AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sábado, 31 de dezembro de 2011

UM ANO NOVO MESMO NOVO

Por uma vez, o Ano Novo poderia ser mesmo Novo. Por exemplo.
Poderia ser Novo no respeito efectivo pela dignidade, pelos direitos básicos e no combate às desigualdades e à exclusão.
Poderia ser Novo na gestão da coisa pública com transparência, justiça e ao serviço das pessoas.
Poderia ser Novo no recentrar das grandes questões da educação no que se passa com os miúdos.
Poderia ser Novo no combate ao desperdício.
Poderia ser Novo nos discursos e padrões éticos das lideranças políticas, económicas e sociais.
Poderia ser mesmo Novo, estão a ver?

De repente, lembrei-me do Zé, um jovem com uma deficiência motora significativa quem me cruzei há anos, que quando falava dos seus desejos de futuro terminava sempre da mesma maneira, “sonhar não custa nada, viver é que custa”.

Que o Ano Novo vos (nos) seja leve.

BALANÇO DE UMA LETRA SÓ

Como não podia deixar de ser estes são dias de reflectir sobre o que foi o ano e sobre o que desejamos ou, de forma mais realista, que esperamos no ano que se aproxima.
Num ano em que tanta coisa aconteceu torna-se naturalmente difícil num texto telegráfico elaborar um balanço. Por simplicidade acabei por tentar fazê-lo em torno de uma só letra, a letra D.
O ano fica marcado pelo Desemprego que atingiu números impensáveis e implicou as maiores dificuldades para muitos milhares de portugueses, além, é claro da Dívida e do Défice.
Entre as consequências dificilmente quantificáveis da crise em que nos encontramos mergulhados emerge a Dignidade roubada a muita gente, seja pela falta de trabalho, seja pela exclusão e pobreza.
Ainda neste universo, o aumento do número de pessoas em risco de pobreza e exclusão, muitas delas ainda crianças, representa uma enorme Desilusão e Derrota das sociedades modernas e com preocupações sociais.
Também podemos afirmar, creio, que 2011 veio acentuar a Desconfiança com que os que os discursos das lideranças políticas e económicas são percebidos por boa parte dos cidadãos.
Um dos aspectos que, lamentavelmente, permaneceu inalterável em 2011 foi a Desconfiança dos cidadãos face à justiça. Esta desconfiança é uma das maiores ameaças à qualidade da nossa vida cívica e mantém-se, é estrutural.
Parece-me preocupante pelas potenciais consequências o Desinvestimento na educação. O Ministro tinha como intenção implodir o Ministério mas arrisca-se a implodir a educação.
Não posso deixar de referir algo que me parece marcar também o ano que caduca. De mansinho, parece ter-se instalado uma Desesperança, um sentimento proibido, inibidor, onde pode crescer a desistência do futuro.
No entanto, felizmente, cada um de nós terá vivido certamente Dias bonitos que nos vão ficar também como memórias de 2011.
Tentando manter uma atitude e uma visão realistas, considero-me um optimista cauteloso, acredito que, por princípio, o que está para vir vai ser melhor do que o que já passou, se fizermos por isso. Assim, como também é habitual por estas alturas, Desejo-vos um bom ano de 2012.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

OS CUSTOS DE MODERAR O ACESSO AOS CUIDADOS DE SAÚDE

Uma pequena nota introdutória. Passou relativamente despercebido o relatório da OCDE há dias divulgado sobre as desigualdades entre os países que a compõem, “Divided We Stand: Why Inequality Keeps Rising” contendo a significativa informação de que Portugal lidera nos países europeus o fosso existente entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres. Em termos globais Portugal ocupa o sexto lugar.
Esta constatação sobre o fosso enorme que ainda permanece na população portuguesa entre os mais ricos e mais pobres aparece numa época particularmente marcada por austeridade e dificuldades pesadíssimas com cortes na massa salarial, pensões, reformas e apoios sociais, bem como o aumento de impostos, designadamente do IVA, implicando a subida generalizada de preços.
Esta nota vem a propósito do aumento significativo do custo das taxas moderadoras e do acesso a outros cuidados e serviços de saúde. Apesar da insistência no número de isentos é óbvio e reconhecido que estes aumentos criam dificuldades no acesso aos cuidados de saúde e já se verifica, conforme estudos da DECO e opinião de especialistas, o não recurso a serviços de saúde ou a terapêuticas por questões financeiras.
Todos os dias ouvimos referências à necessidade de equidade na repartição de dificuldades e sacrifícios. Na maior parte das vezes estas referências fazem parte da retórica política sem impacto significativo em políticas promotoras de justiça social que só contribuem para manter, quando não acentuar, a disparidade entre os mais ricos e os mais pobres.
A sua manutenção decorre de questões de estrutura, os modelos de desenvolvimento económico e social que têm sido mobilizados não conseguem, como sublinha o secretário-geral da OCDE, "O contrato social está a começar a deslaçar em muitos países. Este estudo desfaz as assunções de que os benefícios do crescimento económico se transmitem automaticamente aos mais desfavorecidos e que favorecem uma maior mobilidade social”.
Será certamente difícil calcular o impacto económico que a degradação do acesso ao SNS poderá ter na saúde e qualidade de vida de muitas pessoas e, consequentemente, nos potenciais custos futuros agravados. Provavelmente, custarão mais do que os 200 milhões que o Ministério da Saúde agora espera arrecadar com o aumento das taxas moderadoras.
É tudo uma questão de contas. Ou de pessoas?

AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADO. Umas más e outras boas?

Para os dados que o cidadão comum, o meu caso, possui, o cancelamento do concurso para a instalação de oito Campus da Justiça e da anulação de outro parecem ajustados.
De facto, a opção pela reabilitação de edifícios públicos parece mais racional e económica, permitindo a libertação de meios ou recursos que minimizem o mau funcionamento do sistema de Justiça.
A forma com a política anterior entendia a gestão das instalações ao serviço do sistema de justiça aparenta ser mais uma versão das tão divulgadas parcerias público-privado, ou seja, um excelente negócio privado alimentado com dinheiros públicos.
O que me parece preocupante é que esta atitude não se estenda, por exemplo à renegociação ou denúncia, avaliando custos, de outras parcerias da mesma natureza como no universo dos transportes ou da área da saúde.
Sabemos dos custos imensos que ao longo de muitos anos as finanças públicas vão suportar com negócios que asseguram os lucros a distribuir pelos parceiros privados, sendo que esses lucros são, na face da moeda virada para os contribuintes que alimentam o estado, um enorme e infindável prejuízo.
Talvez os parceiros na área dos transportes ou da saúde tenham um peso que os parceiros envolvidos na questão dos Campus da Justiça não têm. Para nosso mal.
Uma nova questão em que se pode falar de equidade, termo de que o Governo ainda não descobriu o significado ou, outra hipótese, sabe o significado mas opta pelos interesses que entende defender, os privados, “as usual”.

NOSSA SENHORA DA GRAÇA DOS DEGOLADOS

Uma deambulação curta pelo Meu Alentejo, lindo como sempre e em qualquer altura do ano, fez-me passar ali para as bandas de Campo Maior por uma aldeia de nome impressionante, Degolados, leram bem, Degolados. Esta aldeia pertence, confirmei agora, à Freguesia de Nossa Senhora da Graça dos Degolados.
Os nomes das terras deste jardim têm uma riqueza e diversidade surpreendentes como, aliás, um trabalho recente no Público evidenciou. Mas fiquei a pensar em Degolados. Que nome trágico para uma terra onde nasce gente. Terá a lindeza mas o nome Deus meu, assusta.
É certo que quem por ali chega ao mundo tem a bênção de um nascimento no Alentejo, mas nascer nos Degolados é pouco animador.
Donde és? Sou de Degolados, Nossa Senhora da Graça dos Degolados.
Da graça dos Degolados?
Onde nasceste? Nasci em Degolados, Nossa Senhora da Graça dos Degolados.
Nossa Senhora da Graça dos Degolados?!
Tentei descobrir a origem do nome e, ao que parece, terá nascido de uma antiga Herdade com esse nome e de um ribeiro que o teve e o perdeu, ainda que se não conheça a razão para que Degolados se chamem, mas poderiam existir opções apesar de tudo um pouco mais simpáticas, Embaraçados, Incomodados, Entristecidos ou outra mais leve que degolados.
Talvez Degolados seja a síntese trágica, esperemos que ficcionada, de uma terra grande, a nossa, a que nos tempos que correm parece chamar-se Aflitos, Nossa Senhora da Graça dos Aflitos.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

MAIS FORMAÇÃO QUALIFICADA. É bom mas ainda é insuficiente

O Público de hoje, com base em dados do INE refere que em cinco anos o número de doutorandos aumentou 134.4% o que é notável. Na notícia lê-se ainda que o nível de precariedade no trabalho aumentou, facto que também já era conhecido de outras fontes.
Este tipo de notícias, mais uma vez e quando não devidamente trabalhadas, alimentam o enorme equívoco de que temos gente qualificada a mais sendo que essa qualificação serve de pouca coisa. Uma leitura à maioria dos comentários on-line a estes trabalhos ilustra claramente esse equívoco. Assim sendo e mais uma vez, até que os dedos me doam, algumas notas que ainda recentemente aqui escrevi a propósito dos dados do Censo 2011 que mostraram que em dez anos duplicou a percentagem de população que detém formação superior e que produziu os mesmos efeitos que a notícia de hoje.
Quando se lê que o número de doutorandos subiu exponencialmente ou que o de licenciados duplicou em dez anos, creio que tal informação vai ao encontro da ideia falsa que se instalou na sociedade portuguesa de que temos licenciados a mais e de que não adianta estudar pois espera-os o desemprego. O desenvolvimento das sociedades actuais exige a qualificação das pessoas, a alternativa é a exclusão.
Neste sentido, parece-me fundamental que tenhamos uma visão comparativa com os países do mesmo espaço, a União Europeia. Assim, os dados da OCDE relativos a 2009 dizem-nos que, considerando a população dos 25 aos 65 anos, temos o nível mais baixo, repito mais baixo, de qualificação superior, é menos de metade da média europeia. Se considerarmos o ensino secundário, os dados do Censo 2011 mostram que temos 13% da população com esta habilitação. Mais uma vez é relevante saber que em 2009 também tínhamos o mais baixo nível de qualificação com o ensino secundário da UE, bem abaixo de metade da média. Um último dado comparativo, em 2009 o abandono precoce em Portugal era mais do dobro da média da UE.
Este cenário mostra como é de saudar o aumento de qualificação de nível superior mas também se percebe como estamos longe dos níveis de qualificação da população dos países com quem interagimos e competimos. Para além de tudo isto importa não esquecer que 25 % da população portuguessa tem apenas o 1º ciclo.
Quanto ao emprego desta mão-de-obra qualificada, os jovens licenciados não estão no desemprego por serem licenciados, estão no desemprego porque temos um mercado pouco desenvolvido e ainda insuficientemente exigente de mão de obra qualificada e estão no desemprego porque, por desresponsabilização da tutela, a oferta de formação do ensino superior é completamente enviesada distorcendo o equilíbrio entre a oferta e a procura. No que respeita ao mercado de trabalho é, mais uma vez, de sublinhar que muitas empresas, sobretudo as de menor dimensão (as que asseguram cerca de 95% do emprego), provavelmente também devido ao baixo nível de qualificação dos empresários (é um dos mais baixos da UE e, estranhamente, nunca é associado a esta questão), revelam-se as mais avessas à contratação de mão-de-obra qualificada.
Quanto à questão da precariedade que atinge os jovens com formação superior à entrada no mercado de trabalho, aspecto dramático e inibidor da construção de projectos de vida, é bom ser absolutamente claro, esta situação não atinge os jovens licenciados por serem licenciados, atinge toda a gente que entra no mercado de trabalho porque a legislação e regulação do mercado conduzem a esta situação, trata-se dos efeitos da agenda liberal e não o efeito da qualificação dos jovens, é bom que se entenda. Portugal é o segundo país da Europa, a seguir à Polónia, com maior nível de contratos a prazo.
Estamos no caminho mas com muita estrada por percorrer, era bom que nos lembrássemos disto antes dos discursos sobre o "país de doutores", tão falsos quanto perigosos.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O TEMPO MUDA TUDO

O povo costuma dizer que o tempo muda tudo. Embora nem sempre esteja de acordo com o povo, neste aspecto, creio que existirá fundamento.
Em miúdo é teimoso, em graúdo torna-se persistente.
Em miúdo é desconcentrado, em graúdo torna-se alguém capaz de estar atento a tudo.
Em miúdo é hiperactivo, em graúdo torna-se um recurso humano extremamente activo.
Em miúdo é ausente, em graúdo torna-se um indivíduo contemplativo e de grande riqueza interior.
Em miúdo é mal-educado, em graúdo torna-se irreverente.
Em miúdo é esperto, em graúdo torna-se inteligente.
Em miúdo é “uma lesma”, em graúdo torna-se um indivíduo imune ao stress.
Em miúdo é arrogante, em graúdo torna-se assertivo e seguro.
Em miúdo é habilidoso, em graúdo torna-se de grande competência social.
Em miúdo é descuidado na aparência, em graúdo torna-se informal.
Em miúdo é o responsável por tudo, em graúdo torna-se líder.
Em miúdo é esquisito, em graúdo torna-se peculiar.
Em miúdo está sempre a preparar alguma, em graúdo torna-se uma pessoa proactiva, um empreendedor.
Em miúdo tem manias, em graúdo torna-se uma pessoa personalizada.

Acho que dá para entender por que razão os miúdos querem crescer cada vez mais depressa.

CERTIFICAR NÃO É QUALIFICAR

Uma das decisões iniciais do MEC foi desencadear uma avaliação ao Programa Novas Oportunidades centrando-se ao que parece na questão do impacto na empregabilidade e qualidade de emprego das pessoas que nele se envolveram. Parece-me importante face a alguns argumentos que em diferentes ocasiões aqui coloquei.
A imprensa de hoje noticia que os profissionais da maioria dos Centros Novas Oportunidades têm a sua situação indefinida pois o financiamento dos Centros termina no final do ano. Parece-me deplorável e na linha do que tem vindo a ser a linha de pensamento político que informa as decisões em diferentes áreas e matérias, “euros primeiro, pessoas depois”. Enquanto decorre a avaliação a situação dos profissionais deveria ser acautelada e clara.
Por outro lado e retomando notas antigas, é de facto necessária uma séria e profunda avaliação ao programa em função de dois critérios fundamentais a qualidade da qualificação providenciada e o impacto na qualidade e nível de emprego. Algumas das avaliações realizadas centraram-se, do meu ponto de vista, em aspectos que sendo interessantes, não contemplaram a essência dos objectivos do programa e é isso que deve estar em avaliação.
Em muitos Centros Novas Oportunidades, o empenho e a qualidade dos profissionais tentou gerir da melhor forma a situação criada pelo enorme equívoco promovido pela gestão política do Programa. Qualificar não é sinónimo de certificar e este equívoco feriu de morte um Programa que começou em cima de um bom princípio, certificar competências adquiridas e providenciar novas competências a pessoas sem percurso escolar significativo. Em Dezembro de 2008 dizia o Professor Luís Capucha, responsável pelo Programa, que, “estando a certificar 4 000 pessoas por mês, é curto, temos que aumentar a produção de certificados, temos que multiplicar por sete o “produto”, temos que certificar 29 900 para cumprir as metas do Governo”. Como afirmei na altura, parece-me possível certificar 30 000 pessoas por mês, qualificá-las é algo bem mais difícil. Curiosamente, na imprensa de hoje nas referências a esta matéria, levanta-se a hipótese de que os Centros com menor “produtividade” sejam os principais candidatos ao encerramento.
Não conheço a avaliação que estará a ser realizada ao Programa, aliás a avaliação de programas não faz habitualmente parte da nossa cultura, mas o envolvimento de muitos técnicos e de muitas das pessoas que nele participaram, mereciam essa avaliação. Seria uma forma de separar o pouco trigo do muito joio.

O MINISTÉRIO DA SAÚDE TRATA-NOS DA SAÚDE. Ai trata, trata

O povo português usa a expressão “tratar da saúde” com muita frequência num sentido irónico, isto é, ouvimos alguém dizer, por exemplo, “eu tratava-lhe da saúde”, significando exactamente o contrário, “eu dava-lhe cabo do canastro”.
O Ministério tem vindo a tomar decisões que parecem inscrever-se neste entendimento, ou seja, organiza-se, decide e actua para nos dar cabo do canastro, o que é, no mínimo, preocupante.
Segundo o Público, os cidadãos com quadros clínicos de epilepsia terão de submeter-se a uma junta médica que ateste essa condição de forma manterem a isenção das taxas moderadoras. Os especialistas descrevem o processo como altamente burocratizado e inibidor da qualidade da assistência médica a estes doentes, entre 50 e 60 000 em Portugal.
Esta decisão, a juntar a várias outras que têm vindo a ser tomadas embora sustentadas na austeridade e contenção orçamental comprometem seriamente a acessibilidade e universalidade aos cuidados de saúde. Várias entidades têm vindo a pronunciar-se contra os riscos de muita gente deixar de procurar os serviços de que necessita devido às dificuldades económicas que atravessa bem como as dificuldades e custos advindas dos próprios serviços.
Aliás, há uns tempos, um estudo da DECO sobre a acessibilidade dos portugueses aos serviços de saúde revelou alguns dados preocupantes. Em primeiro lugar, seis em cada dez famílias exprimem dificuldades em suportar as despesas com a saúde. Destas, quase metade adiaram o início de terapias e cerca de 40% nem pondera iniciá-las por questões económicas. Cerca de 20% contraíram créditos para este efeito, a maioria no último ano.
De facto, na boa tradição da expressão popular “tratar-lhe da saúde”, o Ministério da Saúde assumiu esse entendimento da sua função, trata-nos da saúde até …

A SALAMANDRA

Há pouco, ao entrar em casa carregando um frio que parece ter vindo para ficar e está bem áspero, o calor brando da salamandra sempre acesa começa de mansinho a produzir um efeito de aconchego que nos aquieta.
Gostamos de acreditar que assim deve ser, entramos em casa e sentimo-nos aquietados, aconchegados, é para isso, também, que serve a nossa casa, a nossa tribo.
Lamentavelmente, não acontece com toda a gente e por diferentes razões. Como quase sempre acontece, penso sobretudo nos mais gaiatos por mais vulneráveis. Na verdade, muitos miúdos quando entram ou estão em casa encontram o calor que aconchega mesmo em casas que, por vezes, estão super-aquecidas com vários e sofisticados aparelhos.
No entanto, falta um calor que aqueça de dentro para fora e não de fora para dentro. São miúdos que vivem com a alma fria, sem a atenção, a boa atenção, que conforta e sustenta.
Bem andava aquela miúda a quem quando se pediu para desenhar a sua família, a colocou toda debaixo de um radiante sol, aconchegados e quentes.
É que o frio faz muito mal aos miúdos, como se lê no notável “O mundo” de Juan José Millás que assim fala, “Quem teve frio em pequeno, terá frio para o resto da vida, porque o frio da infância nunca desaparece”.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

A GENTE VAI VIVER DE QUÊ?

Segundo dados do IEFP hoje divulgados pela imprensa, no espaço de um ano o número de casais com ambos os elementos no desemprego duplicou, subiu 97.38 % para cerca de 5 600. Ainda de acordo com a mesma fonte estão a receber subsídio de desemprego 307 969 pessoas e o valor médio dos subsídios pagos voltou a baixar. Relembremos que a estimativa sobre o número total de desempregados está bem acima do dobro dos que recebem subsídio.
Aliás, há algumas semanas noticiava-se que existirão cerca de 250 000 pessoas inscritas nos Centros de Emprego que não recebem subsídio de desemprego. Há tempos foram divulgados alguns dados referindo-se a cerca de 200 000 pessoas que já terão desistido de procurar emprego e que não constam dos números do desemprego. Estas pessoas inactivas, devido à idade ou à falta de habilitações e em situação de desesperança, aumentariam, se fossem contabilizadas, a taxa de desemprego para 15,5% sabendo-se ainda, dados recentes, que 84% dos jovens com menos de 25 anos que estão desempregados não têm subsídio.
No final desta semana vai reunir-se o Conselho de Ministros para, entre outras matérias fechar o dossier relativo ao subsídio de desemprego alterando montantes e prazos, por imposição do Programa de Ajuda Externa, Esta coisa de chamar "Ajuda" a um negócio que nos empobrece embaraça-me.
Esta cenário levanta uma terrível e angustiante questão. Os milhares, muitos, de pessoas envolvidas vão (sobre)viver de quê?
Sendo de esperar um período recessivo e, portanto, sem crescimento, torna-se impossível criar a riqueza necessária e redistribuí-la de forma socialmente mais justa para minimizar esta tragédia.
É certo que em Portugal a chamada economia paralela corresponde a cerca de 24% do PIB e muita gente e muitas actividades estão envolvidas neste universo, de qualquer forma o potencial impacto social destes números é, no mínimo, inquietante.
Afirmo com frequência que uma das consequências menos quantificável das dificuldades económicas, sobretudo do desemprego, em particular o de longa duração e de situações em que o tempo obriga a perder o subsídio, é o roubo da dignidade às pessoas envolvidas. Sabemos que se verifica oportunismo e fraude no acesso aos apoios sociais, mas a esmagadora maioria das pessoas sentem a sua dignidade ameaçada quando está em causa a sobrevivência a que só se acede pela “mão estendida” que envergonha, exactamente por uma questão de dignidade roubada.
A questão da pobreza é um terreno que se presta a discursos fáceis de natureza populista e ou demagógica, sem dúvida. Mas também não tenho dúvidas de que os problemas gravíssimos de pobreza que perto de dois milhões de portugueses conhecem, exigem uma recentração de prioridades e políticas que não se vislumbra. Curiosamente, até da área política mais próxima do actual governo surgem críticas às opções que têm vindo a ser assumidas.
A pobreza e a exclusão deveriam envergonhar-nos a todos, a começar por quem lidera, representam o maior falhanço das sociedades actuais.
A liderança que transforma é uma liderança com responsabilidade social e com sentido ético.

ENTRE O NATAL E O ANO NOVO

Os dias que medeiam entre o Natal e o Ano Novo têm, do meu ponto de vista, uma característica muito particular. Fico sempre com a sensação de que os vivemos como não dias. Parece uma ideia estranha mas vou tentar explicar.
Logo depois do Natal, ainda a recuperar do espírito natalício, entramos numa espécie de ressaca advinda da azáfama das prendas, dadas, recebidas ou sonhadas e da culpa resultante dos excessos.
Deste estado, passamos para os dias de aproximação ao Ano Novo que, independentemente do que de menos bom possamos racionalmente esperar, vivemos com a esperança de que seja mesmo novo e, sobretudo, Bom. Trocamos milhares de mensagens e votos noutra azáfama que parece assentar numa ideia mágica dos tempos de miúdo que nos parece fazer acreditar que se assim procedermos, o Ano Novo vai ser mesmo bom. É certo que de há uns tempos para cá até foi desaparecendo o Próspero, basta que seja Bom, ou até mesmo que não seja pior do que este. É também muito provável que nos últimos dias do próximo Dezembro estaremos com o mesmo sentimento a enunciar os mesmos discursos.
Alguns de nós tentarão de forma mais ou menos dispendiosa ou criativa encontrar uma maneira feliz e divertida, assim a entendemos, de entrar em Janeiro, no Ano Novo, portanto. Este ano, dizem, a coisa vai ser mais comedida, efeitos da crise, é claro.
O problema mais sério é que a 2 de Janeiro está aí o Ano Novo que, para muita gente, vai continuar velho e para muita outra gente não vai ser Bom.
Mas para um povo sereno e de brandos costumes, haja saúde, que é o principal, no resto, no resto algum jeito se há-de dar.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

VIOLOU? SIM, MAS NÃO LHE BATEU. ABSOLVIDO

A Ordem dos Médicos, num procedimento raríssimo, propõe a expulsão de um médico psiquiatra que violou uma doente a quem tratava devido a um quadro depressivo e estava grávida.
Em tribunal de primeira instância os comportamentos são dados como provados e o cidadão condenado.
Como é habitual em Portugal, seguiu-se o recurso e o Tribunal da Relação pronunciou-se pela absolvição do cidadão porque os actos, que continuaram dados como provados não foram, no entendimento dos doutos juízes susceptíveis de se considerar violentos.
Como referi na altura, foi difícil acreditar. É certo que não terão existido agressões físicas muito sérias, a senhora não terá levado uns murros e, muito menos, facadas e tiros. Na verdade, a senhora em situação psicológica vulnerável, estava em acompanhamento clínico devido a depressão, foi só empurrada e pressionada com alguma assertividade, por assim dizer, a realizar práticas que não queria e que certamente não fazem parte da abordagem terapêutica, o chamado acto médico.
Os doutos juízes da relação não vislumbraram sinal de ilícito e decidiram-se pela absolvição. A sua sagacidade e lucidez não lhes permitirão perceber que este é um excelente exemplo da forma como o funcionamento da justiça contribui para a imagem miserável que o cidadão tem de um sistema de justiça em que não confia. Estes juízes, do alto da sua impunidade irresponsável, desconhecem o que são princípios éticos e valores que não podem ser hipotecados e branqueados por actos administrativos arbitrários e terroristas ainda que mascarados por uma linguagem indecifrável.
Em quem pode o cidadão confiar se o médico viola mas não bateu e o juiz o absolve porque só violou, não bateu?
Finalmente, a Ordem dos Médicos assume a proposta de expulsão do médico em causa. Esta proposta não pode ser entendida como uma reparação delinquente entendimento dos juízes do Tribunal da Relação do Porto, é apenas o que uma estrutura representativa de uma classe profissional pode, deve, fazer num caso que nega e agride todos os princípios éticos e científicos nos quais devem assentar a prática profissional dessa classe.

VELHICE CLANDESTINA

O Público de hoje apresenta um extenso trabalho sobre um dos mais rentáveis nichos de mercado da economia paralela, os lares ilegais para idosos. Segundo dados da ALI - Associação de Apoio Domiciliário de Lares e Casas de Repouso de Idosos, existem 1863 lares licenciados, cerca de 1000 em situação ilegal alimentando um mercado que valerá perto dos 40 milhões de euros. É ainda de considerar que teremos perto de um milhão de portugueses acima dos 75 anos e dado o envelhecimento progressivo, o futuro do negócio parece assegurado. Aliás, na peça também se refere a existência de listas de espera significativas.
Há algumas semanas soube-se que a Segurança Social já procedeu ao encerramento de 86 lares para idosos de Janeiro a Outubro deste ano, número superior ao que se verificou o ano passado. O encerramento decorre da ausência dos níveis exigidos de qualidade de vida para os utentes, em diferentes dimensões. É importante que a fiscalização funcione assegurando dentro dos padrões razoáveis a qualidade destas instituições.
Este universo, o acolhimento, institucional ou familiar dos velhos é uma questão complexa, como complexa e muitas vezes difícil é viver com a condição de velho.
A imprensa referia há pouco tempo que a linha telefónica do Cidadão Idoso da Provedoria de Justiça recebeu durante o ano corrente ano 2142 chamadas. Destas chamadas, cerca de seis por cento estavam relacionadas com maus-tratos. Os restantes contactos abordavam fundamentalmente questões relativas a saúde, o apoio domiciliário, informação jurídica.
Um relatório recente da OMS identificava Portugal como um dos cinco países europeus em que os velhos sofrem mais maus-tratos. Cerca de 39,4% dos velhos sofrem alguma forma de maus-tratos, que envolvem, por exemplo extorsão, abuso psicológico, físico ou negligência. De facto, nos últimos tempos têm sido recorrentes as notícias sobre os maus-tratos aos velhos, aos seniores, como agora se diz. Quer no seio das famílias, quer em instituições, multiplicam-se as referências à forma inaceitável como os velhos estão a ser tratados. Não é fácil ser velho.
Começam por ser desconsiderados pelo sistema de segurança social que com pensões miseráveis, transforma os velhos em pobres, dependentes e envolvidos numa luta diária pela sobrevivência. Continua com um sistema de saúde que deixa muitos milhares de velhos dependentes de medicação e apoio, sem médico de família.
Em muitas circunstâncias, as famílias, seja pelos valores, seja pelas suas próprias dificuldades e estilos de vida, não se constituem como um porto de abrigo, sendo parte significativa do problema e não da solução produzindo cada vez mais situações de solidão e isolamento entre os velhos, com consequências que têm feito manchetes, muitos velhos morrem de sozinhismo, de solidão. Estão em extinção as relações de vizinhança e a vivência comunitária, fontes privilegiadas de protecção dos mais velhos.
É certo que existe, felizmente, um pequeno número de idosos que além do apoio familiar, ainda possuem meios que lhes permitem aceder a bens e equipamentos que contribuem para uma desejável e merecida qualidade de vida no fim da sua estrada.
Finalmente, as instituições, muitas delas, como o trabalho de hoje do Público ilustra, subordinam-se ao lucro e escudam-se numa insuficiente fiscalização não oferecendo a qualidade exigida. Por outro lado, os equipamentos de qualidade são inacessíveis aos rendimentos de muitos dos nossos velhos.
Lamentavelmente, boa parte dos velhos, sofreu para chegar a velho e sofre a velhice.
Não é um fim bonito para nenhuma narrativa.

domingo, 25 de dezembro de 2011

SÃO OS LOUCOS DE LISBOA

São os loucos de Lisboa, que nos fazem duvidar ... diz o poema de João Gil. A história de José, o homem que planta diariamente uma flor no Metro e que hoje o Público retrata, recordou-me uma outra figura de Lisboa, o senhor João Serra, o Senhor do Adeus ou, como ele preferia, o Senhor do Olá e que partiu há cerca de um ano.
O Senhor do Adeus gostava da solidão e, por isso, num tempo em que se dá pouco, João Serra dava, coisa pouca dir-se-á, um sorriso e um adeus a quem passava, sobretudo no Saldanha à noite, todos as noites. Com bom ou com mau tempo, porque a solidão não tem descanso.
Dar qualquer coisa já não parece muito saudável, dar afecto e simpatia é loucura, certamente.
Parece ser também a narrativa do José, a partir da solidão planta flores no Metro que alimentam a ideia de fazer crescer relações. Claro que espalhar flores no Metro é coisa de loucos ou de românticos, que nós saudáveis e normais achamos bizarro, fora do tempo. Creio no entanto que, apesar dos discursos, sentimos uma ponta de inveja pela coragem.
Fazem falta, os loucos de Lisboa.
Que nos fazem duvidar.

PROLETARIZAÇÃO, PERDÃO, DEMOCRATIZAÇÃO DA ECONOMIA

O Primeiro-ministro enfatizou duas ideias na comunicação natalícia e de ano novo, 2012 será um ano de mudança e de “democratização da economia”.
Relativamente à mudança não restarão grandes dúvidas face ao que já conhecemos e ao que se espera conhecer. Os aumentos já decididos em vários serviços e bens, os cortes nos apoios sociais envolvendo diferentes áreas, o aumento de impostos, etc., etc., mostram com de facto 2012 vai ser um ano de mudança, na linha, aliás, do muito que na vida de muitas pessoas já aconteceu, cito, só como exemplo, o aumento já verificado e ainda previsto no número de desempregados.
Por outro lado e relativamente à “democratização da economia”, a perspectiva, até de acordo com gente insuspeita, creio podermos esperar é mais provavelmente uma via de proletarização da economia, aliás, o próprio Primeiro-ministro já enunciou que o caminho é o empobrecimento.
Aumento da carga horária sem alteração de vencimento, corte de dois vencimentos em toda a administração e nas pensões e reformas, flexibilização do emprego, abaixamento do tempo e montante dos subsídios de desemprego, entre outras medidas anunciadas ou previstas que assentam, sobretudo no abaixamento dos custos do trabalho como forma de financiar a economia, ao abrigo da incontornável competitividade, conduzirão, é reconhecido pelo próprio governo, a uma fase recessiva grave que não se percebe com sustentará uma “democratização da democracia”.
Provavelmente, ”democratização da economia” quererá dizer que o acesso à pobreza e às dificuldades é mais equitativo, ou seja, franjas como a chamada “classe média” podem agora aceder à pobreza em situações de maior democratização.
A pobreza já não é uma condição só acessível a alguns, agora e em 2012 muitos de nós já vamos poder ser pobres.
Gostava de estar errado.

UM CONTO DE NATAL MUITO PEQUENINO E UM BOCADINHO SEM JEITO, POR ASSIM DIZER

De acordo com a tradição naquela família, ao fim da noite de Natal chegava o momento mais aguardado, a abertura dos presentes que estavam ao pé da árvore de Natal.
Como também era habitual e devido à impaciência da espera os mais novos eram sempre os primeiros.
Assim, o Francisco, com a autoridade dos seus oito anos, começou ansiosamente a desembrulhar os muitos presentes que lhe estavam destinados. A cada um a euforia aumentava. Ficou delirante com o telemóvel e a consola nova que os pais lhe ofereceram e não fosse a vontade de conhecer o resto das prendas já não largaria os novos companheiros o resto da noite.
Recebeu ainda um portátil mais pequeno e mais recente do que já tinha, uma série de videojogos já adaptados à nova consola e uns fones de última geração.
O Francisco estava verdadeiramente nas nuvens ou, por assim dizer, completamente submerso pelo espírito natalício.
Por fim apenas restava por abrir o presente do Avô Velho, um embrulho pequeno e discreto. O Francisco, com a agitação ao alto, abriu-o e mostrou um caderninho de capa dura e bege que tinha escrito na capa com a letra certinha e redonda do Avô Velho "As minhas histórias". O Francisco deitou-lhe um olhar rápido e pousou-o num canto onde ficou o resto da noite.
Quando toda a gente se foi deitar o Avô Velho ficou mais um pouco na sala e percebeu que já não era deste mundo. Devagarinho, para não acordar ninguém enfiou-se pela chaminé e partiu.

sábado, 24 de dezembro de 2011

VIVER SÓ, NÃO SAIR, MORRER DE SOZINHISMO

Não queria mesmo atrapalhar o espírito natalício mas não pude deixar de reparar no trabalho do Público sobre o projecto Mais Proximidade Melhor Vida, um projecto do Centro Social e Paroquial de São Nicolau de ajuda e apoio a idosos que vivem só, frequentemente em andares elevados e com sérios problemas de mobilidade.
A propósito talvez seja de recordar que dados do Censo 2011 mostram o crescimento exponencial das pessoas que vivem sós, 37,3 % em dez anos, representando agora 21,4 %. Este quadro decorre fundamentalmente do envelhecimento da população pelo que boa parte dos que vivem sós são velhos e não uma opção de modelo de vida ou situação transitória.
É também conhecido que nos últimos tempos são múltiplos os episódios de velhos que morrem sem que se dê conta de tal tragédia.
Não sou, não quero ser, especialista nestas matérias mas creio que muitas destas pessoas morrem de sozinhismo, a doença que ataca os que vivem sós e perderam o amparo. Algumas pessoas terão morrido de solidão e não de outras causas que possam vir a figurar nas certidões. Quem não vive só mais facilmente resiste às mazelas que a idade trás quase sempre. As pessoas são, espera-se, fonte de saúde e calor. E este universo, as pessoas velhas que vivem só e em isolamento tende a alargar-se conforme os dados do Censo confirmam. Em Lisboa, segundo alguns trabalhos, estima-se uma "realidade de total isolamento diário para 59 por cento da população que reside sozinha, evidenciando um risco de solidão” e completamente dependentes das relações de vizinhança comunitária, elas próprias em extinção. Este cenário sublinha a importância do trabalho desenvolvido no âmbito do Projecto retratado no Público.
Esta é que é verdadeiramente a causa de morte de muitos idosos. Por isso e como sempre, para além das necessárias políticas sociais emergentes do estado e das instituições privadas de solidariedade impõe-se a percepção pelas comunidades, designadamente pelas famílias, do drama da solidão e isolamento. Os dados recolhidos e, portanto, conhecidos devem servir de base a políticas ajustadas à realidade.
É também uma questão de redes sociais, mas não das virtuais.

A MENSAGEM E O MENSAGEIRO

É aceite que em muitas circunstâncias o conteúdo da mensagem é, também, analisado em função do mensageiro.
Vem esta nota a propósito do recente alvoroço sobre as declarações de um Secretário de Estado e do Primeiro-ministro que sugeriram a emigração como forma de os portugueses fugirem ao desemprego em Portugal. Algumas vozes criticaram este tipo de declarações, entre as quais a minha, não porque a emigração não seja um possível projecto de vida mas porque, esta é a questão central, as lideranças de quem se espera a minimização ou resolução de problemas, não pode afirmar que a solução é abandonar. Algumas intervenções vindas em apoio das declarações esquecem o essencial, não é a referência à emigração que se questiona, é a função e a relevância de quem as enuncia.
Hoje, do meu ponto de vista, temos novo episódio de uma mensagem que não pode ser descodificada esquecendo o mensageiro. O Ministro da Saúde afirmou, "Gostava que no próximo ano de 2012 todos os portugueses tivessem um SNS com qualidade, (...) com a manutenção de possibilidade de acesso e, sobretudo, com universalidade e cobrindo todos os cidadãos de uma maneira geral, mas sobretudo os mais vulneráveis”.
Eu, e creio que a generalidade dos portugueses, expressamos o mesmo desejo, a mensagem é clara e, aliás, de acordo com o espírito da época. A questão, mais uma vez, é que é enunciada pelo Ministro da Saúde, alguém que nos tempos recentes tem vindo a tomar decisões e a gerir um plano fortíssimo de restrições económicas, que na opinião de muitos especialistas e considerando alguns estudos, por exemplo da DECO, têm implicado a dificuldade crescente no acesso aos serviços do SNS para muitos portugueses.
É simpático que o Ministro expresse desejos positivos para os portugueses, mas é dele que se espera a solução, ele é um actor principal, não é um espectador.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

A MINHA IDA AO ESPÍRITO NATALÍCIO

Fui ao espírito natalício, isto é, ao Almada Fórum. É um dos maiores e é nosso, aqui mesmo à beira.
Fui a pé porque, disseram-me, é muito difícil estacionar no espírito natalício. Parece que nesta altura os parques estão completos. Logo nas entradas dos parques se via o Natal. Os carros com as luzes e piscas ligados e a apitar freneticamente pareciam um enfeite. Muito bonito e as pessoas estavam com um ar contente, mesmo de espírito natalício, até pareciam indiferentes à crise que nestas alturas, é claro, sempre se esquece um pouco. Lá dentro havia gente que vou-vos contar. Mas cria-se um ambiente tão simpático e aconchegante com o aquecimento no máximo e as pessoas ao colo umas das outras, que se deseja que o Natal não acabe. Foi uma experiência fantástica. Para terem uma ideia do meu Natal no espírito natalício, deixo-vos uns fragmentos do que fui captando.
“Ó Cajó não tesqueças que temos que ir ao JUMBO buscar os camarões que são mais baratos que no LIDL. Tá bem Micas, aproveita-se e levamos as bejecas.”
“Crise? Qual crise? Crise é para mim que não me sai o Euromilhões.”
“Vanessa não insistas. Inda em Agosto, pelos anos, te comprei um telemóvel, não te vou já comprar outro. Na tua idade não precisas de uma banda muito larga, essa chega muito bem.”
“É sempre a mesma coisa e eu não aprendo. A tua mãe está lá dentro da loja há uma hora, na volta não compra nada nesta e temos que apanhar outra seca.”
“Crise? Qual crise? Crise é para mim que não me sai o Euromilhões.”
“Não me chateies com os livros. Ainda não leste todos os que estão lá em casa.”
“Tatiana, por amor de Deus, 12 prendas chega. Queres mais alguma coisa pede à tua avó.”
“Não Miguel, é ao contrário, o Natal é que passas com a mãe e na passagem de ano é que vais com o teu pai.”
“Crise? Qual crise? Crise é para mim que não me sai o Euromilhões.”
“Ó mãe deixa-me pôr outra moeda na máquina. Ainda só andei seis vezes. Vá lá.”
“Vou ali à FNAC comprar aquela cena do GPS. Fica fixe no carro. O people tem todo.”
“Eu bem te disse que não era boa ideia trazer a velhota. Nunca mais vamos sair daqui.”
Logo que me apanhei com os livros e os discos que fui procurar no espírito natalício ... fugi.
Não, não gosto particularmente do espírito natalício.

A VIDA DE ALGUNS MIÚDOS. Uma narrativa de sobreviventes

Não pode deixar de nos surpreender e interpelar a tragédia, o sofrimento e o mistério envolvidos na situação hoje conhecida da criança que sobreviveu a uma queda de 20 metros, para a qual foi arrastada numa tentativa sucedida de suicídio da mãe.
O milagre da sobrevivência da criança com apenas 20 meses, aparentemente sem problemas físicos gravidade significativa, é um dramático exemplo da resistência das crianças embora, tragicamente, algumas narrativas tenham desenlaces irreversíveis.
A vida de muitos miúdos é uma prova constante de obstáculos, alguns bem difíceis de enfrentar.
Muitos miúdos passam o dia a saltitar entre actividades e a correr de espaço para espaço sem tempo para respirar.
Muitos miúdos vivem em famílias que experimentam tremendas dificuldades em assegurar patamares mínimos de bem-estar e qualidade de vida.
Muitas crianças são vítimas de maus-tratos e negligência que transforma a sua vida num inferno inaceitável.
Muitos miúdos e adolescentes são fortemente pressionados pelas famílias para a excelência do desempenho, vivendo angustiadas perante o risco do fracasso e de se sentirem responsáveis por expectativas familiares defraudadas.
Muitos miúdos e adolescentes vivem em ambientes familiares e escolares afectivamente hostis, ameaçadores da sua auto-estima e confiança, quando não vitimizados por fragilidades que demonstram.
Muitos adolescentes sentem-se perdidos e incapazes de construir um projecto de vida viável capaz de os rebocar até ao futuro.
Os exemplos poderiam crescer, mas parecem suficientes para mostrar o nível de especialização que muitas crianças, adolescentes e jovens já atingiram na resistência ao que a vida lhes coloca pela frente.
Muitas crianças escrevem diariamente narrativas de sobrevivência, têm de ser de ferro. Esta criança é apenas mais uma história de resistência, vai bem com o Natal.
E a Mãe? Porquê?

PORTUGUESES, ESPÉCIE AMEAÇADA

O título surge um pouco fora do espírito natalício, mas no Expresso de hoje, com referência na primeira página, aborda-se a questão grave da baixa da natalidade em Portugal. Este ano vai ser seguramente ser o ano com menos nascimentos. A renovação de gerações exige 2,1 filhos por mulher sendo que desde 1982 que em Portugal não se atinge tal valor. Temos 1,37 como índice sintético de fecundidade o segundo mais baixo do mundo, atrás da Bósnia.
É ainda de registar que em 2010 um pouco mais de 10% dos nascimentos são crianças de mães estrangeiras, quando curiosamente temos em curso uma polémica sobre os conselhos de alguns governantes para que consideremos a emigração como projecto de vida.
Por outro lado, embora a maternidade faça parte dos projectos de vida das mulheres portuguesas, apenas 10% das que têm mais de 49 anos não têm filhos e 30% têm apenas um. Estes indicadores comprometem, obviamente, a renovação geracional, potenciando o envelhecimento populacional e o desequilíbrio demográfico. Contrariamente ao que se verifica noutros países que têm as respectivas taxas a subir, em Portugal o declínio a partir de 2003 tem sido constante.
É ainda interessante sublinhar que trabalhos recentes evidenciam que as mulheres portuguesas são de entre as europeias as que mais valorizam a carreira profissional e a família, a maternidade. Também é sabido de outros estudos que as mulheres portuguesas são das que mais tempo trabalham fora de casa.
Como parece claro este cenário, menos filhos quando se desejava fortemente compatibilizar maternidade e carreira, exige, já o tenho referido, a urgência do repensar das políticas de apoio à família. Os salários baixos são uma das razões que “obrigam” a que as famílias revejam em baixa, como agora se diz, os projectos relativos a filhos. Por outro lado, Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que, naturalmente, é mais um obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos.
Não pode ainda esquecer-se a discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc.
Toda esta situação torna urgente a definição de políticas de apoio à família com impactos a curto e médio prazo como, por exemplo, a acessibilidade aos equipamentos e serviços para a infância com o alargamento da resposta pública de creche e educação pré-escolar, cuja oferta está abaixo da meta estabelecida. Combater a discriminação salarial e de condições de trabalho através de qualificação e fiscalização adequadas.
Só com uma abordagem global e multi-direccionada me parece possível promover a recuperação demográfica indispensável.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

DE SHOT EM SHOT

De acordo com os dados conhecidos, tem vindo a verificar-se um decréscimo do número de portugueses a consumir bebidas alcoólicas embora se continue a verificar um nível muito elevado da quantidade de bebida ingerida, designadamente entre os jovens.
O consumo de álcool tem vindo a crescer alterando-se também os padrões de consumo, beber na rua (é bastante mais barato, e o consumo excessivo e rápido (binge drinking). João Goulão, presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência referia há pouco tempo que em termos de padrões de consumo, a embriaguez parece deixar de ser uma consequência do consumo excessivo para passar a ser um objectivo em sim mesmo. Este padrão tem vindo a ser sublinhado por diferentes estudos sobre os hábitos dos adolescentes e jovens portugueses, cerca de 80% dos jovens com 15 anos consomem álcool segundo um trabalho da Unidade de Alcoologia de Coimbra do IDT e em 2007 56% dos jovens com 16 anos inquiridos referiram o este tipo e consumos enquanto em 2003 o indicador era de 25%.
Um primeiro aspecto essencial prende-se com a facilidade de aquisição de cerveja ou outras bebidas em lojas de conveniência ou pequenos estabelecimentos de bairro a um preço bem mais acessível que nos estabelecimentos que frequentam na noite e recorrendo à “toma” simples ou com misturas ao longo da noite, comprida aliás. Esta venda processa-se com a maior das facilidades e sem qualquer controlo da idade dos compradores. No relatório do IDT hoje divulgado pode ler-se que em 2010 apenas foram desencadeados apenas 25 processos por venda de álcool a menores de 16 anos.
Muitos adolescentes, em estudos neste âmbito referem ainda a ausência de regulação dos pais sobre os gastos, sobre os consumos ou sobre as horas de entrada em casa, que muitas vezes tem que ser discreta e directa ao quarto devido ao “mau estado” do protagonista.
Como é evidente, já muitas vezes aqui o tenho referido com base na minha experiência de contacto com pais de adolescentes, não estamos a falar de pais negligentes. Pode haver alguma negligência mas, na maioria dos casos, trata-se de pais, que sabem o que se passa, “apenas fingem” não perceber desejando que o tempo “cure” porque se sentem tremendamente assustados, sem saber muito bem o que fazer e como lidar com a questão. De fora parece fácil produzir discursos sobre soluções, mas para os pais que estão “por dentro” a situação é muitas vezes sentida como maior que eles.
É preciso que a comunidade esteja atenta a estes adolescentes que, ilegalmente” consomem e aos seus pais que estão tão perdidos quanto eles.
Fala-se com frequência em alterar a legislação no sentido de apenas permitir o consumo aos 18 anos e a Câmara de Lisboa tem a intenção de limitar os horários das lojas de conveniência. No entanto, para além da adequada fiscalização parece-me importante a criação de programas destinados a pais e aos adolescentes que minimizem o risco do consumo excessivo.
A proibição, como sempre, não basta mas a extinção do IDT e os cortes anunciados nos programas e recursos para esta área não auguram nada de bom.

MAIS TRABALHO OU MELHOR TRABALHO

A questão do tempo de trabalho entrou de novo na agenda a propósito da promoção da produtividade. Não discuto agora a justiça relativa das horas e dias de trabalho mas tenho a convicção de que a problema da produtividade é, fundamentalmente uma questão de melhor trabalho e não de mais trabalho. Aliás, algumas opiniões ouvem-se neste sentido e podemos reparar o que se passa noutros países com cargas de horário laboral semelhantes à nossa.
Por outro lado, existem factores menos considerados e que do meu ponto de vista desempenham um papel fundamental, a organização do trabalho, a qualidade dos modelos de organização e funcionamento, no fundo, a qualidade das lideranças nos contextos profissionais. O nível de desperdício no esforço, nos meios e nos processos em alguns contextos laborais é extraordinariamente elevado.
Relembro que os empregadores portugueses, sobretudo nas médias, pequenas e micro empresas, as que asseguram a grande fatia dos postos de trabalho, possuem um baixíssimo nível de qualificação em termos europeus, excepção feita, evidentemente, a alguns nichos.
Neste cenário, a simples decisão de aumentar o horário de trabalho, com redução de feriados, dias de férias ou a decidida introdução de meia hora no horário diário, não parecem ser, só por si, as soluções milagrosas de incremento da produtividade.
Parece-me bem mais potente um esforço concertado e consistente de apoio à modernização e formação dos empregadores e quadros do tecido empresarial do que baixar custos do trabalho pelo recurso simplista e “fácil” ao aumento da carga horária.

DEMOCRACIA COM FALHAS

Segundo o Público, no Índice da Democracia 2011 do Economist Intelligence Unit, Portugal passou da situação democracia plena para uma democracia com falhas, o que segundo a análise realizada se deve sobretudo à erosão da soberania associada à crise da zona euro.
Embora me pareça essencial considerar os efeitos que do ponto de vista da soberania assumem as decisões no âmbito do Programa que nos foi imposto, creio que a soberania já estava sob ameaça pelo actual cenário económico e político.
Por outro lado, creio que a degradação da qualidade da nossa democracia assenta em três questões fundamentais que telegraficamente refiro.
Em primeiro lugar, a nossa organização política tem vindo a transformar a democracia política numa partidocracia. A participação cívica e política dos cidadãos depende quase exclusivamente do controlo dos aparelhos partidários. Este controlo, assente no quadro legal e na administração dos interesses pessoais, tem vindo a afastar franjas significativas da população da intervenção cívica e política como atestam os crescentes e elevados níveis de abstenção.
Em segundo lugar, existe uma área do nosso funcionamento cujo mau desempenho contribui decisivamente para a degradação da qualidade da vida cívica. Refiro-me à justiça. De um modo geral o sistema de justiça é percebido como moroso, ineficaz, cheio de manhas e alçapões que acabam por beneficiar os mais poderosos e criar um trágico sentimento de impunidade e desconfiança.
O terceiro aspecto prende-se com os efeitos dos modelos de desenvolvimento económico e político que, apesar de enquadrados numa democracia política, comprometem seriamente uma ideia de democracia económica na medida em que produzem exclusão e pobreza que afecta e ameaça muitos portugueses.
Sintetizando, do meu ponto de vista, para além de questões de soberania, as verdadeiras causas da degradação da qualidade da nossa democracia remetem para os efeitos da partidocracia, do sistema de justiça e das questões decorrentes da pobreza e exclusão.

A SURDEZ SELECTIVA

A questão das escutas é matéria que recorrentemente integra a agenda noticiosa. Volta e meia lá surge mais uma discussão em torno de escutas e, nas mais das vezes, os discursos sugerem que se escuta de mais.
Como já tenho tido oportunidade de afirmar, estou em absoluto desacordo, tenho para mim que se escuta de menos.
Por outro lado, de há uns tempos para cá, na generalidade da imprensa tem vindo a divulgar-se regularmente uma publicidade a uns milagrosos aparelhos que nos devolvem a comprometida capacidade auditiva. A aferir pelo volume de publicidade que se encontra a minha tese parece confirmar-se, escutamos pouco.
Se bem repararmos em alguns exemplos creio que fica claro. Os adultos queixam-se com frequência de que os miúdos, quase todos, gritam imenso, não conseguem, aparentemente, manter um registo sereno na linguagem. Na minha perspectiva e na maioria das circunstâncias, os miúdos agitam-se e gritam porque nós os ouvimos pouco e mal, precisam mesmo de gritar para que os consigamos ouvir e escutar.
Os discursos entre nós, com demasiada regularidade desenvolvem-se uns decibéis acima do tom normal de voz e, do meu ponto de vista, isso deve-se a uma crescente incapacidade de ouvirmos o outro, estamos demasiado centrados no nosso próprio discurso.
Por outro lado, também é possível observar situações em que o silêncio é de tal modo ruidoso que parece impossível que não oiçamos esse silêncio e pensemos nas suas razões.
Na verdade continuo na minha, ouvimos de menos. O problema é que os aparelhos que se publicitam não resolvem o nosso problema mais comum de audição, Só ouvimos o que queremos, temos uma surdez selectiva.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

QUE SE EMIGREM

Este pessoal não entende mesmo, ou não quer entender o que está em causa. Agora o eurodeputado Paulo Rangel sugere a criação de uma agência nacional para ajudar os portugueses que queiram emigar. O Dr. Rangel mostra-se ainda perplexo com as reacções às intervenções do Primeiro-ministro e de outros governantes sugerindo aos portugueses que emigrem.
Parece-me relativamente claro que a questão central não é o movimento que desde há muito os portugueses realizam de procurar trabalho fora do país. Como é óbvio as pessoas, cada pessoa, procurará dentro das suas disponibilidades, capacidades e motivações construir um projecto de vida em que se realize e esse projecto de vida pode, evidentemente, passar por emigrar.
A questão central é que um Primeiro-ministro ou outro governante não pode assumir que a solução para os problemas das pessoas, por exemplo o desemprego, é abandonar o país. Este discurso vindo de quem lidera e de quem a comunidade espera, é a sua função, um contributo decisivo para atenuar ou, em tese, resolver os problemas do país, transmite incompetência, impotência e finalmente desistência face a esses problemas.
Ora, incompetência, impotência e desistência é tudo o que um primeiro-ministro não pode evidenciar, O resto é tapar o Sol com uma peneira. No entanto, a ideia do Dr. Rangel já pemitiria evitar qu uns quantos boys emigrassem, teriam um lugarzinho na agência.

QUALIFICAÇÃO A MAIS OU DESENVOLVIMENTO E REGULAÇÃO A MENOS?

O Público de hoje apresenta um excelente trabalho sobre estado da Educação elaborado a partir do Relatório do Conselho Nacional de Educação. De entre os vários aspectos considerados, o jornal deu destaque, incluindo a primeira página, ao facto de a quebra de emprego ter atingido fundamentalmente os jovens com qualificação superior. É sabido e percebem-se as razões, falta de novos empregos e precariedade, que as pessoas mais novas ocupam sempre uma fatia muito significativa do desemprego em Portugal, actualmente está em 30 %.
No caso mais particular dos mais novos vem sempre associada a situação dos que têm qualificação académica, ensino superior sobretudo, que não "lhes serve para nada". Como já tenho referido muitas vezes este tipo de discurso e o tratamento que boa parte da imprensa dá esta matéria causa-me alguma preocupação. Daí, de novo, algumas notas sobre isto.
Primeiro, os jovens licenciados não estão no desemprego por serem licenciados, estão no desemprego porque temos um mercado pouco desenvolvido e ainda insuficientemente exigente de mão de obra qualificada e estão no desemprego porque, por desresponsabilização da tutela, a oferta de formação do ensino superior é completamente enviesada distorcendo o equilíbrio entre a oferta e a procura.
No que respeita ao mercado de trabalho é, mais uma vez, de sublinhar que muitas empresas, sobretudo as de menor dimensão (as que asseguram cerca de 95% do emprego), provavelmente também devido ao baixo nível de qualificação dos empresários (é um dos mais baixos da UE e, estranhamente, nunca é associado a esta questão), revelam-se as mais avessas à contratação de mão de obra qualificada. Deve também sublinhar-se que este universo, pequenas e médias empresas, salvo algumas excepções de nicho, é também o segmento com menor inovação e desenvolvimento pelo que a absorção de mão de obra qualificada é ainda mais difícil.
No entanto e o trabalho do Público, felizmente, deixa isso claro, deve sublinhar-se que a taxa de emprego de indivíduos licenciados é superior à de outros grupos.
Por outro lado, se atentarmos em dados da OCDE e do INE, um trabalhador licenciado ganha em média mais 80% que alguém com o ensino secundário. Um indivíduo com a escolaridade básica recebe em média menos 57% que alguém com o Ensino Secundário. Apenas 7.5% de pessoas com o 9º ano recebem duas vezes mais que a média nacional enquanto licenciados a receber duas vezes mais que a média são quase 60%. Os filhos de pais licenciados têm 3,2 vezes mais probabilidades de obter uma licenciatura. Entre os 25 e os 34 anos, 19% dos jovens tem uma licenciatura enquanto na OCDE a média é 32%. Em Portugal, o número de licenciados é metade da média da União Europeia. Na franja entre os 35 e 44 anos a percentagem ainda baixa para 13%. Um indivíduo com apenas o básico corre um risco de pobreza 20 vezes superior ao de um indivíduo com um curso superior.
Quanto à questão da precariedade que atinge os jovens licenciados à entrada no mercado de trabalho, aspecto dramático e inibidor da construção de projectos de vida, é bom ser absolutamente claro, esta situação não atinge os jovens licenciados por serem licenciados, atinge toda a gente que entra no mercado de trabalho porque a legislação e regulação do mercado conduzem a esta situação, trata-se dos efeitos da agenda liberal e não o efeito da qualificação dos jovens, é bom que se entenda. Portugal é o segundo país da Europa, a seguir à Polónia, com maior nível de contratos a prazo.
Deste quadro, releva a absoluta imprudência da mensagem demasiado frequente de que a formação é irrelevante, o desemprego é o destino como muitas vezes esta questão é tratada.
A qualificação profissional, de nível superior ou não, é essencial como também é essencial a racionalidade e regulação da oferta do ensino superior e, naturalmente, a regulação eficaz do mercado de trabalho minimizando o abuso do recurso à precariedade.
Como sempre que abordo estas matérias, finalizo com a necessidade de, uma vez por todas evitar o discurso "populista" do país de doutores, continuamos com uma enorme probabilidade não cumprir a meta europeia para 2020 de 40% de licenciados no escalão etário 30-34 anos. Trata-se de um enorme erro e pode desincentivar a busca por qualificação o que terá consequências gravíssimas.

DAR EXEMPLOS

Quando se trata de ensinar miúdos, quer em contextos escolares quer, em contextos familiares, uma das afirmações recorrentes sobre as boas formas de o fazer é recorrer a exemplos que mais facilmente permitem entender o que esteja a ser objecto de ensino. As teorias sobre estas questões referem isto mesmo e, curiosamente, quando inquirimos miúdos sobre o que eles pensam ser um bom professor, entre outros critérios referem "o que explica bem", clarificando que explicar bem é "dar exemplos".
Vem esta introdução a propósito de uma das dificuldades que o espírito natalício convoca, a escolha dos presentes a oferecer aos miúdos, sobretudo nas famílias, e são algumas, em que os miúdos são submersos com "presentes" que, por vezes, são pouco mais do que uma tentativa, mais ou menos consciente de aquietar consciências ou sentimentos de culpa, nem sempre justificados, aliás.
Assim, sugiro que também nesta época se considere a possibilidade de oferecer exemplos aos miúdos, isso mesmo, oferecer exemplos.
Como já referi, os miúdos apreciam os exemplos e além disso são bons presentes, como também referi, fazem-lhes bem.
Parece-me claro que existe uma infinita possibilidade na escolha dos exemplos, nos comportamentos que assumimos, na forma como nos relacionamos com os outros e com eles, na atenção que lhes damos, na forma como agimos em sociedade, na forma como civicamente agimos., etc., etc.
Os exemplos têm ainda uma enorme vantagem de não serem dispendiosos o que nos tempos que correm é algo de muito importante. Qualquer pessoa, em qualquer circunstância arranja facilmente meia dúzia de bons exemplos que possa oferecer aos miúdos o que constitui uma outra vantagem, a multiplicidade enorme das fontes de exemplos com que queremos presentear os gaiatos, embora alguns de nós possam experimentar alguma dificuldade em encontrar alguns exemplos dos bons para oferecer aos miúdos. Mas podemos sempre tentar.
Acho mesmo que é uma hipótese a considerar, esta de oferecer exemplos aos miúdos, dos bons é claro.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

TALVEZ EMIGRAR

O Ministro Vítor Gaspar afirmou hoje que para 2012 não serão necessárias mais medidas de austeridade. Respirei de alívio, é que a coisa está preta, para pior já basta assim, como diz o povo.
Também descansei quando o actual Primeiro-ministro afirmou que retirar subsídios era um disparate, que não aumentaria os impostos e, se necessário, apenas incidiria sobre o consumo, etc., e a situação actual é a que conhecemos.
No entanto, apesar da afirmação assertiva do Ministro das Finanças e à cautela, é melhor considerar um plano B. Creio que os jornalistas não interpelaram o Senhor Ministro sobre uma eventual alternativa.
Temo que a resposta pudesse ser um sereno e pausado, "Talvez emigrar".

TEMPO DE ANTENA

Bom, o espírito natalício, também conhecido por Natal está mesmo aí a chegar, este ano mais discreto, ao fim de semana e sem tolerância. Nunca se viu, aliás, um Natal sem tolerância, nem é Natal.
Apesar das previsões não serem muito favoráveis, estou em crer que, como sempre, o espírito natalício levará à compra compulsiva de prendas para os miúdos, certamente não para todos e tantas mas, ainda assim, para muitos e algumas.
Considerando a prudente contenção nos gastos, as necessidades dos miúdos e ainda a dificuldade que em muitas famílias se sente na escolha dos produtos que as crianças e adolescentes ainda não tenham, sugiro que talvez se lhes possa oferecer tempo de antena. Sim, parece uma coisa disparatada, mas tentarei explicar.
Muitos miúdos, quer em casa, quer na escola, têm pouco tempo que lhes seja dedicado. Quando assim é, e porque toda a gente precisa de alguma atenção, tempo de antena, eles, na sua maioria, reclamam-no. Quando o fazem, com bastante frequência, usam o comportamento menos adequado ou uma linguagem excessivamente barulhenta, para que se possam fazer notar. Nesta altura, muitos de nós dizemos algo como, "é para chamar a atenção". Na verdade, eles sentem que a atenção anda longe, daí a necessidade de a chamarem.
Assim sendo, talvez não fosse má escolha, dar-lhes um pouco mais de atenção, tempo de antena, antes deles o reclamarem da forma que descobrem resultar, desatinando.
Dirão alguns que os miúdos já têm atenção de mais, são mesmo o centro da atenção pelo que basta de atenção. Lamento mas, nas mais das vezes, quando se diz que os miúdos têm atenção a mais, o que terão é má atenção, ninguém tem atenção a mais, o que lhes fará mal é a má atenção, a atenção que os quer "comprar", a atenção que os sufoca, a atenção que não os deixa crescer. Mas, insisto, este cenário é mau, não porque a atenção seja muita, mas porque é de má qualidade é, por assim dizer, um produto contrafeito.
Por isto tudo, sugiro que no espírito natalício que se aproxima possamos oferecer aos miúdos e adolescentes tempo de antena, atenção, de boa qualidade. Não é particularmente caro e eles irão seguramente apreciar.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

DUAS FAMÍLIAS

No Público pode ler-se que a Associação pela Igualdade Parental fez sentir junto do MEC a necessidade de que as escolas aceitem a existência de dois encarregados de educação no caso de crianças com pais divorciados.
A justificação prende-se evidentemente com a necessidade de que ambos os progenitores se sintam envolvidos na vida escolar dos miúdos, condição importante para o bom andamento da mesma.
De facto, os números mais recentes sobre o universo familiar mostram o aumento do número de divórcios e, naturalmente, do número de crianças que como costumo dizer se encontram “entre”famílias”, isto é, permanecem numa situação familiar com um dos progenitores e, em tempos variáveis, integram uma outra situação familiar com o outro progenitor. O volume de opiniões sobre estas situações é extenso, oscilando entre considerações de natureza moral e/ou ética e um entendimento científico sobre a forma como as famílias e sobretudo as crianças e jovens lidam com as circunstâncias. Por mim, creio “apenas” que o(s) ambiente(s) familiar(es) deve ser suficientemente saudável para que a criança se organize também saudavelmente e faça o seu caminho. Neste quadro, faz todo o sentido que, independentemente da necessidade os pais procurarem proactivamente o acompanhamento conjunto da vida escolar dos miúdos, a própria escola assuma a intenção e o procedimento que favoreça esse envolvimento.
A este propósito recordo uma pequena história optimista que há já algum tempo aqui deixei no Atenta Inquietude.
No último dia de aulas, a Ana foi à biblioteca da escola entregar um livro. Quando estava para sair, o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, disse-lhe adeus e desejou-lhe boas férias. A Ana riu-se.
Vão ser boas, Velho, vou ter duas férias.
Duas férias, Ana? Como é isso?
Primeiro, vou de férias com a minha mãe, com o amigo dela, o João, e com o Manel que é filho do João. Depois, vou de férias com o meu pai, a amiga dele, a Sara, e com o Tito que é o filho da Sara.
Estás contente?
Claro. Eles são todos fixes e a gente farta-se de brincar. Brinco mais do que brincava quando vivia com o pai e a mãe. Eles estavam sempre um bocado chateados e a gente não brincava muito. Já viste Velho, tinha uma família chata e agora tenho duas famílias mesmo fixes.
Sorte a tua, Ana, boas férias.

QUEM ESPERA DESESPERA

O Ministro da Saúde afirmou há semanas no Parlamento que nos hospitais portugueses existem 1000 especialistas a mais, ao mesmo tempo que confirmou a já reconhecida falta de médicos de família, isto é, existirão 1,7 milhões de pessoas sem médico.
Esta afirmação do Ministro sobre o excesso de especialistas que contraria, aliás, dados há semanas divulgados por estruturas da saúde. Gostava de relembrar que o relatório do Observatório dos Sistemas de Saúde sobre 2010 vem evidenciar algo que muitos de nós já experimentámos, os excessivos tempos de espera por consultas de especialidade.
Em muitos estabelecimentos hospitalares estes tempos ultrapassam largamente o que está definido pela Carta de Direitos de Acesso aos Serviços de Saúde. Por exemplo, está determinado que uma consulta de prioridade normal não pode exceder os cinco meses de espera e uma “muito prioritária” deverá realizar-se num tempo não superior a trinta dias.
Mesmo nos casos de urgência, portanto, considerados prioritários, com trinta dias de espera máxima, existem especialidades em que o tempo de espera ultrapassa o dobro, existindo centros hospitalares e especialidades em que é superior a três anos, isso mesmo, três anos e cerca de 600 dias para doentes muito prioritários.
Esta situação verifica-se também no que respeita a actos cirúrgicos em várias especialidades.
Hoje no Público e com a confirmação do Ministério da Saúde, noticia-se o abaixamento significativo do número de cirurgia programadas, 26 272 a menos só entre Setembro e Outubro devido aos cortes orçamentais. A situação tenderá a agravar-se a partir de Janeiro e as listas de espera estão a disparar exponencialmente.
Ainda a propósito do universo da Saúde o Director da Escola Nacional de Saúde Pública referia há pouco tempo que previsivelmente acontecerão situações de falta de tratamento por falta de condições financeiras, quer no que respeita aos serviços, quer por dificuldades das próprias pessoas.
Vale a pena recuperar algumas notas de um estudo realizado pela DECO sobre a acessibilidade dos portugueses aos serviços de saúde em 2009/2010 e que, como será previsível se estarão a gravar significativamente.
Em primeiro lugar, seis em cada dez famílias exprimem dificuldades em suportar as despesas com a saúde. Destas, quase metade adiaram o início de terapias e cerca de 40% nem pondera iniciá-las por questões económicas. Cerca de 20% contraíram créditos para este efeito. Sabemos também que contamos com cerca de 18% de pessoas em situação de risco de pobreza, sendo que entre a população idosa o número é maior, 22%.
Este cenário evidencia as dificuldades enormes que milhões de portugueses sentem no que respeita ao acesso a um direito, o direito a cuidados básicos de saúde, sendo também reconhecida existência de dificuldades do acesso a alguns actos médicos originando listas de espera muito significativas em várias especialidades clínicas.
A notícia de hoje é elucidativa. Como diz o povo, quem espera desespera.

O ALUNÃO

Acabou o primeiro período, reúnem-se os professores e atribuem-se as notas. A maioria dos miúdos, felizmente, sairá bem tratada do processo. Com notas mais ou menos elevadas ficarão contentes e o espírito natalício encarregar-se-á de os compensar também da forma possível, pois, como se sabe, o espírito natalício não é igual para todas as famílias, algumas terão até muito pouco espírito natalício este ano.
Outros alunos, apesar de terem alguns resultados menos positivos, encararão, com o apoio dos professores e da família e, naturalmente, com o seu esforço o resto do ano com uma atitude positiva e de confiança assumindo a convicção de como se diz “vão lá”, “são capazes”. Assim deve ser.
No entanto, haverá um grupo de alunos de quem a escola, mesmo estando no primeiro período, desistirá. São os miúdos que “não vão lá”, seja porque “com a família que tem não é possível”, “porque, coitado, não é muito dotado, já o irmão quando cá andou assim era”, “não se interessa por coisa alguma, não anda aqui a fazer nada” ou outra qualquer apreciação entendida como razão. Muitos destes alunos, tal como a escola desiste deles, também eles desistirão da escola, confirmando a antecipação do insucesso, desde já estabelecida.
Num tempo em que a grande orientação é reaproveitar e reciclar o que não serve ou não presta, talvez seja de os municípios, com a orientação do Ministério da Educação, procederem à instalação de um novo recipiente nos ecopontos que quase sempre existem perto das escolas. Assim, junto do vidrão, do pilhão e dos outros contentores, colocar-se-ia um alunão, um recipiente onde se colocariam os alunos que não servem ou não prestam e esperar que algo ou alguém os recicle e devolva à escola novinhos, reciclados, cheios de capacidades e capazes de percorrer sem sobressaltos o caminho do sucesso.
O problema é que somos uma sociedade de desperdícios, até de pessoas, e começamos logo nas pequenas.

domingo, 18 de dezembro de 2011

UM REI FRACO FAZ FRACA A FORTE GENTE

Lê-se e não se acredita. Depois de um Secretário de Estado ter convidado os jovens portugueses com qualificação de nível superior a emigrar, é o Primeiro-ministro que convida os professores no desemprego a “abandonarem a sua zona de conforto” e a “procurarem emprego noutro sítio”. Num nobre esforço de agenciar emprego até sugere os países de língua portuguesas como destinatários privilegiados dessa emigração.
Depois de ter dito que o caminho dos portugueses passa pelo empobrecimento agora a sua perspectiva de combate ao desemprego passa pelo convite à emigração.
Os indicadores sobre a educação em Portugal deixam-nos ainda muito mal colocados em termos internacionais, a oferta excedentária de professores (em algumas áreas) passa pela desresponsabilização da tutela e o Primeiro-ministro entende que o melhor para alguns portugueses é mesmo emigrar, aqui não vão ter possibilidades de construir um projecto de vida, não cabem cá, em suma.
Sabemos todos das inúmeras dificuldades que o país enfrenta, sabemos que existem enviesamentos severos no mercado de trabalho, sabemos das alterações demográficas e das suas implicações em algumas áreas profissionais.
Admito até que os governantes não tenham soluções nem rumo face ao futuro, por incompetência e ou por impotência.
O que eu sei também é que um líder não pode fazer discursos deste tipo. Provavelmente, alguns virão dizer que é realista. Nada de mais errado. A liderança que transforma e é propulsora de energia e não desiste, nem “manda” desistir.
Camões, no século XVI, dizia que um rei forte faz forte a fraca gente tanto quanto um rei fraco faz fraca a forte gente. Ele tinha razão.

QUE SE MULTEM OS PAIS "MAUS" DOS MIÚDOS "MAUS", (take 2)

Sem surpresa, é uma ideia recorrentemente referida, Público noticia hoje a intenção do MEC integrar na revisão em curso do Estatuto do Aluno a possibilidade de responsabilidade civil dos pais de alunos com absentismo ou mau comportamento escolar. Esta responsabilidade civil poderá ser traduzida pelo pagamento de coimas ou pela redução de apoios sociais quando tal se verifique. Este entendimento já presente no Estatuto do Aluno recentemente em vigor na Região Autónoma dos Açores é quase sempre apoiado pela referência à realidade do Reino Unido sem que seja referida a sua eficácia, baixa, aliás. Na mesma linha poderemos afirmar que nos Estados Unidos existe pena de morte o que não justifica que a introduzamos numa reforma em Portugal onde o nível de criminalidade é até mais baixo.
Embora seja de reflectir sobre qual o entendimento adequado do que será o envolvimento dos pais na educação dos filhos, que variará do pagamento de um colégio interno exclusivo e longe de casa, à presença diária na escola sem que isso signifique o que quer seja em matéria de qualidade no “envolvimento”, nesta circunstância apenas uns enunciados breves.
1 - A maioria dos pais não gosta que os seus filhos sejam "maus". A maioria não sabe como fazê-los "bons". Estes precisam de apoio não de multas ou punições. Ponto.
2 - Uma minoria, muito pequena, de pais de miúdos "maus" são pais maus não estão interessados ou preocupados em ser bons, nem se preocupam com os filhos, são "negligentes". Nestes casos, o problema é, no limite, retirar a guarda dos filhos, a multa não mexe seguramente com a negligência destes pais. Ponto.
3 - Um miúdo "mau" levanta problemas numa escola, qualquer escola, onde existem umas dezenas largas de especialistas em educação que sentem a maior dificuldade em "resolver" os problemas criados por esse miúdo "mau", não conseguindo, com frequência, resultados positivos. Será que alguém que conheça estes cenários acredita que os pais serão capazes de os resolver, por si, mesmo se lhes retirarem parte do abono de família ou de qualquer outra prestação social? Não acredito. Ponto.
Dito isto, se de facto se quiser caminhar no sentido de envolver e responsabilizar a famílias dos miúdos "maus", o percurso será a criação de estruturas de mediação entre a escola e a família, veja-se o trabalho dos GAAFs apoiados pelo IAC ou iniciativas que algumas escolas conseguem desenvolver, que permitam apoiar os pais dos miúdos maus que querem ter miúdos bons e identificar as situações para as quais, a comprovada negligência dos pais exigirá outra colocação para os miúdos.
A alteração desejável dos modelos de organização e funcionamento das escolas e as mudanças curriculares em curso poderiam, é algo de provável, “libertar” professores, para que em escolas mais problemáticas existissem menos alunos por turma ou ainda que se utilizassem os professores em dispositivos de apoio a alunos em dificuldades. Por outro lado, os estudos e as boas práticas mostram que a presença simultânea de dois professores é um excelente contributo para o sucesso na aprendizagem e para a minimização de problemas de comportamento bem como se conhece o efeito do apoio precoce às dificuldades dos alunos.
As dificuldades dos alunos estão com muita frequência na base do absentismo e da indisciplina, os alunos com sucesso, em princípio, não faltam e não apresentam grandes problemas de indisciplina.
O resto, do meu ponto de visa, é populismo, demagogia e desconhecimento que levará a que muita gente, lamentavelmente, aplauda a ideia. Os filhos dos outros são sempre o problema.

sábado, 17 de dezembro de 2011

O ACORDO DO DESACORDO

Umas das vantagens de ser velho é poder ser teimoso e ter uma justificação para isso, a idade, toda a gente sabe como os velhos são teimosos. Do que tenho lido ainda não me convenci da bondade do acordo ortográfico a que nos obrigaram e que tanta oposição tem suscitado.
Entendo que as línguas são estruturas vivas, em mutação e isso é importante. No entanto, a grande razão, a afirmação da língua portuguesa no mundo, não me convenceu pois não me parece que o inglês e o castelhano que têm algumas diferenças ortográficas nos diferentes países em que são língua oficial, experimentem particulares dificuldades na sua afirmação, seja lá isso o que for. De facto não tenho conhecimento da perturbação e do drama com origem nas diferenças entre o inglês escrito e falado na Inglaterra e nos Estados Unidos, mas isto dever-se-á, certamente, a ignorância minha e à pequenez irrelevante daquelas comunidades anglófonas.
Por outro lado, a opinião dos especialistas não é consensual, longe disso, e eu sou dos que entendem que em todas as matérias é importante conhecer a opinião de quem sabe.
Neste quadro e como sou teimoso vou continuar a escrever em desacordo até que o teclado me corrija. Nessa altura desinstalo o corrector que venha com o acordo e vou correr o risco de regressar à primária, ou seja, ver os meus textos com riscos vermelhos por baixo de algumas palavras, os erros.
Nessa altura, também não me importo, os velhos, além de teimosos têm coisas esquisitas.

AS MUDANÇAS NA FAMÍLIA E A EDUCAÇÃO DOS MIÚDOS

O trabalho que o Público de hoje divulga sobre o universo do casamento, dos divórcios e, em termos gerais da conjugalidade, comporta um conjunto de dados interessantes indiciando mudanças significativas nesta área. De facto, a família e as suas dinâmicas de constituição, organização, constituição e funcionamento têm sido recorrentemente objecto de referência sobretudo acentuando os processos de mudança envolvidos.
No entanto, do meu ponto de vista, quase sempre me parece que as diferentes abordagens não valorizam, por vezes nem referem, um aspecto que me parece extraordinariamente relevante e que considero dos mais complexos desafios sociais que actualmente enfrentamos, a educação familiar, ou seja, o que é, o que deve ser, como deve ser a educação familiar em contextos altamente diferenciados e em mudanças permanentes.
De facto, as enormes alterações que temos vindo a constatar no universo das famílias implicam uma séria reflexão sobre as suas implicações na educação familiar. O paradigma clássico, a família educativa e a escola instrutiva, mudou substantivamente o que não significa, obviamente, a alienação do papel educativo da família mas sim atentar nas novas qualidades que esse papel vai assumindo, parafraseando Camões.
Desde logo porque, por questões de logística e funcionalidade, o tempo familiar para as crianças encolheu de forma dramática, os miúdos passam tempos infindos na escola sob um princípio a que até o ME se lembrou de chamar de forma infeliz “Escola a tempo inteiro”. As famílias expressam uma enorme dificuldade em compatibilizar o que ainda entendem ser o seu papel educativo com a pressa e o pouco tempo que assumem ter para o realizar. Tenho conhecido dezenas de pais que se sentem culpados e fragilizados por entenderem que não têm para os filhos a disponibilidade de tempo e atitude que julgam necessária. Esta culpa e fragilidade é, com frequência, a base inconsciente que impede alguns pais de serem consistentes e firmes na definição de regras e limites imprescindíveis às crianças, pois “temem estragar” o pouco tempo que têm com elas devido a um eventual conflito.
Uma outra questão prende-se com o modo e a dificuldade que muitos pais me referem sentir quando lidam com as crianças em situação de “duas famílias”. Mais uma vez, as inseguranças e algum sentimento de culpa estão presentes e contribuem para embaraços que levam os pais a pedir alguma ajuda. Como sempre digo, é preferível uma boa separação a uma má família, mas alguns pais sentem-se inseguros para construir cenários de educação familiar com qualidade quando têm a guarda das crianças repartida.
A experiência mostra, como referi acima, que a educação familiar se constitui como uma área extremamente complexa, não existem dois contextos familiares iguais sendo que, para além de tudo, se trata de um universo extremamente sensível a valores e convicções.
Assim sendo, importa estarmos atentos e procurar disponibilizar apoios e orientações nas situações em que os pais revelam e exprimem mais insegurança e dificuldades. Estas situações são bem mais frequentes do que julgamos ser.

A CARTA

Meu amigo José,

Em primeiro lugar desejo que esta te vá encontrar de boa saúde, assim como todos os teus e que, de resto, estejam bem.
Os teus netos já devem estar crescidos. Da última vez que me escreveste estavas muito contente porque era verão e ias passear com eles para o parque. Ainda continuas a fazer aquela voltinha de todos os dias, com sol ou com chuva, com frio ou com calor? Ainda me lembro. O jornal na papelaria do Jacinto, dois dedos sobre futebol com o Manel da farmácia, grande fanático do Sporting, a bica no Central e a conversa com a rapaziada do nosso tempo. Depois ainda começaste a ir buscar os netos à escola. Gostava também de saber se tens visto a Maria e se ela está bem. Há muito tempo que não sei dela e, como sabes, sempre lhe tive um fraquinho.
Quando me escreveste, disseste que ias passar uns dias com a tua filha Sara que está no estrangeiro, na Inglaterra, se bem me lembro. Sempre foste? E gostaste?
Olha José, se por acaso vieres para estes lados, vem fazer-me uma visita. Bom, já fico contente quando me escreves.
Sabes José, sobre a minha vida, para além de perceberes que ainda estou vivo, não tenho muito a dizer-te. Desde que fiquei só e velho e me trouxeram para este lar, a minha vida é coisa nenhuma, uns dias encadeados nos outros. À espera.
Recebe um abraço deste teu amigo de sempre, João.

PS – José, se vires alguém dos meus, diz-lhes que estou muito feliz, não os quero incomodar.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

DE IMPLOSÃO EM IMPLOSÃO

A agenda de hoje é dominada pela implosão da famosa Torre 5 do mítico Bairro do Aleixo. Dizem as más-línguas que esta operação, mais do que erradicar umas das mais emblemáticas obras exemplificativas das delinquentes políticas de urbanismo e alojamento em vigor em Portugal desde há décadas e nunca contrariadas, se deve à área e localização e vista privilegiada daquela área e que, consta, se destinará a um condomínio de luxo. É o outro lado da guetização, o bairro degradado vs o condomínio de luxo bem trancado.
A operação, citando um dos responsáveis através do Público, foi “tecnicamente perfeita”. A que parece verificaram-se alguns incidentes com habitantes do bairro pouco sensíveis aos efeitos especiais do seu mundo, bom ou mau, a implodir. Segundo algumas vozes, o seu o alojamento também não está garantido. Minudências, a Torre 5 implodiu numa operação tecnicamente perfeita.
Parece assim tudo conforme e coerente, implode a torre do bairro que implode do país que implode e dos habitantes que implodem.
Milhares de famílias estão em implosão ou em sério risco de que isso aconteça. Implodiu o emprego, implodiu o presente e sobretudo parece que a esperança no futuro também está a implodir.
Dizem-nos aliás que temos de empobrecer, implodir, para ser. Para ser o quê?
Resta-me uma última dúvida nesta enorme conjuntura em implosão. Será que alguém a considera “tecnicamente perfeita”?