inscritos face ao ano anterior, 2012/2013 o que mostra a continuidade do declínio da população a frequentar o ensino superior.
No entanto, para além da analise do impacto real da variável demografia o que me parece verdadeiramente preocupante é que dos cerca de 160 000 alunos inscritos nos exames da primeira fase, apenas 57% manifestavam intenção de frequentar o ensino superior e destes, apenas 44% procederam a matrícula.
Temo que o número relativamente baixo de alunos com a intenção de adquirir formação de nível superior possa estar ligado à perversa e errada ideia do “país de doutores” que, muitas vezes com o auxílio de uma imprensa preguiçosa e negligente, se foi instalando a propósito do número de jovens licenciados no desemprego e da conclusão de que “não vale a pena estudar”, um verdadeiro tiro no pé e que não corresponde de todo à verdade.
Em primeiro lugar, os jovens licenciados não estão no desemprego por serem licenciados, estão no desemprego porque temos um mercado pouco desenvolvido e ainda insuficientemente exigente de mão-de-obra qualificada e muitos estão no desemprego porque, por desresponsabilização da tutela, a oferta de formação do ensino superior é completamente enviesada distorcendo o equilíbrio entre a oferta e a procura.
A qualificação profissional, de nível superior ou não, é essencial, continuamos com taxas de formação superior abaixo das médias europeias, como também é essencial a racionalidade e regulação da oferta do ensino superior e, naturalmente, a regulação eficaz do mercado de trabalho minimizando o abuso do recurso à precariedade. É ainda de sublinhar que conforme um estudo recente, "Empregabilidade e Ensino Superior em Portugal", da responsabilidade da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior a qualificação de nível superior compensa em termos de estatuto salarial e empregabilidade, como aliás estudos internacionais, por exemplo da OCDE, também demonstram.
Por outro lado, parece oportuno recordar que, de acordo com o Relatório da OCDE, Education at a glance 2013, Portugal é um dos países europeus em que a frequência de ensino superior mais depende do financiamento das famílias, cerca de 31% dos gastos de universidades e politécnicos. A média da OCDE é 32% e a da União Europeia (UE) 23,6%.
Esta informação não é nova. Na verdade e como é do conhecimento das pessoas mais perto deste universo, o ensino superior, Portugal, contrariamente ao que muitos afirmam, tem um dos mais altos custos de propinas da Europa. Conforme dados de 2011/2012 da rede Eurydice, Portugal tem o 10º valor mais alto de propinas na Europa, mas se se considerarem as excepções criadas em cada país, temos na prática o terceiro custo mais alto no valor das propinas.
Em 2012 foi divulgado um estudo realizado pelo Instituto de Educação da Universidade de Lisboa que contribui para desmontar um equívoco que creio instalado na sociedade portuguesa. Comparativamente a muitos outros países da Europa, Portugal tem um dos mais altos custos para as famílias para um filho a estudar no ensino superior, ou seja, as famílias portuguesas fazem um esforço bem maior, em termos de orçamento familiar, para que os seus filhos acedam a formação superior. Neste cenário, o número de desistências da frequência tem vindo a aumentar pois muitos alunos ou famílias não suportam os encargos com o estudo. Sabe-se também dos constrangimentos na atribuição de bolsas de estudo.
Como sempre que abordo estas matérias, finalizo com a necessidade de, uma vez por todas, evitar o discurso "populista" do país de doutores, continuamos com uma enorme probabilidade não cumprir a meta europeia para 2020 de 40% de licenciados no escalão etário 30-34 anos. 

QUE WOODY ALLEN CONTE MUITOS E BONS


Olá bom dia.
Depois de António Costa e Paulo Portas assediarem Wody Allen para continuar a sua City Films Tour com Lisboa, vem agora Luís Filipe Menezes num rasgo de visão e projecto para o Porto com a mesma ideia.
Dado que Portugal tem, creio, 159 cidades, bem pode Woody Allen, durar mais uns anos de forma a que todas as cidades portuguesas beneficiem do fortíssimo impacto que a visão empreendedora e genial destas lideranças certamente vai promover.
Esta gente não se enxerga e insulta-nos a inteligência

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

CENA DE MAUS COSTUMES

Posso jogar à bola com vocês?
Não, tu jogas pouco.
Isso é discriminação e estás a dar cabo da minha auto-estima. Vou fazer queixa.
Experimenta fazer queixas só por causa disto. Levas.
Isso é uma ameaça, chama-se bullying. Se me baterem chamo os meus amigos lá da rua.
Mas assim isto fica uma luta de gangs, não pode ser.
Não quero saber, quero é jogar à bola, já não consigo estar quieto.
És hiperactivo?
Não, só gosto de jogar à bola.
Mas agora a aula vai começar, já não dá.
Faltamos.
Não pode ser, isso é absentismo. Só se a gente entrasse, depois desatinava e a setôra punha-nos na rua e já jogávamos á bola.
Mas isso é indisciplina.
A escola está chata bué, não se pode fazer nada.
Grande seca.

QUANDO O PARTO CORRE BEM, ATÉ EM CASA CORRE BEM, MAS ...

No Público trata-se uma questão que me parece importante e suscita alguma reflexão, os partos em casa. Embora a opção possa ser aceite em termos de legitimidade de decisão dos pais, creio que a experiência e o conhecimento disponível sugerem fortes reservas.
Conforme dados conhecidos hoje, quase duplicou o número de partos realizados em casa no espaço de uma década, de 480 em 2000 para perto de 900 em 2008.
Este aumento surpreende e preocupa, desde logo porque a mortalidade infantil em partos domésticos é reconhecidamente superior relativamente aos partos em instituições, estas "modas" como lhes chama Ana Jorge são geradoras de risco elevado.
Na verdade, podemos dizer que, quando corre bem, até em casa corre bem, a questão coloca-se, quando surgem complicações que em casa não têm condições de ser respondidas.
É verdade que os partos hospitalares, sobretudo nas instituições de saúde privadas, constituem, por assim dizer, um nicho de mercado com um recurso desproporcionado a intervenção especializada, citemos como exemplo, o número extremamente elevado de cesarianas para as quais, certamente, não existirão indicações clínicas como várias estudos e comparações com a realidade de outros países sugerem.
Também é verdade, que mesmo em situação hospitalar poderemos ter riscos ou falta de qualidade na resposta mas do ponto de vista dos bebés e também das mães, esses risco estarão evidentemente mais controlados.
Há alguns meses uma reportagem televisiva, relatava dois casos de famílias que levantaram processos a especialistas de enfermagem obstétrica que realizaram partos em casa com resultados muito complicados.
Dadas as questões corporativas envolvidas, não é estranha a divergência de posições entre a Ordem dos Enfermeiros e a Ordem dos Médicos para quem o parto em casa é um retrocesso em matéria de cuidados de saúde e prevenção, posição que me parece bem mais ajustada.
Volto à afirmação, "quando corre bem, até em casa corre bem", regulamente existem histórias com final feliz de crianças que nascem, por exemplo, nas ambulâncias, mas o problema é quando corre mal. Sei por experiência familiar, que se não fosse a qualidade da resposta da Maternidade Alfredo da Costa, que agora está ameaçada, se aquele parto ocorrido há trinta e poucos anos fosse em casa, provavelmente teríamos vivido uma experiência dramática.
Finalmente, parece-me importante que se retome a experiência natural do parto, sem os excessos da "sofisticação médica" ou, obscuros interesses comerciais, mas partos em casa, cuidado, os pais poderão sofrer mas a conta é da criança.

AS PALAVRAS QUE OFENDEM

Depois do episódio que envolveu Miguel Sousa Tavares que baptizou o Presidente da República de "palhaço" o que motivou um pedido de inquérito à PGR, tivemos o episódio de um cidadão de Elvas que enviou um recado também a Cavaco Silva no sentido de o mandar "trabalhar" e ainda, de acordo com os seguranças mas negado pelo cidadão, ter-lhe-á chamado "chulo" e "malandro". Claro que o cidadão foi detido e condenado rapidamente, como se sabe em Portugal a justiça é célere, a uma multa de 1300€.
Hoje foi conhecida a decisão do Tribunal da Relação do Porto, um tribunal que nos tem habituado a decisões bizarras e incompreensíveis, que entendeu que expressões como “abaixo estes ladrões” ou “incompetentes” dirigidas por um contribuinte a um serviço de finanças não podem ser consideradas um “crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva”. A decisão do Tribunal responde a um recurso do cidadão que tinha sido condenado a multa por ofensa.
Como é evidente, o respeito e a dignidade das funções das pessoas não podem ser atropelados por um entendimento excessivamente elástico da liberdade de expressão. Na verdade e como todos reconhecemos, chamar palhaço, chulo e malandro, ladrões ou incompetentes é em Portugal uma raríssima e particularmente grave forma de insulto, tanto que a maioria de nós nunca a usa por pudor e vergonha de proferir tal enormidade.
Acho sempre curioso o alarido que situações como estas levantam pois, apesar de nada querer branquear, as "ofensas" desta natureza são extraordinariamente frequentes na nossa vida política e não só.
Com demasiada regularidade são usados termos no âmbito da saúde mental, esquizofrenia ou autismo, por exemplo, para adjectivar comportamentos e discursos na vida política quando tal uso é uma enorme ofensa ao sofrimento das pessoas e das famílias que lidam com quadros clínicos desta natureza.
Parece-me uma enorme ofensa à honra e dignidade afirmar que temos de empobrecer quando um terço dos portugueses vive no limiar de pobreza.
Parece-me uma enorme ofensa as despudoradas mordomias e salários que alguns arautos dos sacrifícios e da austeridade usufruem.
Parece-me uma enorme ofensa, afirmar que o desemprego é uma janela de oportunidade num país com um milhão de desempregados, mais de metade sem subsídio e com cerca de 40% dos jovens sem trabalho.
Muitos velhos que conheço e que têm pensões e reformas miseráveis sentiram-se ofendidos quando o Presidente da Republica afirmou que os milhares de euros de reforma de que disporá não lhe chegarão para as despesas pessoais.
Enfim, o que mais existem são exemplos de como as palavras que por aí se soltam podem ofender.
Do meu ponto de vista, este tipo de situações e tratamento que lhes é dado, referências aos "palhaços", "malandros", "chulos", "incompetentes" ou "ladrões", "chulos" e o "vai trabalhar", etc., mais não fazem do que justificar a mais comum das referências da linguagem corrente, a "palhaçada" que tudo isto representa e que, como sempre, tem palhaços ricos e palhaços pobres.
Siga, pois, o circo. Na falta do pão.

ECONOMIA PARALELA, UM MODO DE SOBREVIVÊNCIA

O presidente do Observatório de Economia e Gestão de Fraude da Faculdade de Economia do Porto, Carlos Pimenta, afirmava em finais de 2012 que com a política de austeridade, sobretudo o brutal aumento da carga fiscal, a degradação da classe média e o agravamento das desigualdades sociais, iriam aumentar as fraudes e crescer o volume da economia paralela.
De facto, segundo dados conhecidos hoje disponibilizados pela mesma entidade, a economia paralela representará actualmente em Portugal cerca de 26.7 % do PIB português, facto que não pode ser desligado da fraude e corrupção. Aliás, uma das imposições da "Troika" é justamente a obrigatoriedade de existência a curto prazo de um plano contra a fraude e a evasão fiscal.
Neste universo parece de relembrar que, segundo o último relatório da Transparency International, Portugal é um dos 21 países em que existe "pouca ou nenhuma implementação" da Convenção anti-corrupção da OCDE. Considerando ainda os últimos indicadores do Barómetro Global da Corrupção, também no âmbito da Transparency International, 83% dos portugueses acham que piorou a questão da corrupção e 75% não acredita na eficácia do combate.
Este outro lado da economia que envolve desde a fuga de capitais para paraísos "off-shore", à habilidade individual da ausência de recibo no dia-a-dia, está completamente enraizado, é apenas uma questão de escala e as dificuldades resultantes da crise e dos aumentos de impostos potenciarão, muito provavelmente, esse lado paralelo da vida económica. Aliás, creio que dados os cortes nos apoios sociais, relembro que menos de metade dos desempregados acedem a subsídio de desemprego, a economia paralela se tornou justamente a base de sustentação e sobrevivência para muita gente além de que minimiza o risco de turbulência social.
Este funcionamento quase que faz parte da nossa cultura, a do "dar um jeitinho", "fazer uma atençãozinha" ou arranjar “um esquema”. Com alguma regularidade refiro-me a esse "traço" da nossa cultura cívica "a atençãozinha" ou à sua variante "dar um jeito". Trata-se de um fenómeno, um comportamento generalizado e com o qual parecemos ter uma relação ambivalente, uma retórica de condenação, uma pontinha de inveja dos dividendos que se conseguem e a tentação quotidiana de receber ou providenciar uma "atençãozinha" ou pedir ou dar um jeito, sempre "desinteressadamente", é claro.
Por outro lado, o cidadão comum, nós, sentimos, creio, algo de muito significativo, não acreditamos que exista verdadeira vontade política de combater a corrupção apesar de algumas iniciativas recentes da AR neste domínio. A teia de interesses que ao longo de décadas se construiu envolvendo o poder político, a administração pública, central e autárquica, o poder económico, o poder cultural, a área da justiça e segurança, parte substantiva da comunicação social e muito do nosso funcionamento quotidiano, dificulta seriamente um combate eficaz e mudança cultural nesta matéria. Este combate passará, naturalmente, por meios e legislação adequada, mas passa sobretudo pela formação cívica que promova uma outra cidadania. Estarão lembrados que há alguns meses atrás foram divulgados estudos evidenciando a nossa atitude tolerante para com a corrupção.
Certamente que poderíamos viver o “esquema”, mas não era a mesma coisa.

MELHOR TRABALHO OU MAIS TRABALHO COM EMPOBRECIMENTO E DESEMPREGO?

Embora seja previsível a manutenção do Diploma que instituiu as 40 horas semanais para os fncionários da administração pública, a providência cautelar apresentada e aceite em Tribunal pelos trabalhadores do Fisco e o facto de ter sido requerida a fiscalização sucessiva ao Tribunal Constitucional mantém a questão na agenda. Assim, umas notas sobre esta matéria, o aumento da carga horária.
Esta medida, aparentemente simpática aos olhos de quem diaboliza os privilegiados funcionários públicos, alvos preferenciais do saque a que vamos assistindo, não terá, como reconhecem os especialistas, impacto significativo ao nível da produtividade e é pouco amigável na promoção de emprego ou, se preferirem, no combate ao desemprego como também alguns técnicos já alertaram.
Como tenho vindo a afirmar, apesar de não ser um especialista, apenas um cidadão que procura estar atento, creio que a abordagem da relação entre o tempo de trabalho, a competitividade a produtividade é contaminada por alguns equívocos.
É minha convicção de que o problema da produtividade é, fundamentalmente, uma questão de melhor trabalho e não de mais trabalho. Aliás, conhecem-se estudos nesse sentido e podemos reparar o que se passa noutros países com cargas de horário laboral semelhantes à nossa. Lembram-se certamente de há alguns meses, a propósito de umas afirmações da Senhora Merkel sobre os "preguiçosos" do sul da Europa, ter sido divulgado, creio que na imprensa o I referiu os dados, um relatório sobre a duração do trabalho na União Europeia verificando-se que, contrariamente a alguns entendimentos, a duração do trabalho em Portugal é a terceira mais elevada da Europa, repito, a terceira mais elevada da Europa, embora a competitividade e produtividade sejam das mais baixas. Este quadro retira sustentação ao grande argumento do Governo de aproximação à realidade o sector privado pois os efeitos não são significativos, antes pelo contrário.
Parece assim claro que a produtividade não decorre fundamentalmente do tempo de trabalho. Existem, tenho-o afirmado, factores menos considerados e que do meu ponto de vista desempenham um papel fundamental, a qualificação profissional, a organização do trabalho, a qualidade dos modelos de organização e funcionamento, no fundo, a qualidade das lideranças nos contextos profissionais. O nível de desperdício no esforço, nos meios e nos processos em alguns contextos laborais é extraordinariamente elevado. Na administração central, autárquica e no universo das empresas públicas, por diferentes ordens de razões, este tipo de circunstâncias é razoavelmente frequente, sendo que em muitas situações as lideranças estão entregues por razões de aparelhismo partidário e troca de favores e não por competência ou currículo o que, naturalmente se traduz na qualidade do desempenho na gestão.
Neste cenário, a decisão de aumentar o horário de trabalho não parece ser, só por si, a solução milagrosa de incremento da produtividade e de combate ao desemprego, antes pelo contrário.
Parece-me bem mais potente um esforço concertado e consistente de reorganização e estruturação de serviços e de modernização e formação de chefias, funcionários e procedimentos do que impor o recurso simplista e “fácil” ao aumento da carga horária. Aliás, como vários trabalhos e experiências têm vindo a demonstrar o movimento actual nas sociedades mais desenvolvidas é justamente o aligeirar das horas de trabalho e mudanças na própria organização do trabalho procurando promover melhor qualidade nos estilos de vida.
Aumentar o horário de trabalho não parece a forma mais eficaz de combater as famosas "gorduras" do estado, antes pelo contrário, boa parte das políticas em curso promovem, isso sim, o emagrecimento dos cidadãos, ou, pelos menos, dos seus rendimentos.

OS SOBREVIVENTES

Em matéria de mortalidade infantil, Portugal tem a sexta taxa mais baixa da União Europeia. Entre 2001 e 2011 realizámos um progresso notável, passámos de 5 óbitos por cada mil nados-vivos para 3,1. Se recuarmos a dados de 1990 a diferença é ainda mais significativa, registando-se à época 15 mortes em cada mil crianças.
Importa ainda acentuar que os progressos foram ainda mais significativos do ponto de vista da qualidade dos cuidados de saúde, se considerarmos que os óbitos em recém-nascidos, o período mais crítico, baixaram de 7 para dois, sendo a prematuridade um dos maiores factores de risco.
No entanto, segundo a PORDATA e o INE, a taxa de 2012 subiu ligeiramente, passou para 3,4 o que merece atenção.
É ainda de realçar que apesar dos bons resultados em saúde infantil na esperança de vida com saúde, Portugal está abaixo da média dos países europeus.
Estes números que merecem registo, criam-nos a todos uma enorme responsabilidade.
Em primeiro lugar obriga-nos a assegurar um futuro positivo a todos os sobreviventes, por assim dizer.
Em segundo lugar e de forma mais particular, considerar que entre as dimensões mais contributivas para esta melhoria se destacam as condições e qualidade de vida, a qualidade e acessibilidade dos serviços de saúde e a educação.
Em terceiro lugar, importa que os cuidados de saúde não percam qualidade, antes pelo contrário, que se promovam e incentivem estilos de vida mais saudáveis de modo a conseguir aumentar a esperança de vida saudável.
E pronto, não queria falar da crise mas tem que ser. A tragédia que se abate sobre muitas famílias, os cortes no SNS e na educação não são propriamente um bom augúrio para o futuro de que falava acima e para a manutenção da trajectória positiva que temos vindo a percorrer no sentido de proteger melhor os mais novos à chegada ao mundo, no seu cuidado e no seu futuro, bem como promover para os mais velhos condições de vida mais saudáveis.
Não há como fugir a esta enorme responsabilidade.

BOM DIA, COM CHUVA

Bom dia, hoje teve início a minha rentrée, sim, porque eu também passo por uma rentrée. A minha é marcada pela chegada da primeira água no final de Agosto, ou durante Setembro, conforme as decisões do tempo.
A primeira água, levezinha como é de esperar, chegou. Por isso, notei melhor o começo da rentrée. A chuva faz libertar o perfume da terra. O cheiro a terra molhada, como dizia o Mestre Almada Negreiros, é retemperador. Orvalhado pela chuva, mesmo leve, o cenário já não tem a mesma cor, diz que o Verão está a pôr-se.
A rentrée trazida pelas águas é mesmo a sério, começa outro ciclo, outra vida, outro verde, outra terra, outro frio lá mais para a frente.
Era bom que as rentrées de que todos falam assim acontecessem, com algo de novo. Lamentavelmente já começam velhas, velhas como os que nelas actuam, velhas como as promessas ou as falas que nelas se ouvem, velhas como a desconfiança e a indiferença que nos pesam e a desesperança que nos inquieta.
Vou sair, a pé, à chuva, ainda é quente e macia a primeira a chegar. É assim a minha rentrée.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

A CAMPANHA ELEITORAL, UM RETRATO POSSÍVEL

A campanha eleitoral em curso tem a particularidade de ser inovadora no modelo de cobertura televisiva que devido a uma lei a carecer de ajustamento nos inibe de acompanhar de forma mais próxima as iniciativas de campanha em diferentes concelhos. Eu sei o risco desta afirmação, a democracia tem exigências, mas quase me atrevo a dizer ... ainda bem que somos poupados a uma parte significativa do espectáculo deprimente que vai acontecendo.
De uma forma geral e considerando o que vou lendo, vendo e ouvindo, creio que podemos identificar duas linhas fundamentais de mensagens, a saber.
Uma primeira linha que se pode caracterizar por, o "limite é o céu" ou, em modo mais simplista, "vale tudo". Nesta área incluímos as promessas que aqui e ali vamos sabendo que os diferentes candidatos se propõem realizar às carradas, sem qualquer contenção. São múltiplos os exemplos de promessas de iniciativas ou realizações completamente impossíveis, fora das competências autárquicas, algumas absolutamente delirantes e completamente fora do mais elementar bom senso e lucidez na gestão de bens públicos que estão em contracção fortíssima. Aliás, nesta matéria, as promessas, e como cereja em cima do bolo, o Primeiro-ministro esteve  em Sintra para apoiar o candidato local do partido e dado que aqui se verificou cobertura televisiva, pudemos ouvir Passos Coelho, com um ar bastante sério, aconselhar os candidatos em campanha eleitoral a prometer apenas o que podem cumprir. Não se de quem foi a ideia, mas este momento de humor é brilhante. Estranhamente, que eu desse por isso, ninguém se riu. Falta de sentido de humor, evidentemente.
A outra linha de conteúdos das mensagens é algo que se pode descrever como "eles, os outros, todos os outros, são maus, nós não somos como eles, portanto, votem em nós". Dito de outra maneira, votem em nós porque nós não somos eles. O problema sério que se coloca é que este tipo de mensagens só mostra justamente a semelhança na mediocridade, não a diferença, de modo que o eleitor que não vota "porque sim", o eleitor fidelizado, terá uma tarefa complicada se quiser proceder a uma escolha lúcida e informada.
Veremos o impacto que esta campanha terá no nível de abstenção que se verificará no próximo Domingo.

A NORMALIDADE CHEGA AOS MANUAIS ESCOLARES

A situação é "simples". Devido à pouco sustentada mudança dos Programas de Matemática e à introdução das metas curriculares, uma forma criativa de buroCRATIZAR o ensino, verifica-se o estimulante cenário de na mesma sala de aulas do Básico coexistirem alunos com manuais diferentes pois, ou não decorrem do novo programa em Matemática, ou não decorrem das metas curriculares em Português.
Estranhamente pais e professores manifestam-se inquietos e preocupados e o MEC, evidentemente, acha que é irrelevante. Este entendimento inscreve-se no habitual processo de negar a realidade e entender a anormalidade como normal.
Sem estranheza até pelo que representa este nicho de mercado, a Comissão do Livro Escolar da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros veio a terreiro dizer  os manuais do de anos anteriores de Português e Matemática não servem, considerando “as vastas alterações” introduzidas este ano lectivo pelas Metas Curriculares e nos próprios manuais, “a pedido”  do MEC. Acrescenta a APEL que "Os livros agora desactualizados têm matérias em falta, matérias supérfluas, outra sequência de conteúdos, grau de aprofundamento excessivo ou insuficiente, textos de leitura, obrigatória em falta, etc.”. Tudo normal. evidentemente.
Na verdade, a questão dos manuais no nosso sistema educativo, já o tenho escrito, é de importância significativa pois é excessivamente "manualizado" o que tem óbvias implicações didáctico-pedagógicas e naturalmente económicas pelo peso nos orçamentos familiares.
Apesar da progressiva disponibilização de outras fontes de informação e do acréscimo de acessibilidade através das tecnologias de informação e de outros suportes, a utilização dessas fontes alternativas aos manuais é baixa e pouco valorizada por pais e alunos. De facto, embora o abandono do “livro único” tenha ocorrido há já bastante tempo e de uma preocupação, ainda pouco eficaz, com a qualidade dos manuais, predomina a sua utilização e das respectivas fichas e instrumentos como materiais de apoio às aprendizagens e à “ensinagem” e que agravam substantivamente os custos das famílias. Aliás, nota-se ainda no ensino superior a dificuldade que muitos alunos afirmam sentir quando percebem que não têm um “manual”.
Do meu ponto de vista, a minimização da dependência dos manuais passará, entre outros aspectos, por uma reorganização curricular, diminuindo a extensão de algumas conteúdos, por exemplo, o que permitiria a alunos e professores um trabalho de pesquisa e construção de conhecimentos com base noutras fontes potenciando efectivamente a acessibilidade que as novas tecnologias oferecem.
É importante caminharmos no sentido de atenuar a fórmula única instalada, o professor ensina com base no manual o que o aluno aprende através do manual que o pai acha muito importante porque tem tudo o que professor ensina.
Neste cenário a coexistência de manuais diferentes é, obviamente um problema, só os burocratas do MEC entendem que não e, portanto, tudo lhes parece normal, mesmo a anormalidade.

ALGUÉM QUE PASSA MAL, DIFICILMENTE SE SENTE BEM

Segundo dados hoje conhecidos, continua a verificar-se o aumento do consumo de medicamentos psicotrópicos, assumindo especial significado os antidepressivos, transformando Portugal num dos países com taxas mais altas de consumo deste tipo de fármacos e que é consistente com uma taxa de prevalência significativa de patologias neste universo da saúde mental. Cerca de 15% da população portuguesa apresenta quadros patológicos de ansiedade e depressivas graves a moderadas, dados de 2010, que são muito superiores ao que se verifica noutros países, é duas vezes a que se verifica na Alemanha, por exemplo.
Embora os especialistas expressem alguma reserva no estabelecimento de relações de causa-efeito entre os quadros de saúde mental e as condições sócio-económicas difíceis que atravessamos regista-se um aumento da procura nas consultas de pessoas em situações fragilizadas no quadro de desemprego e dificuldades económicas.
Sendo certo que não poderemos estabelecer de forma ligeira uma relação causal entre a saúde mental e as condições de vida, é também claro que não podem dissociar-se, numa linguagem simples, alguém que passa mal, dificilmente se sentirá bem.
Em muitas famílias, as dificuldades podem ser tão significativas, o desemprego do casal, por exemplo, que a desesperança instalada se constitua como gatilho para situações de mal-estar e o recurso a consultas, fármacos, consumo de álcool ou droga, ou ainda em caso limite à tentação do suicídio, uma preocupação que originou um Plano de Prevenção a operacionalizar, podem aparecer como uma via que se não deseja mas a que não se resiste.
Na verdade, a resiliências das pessoas tem limites.
Por outro lado, apesar de querer ser optimista a experiência tem mostrado que a doença mental é, nas mais das vezes, um parente pobre no universo das políticas de saúde. Quando a pobreza das pessoas aumenta e a pobreza dos meios e recursos também aumenta, o quadro é ainda mais grave.

OUTRA INCONSISTÊNCIA FACTUAL


Os famosos produtos tóxicos mais conhecidos por "swaps" celebrados por empresas e governo da Madeira estão fora de controlo da comissão de inquérito da Assempbleia da República e do Parlamento Regional por decisão dos partidos do costume.
Nada de estranho. Aquela conversa sobre coesão nacional, justiça no tratamento, equidade na austeridade, rigor nas contas para todas as entidades, centrais , regionais e locais, etc. não passa, por assim dizer, de uma inconsistência factual, isto é, uma mentira.
Assim sendo, a inimputabilidade está assegurada.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A NORMALIDADE DO INÍCIO DO ANO LECTIVO, UMA INCORRECÇÃO FACTUAL


O turbulento início do ano lectivo continua a fazer o seu caminho contrariando deselegantemente a afirmação de normalidade que sopra insistentemente da 5 de Outubro.
Do meu ponto de vista trata-se de uma incorrecção factual. Por assim dizer.

PARTIU

In Memoriam.

As raízes não falam. Não estão atrás. Nem no fundo.
As raízes vão à frente. Puxam-nos para a frente.
...

De "As raízes" de António Ramos Rosa em O não e o Sim.

O MEU AMIGO CAJÓ NÃO ANDA NADA BEM

Já há uns tempos que não acontecia. Encontrei o meu amigo Cajó, vocês sabem quem é, tem um Punto todo kitado e trabalha como mecânico na oficina do Sr. Manel. Pois estranhei o Cajó, estava no café com uma cara que até a mini estava assustada.
Então Cajó, algum problema? A família está bem?
Ó amigo Zé, tudo bem consigo? A Odete tá fina e os putos também, a vida é que tá complicada. O Sr. Manel anda a dizer que a oficina tá a dar pouco, o people não tem grana, cortam-se nas revisões e ainda demoram a pagar. O homem diz que assim não é fácil ter guito ao fim do mês para pagar ao je. Tá a ver, a minha Odete agora só faz as folgas da prima na loja do centro comercial e os putos só pedem dinheiro pá escola. Tou aqui tou a ficar arrasca, se o Sr. Manel não se orienta, atão inda é pior. Para lixar mais a cabeça a um gajo, você viu aquele ganda roubo do penalte? É sempre a gamar o Sporting, acham que somos uns tótós e carregam, veja lá se se metem com o Pintinho do Porto ou c'o gajo dos pneus? Para ajudar, a mãe da Odete também anda mal das varizes, o médico diz que era melhor operar, mas a velhota tá com medo e diz que não tem massa, sei lá. Tá a ver o granel onde tou metido. Inda por cima, a escola mal começou e a directora de turma do meu Tólicas já mandou dizer que o puto se tinha passado na aula e mandou uma galheta numa miúda. Tive que lhe dar, já tenho cenas que cheguem para me dar cabo da carola. Depois um gajo vê aí pessoal que crise é mentira, não lhes falta nada, não percebo donde é que ele vem. Cá p’ra mim andam metidos nuns caldinhos. Eu ando armado em boa pessoa, fico arrasca, e esses gajos orientam-se na boa. O mundo tá uma merda, amigo Zé.
Vai mais uma mini Cajó?
Pode ser, ao menos não tá em crise, tá sempre boa. Por falar em boa, você já viu aquela dama que vem a entrar? Passava-me já a crise.

MERCADOS, ESTAMOS MESMO, MESMO A REGRESSAR, É SÓ MAIS UM POUCO

Alguma imprensa de hoje recorda, creio que com alguma dose de cinismo, que o dia 23 de Setembro tinha sido definido por Vítor Gaspar, o génio dos modelos econométricos, para o regresso aos mercados.
A realidade, sempre a realidade que teima em não caber na folha de Excel na qual assentam os modelos, vai promovendo o falhanço de sucessivas previsões globais.
Há uns meses atrás o I fez um trabalho muito interessante sobre o que designou por o "mundo delirante das previsões da troika" centrado, naturalmente na falha clamorosa de todas as previsões elaboradas pelos especializados e geniais técnicos que administram o país exemplificando com dados relativos ao défice, ao crescimento ou ao desemprego.
Sabemos da falibilidade da obra humana mas é demasiado grave que estes gurus acompanhados, pelos seus adjuntos internos, Passos Coelho, Vítor Gaspar e tantos outros colaboradores definam um conjunto de políticas gravosas, promotoras de exclusão e pobreza assentes em falhas inaceitáveis dos seus modelos de análise e que de tal processo não se extraia uma conclusão óbvia, é necessário e urgente redefinir modelos e políticas mas na qual, como parece óbvio, os adjuntos internos da troika não estão minimamente interessados.
O resultado de tudo isto é uma persistência cega e surda e uma inabalável fé nos seus falíveis modelos, traduzidas no “custe o que custar", no cumprimento dos objectivos do negócio com a troika e mesmo na definição de objectivos de uma política "over troika", atingindo claramente o limite do suportável afectando gravemente as condições de vida de milhões. Estamos a falar de pessoas, não de políticas, ou melhor, estamos a falar do efeito das políticas na vida das pessoas.
Este "mundo delirante das previsões" da troika e dos feitores portugueses, como lhe chamou o I, seria um bom exemplo da conhecida metáfora do burro meteorologista, não fora a tragédia que causa na vida de milhões de pessoas.
Vamos então esperar que os deuses mercados se acalmem, se tornem misericordiosos e tenham piedade de nós.
Nós portamo-nos bem, já merecíamos uma atençãozinha. 

INGLÊS NO 1º CICLO? SLOWLY

O Ministro Nuno Crato vem hoje "pedir ajuda" ao Conselho Nacional de Educação relativamente a questão do ensino do Inglês no 1º ciclo pois "Temos de introduzir o Inglês no curriculo do ensino básico". Ao que parece, será o CNE, respondendo ao "repto" do Ministro que pensará como introduzir o Inglês no currículo do Básico logo desde o primeiro ano.
Certamente por responsabilidade minha, não consigo perceber como será o CNE, dentro da suas competências, a pensar como lidar com esta questão independentemente dos contributos que possa providenciar.
Parece-me claro, erro meu provavelmente, que as duas possibilidades em aberto, reforma curricular tornando o Inglês parte da matriz curricular obrigatória ou integrar desde já obrigatoriamente o Inglês na Oferta Complementar, dotando as escolas dos recursos docentes necessários para qualquer dos cenários são, evidentemente, da responsabilidade do MEC.
Este discurso do MEC é desresponsabilizante e pretende criar poeira numa matéria que me parece bastante transparente.
Nada de novo na normalidade em que tudo na educação decorre.

EDUCAÇÃO, INVESTIMENTO E DESENVOLVIMENTO

Termina o hoje o prazo de apresentação de candidaturas a bolsas individuais de doutoramento e pós-doutoramento financiadas pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
Dado que como é habitual, a educação é um terreno privilegiado para os cortes orçamentais e de acordo com a informação da FCT e da análise do que tem acontecido nos últimos anos estima-se um abaixamento muito significativo do número de bolsas a atribuir.
Mais uma vez chamo a atenção para os riscos desta política de desinvestimento que é de natureza suicida, por assim dizer.
Recordo, de novo e como exemplo, que a Conferência WISE –World Innovation Summit for Education de 2012, em Doha no Qatar, definiu como eixo central o investimento em educação mesmo em tempos recessivos, sublinhando a importância da qualificação, incentivos e apoios aos professores e a relação dos percursos educativos com o mercado de trabalho.
Sendo certo que importa racionalizar custos e optimizar recursos combatendo desperdício e ineficácia, o caminho que temos vindo a percorrer é justamente o contrário, o desinvestimento na educação, do básico ao superior com custos que o futuro se encarregará de evidenciar.
Está estudada e reconhecida de há muito a associação fortíssima entre o investimento em educação e investigação e o desenvolvimento das comunidades, seja por via directa, qualificação e produção de conhecimento, seja por via indirecta, condições económicas, qualidade de vida e condições de saúde, por exemplo.
Corremos o sério risco de ver ameaçados os excelentes resultados que a investigação eas instituições de ensino superior têm vindo a alcançar.
Como em quase tudo é uma questão de escolhas e prioridades de quem lidera. O problema como referia o Professor Sobrinho Simões num entrevista sobre estas questões é que "os nossos políticos têm um problema ... alguns não se apercebem do valor do ensino superior e da investigação".
O empobrecimento e o desinvestimento em educação nunca poderão ser factores de desenvolvimento.

A BRUTAL AUSTERIDADE NOS NASCIMENTOS

Segundo dados do INE, no primeiro semestre deste ano verificaram-se menos cerca de quatro mil nascimentos que em igual período do ano passado. Retomo algumas notas no âmbito da colaboração que dei para o tratamento que alguma imprensa deu a esta matéria.
Em Maio, num estudo realizado pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, evidencia-se um dado já conhecido, as famílias portuguesas estão a adiar o nascimento do primeiro filho e também o adiamento do segundo ou mesmo a ausência de outros filhos por razões de natureza económica. Aliás, Portugal tem uma das mais altas taxas de filho único na Europa.
Nada de surpreendente, segundo dados da Comissão Europeia, em 2011 Portugal registou a quarta mais baixa taxa de fecundidade da União Europeia. Esta tendência que se acentua é mais uma preocupação emergente. A renovação de gerações exige 2,1 filhos por mulher sendo que desde 1982 que em Portugal não se atinge tal valor. Em 2011 tivemos 1,35 como índice sintético de fecundidade manifestamente insuficiente.
É ainda de registar que em 2010, um pouco mais de 10% dos nascimentos são crianças de mães estrangeiras, quando curiosamente temos discursos de governantes que nos aconselham, sobretudo aos mais novos, a emigrar e assim, lá longe, construir um projecto de vida. Os dados mais recentes sobre a emigração confirmam este fenómeno, a saída de muitos jovens.
Estes indicadores comprometem, obviamente, a renovação geracional, potenciando o envelhecimento populacional e o desequilíbrio demográfico que se tem acentuado fortemente a partir de 2003.
É ainda interessante sublinhar que trabalhos recentes evidenciam que as mulheres portuguesas são de entre as europeias as que mais valorizam a carreira profissional e a família. Também é sabido de outros estudos que as mulheres portuguesas são das que mais tempo trabalham fora de casa, aliás, são também das que mais tempo trabalham em casa.
Como parece claro, este cenário, menos filhos quando se desejava fortemente compatibilizar maternidade e carreira, exige, já o tenho referido, a urgência do repensar das políticas de apoio à família. Os salários baixos ou o desemprego são uma das razões que “obrigam” a que as famílias revejam em baixa, como agora se diz, os projectos relativos a filhos. Por outro lado, Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que, naturalmente, é mais um obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos.
Não pode ainda esquecer-se a discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc.
Toda esta situação torna urgente a definição de políticas de apoio à família com impactos a curto e médio prazo como, por exemplo, a acessibilidade aos equipamentos e serviços para a infância com o alargamento da resposta pública de creche e educação pré-escolar, cuja oferta está abaixo da meta estabelecida bem como combater a discriminação salarial e de condições de trabalho através de qualificação e fiscalização adequadas.
Seria ainda importante, à semelhança do que se passa noutros países, a introdução de ajustamentos na organização social do trabalho, nos horários, por exemplo, que tornassem mais amigáveis e compatíveis para famílias com filhos os desempenhos profissionais. Os custos destas medidas seriam certamente compensados em várias dimensões. 
Só com uma abordagem global e multi-direccionada me parece possível promover a recuperação demográfica indispensável.

domingo, 22 de setembro de 2013

O MILAGRE DAS AULAS DE INGLÊS


- Que levais no Vosso regaço Professor Marcelo?
- São aulas de inglês Senhor.
E assim, por obra e graça milagreira do Professor Marcelo, as escolas pobrezinhas que não têm recursos podem oferecer aulas de inglês aos aluninhos.
 
É mau demais.

POLITIQUÊS, UMA LÍNGUA EM CONSTRUÇÃO

O politiquês é uma linguagem complicada em que muitas palavras conhecidas são utilizadas com significados outros. Tratar-se-á, provavelmente, de uma leitura enviesada do que Almada Negreiros dizia sobre a não necessidade de inventar palavras novas, mas de novas utilizações para as palavras já inventadas.
Na verdade, nos discursos de boa parte da classe política, as palavras já não significam o que sempre significaram mas algo que o autor entende e  quer que elas signifiquem, custe o que custar.
Vem esta introdução a propósito do último exemplo deste movimento. O Dr. Rui Machete afirmou por escrito à AR que não foi accionista da SLN/BPN quando efectivamente o foi. Diz o Dr. Machete com a maior tranquilidade que se trata de uma "incorrecção factual". Antigamente chamava-se mentira.
Mas isso era num tempo em que a palavra, as palavras, valia, valiam. A palavra hoje vale pouco, para não dizer nada.
O acompanhamento ao nosso quotidiano e aos discursos das lideranças políticas, mostra outros exemplos como "irrevogável", "clarificação", "estabilidade", "linha inultrapassável", "transparência", "inaceitável", "tranquilidade", "promessa", "objectivo", "normalidade", etc., que significam coisas bem diferentes do sentido que sempre tiveram.
É verdade que as línguas são estruturas vivas e que, portanto, mudam, evoluem e o politiquês, naturalmente, não foge à regra.
A questão é que este processo tem um preço pesadíssimo. As palavras, o seu verdadeiro significado ficam feridas de valor.
Como no valor fica ferida a confiança dos cidadãos nesta gente que fala politiquês, para quem vale tudo na protecção de interesses que raramente têm a ver com o bem-estar comum. Por isso a falta de saúde ética da nossa democracia de que o processo eleitoral em curso para as autarquias é um retrato fiel e embaraçoso.