AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

terça-feira, 30 de novembro de 2010

AS LITROSAS DOS ADOLESCENTES

De acordo com os dados conhecidos, tem vindo a verificar-se um decréscimo do número de portugueses a consumir bebidas alcoólicas embora se continue a verificar um nível muito elevado da quantidade de bebida ingerida, designadamente entre os jovens. Este padrão tem vindo a ser sublinhado por diferentes estudos sobre os hábitos dos adolescentes e jovens portugueses.
Neste quadro, pelos seus potenciais efeitos, o consumo de álcool por parte de adolescentes merece alguma reflexão, sobretudo no que respeita à facilidade de consumo e aquisição e aos estilos de vida.
Uma primeira nota é o facto de os adolescentes poderem facilmente comprarem cerveja e outras bebidas, as litrosas  como lhes chamam, no comércio mais habitual, lojas de conveniência ou pequenos estabelecimentos de bairro, a um preço bem mais acessível que nos estabelecimentos que frequentam na noite e recorrendo à “toma” simples ou com misturas ao longo da noite, comprida aliás. Esta venda processa-se com a maior das facilidades e sem qualquer controlo da idade dos compradores. Muitos adolescentes, em estudos neste âmbito referem ainda a ausência de regulação dos pais sobre os gastos, sobre os consumos ou sobre as horas de entrada em casa, que muitas vezes tem que ser discreta e directa ao quarto devido ao “mau estado” do protagonista.
Como é evidente, já muitas vezes aqui o tenho referido com base na minha experiência de contacto com pais de adolescentes, não estamos a falar de pais negligentes. Pode haver alguma negligência mas, na maioria dos casos, trata-se de pais, que sabem o que se passa, “apenas fingem” não perceber desejando que o tempo “cure” porque se sentem tremendamente assustados, sem saber muito bem o que fazer e como lidar com a questão. De fora parece fácil produzir discursos sobre soluções, mas para os pais que estão “por dentro” a situação é muitas vezes sentida como maior que eles.
É preciso que a comunidade esteja atenta a estes adolescentes de 13 ou 14 anos que, ilegalmente” compram as litrosas e aos seus pais que estão tão perdidos quanto eles.
Fala-se com frequência em alterar a legislação no sentido de apenas permitir o consumo aos 18 anos. No entanto, parece-me mais importante a adequada fiscalização e a criação de programas destinados a pais e aos adolescentes que minimizem o risco do consumo excessivo.
A proibição, como sempre, não basta.

O VELHO QUE LIA DE OLHOS FECHADOS

Era uma vez um Velho que passava todas as tardes de sol sentado num banco do jardim a ler. Bom, nas tardes de sol de Inverno pois no Verão sentava-se num outro banco à sombra, mas sempre com um livro de companhia.
Muitas das pessoas que passavam pelo parque já conheciam o Velho leitor. Um dia, dois miúdos aproximaram-se do banco do Velho atrás de uma bola que lhes tinha fugido e quando olharam para ele repararam que tinha o livro bem seguro à sua frente mas estava com os olhos fechados.
Um dos miúdos disse a rir-se, "Está a dormir".
Não, miúdo, não estou a dormir, estou a ler.
A ler Velho?! Mas com os olhos fechados as pessoas não podem ler.
Querem que vos leia a história que comecei mesmo agora a ler?
Está bem Velho, mas que não seja muito grande, temos que ir embora daqui a pouco, para fazer ainda os trabalhos da escola.
Então o Velho pegou no livro, acomodou-se no banco para que os miúdos se sentassem, fechou os olhos e leu a história mais bonita que aqueles miúdos já tinham ouvido, embora deva dizer-se que os miúdos já não ouvem muitas histórias.
Quando acabou, os miúdos, ainda espantados foram à sua narrativa com uma história para contar, a do Velho que lia de olhos fechados.
Talvez venham a aprender que os Velhos felizes lêem histórias mesmo de livros que não sabem ler. Por isso, podem ter os olhos fechados.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A SOLIDARIEDADE EM MUDANÇA

A imprensa de hoje sublinha o facto da campanha de recolha de alimentos dos Bancos Alimentares ter batido de forma significativa os valores de recolhas anteriores. Segundo a informação disponível, recolheram-se 3265 toneladas o que significa mais 775 do que a última campanha. É também significativo o aumento de voluntários para colaborar na operação, cerca de 30 000.
Considerando os tempos difíceis que a maioria das pessoas atravessa, não pode deixar de merecer registo esta atitude de partilha e ajuda, que os mais variados discursos remetem para a solidariedade dos portugueses que emerge nos tempos mais complicados e que permite minimizar as dificuldades de alguns milhares de famílias. No entanto, convém não esquecer que tudo isto decorre dos modelos de desenvolvimento e sistemas de valores que promovem exclusão e pobreza.
Por outro lado, é muito curioso reparar que o CM titula em primeira página que "A Igreja perde 50% em esmolas", sendo que se estima a redução para metade do valor médio das dádivas ao longo da última década.
Parece algo de contraditório, a solidariedade para com a campanha dos Bancos Alimentares bate recordes de adesão em oferta e em trabalho voluntário e as ofertas à Igreja caem para metade. Parece-me interessante reflectir sobre isto. Este comportamento poderá traduzir a perda de influência social da igreja, a desconfiança face à eficácia das ofertas através das estruturas da igreja, significar que os fiéis são os mais afectados pela crise e, portanto, sentirão mais dificuldades na contribuição, a ideia de que a ajuda em géneros alimentares é mais eficaz e "segura" que em dinheiro ou ainda uma lenta emergência, e do meu ponto de vista positiva, de comportamentos sociais sem tutela política ou religiosa como também parece ser o caso do movimento que pretende criar uma rede social de aproveitamento das sobras na área da restauração que não sendo aproveitadas representam um desperdício quase criminoso.
A ver vamos.

O HOMEM QUE TINHA UM SEGREDO

Era uma vez um Homem que tinha um segredo, dizia ele. Todas as pessoas naquela terra, como em quase todas as terras, falavam muito frequentemente de coisas que gostavam de ter, ver, fazer, etc., mas que não conseguiam. Algumas coisas porque não tinham possibilidades, outras porque não dependia delas, outras ainda por diversas razões que impossibilitavam chegar a elas.
Curiosamente, o Homem sempre que ouvia alguém a falar de algo desejado e não conseguido, dizia tranquilamente que para ele não existia problema, tinha aquilo sem grandes dificuldades. Se desconfiadamente lhe perguntavam como, respondia que tinha um segredo que, naturalmente, não revelava, segredo é segredo. Às vezes as pessoas falavam em coisas até estranhas para ver o que o Homem diria mas, com a serenidade de sempre e um sorriso satisfeito, ele continuava a afirmar que para si aquilo não era um problema, também conseguia.
Acontece que o Homem vivia só e parecia ter uma vida tão cinzenta como o seu emprego o que levava as pessoas a ficarem cada vez mais convencidas de que o segredo do Homem seria a falta de juízo pois é impossível que alguém com boa cabeça diga que tem tudo e mais alguma coisa.
Como as pessoas que não têm juízo não podem ser levadas a sério, as pessoas começaram a rir-se do Homem e a meter-se com ele gozando com o seu segredo, a falta de juízo.
Ninguém sabia, os segredos não são para se saberem, que todas noites, quando se deitava o Homem escolhia o sonho que queria ter, sonhava-o tranquilamente, era esse o seu segredo. Nos sonhos conseguimos sempre ter o que queremos. Por isso se chamam sonhos.

domingo, 28 de novembro de 2010

É CRIME DESPERDIÇAR

Há umas semanas atrás escrevia aqui que, considerando as enormes dificuldades que muitas pessoas atravessam, constitui quase um crime o desperdício de comida confeccionada que vai diariamente parar ao lixo onde, cada vez mais frequentemente, é "recuperada" por pessoas sem alternativas. É de sublinhar que estamos a falar de sobras e não de restos.
Na altura alguma imprensa referia que muitos restaurantes, num bom exemplo de responsabilidade social, estariam na disposição de providenciar essas sobras a instituições de solidariedade social mas estão impedidos de o fazer devido às restrições legais nas condições de transporte e distribuição de alimentos fiscalizadas pela ASAE e entendem, com alguma razão não ser seu dever providenciar também o transporte já que dão a comida confeccionada.
Já nessa altura corria a petição que sabemos agora, refere o Público, parece ter encontrado eco e a Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, autarquias e instituições de solidariedade social surgem envolvidas na criação de uma rede nacional que suporte e operacionalize o aproveitamento e a distribuição por quem necessita das sobras de alimentos confeccionados.
Como é evidente é preciso proteger a saúde pública e acautelar riscos, sobretudo os relacionados com o transporte e acondicionamento, mas é quase que num período em que disparam as solicitações junto dos Bancos Alimentares e das instituições sociais todos os dias se coloquem no lixo toneladas de comida confeccionada.
Como na altura afirmava o responsável de um restaurante as autarquias poderiam providenciar um transporte adequado cujo custo seria, creio, amortecido pelo valor dos bens distribuídos o que minimizaria os gastos em apoios.
É por questões desta natureza que às vezes me refiro às dimensões de natureza ética e do sistema de valores que estão directamente ligadas aos tempos difíceis que atravessamos. Assistimos sem grandes sobressaltos à luta pela sobrevivência diária de milhões de portugueses em situação de pobreza ou em risco e, com a mesma tranquilidade, assistimos ao obsceno desperdício diário de bens de primeira e urgente necessidade, em nome da protecção da saúde pública, questão facilmente resolúvel se houvesse vontade para tal. Parece que vai haver.

TELEMÓVEIS PARA CRIANÇAS, PARA AS QUE NÃO PASSAM FOME É CLARO

Numa coexistência que as sociedades desenvolvidas, caracterizadas pela assimetria insultuosa entre quem tem muito e quem tem nada, promotoras de exclusão, aceitam sem grandes sobressaltos, o Expresso de ontem mostrava no 1º caderno algo que me parece interessante.
Numa página, apresentava-se um trabalho a propósito da campanha em curso este fim-de-semana de recolha de alimentos por parte dos Bancos Alimentares. Nesse trabalho revelava-se que, de acordo com um inquérito promovido pela Universidade Católica, o Banco Alimentar e a Entreajuda, cerca de 53 000 crianças passariam fome sem a ajuda dos Bancos Alimentares. Era ainda referido, já foi notícia há umas semanas atrás, que algumas autarquias, no caso Porto e Sintra, irão manter em funcionamento as cantinas escolares durante as férias de Natal que se aproximam devido às enormes dificuldades que muitas famílias atravessam para garantir patamares mínimos de necessidades alimentares para as crianças. Dramaticamente, nada de novo.
A circunstância curiosa, por assim dizer, é que uma outra página era integralmente ocupada com publicidade a telemóveis para crianças produzidos pela Optimus. Não sei, mas imagino que as outras operadoras tenham oferta para o mesmo "target", como se costuma dizer em publicidade". Em título podia ler-se, "De pequenino se fala ao telemóvel" e era afirmado que o produto tem o tarifário ideal para crianças dos 7 aos 12 nos, repito, dos 7 aos 12 anos, vem acompanhado com as mais eficazes medidas e serviços que garantem toda segurança que descansa pais e até está criado um Portal Zone Kids onde "o seu filho encontrará conteúdos lúdicos e didácticos". Todo o anúncio está construído de forma a que um pai minimamente preocupado com os seus filhos, depois de ler e comprar, claro, o aparelho agradecerá reconhecidamente à Optimus a preocupação para com os miúdos e a sua segurança. Deve ser também a isto que se chama a responsabilidade social das empresas.
Como é óbvio, o espírito natalício que começa a descer sobre nós, mesmo em tempos de crise, potenciará situações deste tipo, que eu nem sequer deveria estranhar. Mas o problema é que tenho ingénua mania de acreditar que não pode valer tudo.

sábado, 27 de novembro de 2010

O IMPOSSÍVEL DESÍGNIO

O Presidente da República afirmou ontem que a educação deve ser um desígnio nacional assumido por todos. Disse ainda que a educação é uma pedra fundamental do nosso desenvolvimento, que a qualificação é imprescindível, que devemos mobilizar todos os meios ao nosso alcance, que é necessário proteger as crianças dos efeitos da crise, etc. etc., ou seja, a retórica do costume. Não foi certamente a primeira vez que um responsável político fez uma afirmação desta natureza, é, aliás, um discurso recorrente e repetido com insistência.
No entanto, na cultura e praxis política que temos tal entendimento é impossível, o Presidente sabe-o bem, é o político que mais tempo esteve no poder nos últimos 30 anos em Portugal. A partidocracia instalada leva a que, na generalidade das matérias, os interesses partidários se sobreponham aos interesses gerais, a conflitualidade que sendo importante e muitas vezes estimulante e promotora de mudança, é assente em corporações de interesses e clientelas que inibem a definição de rumos e de perspectivas que visem o interesse geral.
No universo mais particular da educação, devido ao peso e impacto social do sector, é ainda mais óbvio a presença de interesses antagónicos que decorrem bem mais dos interesses da partidocracia do que a verdadeira preocupação com a qualidade dos processos educativos. Se atentarmos nos discursos habituais dos que se movem neste universo com alguma responsabilidade fica óbvia esta realidade.
Gostava de poder ter um discurso mais optimista, mas muito provavelmente continuaremos a assistir à continuidade da deriva e do digladiar de interesses partidários, promovendo política pequena onde era imprescindível política grande.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A GORDURA QUE JÁ NÃO É FORMOSURA

Há uns meses atrás, a propósito de um estudo realizado em Portugal mostrando como a obesidade infantil é já um problema de saúde pública implicando, por exemplo, o disparar de casos de diabete tipo II em crianças, relatei aqui no Atenta Inquietude a cena de um extremoso pai que, ao meu lado, proporcionava a uma criancinha com 8 ou 9 anos um pequeno almoço composto de três salgados e uma lata de cola. Curiosamente esse texto despertou algumas reacções vindas, creio, de algumas pessoas que entendem que qualquer discurso ou iniciativa no âmbito dos comportamentos configuram uma intromissão e desrespeito dos direitos individuais. Insisto na necessidade de iniciativas e discursos que promovam comportamentos mais saudáveis sobretudo quando se trata de crianças que são obviamente mais vulneráveis e desinformadas.
O DN de hoje, a propósito de um estudo de prevalência nacional a apresentar no XIV Congresso Português de Obesidade, refere, sem novidade pois vai ao encontro a outros resultados, que 22.6 % das crianças dos 10 ao 18 anos estão em situação de pré-obesidade e 7.8 % já são obesos.
Sabe-se também que em adultos e sem surpresa os números pioram, 50% dos homens e 30% das mulheres estarão em situação de pré-obesidade ou obesidade.
As consequências potenciais deste quadro em termos de saúde e qualidade de vida são muito significativas, quer em termos individuais, quer em termos sociais. Assim, e como já tenho referido no Atenta Inquietude, um problema de saúde pública desta dimensão e impacto justifica a definição de programas de prevenção, educação e remediação que o combatam.
Provavelmente, teremos algumas reacções contra o chamado “fundamentalismo nos hábitos individuais” mas creio que são também de ponderar as implicações colectivas e sociais do problema. Além de que todos nós sabemos que o excesso de peso não será, para a esmagadora maioria das pessoas nessa situação, uma escolha individual, é algo de que não gostam e sofrem, de diferentes formas, com isso.

O BOM POVO PORTUGUÊS

Com dados recolhidos em 2008, portanto antes dos efeitos mais gravosos da crise, os indicadores para Portugal do European Social Survey sobre a visão dos cidadãos sobre o chamado “estado social”, que em Portugal foi operacionalizado pelo Instituto de Ciências Sociais de Lisboa, evidenciam-se alguns dados curiosos.
Em síntese, pode dizer-se que os portugueses são dos europeus que mais importância dão ao estado social, dos que menos estão dispostos a ver os seus impostos aumentados para o sustentar, que entendem que a maioria dos que recebem apoios não precisam e aos que precisam não chegam os apoios.
No Público, os autores do estudo sugerem algumas leituras para estes dados. No entanto, do meu ponto de vista, também sugerem uma outra abordagem mais direccionada para o nosso sistema de valores e convicções.
Assim, temos bem nítida a convicção instalada entre nós de que, eles, o estado, devem resolver os nossos problemas. Pensa assim, o empresário ou o trabalhador, o agricultor, grande ou pequeno, etc., ou seja, sempre que alguma coisa parece menos bem devemos, todos, receber os apoios necessários.
Emerge também uma outra característica muito nossa, que se traduz no popular, “só dão a quem não precisa”, os que precisam não têm, (por exemplo eu, pensamos todos). Aliás, estou mesmo convencido que dificilmente existe um português que não entenda que eles, o estado, lhe deveria dar uma qualquer ajuda e que ao outro, seja quem for, o que darão ou possam dar, não é merecido ou adequado.
Parece-me, de facto, um bom retrato de uma sociedade acomodada, dependente, em que cada um parece excessivamente centrado no seu mundo, pequeno ou maior, e sem confiança ou capacidade de empreendimento individual.
Existe, como no Público se sugere, a possibilidade de leituras mais optimistas e simpáticas e eu gostava de estar enganado, mas acho que não.

A TERRA DOS GÉNIOS

Lá naquela terra onde acontecem coisas, de que de vez em quando aqui vos falo, existem costumes e hábitos muito engraçados.
Uma das coisas que me parece mais interessante é a existência e a intervenção dos génios, isso mesmo, dos génios. Em todas as áreas que respeitam à vida das pessoas existe um grupo de génios com ideias geniais, claro, que sabem sempre como tudo deve acontecer e tudo se deve passar. Todos os dias, seja qual for o assunto que esteja em discussão, lá aparecem os génios de serviço, nos diferentes meios de comunicação a explicar, sem margem de dúvida ou hesitação, o que as pessoas devem pensar ou saber sobre a matéria em apreço. Há mesmo génios tão geniais que conseguem ser génios em várias áreas, assumindo um estatuto de tudólogo, os que sabem de tudo, que é verdadeiramente impressionante.
O que é mais curioso, embora naquela terra onde acontecem coisas o que mais exista sejam aspectos curiosos, por assim dizer, é que pouca gente parece levar a sério os génios, ou seja, para tudo e mais alguma coisa se interpelam os génios, estão sempre presentes, mas depois quase ninguém liga ao que eles dizem. Eles, os génios, são os únicos que se levam sempre a sério. É vê-los e ouvi-los com um ar absolutamente compenetrado a debitar genialidades a que ninguém liga mas que lhes concedem espaço e tempo para expressar.
Os génios daquela terra onde acontecem coisas, aqueles que aparecem como génios, são assim uma espécie de adereço, sem qualquer utilidade mas que sempre compõe o cenário.
Para completar este retrato, é também curioso, por assim dizer, que às pessoas que verdadeiramente sabem também ninguém parece ligar, lá naquela terra onde acontecem coisas.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A QUASE IMPUNIDADE DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

O Conselho de Ministros aprovou o Quarto Plano Contra a Violência Doméstica com alguns pontos em destaque, formação a magistrados e a agentes policiais e a extensão a todo o país da utilização da vigilância electrónica entre outras medidas.
Há algum tempo o Público em trabalho sobre esta matéria informava que em Portugal 59 pessoas cumprem pena de prisão por violência doméstica. Se considerarmos que em 2009 foram realizadas 30543 participações a taxa de condenação é impressionantemente baixa e não me parece de acreditar que tal se deva ao número de participações que serão falsas situações de violência.
Por diferentes ordens de razões, parece assumir-se que resulta uma espécie de fatalidade face à tolerância do crime de violência doméstica, à dificuldade de prova, ao sistema de valores e situação de dependência emocional e económica de muitas das vítimas à atitude conservadora de alguns juízes, etc. É ainda curiosa a referência habitual à dificuldade de proceder à retirada do agressor do ambiente doméstico, procedendo-se à saída da vítima numa espécie de dupla violência que, aliás, também se verifica em situações de maus tratos a crianças, em que o agressor fica em casa e a criança é “expulsa”.
O quadro é dramático mas não surpreende. Um dos mais devastadores efeitos da situação da nossa justiça é a instalação de um sentimento de impunidade generalizado com consequências incalculáveis.
Este sentimento de impunidade está instalado em todas as áreas da criminalidade, não apenas nas situações de violência doméstica. Atente-se em quantos casos de corrupção acabam em condenações a prisão efectiva. Atente-se no tempo e nos expedientes que os processos sofrem, acabando muitas vezes em prescrições ou em penas ridículas. Atente-se nos efeitos de algumas alterações do código penal que permitem que um indivíduo comprovadamente autor de um crime susceptível de pena de prisão, possa ser imediatamente solto e aguardar, se aguardar, o julgamento que demorará um tempo infindo enquanto se mantém em actividade.
Atente-se no comportamento despudorado de muitas das nossas lideranças políticas e partidárias com comportamentos de compadrio, tráfico de influências, distribuição de lugares pelas clientelas, etc.
De facto, tragicamente, temos que concluir que não é estranho o número residual de detidos por violência doméstica.
Antes de se aprovar o Quinto Plano veremos o que resultará do Quarto.

HAJA PUDOR

Devo confessar que fiquei perplexo, coisa que nos tempos que correm já vai sendo difícil. Na primeira página do I encontro "FMI explica. Esta crise nasce do fosso entre ricos e pobres". Ficamos depois a saber que esta interpretação desta reconhecida instituição de solidariedade social assenta na análise da disparidade entre os mais ricos e mais pobre traduzida no facto de 5% deterem 34% da riqueza obrigando os restantes 95% ao endividamento que dará origem à crise.
A minha perplexidade deve-se certamente à ignorância. O FMI tem sido um suporte dos modelos de desenvolvimento económico que, com base no endeusamento desregulado do mercado, produzem justamente as desigualdades, o agravamento do fosso entre os mais ricos e os mais pobres e a exclusão. Aliás, as intervenções na política económica dos diferentes países por parte do FMI caracterizam-se por medidas que quase sempre envolvem constrangimentos nos rendimentos que, para não variar, atingem também as pessoas com menores rendimentos. Por estes dias têm sido anunciadas medidas na Irlanda, sob a responsabilidade da "ajuda" do FMI, que envolvem cortes nos subsídios de desemprego e nos apoios sociais. Destinam-se certamente a diminuir o fosso entre os mais ricos e os menos "favorecidos", como lhes chamam.
Não consigo entender se este tipo de análises se deve a desonestidade intelectual e política, a despudor ético ou se limitam a ser um discurso de conveniência, demagógico, dizendo algo que possa parecer simpático numa altura em que a vida da grande maioria das pessoas, os tais 95%, tem muito pouco de aspectos simpáticos.
Provavelmente, como quase sempre acontece em matérias relativas às políticas económicas, dever ser ignorância minha não conseguir perceber a bondade dos pontos de vista do FMI.
Haja pudor.

O MIÚDO BLINDADO

Um destes dia estava a Professora Manuela na sala de professores à espera de mais uma das imensas reuniões que ocupam o tempo dos docentes, as mais das vezes sem utilidade de maior, quando apareceu o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, para o chá habitual.
Como não podia deixar de ser, trabalho de professor bom é assim, a conversa deslizou para os gaiatos, em particular para o Márcio que andava a inquietar a Professora Manuela porque o sentia menos bem, desatento, desinteressado, com reacções que não eram muito frequentes, a deixar as tarefas por acabar e sem muita preocupação com a qualidade. Para além disso, e era a maior inquietação da Professora é que, quando tenta falar com o Márcio, com quem até acreditava ter uma reacção tranquila, ele mostra-se nada disponível, diz que está tudo bem, fecha-se como se estivesse numa concha.
O Professor Velho, acenando a cabeça sublinhou, "é mais um miúdo blindado, agora tem estado em moda falar de blindados".
Que queres dizer com isso, Velho?
Algumas vezes, alguns miúdos, por razões que nem sempre são muito nítidas mergulham num mal-estar que os empurra para a construção de uma espécie de concha, blindagem como eu lhe chamei, no sentido de ficar, ou de sentir, ou mesmo de parecer que estão bem e mascarar o seu desassossego que poderá vir de dentro, de fora, ou de dentro e de fora.
Mas Velho, sendo assim, e estando o Márcio blindado como tu dizes, como posso perceber o que o inquieta e tentar ajudar.
Baixinho e sem pressionar tenta perceber que sonhos sonha o Márcio. Como sabes não é possível fechar os sonhos numa concha e talvez consigas perceber o que carregam os sonhos do Márcio. Se conseguires, vais ser capaz de o ajudar e tenho quase a certeza que ele quer e precisa dessa ajuda. A que chega dos professores e dos outros adultos atentos aos sonhos dos miúdos.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

GREVE GERAL, QUASE GERAL OU UM BOCADINHO GERAL?

Um dos aspectos invariavelmente envolvidos na realização de acções de protesto é a contabilidade em torno dos níveis de adesão. As discrepâncias, de acordo com o posicionamento das fontes de informação, são extraordinárias. Lembram-se certamente que na última manifestação dos trabalhadores da administração pública em 6 de Novembro, a organização estimou em 100 000 os participantes e um especialista americano que se encontrava em Lisboa avaliou a participação entre 8 000 e 10 000. Não tendo estado presente e não tendo outras fontes de informação, só posso depreender que uma das fontes estará "ligeiramente" enganada.
Ainda antes de começarem a surgir os primeiros números da adesão à greve de hoje, poderemos certamente antecipar que, como é habito, se instalará um consenso estranho, todos ganharam.
As estruturas representantes da administração e dos empregadores virão muito provavelmente afirmar que se registou um bom resultado pois a iniciativa não teve a adesão referida e ou esperada, não teve impacto significativo na vida das comunidades, que fica evidente a aceitação das políticas seguidas e a bondade dos seus pontos de vista, etc.
Por outro lado, as estruturas representativas dos trabalhadores informam-nos que a adesão correspondeu às expectativas, que os trabalhadores mostraram o seu descontentamento, que o movimento sindical obteve mais uma retumbante vitória, etc.
A questão é que esta discrepância, do meu ponto de vista, acaba por desvalorizar os efeitos da própria greve pois, como é sabido, um estudo demonstrou-o há poucas semanas, os níveis de cultura política, participação cívica, precariedade laboral, etc. levam a que uma percentagem muito significativa de pessoas embora estando de acordo com a razão dos protestos não adiram à realização da greve. Não deixa de ser curioso que o líder da oposição, Pedro Passos Coelho, a seguir a uma retórica de apoio aos protestos e defesa do direito à greve lá adiantou meio embaraçado que não estava em greve.
Há circunstâncias em que quando todos afirmam que ganham, todos estão a perder.

A HISTÓRIA DO HOMEM QUE ENRIQUECEU

Era uma vez uma terra onde a grande maioria das pessoas se sentia um bocado aflita com as difíceis circunstâncias de vida que atravessava. De facto, viviam-se tempos complicados, as pessoas encontravam-se muito assustadas com o rumo que as coisas estavam a tomar que não deixava antecipar nada de particularmente agradável.
Toda a gente, quase toda a gente, se interrogava sobre o que acontecia ou poderia acontecer que tornasse o caminho mais claro e que as levasse a bom porto. No entanto, quanto mais conversavam e discutiam, maiores eram as dificuldades que sentiam.
Um dia, chegou um Homem naquela terra que muito experiente da vida, já com uma estrada muito longa que lhe ensinou muito sobre como as pessoas pensam e funcionam, percebeu que poderia fazer algo por aquela gente e, naturalmente, por si, o Homem era um empresário que se especializou a vender aquilo que em qualquer altura lhe parecia que as pessoas precisavam ou queriam ter.
Não precisou de muito tempo para ter um sucesso enorme naquela terra onde quase toda a gente se sentia perdida e sem saber o que iria acontecer. Montou o seu negócio e pouca gente deixou de adquirir o bem que ele se propôs vender, certezas. É verdade, certezas, o Homem reparou como as pessoas daquela terra estavam desesperadamente a precisar de certezas, não importa muito sobre o quê, desde que fossem certezas que lhes fizessem sentir alguma confiança e segurança. Todas as certezas que o Homem conseguia providenciar, as pessoas levavam e voltavam sempre a pedir mais.
Na verdade, as dificuldades na vida das pessoas não mudaram muito, mudaram mesmo quase nada. No entanto, como sabem, quando se tem certezas a vida fica logo mais fácil, acham as pessoas.
E o Homem enriqueceu.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

O MEU RISO TRISTE

Ao que diz o Público a Ministra da Educação terá reagido com uma gargalhada à sugestão de Mário Nogueira de eliminar as Direcções Regionais de Educação. Sendo o sorriso um comportamento típico da Ministra nem percebo a pertinência da notícia. No entanto, para além do fait-divers, talvez seja interessante perceber que, no contexto e nos termos em que é produzida a afirmação de Mário Nogueira não me parece de levar a sério. Não está em causa o conjunto de competências das Direcções Regionais face aos Serviços Centrais do ME, temos muitas vezes ruído, ineficácia, contradição de orientações e incompetência. Também sabemos que as Direcções Regionais são estruturas de controlo político do sistema tal como a nova fórmula de direcção das escolas.
Mário Nogueira sabe e tem sido algo sempre defendido pelas estruturas sindicais a descentralização do sistema e a autonomia das escolas. Por isso, não é de levar a sério um retorno na centralização porque, no que respeita à autonomia ainda há muita estrada para se percorrer.
A questão é que, do meu ponto de vista, este tipo de afirmações têm a mesma lógica das decisões do ME, ou seja, o controlo político do sistema. O universo da educação é um dos terrenos mais envolvidos, pela sua escala e impacto social, na agenda da partidocracia e dos seus interesses. Dito de outra maneira, em muitas das decisões em matéria de políticas educativas em muitas das propostas e perspectivas vindas das estruturas representativas dos professores não se vislumbra como defendem, verdadeiramente, a qualidade dos processos educativos e do trabalho de alunos, professores e pais.
É por isso que frequentemente ao ouvir os actores mais visíveis neste universo também de dá vontade de rir. De tristeza.

O ABATE

A QUERCUS no seu meritório papel de combate pela qualidade do ambiente  e da vida em geral, protesta contra o alegado abate ilegal de pelo menos 27 sobreiros em bom estado vegetativo na região de Benavente devido aos interesses do negócio da lenha.
Do meu ponto de vista, este episódio é apenas mais um dos que envolvem uma verdadeira política de abate que se tem instalado em Portugal.
Abatem-se sem um sobressalto as expectativas e a confiança no futuro, quer dos mais velhos, quer dos mais novos.
Assistimos com impotência ao abate da dignidade que se traduz no desemprego e na pobreza que obriga estender a mão.
A confiança nas lideranças políticas parece cada vez mais abatida e nos modelos que nos têm gerido.
O envolvimento e a participação cívica abatem-se e são substituídos pela indiferença e a desesperança.
Certamente será do tempo chuvoso e cinzento, que, segundo alguns correntes, convidam à tristeza e à depressão, mas sinto-me um bocado abatido.

NA CAMA QUE FARÁS, NELA TE DEITARÁS

Este conhecido provérbio era repetidamente enunciado pelo meu pai quando sentia a necessidade de me chamar a atenção para a responsabilidade que eu tinha na construção do futuro que iria ser o meu. Talvez não partíssemos do mesmo ponto de vista, mas o meu pai sentia muitas vezes essa necessidade e eu lá ouvia pela enésima vez o ditado.
Vem esta introdução a propósito da dificuldade que hoje muito deverão sentir na construção do futuro. Dito de outra maneira, a feitura de uma boa cama não parece tarefa nada fácil.
O que nós temos vindo a fazer com o mundo que recebemos não permite que sejamos particularmente optimistas com o mundo que vamos deixar aos mais novos. A definição de projectos de vida que contemplem realização profissional, constituição de família e parentalidade, tanto quanto possível num patamar satisfatório em termos de qualidade de vida poderão parecer uma miragem para muitos jovens deste tempo. De facto, em resultado desta dificuldade assistimos ao prolongamento da estadia em casa dos pais, ao adiar quando não ao recusar a paternidade ou maternidade, a precariedade e vulnerabilidade nas carreiras profissionais, etc.
Nos tempos que correm parece difícil fazer os jovens acreditar que depende deles a construção da cama onde se deitarão.
Parece-me, aliás, que mais cedo ou mais tarde e de forma mais ou menos pacífica, nos começarão a cobrar pela falta de qualidade da cama que nós fizemos e onde eles agora ganham imensas dores e não conseguem descansar. Que desculpa lhes iremos dar?

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

E A MOBILIDADE SOCIAL?

Desde o início tenho afirmado que o processo de reforma no ensino superior mais conhecido pela "Reforma de Bolonha" radicou mais em questões económicas que de natureza científica, curricular ou de mobilidade envolvendo estudantes e professores. O encurtamento do chamado grau de licenciatura para três anos e a criação do 2º ciclo, o grau de mestrado, possibilitou que na grande maioria dos cursos passassem a ser as propinas dos alunos a financiar o 2º ciclo.
Neste novo quadro, as instituições de ensino superior público adequaram a sua oferta de 2º ciclo, os mestrados, a esta realidade e entrámos naquilo a que alguns chamam o funcionamento do mercado, através da lei da oferta e da procura em que, acreditam outros, radica a qualidade.
É neste cenário que se entende a notícia do Público sobre o custo dos mestrados que em algumas áreas e em algumas instituições podem atingir preços muito elevados como o caso referido, o ISCTE, embora existam outros casos.
Seria ingenuidade excessiva não perceber que as leis do mercado, sempre o mercado, teriam de chegar também ao ensino superior público e também entendo que compete a estudantes e famílias uma parte importante no investimento na formação e qualificação profissional.
No entanto, conhecendo o tecido social e cultural português, longe obviamente dos modelos americanos que alguns defendem, temo que esta entrega às leis do mercado e às capacidades das famílias, alimentem algo que é, ainda, uma característica do sistema educativo português e que os relatórios internacionais reconhecem, o baixo impacto da educação na mobilidade social. Dito de outra maneira, os indivíduos com origem em grupos sociais mais favorecidos são os que tendencialmente obtêm melhores níveis de qualificação e repete-se o ciclo. Neste quadro, importa também considerar o abaixamento dos investimentos nas bolsas, as dificuldades enormes das famílias e o desemprego mais elevado entre os jovens que poderia constituir uma pressão para continuar os estudos mas que as elevadas propinas de 2º ciclo tornam mais difícil.
Quando se espera e entende que a minimização das assimetrias possa, também, depender da educação e qualificação, o seu preço, longe a favorecer, alimenta-a.

OLÁ, SOU O MANEL E TENHO SEIS ANOS

Olá, sou o Manel, tenho seis anos e ando no 1º ano numa escola nova. Não sei ainda escrever muito bem e pedi ajuda para dizer isto. Quando andava no Jardim-de-infância que se chamava O Paraíso da Criança, a educadora Rita e a outra ai… a Joana diziam que esta escola ia ser boa e ia aprender muita coisa, até a ler e a fazer contas e problemas. Também disseram que podia brincar à mesma mas eu não acreditei porque o meu pai disse que umas pessoas que escrevem no jornal dizem que não se pode brincar na escola. Tem que se trabalhar a sério e se calhar ainda mais que os grandes porque os jornais também dizem que eles, os grandes, não têm ai…isso, produtividade. Mas vim para a escola e até estava animado. Havia uns meninos e umas meninas que eu já conhecia. Outras não, mas são fixes. A professora Maria também é fixe. Às vezes zanga-se e grita. É melhor porque a gente assim a ouve. Umas vezes fala com as outras professoras e ficam zangadas com uma senhora que se chama Ministra. Dizem que essa senhora é que devia estar a ensinar a gente. Não sei bem porquê mas eu não quero outra professora. Gosto da minha. Ela também gosta de mim. Ela disse-me e eu acredito. O que eu não gosto muito é da escola ser tão comprida. Muito comprida. Só para saberem vou dizer como é a segunda-feira.
Levanto-me às sete e meia e a minha mãe primeiro larga o meu irmão no Jardim-de-infância e depois deixa-me na escola quase às nove. O meu amigo João já está à minha espera porque ele chega às 8 aos Tempos Livres e o dia da gente é assim:
Das 9 às 9 e 45 temos Matemática. Fazemos umas fichas do livro e a professora explica coisas. Às vezes não percebo e ela diz que já vem mas os outros também não percebem e temos que esperar. Não se pode falar mas a gente fala e é quando a professora grita.
Das 9 e 45 às 10 e 30 é a mesma coisa mas com mais barulho.
Das 10 e 30 às 11 temos um intervalo para brincarmos à bola e às lutas como aquelas da televisão.
Das 11 às 12 temos Língua Portuguesa. É o que eu gosto mais e já quase sei ler mas também temos barulho. Eu não me importo com isso porque quero aprender a escrever histórias e a ler livros. O meu avô não sabe ler e fica triste quando diz que não sabe. E ele fica contente quando leio coisas que já sei. Eu também fico.
Depois de almoçar no refeitório da escola com os alunos todos e com mais barulho ainda, vamos ter Estudo do Meio das 13 e 15 às 14. A Professora disse que a gente ia estudar o que estava à nossa volta mas ainda não saímos da escola. Se calhar temos que estudar primeiro para depois ir ao Meio.
Das 14 às 15 e 15 temos Expressões. Também é giro. O que eu gosto mais é de pintar mas a Professora diz que eu nunca escolho bem as cores e os desenhos ficam feios. Mas eu gosto deles e a Rita que é minha amiga, também.
Às 15 e 30 e até às 16 e 15 temos Educação Física. Também gosto mas fico muito cansado de correr e jogar e fico transpirado.
Às 16 e 30 vamos para Inglês. A professora está sempre aborrecida, diz que não percebe miúdos pequenos. Diz que não estamos calados e quietos a fazer as fichas como uns alunos que ela tem noutra escola e que já andam no 12º ano. O inglês é giro mas só aprendi os números e as cores. Não sei falar inglês e ainda fico mais cansado.
Das 17 e 15 às 18 temos Música. O professor é engraçado bué, tem um piercing e o cabelo atado. Toca um violino e anda numa escola chamada Conservatório e só estuda música. Ele gosta. Mas acho que não gosta muito de estar com a gente. Diz que precisa de ganhar dinheiro e que lhe pagam pouco e que a gente não tem jeito para a música. Eu gostava de experimentar o violino mas a gente cá na escola só tem pífaros.
O meu pai vem buscar-me às 18 e 30 e vou para casa e quando não tenho trabalhos de casa aproveito para brincar um bocadinho com o meu irmão, antes de tomar banho e jantar. Às vezes digo que estou cansado mas a minha mãe diz que é para eu aprender como é a vida dos grandes. Eu acho que eles têm uma vida grande porque são grandes e eu… EU SOU PEQUENO. AINDA NÃO PERCEBERAM?

DAR A SALVAÇÃO

Como o povo costuma dizer estamos sempre a aprender. Fiquei hoje a saber través do JN que o dia 21 de Novembro é o Dia Internacional da Saudação e tem como objectivo a promoção da paz através do cumprimento. O jornal dispõe ainda de alguma informação sobre as formas de cumprimento em diversas paragens.
Do meu ponto de vista, falta um dos muitos enunciados que a língua portuguesa tem e que me encantam, “dar a salvação”, isto é, cumprimentar. Desde miúdo que à minha avó ouvia esta expressão e a recomendação de que sempre que se entra em algum lado ou se passa por alguém, conhecido ou não, se deve dar a salvação. Este comportamento perdeu-se quase completamente, ninguém se cumprimenta ao cruzar-se na rua, excepto se for conhecido, naturalmente, e quando se entra num qualquer local, um café, por exemplo, e se solta um bom dia, a maioria das pessoas não liga e alguns olham-nos como alienígenas. Alias, tal estranheza verifica-se quase sempre que se cumprimenta alguém desconhecido com que nos cruzamos, convido-vos à experiência.
No meu Alentejo, como provavelmente noutras paragens, ainda muita gente dá a salvação na rua e, acho lindíssimo, alguns dos homens mais velhos ainda levam a mão ao chapéu ou à boina. E também se mantém para muitas pessoas o hábito de um cumprimento global ao entrar num espaço público.
Dirão que nada disto parece relevante e, provavelmente, não o será. Mas cumprimentar alguém com que nos cruzamos tem a enorme consequência de que esse alguém é olhado e interpelado, deixou de ser transparente, tornou-se visível, vivo. Num mundo em que as relações interpessoais são cada vez mais em suporte virtual e em que as pessoas estão mais sós, mas com uma “rede social imensa”, não é questão de somenos.
Finalmente, esta ideia de poder receber de alguém, ou poder oferecer a alguém a salvação é, no mínimo, reconfortante. Mais do que nunca.

domingo, 21 de novembro de 2010

SOFRER DE SOFRIMENTO

O Público de hoje apresenta um trabalho notável sobre uma realidade que todos imaginamos mas porque, felizmente, não lidamos com ela de perto não lhe conhecemos a dimensão brutal do ponto de vista emocional.
O trabalho é sobre a experiência dos médicos da especialidade de oncologia e oncologia pediátrica, sobretudo de um deles, Armando Pinto, que publicou o livro "Vivências de um médico oncologista pediátrico" onde aborda o sofrimento em três planos, o das crianças com quadros clínicos do foro oncológico, o seu trajecto e a tragédia muitas vezes anunciada e outras vezes enganada, o sofrimento dos familiares que merecem uma dedicatória, "Às mães que me deslumbram na minha vida profissional" e o sofrimento do médico ao lidar com o sofrimento do outro e com a impotência face às tragédias devastadoras que não se conseguem evitar bem como da felicidade das situações resolvidas.
Muitos estudos sobre as dificuldades emocionais e o nível de stress que as diferentes profissões colocam, apontam para as profissões que lidam com o sofrimento como as mais susceptíveis de provocar situações complicadas aos profissionais. De facto, lidar com o sofrimento do outro exige uma capacidade de empatia e acolhimento enormes mas, simultaneamente, exige uma extraordinária resistência emocional para manter a capacidade intervenção e ajuda, sendo que, em muitas circunstâncias, os profissionais são as últimas fontes de equilíbrio e apoio por parte de doentes e familiares.
Um outro médico, Nuno Gil, refere o facto de uma psicóloga lhe ter dito que os médicos não deveriam chorar porque não se podem comprometer emocionalmente com os doentes. O médico em causa entende que em algum momento o médico tem que chorar com os seus doentes. Como dizem estes médicos o clínico não pode ser só testemunha do sofrimento.
É preciso aprender a sofrer de sofrimento, o Dr. Armando Pinto pensava que com a experiência ficaria mais fácil mas não, é mais difícil. Só a indiferença é que produz insensibilidade. Como estes médicos não são indiferentes, sofrem de sofrimento e, por isso, precisam de chorar. São gente como nós e eu estou-lhes reconhecido por isso.

sábado, 20 de novembro de 2010

O ESSENCIAL E O ACESSÓRIO

Aqui no Meu Alentejo aproveitando o intervalo de almoço na apanha da azeitona, uma espreitadela ao mundo através da imprensa on-line.
Do site do Público, às 12 e 35 respigo seis notícias.
Hospitais públicos pagam até 100 € por hora a médicos contratados a empresas prestadoras de serviços, prática já denunciada pelo Tribunal de Contas.
Juíza de instrução valida escutas no caso Tagus Park. Como é habitual em Portugal em casos deste tipo a defesa não sustenta a inocência, defende a impossibilidade de acusação por questões processuais e manhas jurídicas.
A Câmara Municipal de Lisboa contrata como assessor um funcionário que tinha pedido licença sem vencimento em consequência de uma punição por negligência. Trata-se, certamente, de um imprescindível e genial funcionário e de mais uma irrepreensível decisão camarária.
CDS-PP retira confiança política a autarca acusado de desvio de 243 000 €. O impune poder local no seu melhor.
PSP admite que os blindados ainda não chegaram. A imprescindibilidade da compra e a urgência que levaram ao ajuste directo devido à Cimeira da Nato resultam nesta anedótica situação que, como será de esperar, não terá consequências.
A Jerónimo Martins vai antecipar para este ano o pagamento de dividendos. Tal decisão não terá, seguramente, nada a ver com o facto de em 2011 os dividendos sofrerem um agravamento fiscal.
Como se pode verificar pela amostra retirada numa única consulta à primeira página exposta no site de um jornal, não vale a pena entrar-se na retórica discussão sobre “A remodelação” que vem substituir a novela “O Acordo”.
O essencial joga-se ao nível de princípios, modelos e políticas, o resto, como o povo diz é folclore.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A ENVERGONHADA POBREZA QUE NOS ENVERGONHA

No âmbito de uma conferência sobre a Pobreza e a Exclusão, noticia o Público, um especialista do ISEG sustenta que cerca de 171 000 pessoas que devido à sua situação teriam acesso ao Rendimento Social de Inserção, não o requerem pela vergonha sentida pelo estigma da pobreza. O RSI tem sido alvo de muitas análises e algum discurso mais demagógico e populista tem, do meu ponto de vista, “diabolizado” o RSI, embora todos saibamos dos abusos que se verificam e que, necessariamente, deveriam ser prevenidos e eliminados através de uma fiscalização eficaz.
No entanto, devido ao volume crescente de situações de pobreza decorrentes, sobretudo, de situações de desemprego que afectam milhares de pessoas que se julgavam a coberto deste tipo de riscos surgem muitíssimos casos do que se entende designar por “pobreza envergonhada”, ou seja, pessoas que sentem um embaraço pessoal e social enorme para assumir as dificuldades porque passam.
Este cenário é absolutamente extraordinário. Para além das consequências óbvias das dificuldades ainda se torna necessário, como várias vezes aqui tenho referido, acautelar a dignidade das pessoas afectadas. De facto, umas das consequências menos quantificável das dificuldades económicas, sobretudo do desemprego, em particular o de longa duração e de situações em que o tempo obriga a perder o subsídio, é o roubo da dignidade às pessoas envolvidas. Sabemos que se verifica oportunismo e fraude no acesso aos apoios sociais, mas a esmagadora maioria das pessoas sentem a sua dignidade ameaçada quando está em causa a sobrevivência a que só se acede pela “mão estendida” que envergonha, exactamente por uma questão de dignidade roubada.
A questão da pobreza é um terreno que se presta a discursos fáceis de natureza populista e ou demagógica, não tenho dúvidas. Mas também não tenho dúvidas de que os problemas gravíssimos de pobreza que perto de dois milhões de portugueses conhecem, exigem uma recentração de prioridades e políticas. Não sei discutir se os famosos investimentos em grandes projectos têm ou não valor reprodutivo e gerador de riqueza, mas tenho a certeza de que existe um fortíssimo desperdício na gestão da coisa pública, que existe uma escandalosa situação de privilégio em muitíssimas instituições privadas, uma fiscalidade protectora da banca e investimentos de duvidosa necessidade e justificação.
A envergonhada pobreza deveria envergonhar-nos a todos, a começar por quem lidera. A liderança que transforma é uma liderança com responsabilidade social e com sentido ético.

O NASCIMENTO DE UMA CIDADÃ

Andava a pensar há muito tempo no passo que teria de dar e ao qual tenho vindo a fugir com medo dos tempos de espera em repartições públicas e algumas experiências pouco positivas. Precisava de ter o cartão de cidadão. Já quase me sentia um não cidadão à beira da inexistência legal. Decidi-me e, devo dizer, fiquei perplexo. Liguei para um número nacional na 4ª feira à tarde e perguntei se poderia agendar um pedido de cartão de cidadão em Almada para o dia seguinte. Deram-me a escolher várias hipóteses de horas e ficou marcado. Na repartição, à hora marcada chamaram-me, atenderam-me e estou a aguardar o envio da carta pin (é assim que se chama) que me permite retomar uma existência plena. Como disse, as minhas experiências anteriores e mais frequentes não deixavam antecipar tal excelência e fiquei contente.
Mas fiquei ainda mais contente porque tendo chegado um pouco mais cedo assisti ao nascimento de uma cidadã, cena que não posso deixar de partilhar.
Uma mãe jovem transportava uma criança de colo, a Sara, foi fácil perceber, toda a gente chamava a Sara, três ou quatro meses de vida, uma bandolete com um bonequinho no alto da cabeça e uma chucha que sempre que caía da boca provocava um ruidoso protesto da Sara. A Sara estava a tratar do cartão de cidadã, eu já tinha uns cartões que atestavam a minha existência mas a Sara estava a nascer, a funcionária disse-me depois que era melhor tirar o cartão do que a velha cédula. Também acho, há lá cosia que se compare ao cartão de cidadão.
O problema é que a Sara, provavelmente por ainda não ter percebido o transcendente significado da circunstância, não colaborava, agitava-se, chorava e o grande problema era a imprescindível fotografia. Nesta altura e após várias tentativas o espectáculo era interessante. A Sara ao colo da mãe virada para máquina, a mãe com uma fralda a tapar a cabeça para não aparecer na fotografia, a funcionária a dirigir diligentemente a coreografia, uma outra figura jovem, presumo que a tia da Sara a cantar-lhe para que ela se aquietasse. Uma outra figura jovem, o pai da Sara, por sugestão da funcionária subiu para uma mesa atrás da máquina e espreitando por uma janela, fazia "macaquices" que distraíssem e acalmassem a Sara o tempo suficiente para uma fotografia que lhe fizesse justiça no cartão do cidadão. A cena foi repetida algumas vezes.
Quando a Sara e toda a tribo que a acompanhava saíram pensei como é bonito e trabalhoso o nascimento de uma cidadã.
Entretanto chamaram-me.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A LIBERDADE DE ESCOLHA DA ESCOLA

Em mais uma iniciativa no meritório e importante debate sobre a chamada Liberdade de Escolha na Educação é hoje divulgado no Público o ponto de vista do Professor Herbert J. Walberg, especialista em Economia da Educação, sublinho especialista em Economia da Educação. O Professor Walberg é um defensor do cheque educação como garante da liberdade de escolha por parte dos pais relativamente à escola dos filhos. O Professor Walberg cita o exemplo da Suécia e de algumas experiências dos UA. Na Suécia, a escola escolhida pelos pais, pública ou privada, é obrigada a aceitar qualquer criança e os resultados são positivos.
A ideia de replicar em Portugal o sistema como alguns defendem, recorda-me o constante citar da Finlândia ou de outras realidades como se os contextos fossem comparáveis e se tratasse de "fotocopiar" ideias e procedimentos. Mas não são, só por ignorância, demagogia ou militância fundamentalista por um princípio é que é possível admitir que a liberdade de escolha dos pais no Portugal que temos seria assegurada pelo famoso voucher que, aliás, o Professor Walberg gostava de, generosamente, ter começado a distribuir.
Antes de continuar, devo sublinhar que entendo a existência de um subsistema educativo de ensino privado como absolutamente necessária para, por um lado permitir alguma liberdade escolha, ainda que condicionada, por parte das famílias e, por outro lado, como forma de pressão sobre a qualidade do ensino público.
No entanto, mais uma vez, refiro algo que é bem conhecido de todos os que de alguma forma lidam com o universo da educação. Muitas instituições de ensino privado não receberão nunca alguns alunos independentemente de os pais terem no fim de cada mês um voucher para pagarem a mensalidade. Não é uma questão económica é uma questão de defender a instituição de situações de risco que lhe comprometam a imagem de excelência ou a posição nos rankings, sejam os dos resultados escolares sejam os do "capital social" que detêm. Conhecem-se, também, estabelecimentos de ensino privado de onde alunos com algum insucesso e ou problemas do comportamento são "convidados" a sair para que se não comprometa a imagem e o estatuto da escola. Seria aliás interessante e um bom serviço prestado a este debate, uma investigação por parte da imprensa aos mecanismos de acesso aos colégios mais "cotados" e aos dispositivos de "convite" à saída sempre que alguma coisa corre menos bem.
Por outro lado, é também conhecido que mesmo entre escolas públicas se verificam práticas de selecção que, aliás, não há muito tempo foram referidas por alguma imprensa mais atenta.
Finalmente, neste pequena nota, chamo ainda atenção para a qualidade e nível da cidadania quando se referem os pais na Suécia e os pais em Portugal, Em Portugal temos ainda muitos pais com qualificações escolares baixas, com também baixas expectativas sobre a escolaridades dos filhos, com níveis de qualidade de vida preocupantes que lhes retiram capacidade negocial e peso cívico que possam funcionar eficazmente como um regulador dos serviços educativos prestados aos filhos.
Não adianta tapar o sol com uma peneira e achar que a realidade, as realidades, em que vivemos são a projecção dos nossos desejos, ou seja, aquilo que gostávamos que fossem.
Reafirmando a necessidade de existência de um subsistema privado, insisto de há muito, que a melhor forma de proteger a liberdade de educação, é uma fortíssima cultura de qualidade, rigor e exigência na escola pública e uma acção social escolar eficaz e oportuna. Assim teremos mais facilmente boas escolas, públicas ou privadas.

A HISTÓRIA DO NORMAL

Era uma vez um rapaz chamado Normal. Tinha uma vida como a dos rapazes na sua idade. Andava na escola e as suas notas, não sendo muito altas, permitiam que transitasse tranquilamente de ano. No entanto, apesar dos resultados escolares satisfatórios a maioria dos professores achavam-lhe qualquer coisa de estranho que não identificavam de forma clara. O seu comportamento habitual era o que se poderia esperar dos miúdos naquela fase da sua narrativa. De uma forma geral tranquilo, de vez em quando lá se envolvia num qualquer disparate mas nada de particularmente preocupante. Também no comportamento, muitos dos adultos que andavam à sua volta pensavam que havia qualquer coisa de esquisito na forma de funcionar do Normal e também não conseguiam ter uma ideia segura sobre o que lhes parecia estranho.
O Normal tinha uma relação serena com os seus colegas embora, como a generalidade dos miúdos, tivesse um desaguisado ou outro que era resolvido de acordo com as regras que os miúdos constroem para as relações entre si. Apesar desta serenidade. as pessoas estavam convencidas que havia algo no Normal que não estava muito bem embora não conseguissem identificar com clareza o que achavam de errado. A relação do Normal com os adultos, tal como na escola, era habitualmente positiva ainda que por vezes mostrasse alguma reacção menos simpática. Como sempre acontecia com o Normal, muitas das pessoas viam algo de esquisito nas suas reacções.
No fundo, as pessoas já não estão muito habituadas a rapazes Normais, acham estranho e nem se dão conta de quê.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A DESESPERANÇA

Numa entrevista ao Público de hoje, o sociólogo Elísio Estanque teoriza sobre a probabilidade de os jovens poderem desencadear acções de protesto mais ou menos violentas face às dificuldades que enfrentam. Refere-se ao facto de não ser não habitual em Portugal assistirmos a protestos violentos, o que se deverá, segundo o entrevistado, a uma matriz cultural específica, às vivências sociais mais recentes ainda em consequência do Estado Novo, à origem de classe da maioria dos estudantes universitários e ao seu alheamento da participação cívica.
Não vou comentar este conjunto de razões embora me pareça estar presente algum enviesamento de análise sobretudo no peso atribuído à origem de classe. Parece-me interessante introduzir um outro facto que pode ajudar a entender a relativa acalmia, neste caso dos jovens, mas também de outros grupos sociais, com que expressam o seu descontentamento. Refiro-me a um factor que poderemos considerar de natureza psicológica e que costumo designar por desesperança.
Do meu ponto de vista, o modelo e cultura política instalados há décadas na nossa comunidade, a partidocracia, fomentam, explicita ou implicitamente, o afastamento de grande parte dos cidadãos da participação cívica activa pois, basicamente, ela corre por dentro ou sob tutela dos aparelhos partidários. Tal cenário alimenta o significativo desinteresse dos jovens, mas não só, pela coisa pública e pelo envolvimento activo, incluindo a forma protesto.
Por outro lado, esse desinteresse pela participação cívica, alia-se a um outro entendimento de consequências extremamente importantes, a falta de esperança e confiança em que as coisas possam tornar-se diferentes, ou seja, isto não muda, não adianta.
Neste cenário, os grupos sociais, incluindo os jovens, só poderão sentir-se mobilizados por questões de natureza muito concreta que desencadeiem comportamentos reactivos fortes, veja-se o exemplo da luta dos professores em 2008 e 2009. Deste ponto de vista e dada a heterogeneidade de circunstâncias que estão ligadas às dificuldades na vida dos jovens, mesmo uma questão como o desemprego tem dimensões de natureza bem diferenciada entre a camada mais jovem, parece difícil que de forma clara possa emergir uma grande causa aglutinadora do descontentamento e suficientemente mobilizadora que leve ao protesto violento.
Não me parece que tal possa acontecer de forma significativa, a desesperança e os nossos brandos costumes deixar-nos-ão enleados num protesto manso e na convicção de que "isto não muda".

OUTRO DIÁLOGO IMPROVÁVEL - O problema de matemática

Setora, isto que está escrito aqui no meu trabalho quer dizer que o problema está errado?
Não Duarte, o problema está com o resultado certo.
Mas então porque é que a Setora diz que não está bem?
Duarte, tu chegaste ao resultado certo mas o problema não deve ser resolvido dessa forma.
A Setora põe o problema no trabalho para gente resolver, eu resolvo, o resultado está certo e a Setora diz que não está bem, não percebo, resolvi o problema ou não?
Sim Duarte, resolveste o problema mas não o fizeste da maneira própria.
Setora, os problemas são para ser resolvidos ou para ser resolvidos sempre da mesma maneira, a própria?
Duarte, por amor de Deus, não recomeces com a tua retórica.
Retórica Setora!? Isso é o quê?
A conversa que fazes sempre para levar por diante os teus pontos de vista. Tens que ter sempre uma opinião diferente dos outros, inventas sempre alguma coisa de esquisito e não te convences, teimas em querer ter razão.
Setora, pense lá. A Setora dá-me um problema para eu resolver, não me diz como, eu resolvo o problema, o resultado está certo e a Setora diz que não está bem. Não é esquisito?
Mas que mania tu tens de ser diferente.
A Setora desculpe, mas é ao contrário. Eu não tenho a mania de que sou diferente, eu sou diferente, todos somos diferentes. Acontece depois é que querem que a gente fique com a mania que somos todos iguais, a dizer a mesma coisa, a fazer a mesma coisa, a pensar a mesma coisa, a fazer da mesma maneira, isso é que é uma mania, não é verdadeira.
Duarte, desisto.
Eu não Setora.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

AS PALAVRAS

O Presidente da República naquele seu jeito esfíngico, sem emoção, afirmou que “existem palavras a mais na vida pública” para justificar mais uma não opinião sobre qualquer questão que lhe era colocada.
É interessante esta questão das palavras a mais. Não me parece que existam palavras a mais, existe comunicação de menos, ou seja, o que a vida pública mais tem para nos mostrar é discursos sem interlocutor. Cada um dos actores ou protagonistas fala para algo ou alguém de indefinido e parece pouco disponível para o essencial, utilizar as palavras como suporte da comunicação e dos entendimentos, não estou a dizer concordâncias. As pessoas estão cansadas de retóricas palavrosas, inconsequentes e centradas nos interesses dos aparelhos partidários ou das elites económicas. Como dizia, parece-me que, de facto, temos palavras a mais e comunicação a menos.
Por outro lado e paradoxalmente também creio que faltam palavras. Faltam palavras de solidariedade genuína para quem, vítima da crise que a especulação económica e modelos de desenvolvimento não centrados nas pessoas, vive momentos de enormes dificuldades num atentado diário à dignidade e com o quotidiano transformado na preocupação com a sobrevivência e a falta de uma palavra de esperança.
Como canta Paco Ibañez.
Las palabras entonces no sirven, son palabras...
Siento esta noche heridas de muerte las palabras

OUTRA HISTÓRIA DE UM NINGUÉM

Era uma vez um rapaz chamado Ninguém. Como não será de estranhar, a vida do Ninguém era uma espécie de coisa nenhuma. Bem, na verdade na vida do Ninguém havia uma coisa muito importante, o Avô, era mesmo a única coisa importante que acontecia ao Ninguém, as horas que ele passava com o Avô. A família, para além de lhe assegurar a sobrevivência pouca circunstância representava.
Desde que entrou na escola a vida do Ninguém não era assim coisa muito interessante. Não conseguia fazer as coisas que lhe pediam da mesma forma bonita e bem feita que a maioria dos colegas eram capazes. O Ninguém até se esforçava e achava que às vezes os trabalhos até estavam bem. Mas nunca lhe diziam isso, quase sempre falavam que não tinha graça ou que estava errado.
Com o tempo, o Ninguém aprendeu que não era mesmo capaz de fazer alguma coisa que fosse apreciada e deixava-se estar no seu canto, sem grandes sobressaltos, assim como se ninguém por ali estivesse.
Um dia, a Professora Habitual deixou de aparecer e veio uma Professora Nova. Como não conhecia os miúdos da turma pediu a cada um deles que falasse de uma coisa que gostassem da sua vida.
Enquanto ouvia os seus colegas o Ninguém ia ficando aflito, como falar de uma vida que quase não era, e, de repente, mesmo quando chegou à sua vez, lembrou-se, começou a contar a uma história, a última história que o Avô lhe tinha contado. Era uma história grande, como sabem os avós nunca têm pressa, e o Ninguém contava a história tal como o Avô a tinha contado. Ao contrário do habitual, na sala não se ouvia nada a não ser o Ninguém a contar a história que acabou mesmo em cima do fim da aula. Quando o Ninguém acabou, os seus colegas começaram a bater palmas e a Professora Nova disse-lhe que nunca tinha ouvido uma história tão bonita e tão bem contada.
O Ninguém, pela primeira vez pensou que era Alguém. Nessa noite nem dormiu direito, só via os colegas e a professora a ouvir com toda a atenção a história do Avô. Se o Avô não tivesse partido no ano anterior haveria de ficar mesmo contente.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

OS ATÍPICOS PORTUGUESES

De há muito tempo temos vindo a habituarmo-nos a que os estudos sobre a nossa realidade evidenciem resultados ou padrões distintos dos outros países com que é legítima a comparação.
Agora é o estudo que mostra como a nossa saúde mental anda pelas ruas da amargura, dois em cada dez de nós sofrem de alguma forma de perturbação. Só mesmo os americanos parecem mais "perturbados" que nós e os espanhóis não atingem sequer metade da nossa taxa de perturbação.
Parece ainda relevante sublinhar que a área de maior prevalência de problemas é a das perturbações da ansiedade o que até não surpreende face ao nosso quotidiano.
Sendo poucos os dados em que nos distinguimos pela positiva, e quando se verificam não são suficientemente valorizados o que traduz uma outra atipicidade nossa, começa a ser preocupante esta conjugação negativa de dados e padrões que nos caracterizam nas mais diversas áreas de funcionamento. Tudo isto representa uma séria ameaça à nossa auto-estima e à confiança que seria importante sentirmos o que alimenta, também, as situações de mal-estar que nos parecem caracterizar.
Ainda em matéria de saúde mental é também de sublinhar o altíssimo consumo de psico-fármacos que se verifica em Portugal. Dados do Alto Comissariado da Saúde relativos a 2007 dizem-nos que, em média, se verificou um consumo diário de 152,1 fármacos daquele tipo por cada mil habitantes, enquanto a média da EU para 2006 foi de 42,3 o que é, de facto, uma diferença significativa.
Por outro lado, de há uns tempos para cá entrou no léxico comum da cena política uma terminologia vinda da área da saúde mental com efeitos que ainda não foram avaliados. Alguns exemplos. É muito frequente a referência a estados de depressão, o país está deprimido, os mercados estão deprimidos, algumas regiões portuguesas são consideradas deprimidas, etc. Diz-se com todo o à vontade que certos comportamentos políticos podem ser suicidas, seja de pessoas ou de partidos. Inventaram um quadro de claustrofobia democrática, seja lá isso o que for. Não há opinador, amador ou profissional, que não se refira a autismo ou a autista para adjectivar discursos e comportamentos políticos. Aliás, deve recordar-se que a Assembleia da República aprovou uma moção no sentido de se não utilizar tal terminologia nos debates parlamentares. Multiplicam-se as referências a pessoas que assumem compulsivamente estratégias de vitimização, a comportamento obsessivos ou alucinados, etc.. Abundam as análises que sublinham a grave baixa auto-estima dos portugueses. A comunidade atribui o estatuto de inimputável ao Dr. Alberto João o que o deixa “à solta”. É também de referir que nos últimos tempos muitos analistas diagnosticaram uma dupla personalidade ao Primeiro-ministro, que explicaria uma mudança de comportamento a partir das eleições europeias e ao longo dos últimos tempos. Neste contexto e considerando ainda a situação grave que o país tem vindo a atravessar, não é de estranhar que os portugueses depositem nos psico-fármacos a esperança de dias melhores.
Temo que, estando em discussão a versão V do Diagnosis and Statistical Manual of Mental Disorders a publicar em 2013, que ainda possa surgir uma entidade clínica capaz de explicar esta estranha atipicidade dos portugueses e transformar-nos numa espécie de case study para a comunidade científica internacional, em diferentes áreas.
Já faltou mais.

OS ESPAÇOS DE LIBERDADE ONDE SE FECHAM OS MIÚDOS

Durante um telejornal televisivo de hoje surgiu uma peça que me deixou a pensar. Foi apresentada uma experiência de utilização de yoga com crianças entre os 3 e os 8 anos. Pelas intervenções deu para perceber que a actividade se desenvolvia ao fim do dia. Duas responsáveis sustentaram a importância do yoga sublinhando que tendo as crianças um dia muito preenchido com actividades fixas, um espaço de relaxamento, auto-controlo e de utilização dos mantras, etc., etc., se torna uma experiência muito importante. Duas mães referiram também a importância do auto-controlo, do conhecimento do corpo, do relaxamento, etc., etc. As crianças ouvidas disseram que era bom, porque era bom e ficavam contentes. As notas que se seguem não têm rigorosamente a ver com o yoga enquanto actividade ou conjunto de princípios, decorrem de como esta peça reflecte, do meu ponto de vista, um olhar sobre a vida crianças que se tem vindo a instalar entre nós.
De uma forma geral e em consequência dos estilos de vida parentais (mas não só), as crianças passam tempos infindos na escolas. Recordemos o modelo em funcionamento "Escola a Tempo Inteiro" e as Actividades de Enriquecimento Curricular que, indo ao encontro de um problema social sério, a guarda dos filhos em horário laboral, promove a presença dos miúdos na escola por vezes até às 12 horas diárias o que, apesar de algumas excelentes experiências neste âmbito, levanta um sério risco de intoxicação escolar.
Por outro lado, também sinais dos tempos, tem vindo a emergir um mercado de oferta para crianças, logo de bebés, e pais que se propõe ocupar o já pouco tempo em que estão juntos. Esta oferta não pára de crescer e é de uma diversificação que me deixa perplexo. Temos as oficinas, os ateliers, os playcenters, os workshops, os espaços lúdicos, etc. destinados à música, do jazz à clássica, à dança ou à literatura, contos e histórias, às actividades expressivas, plásticas ou artísticas, a designação também varia, em toda a sua gama e diversidade. Temos a filosofia para crianças destinada eventualmente aos mais reflexivos. Temos as actividades desportivas, várias modalidades, e de ar livre em diferentes versões e natureza, quintas pedagógicas, contacto com animais e espaços de aventura, por exemplo. Enfim, uma oferta em desenvolvimento e para todas as bolsas.
É claro que a realização de todas, mesmo todas, estas actividades são imprescindíveis aos miúdos pois promovem níveis fantásticos de desenvolvimento intelectual e da linguagem, desenvolvimento motor, maturidade emocional, criatividade, interacção social, autonomia e certamente mais alguns aspectos de que agora não me lembro mas que a peça sobre o yoga para crianças actualizou em mais alguns efeitos positivos.
Os pais, alguns pais, seduzidos pela sofisticação desta oferta e com a culpa que carregam, deixam-se fechar com os seus filhos ou deixam que os seus filhos sejam fechados dentro destes “espaços de liberdade”, comprando, assim, mais um serviço educativo.
Não esqueço que em todos estas iniciativas alguma coisa pode acontecer de interessante para as crianças e para os pais e também não duvido da seriedade dos responsáveis, mas continuo convencido que a melhor utilização que pais e filhos podem dar ao (pouco) tempo livre que têm em conjunto, é … claro, conversar e brincar livremente em conjunto.

domingo, 14 de novembro de 2010

ENSINO PROFISSIONAL, QUALIDADE E QUANTIDADE (de novo)

A peça de de hoje no Público sobre o ensino profissional em que se revela qualidade do trabalho desenvolvido pela Escola Tecnológica do Litoral Alentejano em Sines, instituição privada cujos alunos não evidenciam muitas dificuldades na entrada no mercado de trabalho, e o que tem vindo a acontecer nesta matéria no sistema público, levam-me a retomar algumas ideias já aqui expostas em diferentes ocasiões.
No universo da educação em Portugal depois de Abril de 74, instalou-se uma das mais generosas e ingénuas ideias que o tempo das utopias gerou, todos os indivíduos deveriam ter formação universitária. Esta ideia, de trágicas consequências, quis combater a marca de classe presente nas escolhas entre liceu e escolas industriais e comerciais e, sobretudo, o baixo número de alunos que continuavam a estudar. O resultado foi criar um percurso que todos deveriam seguir e que só terminaria no fim do ensino superior universitário.
Com o aumento da escolaridade obrigatória e o aumento exponencial do número de alunos começou a perceber-se o erro trágico de um só percurso, muitos alunos chumbavam e abandonavam o sistema sem qualquer tipo de qualificação. Aliás, mesmo completando o ensino secundário, o 12º ano, as competências profissionais eram nulas, isto é, o 12º apenas ensinava, e mal, a continuar a estudar, coisa que entretanto era dificultada com a figura (lembram-se?) do "numerus clausus".
A partir de certa altura, timidamente, começaram a surgir ofertas de vias profissionais que, por má explicação política, foram sobretudo entendidas como uma estrada por onde vai quem não tem "jeito" ou competência para estudar. Neste contexto, famílias e alunos sentiram dificuldade em aderir a algo percebido como sendo de segunda. Entretanto, o nível inaceitável de chumbos e abandono no secundário continuava a envergonhar-nos.
Nos últimos anos, temos finalmente assistido a uma significativa diferenciação da oferta educativa, sobretudo depois do 9º ano, e essa oferta começa agora a perceber-se como uma alternativa à continuação de estudos mais prolongada, o ensino superior politécnico ou universitário. A oferta actual quase triplicou face a 2004/2005 o que tem contribuído para a descida muito significativa do abandono ao escolar neste patamar do sistema. Por outro lado, o crescimento exponencial da oferta tem vindo a levantar sérias reservas no sentido em que parece complicado o equilíbrio entre a quantidade e a qualidade da formação providenciada.
Neste quadro importa que sejam promovidas avaliações independentes, anunciadas pelo responsável da ANQ, mas que se desejam não centradas fundamentalmente em número de alunos certificados mas envolvendo a avaliação das competências atingidas.
Por outro lado, deve ainda referir-se que em muitas escolas esta oferta diversificada é ainda gerida de forma classista, ou seja, os bons alunos são os que se encaminham para os cursos gerais e os outros são encaminhados para os cursos profissionais que assim continuam percebidos como de segunda.
O nível de desenvolvimento das sociedades actuais exige níveis de qualificação profissional sem os quais o risco de exclusão social é enorme, sempre digo que a exclusão escolar é a primeira etapa da exclusão social. Assim, conseguir que os alunos, todos os alunos, cumpram a etapa escolar saindo com qualificações profissionais é o grande desafio que o nosso sistema educativo enfrenta e para cujo sucesso é fundamental a oferta de percursos formativos diferenciados mas sérios e com qualidade.
Na tentação de torcer a realidade até que esta diga aquilo que se pretende, o ME tem o pouco interessante hábito de torturar os números para os transformar em sucessos que componham as estatísticas, confunde certificar com qualificar, um equívoco de consequências trágicas.
Não basta fazer as coisas certas, é também necessário fazer certas as coisas.

sábado, 13 de novembro de 2010

PELA SAÚDE DELES, DOS MIÚDOS

O Público de hoje apresenta uma peça em que se refere o aumento preocupante dos casos de Diabetes tipo I entre os mais novos. O papel da obesidade infantil no aumento deste tipo de diabetes ainda não é bem conhecido. No entanto, é muito clara a sua ligação com a Diabete tipo II sendo já verdadeiramente um caso de saúde pública. Há algum tempo contei aqui um episódio a que assisti. Um extremoso pai que, ao meu lado, proporcionava a uma criancinha com 8 ou 9 anos um pequeno-almoço composto de três salgados e uma lata de cola. Curiosamente esse texto despertou algumas reacções vindas, creio, de algumas pessoas que entendem que qualquer discurso ou iniciativa no âmbito dos comportamentos configuram uma intromissão e desrespeito dos direitos individuais. Insisto na necessidade de iniciativas e discursos que promovam comportamentos mais saudáveis sobretudo quando se trata de crianças que são obviamente mais vulneráveis e desinformadas.
Em estudo há algum tempo um estudo divulgado pela Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade revelava indicadores preocupantes. Entre os 2 e os 5 anos, 27,4 dos rapazes e 30,8% das raparigas estão em situação de pré-obesidade ou obesidade. Na faixa etária entre os 11 e os 15 anos a percentagem é de 28,6 para os rapazes e 27,8 para as raparigas. Em adultos e sem surpresa os números pioram, 50% dos homens e 30% das mulheres estarão em situação de pré-obesidade ou obesidade.
As consequências potenciais deste quadro em termos de saúde e qualidade de vida são muito significativas, quer em termos individuais, quer em termos sociais. Assim, e como já tenho referido no Atenta Inquietude, um problema de saúde pública desta dimensão e impacto justifica a definição de programas de prevenção, educação e remediação que o combatam.
Provavelmente, teremos algumas reacções contra o chamado “fundamentalismo nos hábitos individuais” mas creio que são também de ponderar as implicações colectivas e sociais do problema. Além de que todos nós sabemos que o excesso de peso não será, para a esmagadora maioria das pessoas nessa situação, uma escolha individual, é algo de que não gostam e sofrem, de diferentes formas, com isso.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

A REALIDADE NÃO É A PROJECÇÃO DOS SEUS DESEJOS

A Senhora Ministra no seu estilo materno-voluntarista garante que as crianças não serão prejudicadas pelos cortes orçamentais no ME.
Percebo que na forma portuguesa, e não só, de fazer política a Senhora Ministra queira entender que a realidade é a projecção dos seus desejos, algo que o comum dos mortais rapidamente aprende à saída da infância que assim não é. Não percebo porquê mas acham que as pessoas são tontas e que não entendem o que se passa à sua volta.
Num país com mais de seiscentos mil desempregados e com muitíssimas situações em que todo o agregado familiar está no desemprego, dois milhões de pobres, uma criança em cada cinco em risco de pobreza, cortes nos apoios sociais das famílias, alteração nos escalões dos apoios sociais escolares, situações conhecidas de carência alimentar testemunhadas pela intervenção de instituições sociais e autarquias, com crianças que um mês depois do início das aulas ainda não têm manuais como ontem a AMI referia na imprensa, etc., como pode a Senhora Ministra garantir que as crianças não serão prejudicadas, mesmo quando nos afirma que no orçamento do ME as verbas para acção social e educação especial não serão reduzidas. Ainda que assim seja, a questão continuava pertinente pois verifica-se um aumento de necessidades de apoio pelo que, provavelmente, a mesma verba não seria suficiente, aliás nunca o foi.
Certamente por ingenuidade, não consigo entender como é possível que alguém inteligente e conhecedor da realidade produza discursos que, obviamente, não correspondem à realidade e prestam mais um péssimo serviço à confiança na classe política além de que, mais grave, não assumindo os problemas não se investe seriamente na sua minimização.

A MÃE

Um dia destes estava à bica num café pequenino, daqueles de bairro, e ouvi, não pude deixar de o fazer, uma conversa entre duas mães que me pareceram mães, isto é, mulheres que adoptaram os filhos, porque há mulheres, poucas, que são mais prestadoras de serviços à infância, do que propriamente mães, ou seja, nunca chegam a adoptar os filhos. Uma delas, mais faladora, mostrava-se um pouco mais preocupada e com algumas inquietações relativamente à educação de um gaiato, pelos oito anos, ao que percebi. Achei curioso o discurso e vou tentar recuperá-lo.
Pois é, muitas vezes, nem sei o que fazer, ele faz asneiras, vou para me zangar com ele e lembro-me que estou tão pouco tempo com ele que se me zangar, nem esse tempo me sabe bem. Eu acho que ele vem cansado da escola, está lá desde as 8, vai com o pai porque eu saio às 7 de casa, vou buscá-lo eu já perto das sete e meia, eu também venho cansada. Depois é a lida do jantar e do banho, estás a ver que tempo é que eu tenho para ele. Dizem que a gente devia brincar com os filhos, falar com eles, mas quando? Ao jantar, aproveitamos para ir vendo as notícias que é quando temos alguma hipótese. Por vezes ainda começo a falar com ele ao deitar mas ele adormece logo e eu também vontade não me falta. Este ano não consegui ir às reuniões da escola, foram sempre a horas que eu não podia. Lá no trabalho se falto começam logo a fazer má cara, como as coisas estão, sabes como é. Não sei se aconteceu contigo, mas este ano pediram para comprar muitas coisas para a escola. Não foi nada fácil, está tudo muito caro, a gente tem que fazer alguns sacrifícios mas fica difícil, lá comprámos o computador, ele ficou contente e não quer outra coisa. Às vezes já me explica algumas coisas, eu percebo pouco daquilo mas ele fica contente de me explicar, mas é um bocadinho ao fim-de-semana, sempre com falta de tempo. Mas é a vida assim, a gente é mãe, é para isto não é, a gente é que quisemos que eles nascessem e ainda bem. E quando vejo o ar dele a dormir, bem quieto, até parece que está rir-se para dentro, fico contente e acho que vale a pena a luta dos dias.
Sabes o que ele me disse no outro dia já nem me lembro a que propósito, “mãe, se os miúdos pudessem escolher as mães, eu escolhia-te à mesma”.
Eu também.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

SÃO OS LOUCOS DE LISBOA

São os loucos de Lisboa, que nos fazem duvidar ... diz o poema de João Gil. Partiu mais um louco de Lisboa, João Serra, o Senhor do Adeus ou, como ele preferia, o Senhor do Olá.
Não gostava da solidão e, por isso, num tempo em que se dá pouco, João Serra dava, coisa pouca dir-se-á, um sorriso e um adeus a quem passava, sobretudo no Saldanha à noite, todos as noites. Com bom ou com mau tempo porque a solidão não tem descanso.
Dar qualquer coisa já não parece muito saudável, dar afecto e simpatia é loucura, certamente. Morreu um louco. De solidão. Lisboa fica mais pobre sem os loucos que partem.
São os loucos de Lisboa,
Que nos fazem duvidar.

OS IMPRESCINDÍVEIS MANUAIS

Segundo a AMI, refere-se no Público, existem ainda crianças que por razões de natureza económica não têm ainda acesso aos manuais escolares. Quem conhece a realidade social de muitas zonas dos nosso país não estranhará a lamentável situação cujas graves consequências são facilmente antecipáveis.
Os dados do INE identificam regularmente as crianças como o grupo mais vulnerável ao risco de pobreza. Em Portugal, cerca de 25% das crianças estão em risco e registam o menor impacto das transferências sociais. De facto, a taxa de pobreza é de 33.5% antes das transferências e de 23% depois das transferências sociais o que demonstra o baixo impacto que estas medidas evidenciam na redução da pobreza.
Este cenário não sendo surpreendente, os mais pequenos são sempre mais vulneráveis, requer a maior das atenções. O aspecto particular do risco de pobreza que afecta os miúdos deveria ter uma ponderação que lamentavelmente não parece estar presente face às decisões a que assistimos.
No caso particular dos manuais e devido ao que eu chamo de ensino "excessivamente manualizado" a situação de risco potencia-se, pois o trabalho escolar assenta quase que exclusivamente nos manuais. Apesar do aumento do seu custo ter sido menor que o habitual é necessário considerar o preço de uma série de outros materiais, como livros de fichas que, por vezes, nem são contemplados nos apoios sociais escolares e que os alunos são “obrigados” a comprar pois complementam os manuais que, graças ao número excessivo de disciplinas, já são em número significativo. Acontece que, como se sabe, muitas livrarias organizam o pacote global dos manuais e materiais de apoio determinados pelas escolas da zona e apenas aceitam dos pais a encomenda ou a compra do pacote no seu conjunto. Verifica-se também em algumas circunstâncias a oferta de facilidades de pagamento o que sendo positivo face às dificuldades de muitas famílias, acaba por ser uma forma de impor, fidelizando, a compra em conjunto de todos os materiais.
Estas práticas comerciais e, sobretudo, o resultado para as famílias mostram, para além da insuficiência dos apoios sociais disponibilizados no âmbito da Acção Social Escolar mais uma vez, como a “tendencial gratuitidade” da nossa escolaridade obrigatória é cada vez mais uma leve tendência e cada vez menos gratuita.

OUTRO DIÁLOGO IMPROVÁVEL - É difícil ser grande?

Pai, tenho que fazer um trabalho para a escola sobre ser crescido. Achas que é difícil ser grande?
Eh Francisco, agora apanhaste-me de surpresa. Acho que nunca pensei nisso, se era difícil ser crescido ... bom, mas acho que não é assim muito fácil.
Porquê?
Então Francisco, temos que realizar o nosso trabalho, bem feito, sem faltar e às vezes não corre tudo bem. Precisamos de nos preocupar contigo, de cuidar de ti, cuidar da casa e de todas coisas que é preciso fazer todos os dias, compras, comer, etc. De vez em quando surgem alguns problemas que é preciso resolver, enfim, como vês não parece assim muito fácil.
Estava a pensar no que tenho que fazer. Levantar cedo todos os dias para ir a correr para a escola, estar lá 9 horas sem sair, a ter trabalhos diferentes quase a cada hora que passa, carregar uma mochila cheia de coisas com livros e materiais para um monte de disciplinas e andar a arrumar e desarrumá-la na troca de salas. Às vezes, passar o tempo nas aulas sem perceber para que serve o que estamos a aprender e, ainda por cima, há coisas mesmo difíceis. Apanhar uma fila no bar para almoçar ou aos intervalos para comer qualquer coisa. Nos dias da ginástica, quase sempre não dá para tomar banho e fico com a roupa toda molhada. Chego a casa tenho os TPC para fazer e os professores nem reparam na quantidade que mandam e no tempo que temos. Depois vêm os testes que é preciso estudar mais ainda e as coisas nem sempre correm bem. Quando estou em casa mal tenho tempo para fazer alguma brincadeira. Olha lá pai, queres trocar?

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

GOSTAVA DE TE ADICIONAR COMO AMIGO

O Público de hoje divulga alguns dados constantes de um Relatório sobre a utilização da Net em Portugal, designadamente no que respeita ao envolvimento e participação nas chamadas redes sociais. Desses dados releva a importância atribuída por muitos dos inquiridos a este dispositivos de relacionamento interpessoal.
Os indicadores revelados vêm ao encontro da minha experiência mais recente. Nos últimos tempos tenho andado francamente entusiasmado com a quantidade de pessoas que se me dirigem convidando-me para amigo e propondo-me a integração numa rede social. De facto, numa época em que nos referimos, aqui no Atenta Inquietude tenho-o feito com frequência, ao isolamento em que muita gente parece estar, surpreende-me a disponibilidade solidária com que tanta gente encara o risco de eu estar sem, ou com poucos amigos. A surpresa é tanto maior quando verifico que a esmagadora maioria dos convites vem de pessoas que não tenho ideia de conhecer de lado algum.
Já pensei que será gente que assumiu uma espécie de missão em regime de voluntariado na qual se empenham em oferecer amizade a eventuais necessitados. É bonito e cria uma ilusão de esperança na humanidade, afinal as pessoas continuam a empenhar-se na relação com o outro e a preocupar-se com a amizade.
Por outro lado, uma das fórmulas divulgadas "gostava de te adicionar como amigo" é particularmente feliz, eu acho. A ideia de ir somando amigos, chegando a centenas ou, quem sabe, a milhares, permite sonhos de popularidade e amizade nunca antes imaginados. Estou completamente rendido.
Por favor, não desistam de enviar a toda a gente, a mim também, as fantásticas mensagens que contêm os criativos e solidários "gostava de te adicionar como amigo" ou "tituxa enviou-te um Pedido de Amizade".
Bem-haja pela atenção.