AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

ENSINO E REDES SOCIAIS

 No DN encontra-se um trabalho sobre a utilização das redes sociais, TikTok por exemplo, por parte dos professores nos processos de ensino e aprendizagem. Foi-me solicitada uma pequena colaboração que, resumindo, traduzi na ideia de que as redes sociais podem constituir-se como instrumentos de trabalho por parte de professores e alunos o que pode contribuir para utilização mais informada e auto-regulada por parte dos adolescentes e jovens.

Tenho muitas vezes escrito e realizado intervenções sobre esta questão abordando os riscos e alçapões que também existem, mas sempre tenho defendido que a auto-regulação, a informação e mediação sobretudo nos mais novos será a melhor forma de lidar com algo que é incontornável e que não deve ser diabolizado.

A diabolização e, ou uma abordagem de natureza proibicionista parecem-me ter o efeito contrário e aumentar os comportamentos de risco.

domingo, 30 de outubro de 2022

OS TONS DO ALENTEJO

 Chegou o Outono, felizmente trouxe alguma chuva e os tons do Alentejo começaram a mudar. O milagre manso da mudança de cor da terra transforma o amarelado do restolho no verde novo, viçoso e criador de esperança.

 

A terra fica branda e permitiu que a fabricássemos e se lançassem as sementes que darão o pasto que as ovelhas do nosso amigo Valter hão-de comer. Assumiu um tom castanho que daqui a alguns dias vai ser coberto de verde, assim a chuva ajude.


 A lida dos últimos dias incluiu deixar na terra ervilhas e favas, mais umas couves e ainda deu para realizar uma limpeza na alfarrobeira grande que está muito bonita com os tons de verde carregado da folhagem farta.

Os tons do Alentejo não ficam mais bonitos, ficam diferentes. O Alentejo tem uma beleza de vários tons e de todos os tempos, incluindo os tons do cante, a alma alentejana.

E são assim os dias do Alentejo.

sábado, 29 de outubro de 2022

OS PERCURSOS DE SUCESSO

 A Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência divulgou dois relatórios relativos ao percurso escolar no ensino secundário, “Situação após 3 anos dos alunos que ingressaram em cursos científico-humanísticos 2020/21” e “Situação após 3 anos dos alunos que ingressaram em cursos profissionais – 2020/21”. Os dados disponibilizados merecem leitura e reflexão.

Para a construção destes relatórios o ME utiliza o indicador de conclusão do ciclo no “tempo esperado”. Assim, em 20/21 76% dos alunos dos cursos científico-humanísticos concluíram o 12º sem retenções, o valor mais alto deste tipo de estudos e mais 7% que no ano anterior. No que respeita aos cursos profissionais também se verificou uma subida, 70% dos alunos concluíram estes cursos no tempo esperado, correspondendo também a um aumento de 5% face aos 65% verificado em 2020.

Sem surpresa, os alunos abrangidos pelos escalões A e B da Acção Social Escolar tiveram um desempenho inferior embora também tenham subido face ao ano anterior.

Também como seria de esperar e se tem verificado os alunos que antes do secundário passara por situações de retenção têm também uma taxa mais baixa de conclusão no “tempo esperado”.

Este conjunto de dados, apesar do número ainda elevado de alunos que não concluem o ciclo nos três anos, parecem revelar progresso o que, naturalmente, é positivo, mas … lá vem o maldito mas, tenho algumas dúvidas e preferia que assim não fosse.

Como tenho escrito, a transição será um indicador de sucesso, mas sugere alguma prudência conhecendo o nosso sistema educativo e a forma como, por vezes, é gerida a “passagem” de ano dos alunos. Precisamos de avaliação externa que tenha uma função reguladora que as actuais provas de aferição não cumprem. Uma avaliação externa de aferição teria de ser realizada no ano final de cada ciclo e não nos anos intermédios, 2º, 5º e 8º ano, em que os alunos estão a meio do seu caminho de um ciclo.

E é por aqui que as minhas dúvidas se acentuam. O IAVE divulgou em Maio os resultados das provas de aferição realizadas em 2021. Considerando o 3º ciclo, no 5.º e no 8.º ano a percentagem de alunos que respondeu sem dificuldades, variou, conforme os domínios em avaliação, entre 2,7% e 44,2%, sendo que na maioria dos domínios analisados ficou abaixo dos 20%.

Os indicadores das provas de aferição parecem pouco coerentes com os dados da conclusão no tempo esperado para cada ciclo, neste caso o secundário, pois perante o cenário do 3º ciclo parece difícil que a taxa de conclusão no secundário sem retenção seja de 76%. Sei que não se trata dos mesmos alunos mas a realidade não se altera de forma significativa em tão pouco tempo.

Colocando a questão de outra forma, podemos ler a transição de ano como sucesso na aprendizagem de competências e saberes ou definir o sucesso como “a passagem de ano”.

De facto, o que conhecemos através das provas de aferição não parece compatível com os indicadores de retenção e abandono. Acresce o facto deste grupo de alunos terem passado pela experiência dos confinamentos com o confirmado impacto nas aprendizagens.

Importa sublinhar com muita clareza que levantar esta questão não significa a defesa da retenção como ferramenta de sucesso e qualidade. Não é, sabemos que o “chumbo”, só por si, não gera sucesso e qualidade. Nenhuma dúvida sobre isto.

E volto a insistir. A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens e com regulação externa, sim, naturalmente, mas também com a avaliação justa e competente do trabalho dos professores e das escolas, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.

É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar e que significam conhecimentos e competências adquiridas.

É o que ainda não conseguimos fazer acontecer de forma consistente, generalizada e sustentada em Portugal, apesar da imensidade de projectos, iniciativas, inovação, actividades que, demasiadas vezes chegam do exterior às escolas, podem ser interessantes … mas não são mágicos, por mais que num exercício de "wishful thinking" os queiramos entender e vender como tal.

Não vale a pena insistir.

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

MAS AS CRIANÇAS SENHORES

 O recente Relatório do Eurostat, Children in poverty or social exclusion”,  mostra que em 2021 uma em cada quatro crianças portuguesas com menos de 18 anos, 22,9%, vivia em situação de pobreza ou exclusão social.

O Eurostat volta a destacar que as crianças que crescem contextos de pobreza e exclusão social enfrentarão maiores dificuldades em obter sucesso escolar, ter um desenvolvimento saudável e assumirem projectos de vida com mais potencial de realização.

Estas crianças correm ainda maior risco de desemprego, pobreza e exclusão social em adultos.

Os dados divulgados pelo Banco Mundial,  "The State of Global Learning Poverty: 2022 Update", sobre pobreza educativa vão no mesmo sentido e acentuam a urgência na promoção do bem-estar dos mais novos que, evidentemente, não pode ser abordado e tratado sem uma políticas públicas globais adequadas e modelos de desenvolvimento amigáveis para as pessoas, todas as pessoas.

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

ABANDONO E INSUCESSO NO ENSINO SUPERIOR

 O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior apresenta amanhã um programa destinado a reduzir o abandono e insucesso no ensino superior dando prioridade aos primeiros anos, "Programa de Promoção de Sucesso e Redução de Abandono no Ensino Superior".

O programa incluirá as dimensões de apoio social e de apoio nos prcessos de aprendizagem.

De facto, a realidade no que respeita ao abandono escolar é preocupante e aumentou nos alunos de primeiro ano em 20/21. Dos alunos que ingressaram num curso técnico superior, 24,4% tinham abandonado no final do primeiro ano face a 18,7% no ano anterior. Nas licenciaturas passou de 9,1% para 10,8%.

Atravessamos um período muito duro para as famílias com impacto significativo em termos económicos. Acresce que este início de ano tem sido marcado pela enorme dificuldade criada no alojamento a alunos deslocados em todas as áreas que existe ensino superior, mas de forma mais severa nas grandes cidades, designadamente, Lisboa e Porto.

Todo este contexto vem mostrar que, apesar da qualificação ser um bem de primeira necessidade e um forte contributo para projectos de vida bem-sucedidos, existe uma questão de natureza estrutural, estudar no ensino superior é muito caro em Portugal. A recente alteração do regulamento de atribuição de bolsas não minimizou esta situação.

Algumas notas começando por alguns dados que já aqui tenho citado.

De acordo com Relatório do CNE, "Estado da Educação 2019", a percentagem de alunos que em Portugal acede a bolsas de estudo para o 1º ciclo está no segundo escalão mais baixo da análise, entre 10 e 24,9%. Para comparação, Irlanda, Países Baixos estão no intervalo entre 25% e 49,9% e a Suécia no superior a 75%. Países como Espanha, França, Reino Unido e muitos outros têm percentagens de alunos com apoio superiores a nós e, sem estranheza, também maior nível de qualificação.

Estudos comparativos internacionais, “Social and Economic Conditions of Student Life in Europe”, por exemplo, também mostram que as famílias portuguesas são das que suportam uma fatia maior dos custos de frequência do superior sendo que ainda se verifica uma forte associação entre a frequência do ensino superior e nível de escolarização e estatuto económico das famílias.

Apesar de um abaixamento do valor as propinas no ensino público, as dificuldades sentidas por muitos estudantes do ensino superior e respectivas famílias, quer no sistema público, quer no sistema privado com valores bem mais altos de propinas, não têm sido, do meu ponto de vista, suficientemente consideradas.

No que respeita ao insucesso escolar parece claro que apesar das respostas que que as instituições de ensino superior operacionalizam, os recursos são insuficientes para o apoio adequado aos múltiplos problemas e situações de mal-estar dos estudantes que podem estar associados a quadros de insucesso. É também desejável um investimento nesta área e promover o envolvimento dos próprios estudantes, sobretudo de anos mais "avançados” nos dispositivos de apoio e de combate ao insucesso.

A qualificação é a melhor forma de promover desenvolvimento e cidadania de qualidade, mas o seu custo não pode torná-la inacessível.

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

OBSERVATÓRIO DE SAÚDE MENTAL

 Por iniciativa da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental foi criado o Observatório de Saúde Mental.

A plataforma agora criada é dirigida quer à comunidade científica, quer à comunidade em geral. Divulgará estudos e relatório relativos a esta área promovendo informação relativa a práticas e actividades de prevenção e promoção da saúde mental bem como informação sobre serviços e apoios.

Trata-se de uma iniciativa que merece registo e divulgação.

Múltiplos estudos e relatórios de serviços de apoio têm evidenciado a deterioração da saúde mental de crianças e jovens, mas também de adultos, no quadro da pandemia e pós-pandemia. Os confinamentos a que se associaram os períodos de isolamento, a falta de rede social dos pares, as dificuldades de diversa ordem sentidas nos contextos familiares terão dado um contributo significativo. Os dados mais recentes acentuam a importância desta matéria.

Deste quadro resulta a necessidade e urgência de atenção à saúde mental de crianças, jovens e adultos e de muitos contextos familiares que experienciam situações de mal-estar.

Está em curso um processo de reforma dos serviços de saúde mental também apoiado por fundos do Plano de Recuperação e Resiliência de que espera algum impacto no universo da saúde mental e dos serviços de apoio.

A verdade é que a saúde mental tem sido um parente pobre das políticas públicas de saúde.

Como afirmava há algum tempo Miguel Xavier, coordenador nacional das políticas da Saúde Mental, “Os problemas de Saúde Mental previnem-se antes de aparecerem. Através de bons programas de parentalidade, bons programas sociais, como os programas de apoio às populações vulneráveis”, o que envolve a necessidade de políticas integradas, mas também sublinha a importância dos recursos adequados.

Esperemos que assim seja e que o Observatório de Saúde Mental seja um importante contributo.

Existe muita gente a passar mal, pode ser na casa ao lado.

terça-feira, 25 de outubro de 2022

SOBREVIVENTES

 Com regularidade vamos conhecendo dados sobre as mazelas que afectam o mundo dos mais novos. São múltiplas, duras e universais ainda que, como sempre, tenhamos realidades mais “amigáveis” que outras por assim dizer.

No entanto, existem muitas crianças e adolescentes que contam uma história de sobrevivência apesar de uma estrada cheia de obstáculos e ameaças.

Vão sobrevivendo à pobreza e a famílias que as não merece e delas não cuida, ao insucesso e abandono escolar, a uma institucionalização muitas vezes sem projecto de vida.

Sobrevivem a maus-tratos e negligência que umas vezes são conhecidos, mas não minimizados e outras mais são desconhecidos pelos serviços e pela estatística, constituindo aquela percentagem que a sondagem nunca mostra como diz Sam The Kid.

Pois a verdade, felizmente, é que parte destes miúdos vai dar a volta por cima, vai construir um futuro que, de alguma maneira, mereça ser vivido. Muitas histórias que conhecemos são de tal forma dramáticas que causam a maior das perplexidades verificar como os miúdos lhes sobreviveram, com base nos seus mecanismos de protecção internos e, certamente para alguns, com um anjo da guarda por perto.

Se estivermos atentos, todos os dias nos cruzamos com um sobrevivente, anónimo, desde sempre, para sempre.

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

SE HOUVERA QUEM ME ENSINARA

 No Expresso encontra-se uma peça dedicada ao trabalho de mentoria realizado por jovens com licenciatura em diferentes áreas em escolas de contextos mais desfavorecidos com um número significativo de alunos no escalão A da Acção Social Escolar. O trabalho é desenvolvido no âmbito da actividade da organização Teach For Portugal que iniciou o seu trabalho em 2019 e sobre o qual aqui escrevi na altura.

Actualmente a TFT tem 46 mentores colocados em 31 escolas envolvendo 23 municípios e apoiando cerca de 4 000 alunos.

A TFT, com o apoio de diferentes entidades, fundamentalmente autarquias, assegura o recrutamento, formação e colocação paga dos mentores que trabalham em sala de aula com os professores, apoiam os alunos e desenvolvem algum trabalham com as famílias.

Em 2021 foram divulgados alguns resultados que no 2º e 3º ciclos foram positivos e menos significativos no 1º ciclo.

Para o próximo ano a organização TFT pretende contratar mais 40 jovens licenciados para o trabalho de mentoria nas escolas. O rumo parece, assim, alinhado com a alteração das habilitações exigidas para o trabalho com alunos em sala de aula.

Como é evidente, registo todas as iniciativas que possam contribuir para minimizar ou erradicar problemas, mas já me falta convicção no impacto do modelo mais habitualmente seguido.

Para cada constrangimento ou dificuldade percebida nas e pelas escolas e com regularidade, aparece vindo de fora ou gerido de fora, um Plano, um Projecto, um Programa, uma Iniciativa, as combinações são múltiplas, destinado a essa problemática.

Durante as últimas décadas, perco a conta a planos, projectos, programas, experiências inovadoras que chegaram e chegam às escolas para combater o insucesso ou, pela positiva, promover o sucesso, promover a leitura e escrita, promover a matemática, promover a educação científica, promover a educação inclusiva, a aprendizagem emocional, erradicar ou minimizar o bullying, a relação entre escola e pais e encarregados de educação, promover a expressão artística e a criatividade, promover comportamentos saudáveis e actividades desportivas, literacia financeira, promover a inovação e as novas tecnologias, para não falar de iniciativas mais "alternativas", por assim dizer, e que têm poderes mágicos, parece. A lista enunciada é apenas exemplificativa e não está em causa a pertinência ou juízo sobre as dimensões citadas, trata-se do modelo de abordagem..

Com demasiada frequência muitos destes projectos vêm de fora das escolas, as origens são variadas, não chegam a envolver a gente das escolas, esmagada pelo trabalho, burocracia e outros constrangimentos como, por exemplo, assegurar da melhor forma possível o dia-a-dia do trabalho educativo que tem de ser realizado.

Também com demasiada frequência muitos destes projectos morrem de “morta matada” ou de “morte morrida”, não são avaliados de forma robusta e dão umas fotografias ou vídeos que compõem o portfólio dos organizadores e proporcionam uma experiência que se deseja positiva aos intervenientes no tempo que durou, mas sem mais impacto.

Todavia, preciso de afirmar que muitos destes Planos, Projectos, Inovações, etc. dão origem a trabalhos notáveis que, também com frequência, não têm a divulgação e reconhecimento que todos os envolvidos mereceriam.

Também demasiadas vezes estas iniciativas consomem recursos com baixo retorno e ao serviço de múltiplas agendas.

Ponto.

Tenho para mim, que não podendo a escola responder a todas as questões que afectam quem nelas passa o dia poderia, ainda assim, fazer mais se os investimentos feitos no mundo à volta da escola e que lhe vem bater à porta com propostas fossem canalizados para as escolas.

Com real autonomia, com mais recursos e com modelos organizativos mais adequados as escolas poderiam fazer certamente mais e melhor que quem vem de fora numa passagem transitória, mais ou menos longa, mas transitória. Sim, tudo isto deveria ser objecto de escrutínio, regulação e avaliação também externa, naturalmente.

Escolas com mais auxiliares, auxiliares informados e formados podem ter um papel importante em diferentes domínios.

Directores de turma com mais tempo para os alunos e menos burocracia poderiam desenvolver trabalho útil em múltiplos aspectos do comportamento e da aprendizagem.

Psicólogos e outros técnicos em número mais adequado, o que se verifica é inaceitável, poderiam acompanhar, promover e desenvolver múltiplas acções de apoio a alunos, professores, técnicos e pais.

Mediadores que promovessem iniciativas no âmbito da relação entre escola, pais e comunidade seriam, a experiência mostra-o, um investimento com retorno.

São apenas alguns exemplos de respostas com resultados potenciais com um custo que talvez não seja superior aos custos de tantos Projectos, Planos, Programas ou Iniciativas Inovadoras destinadas a múltiplas matérias e com custos associados de “produção” que já me têm embaraçado, mas a verdade é que as agendas e o marketing têm custos.

Ainda este propósito, ficar embaraçado, volto a contar uma experiência pessoal.

Há largos anos estava na altura na Direcção-Geral do Ensino Básico e foi-me pedido que apresentasse numa escola do 1º ciclo um Projecto em desenvolvimento pela Direcção-Geral destinado ao ensino de português a crianças de famílias oriundas dos PALOP que aprendiam em português na escola e falavam crioulo em casa. Apresentei o Projecto o melhor que fui capaz aos professores da escola e no fim alguém me disse de uma forma muito simpática, “Colega, o Projecto é muito interessante, mas sabe, já temos 24 Projectos na escola, não podemos fazer mais.”

Na verdade, a Projectite, sobretudo vinda de fora, é uma opção com pouco potencial apesar, insisto, das boas experiências que também conheço.

sábado, 22 de outubro de 2022

AGORA JÁ GOSTO DA ESCOLA

 O meu neto pequeno, o Tomás, está a iniciar a longa estrada da escolaridade obrigatória, até já aprendeu as letras O, A do nome. Os primeiros dias na escola nova não foram fáceis, a tentação era ficar em casa. Tivemos até uma tentativa de ajuda do Simão, já está no 4º ano, é muita experiência, que quando o Tomás lhe disse que não queria ir para escola, respondeu, “mano, tem de ser, são as leis da física”. Ainda estamos a tentar compreender a abordagem.

A verdade é que rapidamente a situação se alterou e o Tomás vai muito contente para escola e a forma como dela fala mostra que se sente muito bem.

Um destes dias quando ia a caminho da escola, interpela o pai mais ou menos nestes termos, “lembras-te quando no segundo dia eu não queria ir para escola, queria ir para casa da avó? Era porque ainda não tinha pessoas que gostassem de mim. Agora já tenho”.

É verdade, a educação escolar, a acção do professor, tem esse princípio fundador, assenta na relação que se operacionaliza na comunicação e se tempera com a emoção. Também por isso são também preocupantes os tempos que vivemos, os professores têm pouco tempo para comunicar, para conversar com os alunos e as emoções, por vezes, entram em turbulência e descontrolo.

Também a pressão para os resultados, a natureza dos conteúdos e gestão curriculares, o número de alunos por turma e o número de turmas ou a burocracia, dificultam essa relação. O professor “fala com o programa”, a maioria dos alunos entende, outros não e com esses é preciso falar, mas … para os mandar calar ou até sair. Há pouco tempo para conversar, para “cativar”, como diria Saint-Exupéry.

Por isso tantas vezes afirmo que os professores, tanto ou mais do que ensinar o que sabem, ensinam o que são. Quando nos lembramos com ternura e admiração de alguns professores é pelo que eles eram e nem sempre pelo que nos ensinaram apesar da importância que tenha tido.

Pensemos no tempo e no modo para que nas salas de aula os professores e os alunos, todos os alunos, tenham o tempo e a circunstância que lhes permita comunicar, entre si, com a razão e com a emoção. Irão aprender e ser.

E mais provavelmente gostarão da escola, onde estão pessoas que gostam deles.

Recordo uma história que já aqui contei. Há uns tempos, num trabalho com professores numa cidade do interior, um Professor, dos grandes, contava que tinha uma experiência muito interessante com uma turma CEF, as dos "alunos de segunda" como muitas vezes são vistas. O Professor comentava com os miúdos como estava satisfeito com as mudanças positivas que eles apresentavam e perguntava a que se deviam.

Um dos miúdos, o "chefe", respondeu "sabe, boceses gostam da gente, falam com a gente e a gente gosta de boceses". Quando nos contou isto o professor não escondeu a emoção.

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

O PORTUGAL INACESSÍVEL. (Take 2)

 Existem matérias que muito provavelmente nunca sairão da agenda de preocupações. As dificuldades sentidas por pessoas com deficiência na sua vida diária e em múltiplas dimensões constituem uma dessas questões. Ontem assinalou-se o Dia Nacional das Acessibilidades. A sua existência tem como objectivo alertar comunidades e as instituições para a contínua corrida de obstáculos em que se transforma o quotidiano de muitos cidadãos com mobilidade reduzida na generalidade dos nossos espaços urbanos.

Ainda há pouco tempo coloquei aqui as notas que agora retomo e a que, certamente, será necessário voltar.

De facto, é recorrente a chamada de atenção para estas questões por parte de cidadãos e associações, mas apesar de algumas mudanças e da existência de enquadramento legislativo mais adequado, a realidade é ainda muito pouco amigável para a qualidade de vida de muitas pessoas.

Recordo que em Fevereiro de 2020 foi divulgado um relatório sobre acessibilidades em edifícios públicos elaborado pela Comissão para a Promoção das Acessibilidades e os dados mostraram como, apesar da legislação, são múltiplas as dificuldades no acesso de pessoas com mobilidade reduzida aos edifícios em que funcionam serviços públicos.

Como exemplo, em 45% dos edifícios públicos com mais do que um andar não há elevadores ou plataformas elevatórias, 42% destes edifícios não têm lugar reservado para pessoas com deficiência e apenas 64% têm balcões de atendimento adaptados do ponto de vista da altura.

Como referi em cima e acontece em outras áreas, a legislação portuguesa é positiva e promotora dos direitos das pessoas com deficiência, mas a sua falta de eficácia e operacionalização é bem evidenciada na tremenda dificuldade que milhares de pessoas experimentam no dia-a-dia que decorre, frequentemente, da falta de fiscalização relativa às questões das acessibilidades e barreiras nos edifícios. O relatório citado confirma-o.

Os problemas das minorias são, evidentemente, problemas minoritários.

Para além dos edifícios a questão da mobilidade e das acessibilidades que afecta muitos cidadãos com deficiência envolve áreas como vias, transportes, espaços, mobiliário urbano e, sublinhe-se, a atitude e comportamento de muitos de nós.

Boa parte dos nossos espaços urbanos não são amigáveis para os cidadãos com necessidades especiais mesmo em áreas com requalificação recente. Estando atentos identificam-se inúmeros obstáculos.

Quantas passadeiras para peões têm os lancis dos passeios rampeados ou rebaixados ajustados à circulação de pessoas com mobilidade reduzida que recorrem a cadeira de rodas?

Quantas passadeiras possuem sinalização amigável para pessoas com deficiência visual?

Quantos obstáculos criados por mobiliário urbano desadequado?

Quantas dificuldades no acesso às estações e meios de transporte público?

Quantas caixas Multibanco são acessíveis a pessoas com cadeira de rodas?

Quantos passeios estão ocupados pelos nossos carrinhos, com mobiliário urbano erradamente colocado, degradados, criando dificuldades enormes a toda a gente e em particular a pessoas com mobilidade reduzida e inúmeros obstáculos?

Quantos programas televisivos ou serviços públicos disponibilizam Língua Gestual Portuguesa tornando-os acessíveis à população surda?

Quantos Centros de Saúde ou outros espaços da Administração central ou local criam problemas de acessibilidade?

Quantos espaços de lazer ou de cultura mantêm barreiras arquitectónicas?

Quantos estabelecimentos comerciais de múltipla natureza são, na prática inacessíveis a pessoas com mobilidade reduzida?

Reafirmo algo que recorrentemente subscrevo, os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como lidam com as minorias e as suas problemáticas. Por quanto tempo precisaremos de o relembrar?

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

DIA MUNDIAL DE COMBATE AO BULLYING

 Para que não nos esqueçamos, o calendário das consciências determina para hoje o Dia Mundial do Combate ao Bullying. Não há muito de novo a dizer, a não ser que nos tempos que atravessamos o fenómeno do bullying e em particular do cyberbullying, continua a ser fonte de sofrimento para muitas crianças e jovens e, naturalmente, uma fonte de preocupação para famílias, professores e técnicos. Ainda assim, algumas notas.

Mesmo durante os períodos de confinamento a variante cyberbullying constituiu uma fonte de enorme inquietação como emergiu no estudo “Cyberbullying em Portugal durante a pandemia da covid-19” do Centro de Investigação e Intervenção Social do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, que aqui  referi, e nos dados revelados pela Associação Portuguesa Contra a Obesidade Infantil, uma em cada cinco crianças com obesidade foi pela primeira vez vítima de cyberbullying durante os meses de confinamento e ensino à distância.

Um trabalho que aqui já referi, “Global estimates of violence against children with disabilities: an updated systematic review and meta-analysis”, divulgado este ano na The Lancet Child & Adolescent Health, mostrou com indicadores alarmantes, mas, lamentavelmente, não surpreendentes. Cerca de uma em cada três crianças ou adolescentes com deficiência é vítima de algum tipo de violência, física, emocional, sexual ou negligência. No caso mais particular do bullying verifica-se um significativo nível de vitimização, cerca de 40% das crianças com deficiência terá sido alvo deste tipo de comportamento. O bullying presencial, violência física, verbal ou social como bater, pontapear, insultar, ameaçar ou excluir é mais comum, 37%, do que o cyberbullying (23%).

O estudo recorreu a dados relativos a mais de 16 milhões de crianças de 25 países, recorrendo ao tratamento de 98 estudos, realizados entre 1990 e 2020, de que 75 respeitam a países de mais elevados rendimentos e 23 relativos a sete países de baixo ou médio rendimento.

Os dados conhecidos no que respeita ao bullying e considerando que não correspondem ao universo de ocorrências,  mostram a necessidade de uma área reflexão e intervenção nos contextos educativos  que chegue a todos os alunos e que promova a qualidade das relações interpessoais, a empatia, solidariedade e inteligência emocional, etc.

O cyberbullying parece ser actualmente a variante de bullying mais preocupante. Contrariamente ao bullying presencial o cyberbullying não tem “intervalos”, normalmente os fins-de-semana pois ocorrem predominantemente nos espaços escolares. Não sendo presencial o(s) agressor(es) não tem, ou não têm, uma percepção clara do nível de sofrimento infringido o que em algumas circunstâncias pode funcionar como “travão” e inibir o comportamento agressivo. Esta situação é potenciada quando se junta a um menor nível de empatia pelo outro o que ficou muito claro no primeiro trabalho citado acima e que merece leitura.

Também por estas razões é fundamental uma atitude ajustada face a este tipo de comportamentos.

Em termos globais e como já referi sabemos que a ocorrência de situações de bullying é bem superior ao número de casos que são relatados. Uma das características do fenómeno, nas suas diferentes formas, incluindo o cyberbullying, é justamente o medo e a ameaça de represálias a vítimas e assistentes que, evidentemente, inibem a queixa pelo que ainda mais se justifica a atenção proactiva e preventiva de adultos, pais, professores, técnicos ou funcionários.

Este cenário determinaria, só por si, um empenhado investimento em recursos e dispositivos que procurassem minimizar o volume de incidências, algumas das quais de gravidade severa.

Neste contexto e dada a gravidade e frequência com que ocorrem estes episódios, é imprescindível que lhes dediquemos atenção ajustada a sinais dados por crianças e adolescentes, nem sobrevalorizando, nem tudo é bullying, o que promove insegurança e ansiedade, nem desvalorizando, o que pode negligenciar riscos e sofrimento.

Neste universo e mais uma vez importa considerar dois eixos fundamentais de intervenção por demais conhecidos, a prevenção e a intervenção depois dos problemas ocorrerem. Esta intervenção pode, por sua vez e de forma simplista, assumir uma componente mais de apoio e correcção ou repressão e punição, sendo que podem coexistir. Com alguma demagogia e ligeireza a propósito do bullying, as vozes a clamar por castigo têm do meu ponto de vista falado mais alto que as vozes que reclamam por dispositivos de prevenção, intervenção e apoio para além da óbvia punição, quando for caso disso.

Esta utilização mostra a necessidade de dispositivos de apoio e orientação absolutamente fundamentais para que pais, professores e alunos possam obter informação e apoio. Entretanto estão criados vários portais e disponíveis alguns canais de denúncia e procura de orientação e suporte dirigido a pais, professores, técnicos e, naturalmente, alunos.

Lamentavelmente, parte importante das entidades e iniciativas de apoio e suporte é exterior às escolas e ilustra a falta de resposta estruturada e global do sistema educativo, para além das insuficiências de recursos e na formação de técnicos e de professores sobre esta complexa questão, desde logo para o seu reconhecimento e identificação.

A existência de dispositivos de apoio sediados nas escolas, com recursos qualificados e suficientes, designadamente no que respeita aos assistentes operacionais com funções de supervisão dos espaços escolares, é uma tarefa urgente.

Do meu ponto de vista, o argumento custos não é aceitável porque as consequências de não mudar ou não fazer são incomparavelmente mais caras. Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa, mas é necessário. Muitas crianças e adolescentes evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a que, por vezes, não damos ou não conseguimos dar atenção, seja em casa, ou na escola.

Estes sinais não devem ser ignorados ou desvalorizados. O resultado pode ser trágico.

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

DELINQUÊNCIA JUVENIL E EDUCAÇÃO

 Está a decorrer em Coimbra uma Conferência sobre Segurança Urbana organizada pelo MAI. Uma das matérias abordadas e que gera uma preocupação crescente foi a actividade delinquente de grupos de jovens que tem vindo a aumentar, a envolver adolescentes cada vez mais novos e mais raparigas. De acordo com dados da PSP estes grupos são distintos dos gangues, são constituídos por três a trinta elementos, não têm organização estruturada e muitos dos seus elementos têm “insucesso escolar, famílias fragilizadas, percursos desviantes” e as vítimas são também predominantemente jovens.

Deixem-me insistir em duas ou três notas que retomo de reflexões anteriores.

Os estilos de vida, as exigências de qualificação têm tornado gradualmente a escola mais presente e durante mais tempo na vida de crianças e adolescentes e, consequentemente, com reflexos na educação em contexto familiar.

Creio que já dificilmente se entende que a “família educa e a escola instrói”.

Creio que já dificilmente se entende que a escola forma “técnicos” e não cidadãos, pessoas, com qualificações ao nível dos conhecimentos em múltiplas áreas. Aliás, se bem repararem falamos de sistemas de educação e não de sistemas de ensino e ainda bem que assim é.

Creio que já dificilmente se entende que o conhecimento é asséptico. O conhecimento, a sua produção e a sua divulgação, tem, deve ter, sempre um enquadramento ético e não é imune a valores.

Creio que os tempos mais recentes são elucidativos de como a abordagem de matérias como Direitos Humanos; Igualdade de Género; Interculturalidade; Desenvolvimento Sustentável; Educação Ambiental; Saúde; Sexualidade; Media; Instituições e Participação Democrática; Literacia Financeira e Educação para o Consumo; Segurança Rodoviária; Risco, Empreendedorismo; Mundo do Trabalho, Segurança defesa e paz, Bem-estar animal e Voluntariado são fundamentais ao longo do processo de formação de crianças, jovens e adultos.

Nas sociedades contemporâneas um sistema público de educação com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. Uma educação global de qualidade é de uma importância crítica para minimizar o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis.

Vejamos alguns dados que, do meu ponto de vista, justificam com clareza a ideia de que “Educação e Cidadania para todos, porque sim”.

De acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna relativo a 2021 alguns indicadores no que respeita aos comportamentos de adolescentes e jovens. Os crimes que envolvem grupos de indivíduos entre os 15 e os 25 subiu 7,7% e a criminalidade juvenil, entre os 12 e os 16 anos, aumentou 7,3%, o segundo maior aumento da última década.

Considerando as ocorrências registadas em meio escolar em 20/21, regista-se uma diminuição de 6,8%, tendo-se evidenciado um abaixamento do número de registos em todos os tipos de ilícito à excepção das ofensas sexuais.

Mais alguns dados relativos a 2019 considerando a violência nas relações de namoro. Um trabalho de 2020 da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) que envolveu 4598 jovens, do 7.º ao 12.º com idade média de 15 anos, mostrou que para 67% é normal algum tipo de violência e 58% já terá sofrido pelo menos um comportamento de agressão.

Relativamente ao bullying, os estudos em Portugal sugerem uma prevalência entre 10 e 25% e a OMS indica que 1 em cada 3 crianças ou adolescentes será vítima de bullying. No caso mais particular do bullying homofóbico, um trabalho da Associação ILGA Portugal (2018) envolvendo 700 jovens dos 14 e aos 20 anos, refere que 73,6% já sentiu alguma forma de exclusão intencional por parte dos colegas.

Consumo de drogas, dados de 2019. Entre os 13 e os 18 anos aumentou o consumo de drogas não canábis e no grupo de 18 anos aumentou o consumo de canábis. O número de overdoses aumenta há três anos.

O consumo de álcool por jovens está a aumentar desde 2017 e a delinquência juvenil, entre os 12 e os 16 anos, em 2019 aumentou 5,6% e a criminalidade grupal (gangues) aumentou 15,9%.

Assim e por estas razões simples, entendo que as matérias integradas na "Educação para a Cidadania" devem obrigatoriamente fazer parte do trabalho desenvolvido na educação em contexto escolar. Com o mesmo objectivo será importante o desenvolvimento de programas de natureza comunitária envolvendo diferentes áreas das políticas públicas.

Precisamos e devemos discutir como fazer sempre, com que recursos e objectivos, promover a autonomia das escolas, também nestas questões. Por outro lado, não acredito na “disciplinarização” destas matérias, julgo mais interessantes iniciativas integradas, simplificadas e desburocratizadas em matéria de organização e operacionalização.

Sabemos que a prevenção e programas de natureza comunitária, socioeducativa, têm custos, mas importa ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da pobreza, exclusão, delinquência continuada e da insegurança. 

terça-feira, 18 de outubro de 2022

OS CANTOS DOS MIÚDOS

 Um dia destes, vida profissional bem mais leve, netos na escola, sentado no meu canto dei por mim a pensar como os cantos estão presentes na vida dos miúdos, umas vezes pela positiva, outras nem por isso e algumas mesmo pelas piores razões. A ver se vos consigo falar desta ideia esquisita.

Com os estilos de vida e valores presentes nas comunidades actuais temos muitas crianças e adolescentes que vivem ao canto, muitas delas num canto onde cabe pouco mais que um ecrã, no qual também aparecem outros como eles, fechados num qualquer canto de outra qualquer família. No entanto, na quase totalidade das famílias, os miúdos não vivem ao canto, ocupam um lugar bem ao centro. Ainda bem, pelas famílias e, naturalmente, por eles.

Muitos de nós, sobretudo nas gerações mais novas, passaram pelo jardim de infância, cujas salas estão frequentemente estruturadas em cantinhos que, por sua vez, nos organizam nas primeiras tarefas, o cantinho dos brinquedos, cantinho dos livros, o cantinho das pinturas, etc., dando uma primeira visão de um mundo aos cantinhos, organizado e à nossa espera.

Uns anos mais tarde, muitas crianças e adolescentes andam nos cantos das nossas escolas, como figuras transparentes que quase nem notamos, a menos que os comportamentos desajustados os tirem dessa invisibilidade.

Felizmente, a maioria dos miúdos passa por situações de bem-estar e vive com a tranquilidade própria de quem conhece os cantos à casa, como diz o povo. Neste caso é um canto, é um encanto.

Finalmente, o espaço é curto, a referência para aquelas crianças que ainda antes de nascer e ao longo de toda a sua vida, às vezes curta, vão compondo um canto triste.

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

A COLECÇÃO DE CROMOS

 O I traz uma peça muito curiosa sobre a “febre” da colecção de cromos que a propósito da realização do próximo mundial de futebol se faz sentir e dos “negócios" que gera. A leitura recordou-me uma cena que, de certa forma, também ilustra os tempos em que vivemos e a forma como olhamos para as “coisas” dos miúdos que, como se percebe,espelham as coisas dos adultos como, aliás, o trabalho do I mostra.

Estava na papelaria do meu bairro a comprar o jornal, apesar da leitura online ainda não consigo viver sem um jornal em papel, e à minha frente estava um pai com um gaiato de uns sete ou oito anos. O senhor perguntou à D. Fátima se já tinha recebido os cromos de uma colecção de que não fixei o nome. A senhora respondeu que sim, já há uns dias que tinha as carteiras de cromos e as cadernetas. O miúdo referiu que sabia disso porque os colegas da escola já tinham começado a colecção e pediu ao pai para comprar umas carteiras e uma caderneta. O pai, certamente um pai cuidador e atento, pediu então a caderneta e umas dezenas de carteiras de cromos. É verdade, umas dezenas de carteiras de cromos. Gastou, creio, que um pouco mais de vinte euros e o miúdo levou carteiras para estar um bom bocado a abrir.

Devo estar a ficar velho, mas fiquei a pensar. Para além do valor gasto, não sei se muito ou pouco significativo para aquela família, lembrei-me que no meu tempo, é mesmo conversa de velho, mas também no tempo do meu filho, fazer uma colecção de cromos era isso mesmo, coleccionar, não era comprar uma colecção de cromos. Fazer uma colecção era entrar numa espécie de rede social antes do Facebook, era saber quem fazia a colecção, quem tinha cromos e quais para trocar, usar uma lista com os cromos em falta e passar muito tempo em negociações com os coleccionadores para, de descoberta em descoberta, ir completando a colecção. Este processo arrastava-se no tempo e quando se aproximava o fim, quando já só faltavam um ou dois cromos, "os mais difíceis" a adrenalina subia e os negócios eram mais difíceis, por vezes conseguir um dos "tais" obrigava trocá-lo por muitos dos repetidos. Era o mercado a funcionar.

E quando a colecção ficava completa, era o triunfo, até à próxima colecção, claro.

Ainda gostava que aquele miúdo que estava na papelaria soubesse o que é fazer uma colecção de cromos, ia ser bom para ele.

domingo, 16 de outubro de 2022

REINCIDÊNCIA, REINSERÇÃO SOCIAL DE JOVENS DELINQUENTES

 Foi divulgado o relatório da Comissão de Acompanhamento e Avaliação dos Centros Educativos. Estas instituições acolhem jovens delinquentes institucionalizados por crimes cometidos antes dos dezasseis anos.

O relatório produz uma apreciação muito crítica desde as condições degradadas das instalações à escassez de técnicos de reinserção social, mal pagos e sem perspectivas de carreira. Acontece ainda que nem sempre as decisões dos tribunais são cumpridas.

Este cenário compromete de forma crítica o cumprimento dos objectivos da Lei Tutelar Educativa que se podem traduzir na construção de um projecto de reinserção social bem-sucedido para cada um destes jovens.

Como já tenho escrito, a prevenção é, naturalmente, a questão crítica. Neste sentido, um sistema público de educação com qualidade, com recursos diversificados e competentes e autonomia das escolas, é a melhor ferramenta de promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. É através de uma educação global que se minimiza o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis e a emergência de comportamentos mais disruptivos por ausência de projecto de vida. Este continua a ser o nosso caderno de encargos.

Depois de iniciado um trajecto de delinquência importa que registar que em 2018, um relatório da Direcção de Serviços de Justiça Juvenil envolvendo os Centros Educativos e das equipas de Reinserção Social referia que decorridos dois anos do cumprimento de uma medida tutelar de internamento 31% dos jovens voltam a ser condenados. Se considerarmos a reincidência num período mais alargado a taxa é ainda maior apesar de alguma melhoria mais recente.

Uma das questões referidas como associadas a este valor prende-se com a necessidade de garantir a resposta adequada por parte dos Centros Educativos e do apoio e suporte após a saída da instituição. O relatório agora conhecido vem mostrar como dificilmente estas necessidades serão cumpridas.

Múltiplos estudos evidenciam a importância da prevenção e da integração comunitária como eixos centrais na resposta a este problema sério das sociedades actuais. As casas de autonomia, uma intenção conhecida em 2013 e na lei desde 2015, visam justamente apoiar este processo e saída dos centros e de promoção de uma reinserção social bem-sucedida. No entanto, apenas em 2019 e de forma pouco expressiva arrancou o processo de instalação das primeiras casas de autonomia.

Sabemos que a educação, prevenção e programas comunitários de reabilitação e integração têm custos, no entanto, importa ponderar entre o que custa prevenir e cuidar e os custos posteriores do mal-estar e da pré-delinquência ou da delinquência continuada e da insegurança.

Parece ser cada vez mais consensual que mobilizar quase que exclusivamente dispositivos de punição, designadamente o internamento enquanto menor e a prisão para os mais velhos, parece insuficiente para travar este problema e, sobretudo, inflectir as trajectórias de marginalização de muitos dos adolescentes e jovens envolvidos em episódios de delinquência.

No entanto, a discussão sobre estas matérias é inquinada por discursos e posições frequentemente de natureza demagógica e populista alimentados por narrativas sobre a insegurança e delinquência percebida, alimentadora de teses securitárias.

Apesar de, repito, a punição e a detenção constituírem um importante sinal de combate à sensação de impunidade instalada, é minha forte convicção de que só punir e prender não basta.

É em todo este caldo de cultura que em muitos contextos familiares vulneráveis nascem e se desenvolvem as sementes de mal-estar que geram os episódios que regularmente nos assustam e inquietam e com consequências sérias.

sábado, 15 de outubro de 2022

DA REALIDADE E DOS DESEJOS

 Ontem, em intervenção no Parlamento, o Ministro da Educação afirmou que “tivemos um arranque de ano letivo que começou com tranquilidade, com as escolas a abrirem como planeado, sem sobressaltos, neste que foi um ano de profunda transformação no que toca à preparação do ano letivo e, pela qual ouso dizer, o país quase não deu conta”.

Muito provavelmente o Senhor Ministro tem razão, o país, ou parte dele, não se deu conta da tranquilidade com que o ano lectivo começou.

Por outro lado, estranhamente, deu conta que milhares de alunos não têm aulas, que existem ainda dificuldades nos recursos e equipamentos, que os discursos de muitos professores, não estou sequer a falar dos seus representantes expressam mal-estar e cansaço que tem vindo a acentuar-se como diferentes estudos evidenciam. E não, as baixas médicas não são A causa da falta de professores. Esta falta deve-se a algumas das políticas públicas de educação que promoveram desencanto, injustiça, desvalorização social e profissional ou falta de atractividade pela carreira.

O país, ou parte dele, também se deu conta que em muitos contextos a “municipalização” tem criado alguns embaraços ao funcionamento das escolas ou que o Plano de Recuperação das Aprendizagens também vai conhecendo alguns … sobressaltos.

Enfim, como o Ministro da Educação também afirmou há pouco tempo, a realidade é desafiante, A realidade é, de facto, desafiante e não é a projecção dos nossos desejos ou o que afirmamos que é.

Reconhecer as dificuldades e a sua natureza é um passo imprescindível para minimizar os seus efeitos, nem me atrevo a escrever ultrapassar as dificuldades.


sexta-feira, 14 de outubro de 2022

DA PERCEPÇÃO SOCIAL DE AUTORIDADE

 Foi divulgado o relatório "O Momento Atual da Reforma dos Cuidados de Saúde Primários em Portugal 2021/2022" produzido pela Associação Nacional de Unidades de Saúde Familiar. Com base em dados dos últimos 12 meses, até Setembro, em 78% das Unidades de Saúde Familiar registou-se pelo menos um episódio de agressão aos profissionais que nelas desempenham funções. Os comportamentos de agressão são de tipologia diversa e apesar do seu volume muito elevado têm vindo a decrescer. No entanto, importa considerar os episódios que ocorrem noutras estruturas do sistema de saúde, hospitais por exemplo, que também são recorrentes.

Estes níveis de ocorrência são ainda mais preocupantes se considerarmos a frequência com outras classes, professores (ontem abordei aqui um epiódio grave) e agentes de autoridade, por exemplo, são também alvo de comportamentos agressivos com tipologia variada e alguns de significativa gravidade.

As dificuldades genéricas das pessoas, os contextos funcionais e a qualidade percebida ou sentida na resposta dos serviços estarão associadas aos comportamentos. No entanto, sem minimizar estas variáveis, designadamente no que respeita aos serviços de saúde, parece-me também pertinente reflectir numa outra perspectiva, a auto-regulação dos comportamentos individuais.

Na análise a esta questão e de uma forma necessariamente breve, creio que vale a pena considerar dois aspectos que julgo essenciais, a mudança na percepção social de autoridade e de traços de autoridade e o sentimento de impunidade, que me parecem fortemente ligados a estes fenómenos.

Uma observação minimamente atenta às mudanças sociais, culturais e económicas nas últimas décadas, permite, creio, constatar como tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade.

Entre outras profissões, os médicos e enfermeiros, mas também professores, agentes de autoridade ou magistrados, por exemplo, eram percebidos, só pela sua condição profissional, como fontes de autoridade, como também os velhos, curiosamente. Tal processo alterou-se, a profissão ou a idade já não conferem “autoridade” que regule a relação e iniba a utilização de comportamentos de agressão. Dito de outra maneira, a identificação como médico ou enfermeiro, através da "bata", polícia com a "farda" ou professor com o "peso social" da função e da escola, ou os “cabelos brancos” da idade, já não são, por si sós, reguladores dos comportamentos. Estas mudanças implicam uma reflexão profunda, pois sendo um fenómeno ainda "novo", não poderemos recorrer unicamente às soluções "velhas".

Quero sublinhar que este entendimento não tem rigorosamente a ver com a ideia do "respeitinho" ou do medo e muito menos com dar cobertura a "autoritarismo" e abusos de poder de quem quer que seja sobre quem quer que seja.

O segundo aspecto que me parece de considerar remete para um ambíguo e abrangente sentimento instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa porque não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a "grandes", o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”.

Considerando este quadro, parece importante um trabalho no âmbito da formação cívica no sistema educativo, dispositivos e recursos de apoio e na formação de profissionais para a gestão e prevenção de situações de conflito, bem como um discurso político e social consistente de valorização dos profissionais e da autoridade, não do autoritarismo.

Também por razões desta natureza e dado o clima de agressividade e crispação demasiado presente nas relações interpessoais, presenciais ou virtuais, me parece perfeitamente justificada a existência de uma abordagem escolar para todos os alunos e de acordo com a idade de questões relativas a cidadania e desenvolvimento.

Sabemos, que contrariamente ao “autoritarismo”, a autoridade não é atribuída ou devolvida por decreto. A autoridade assenta em competência, valorização, respeito, maturidade cívica, solidez ética, etc.

Por outro lado, finalmente, é ainda fundamental que se agilizem e sejam divulgados processos de punição e responsabilização séria dos casos verificados o que contribuirá para combater a percepção de impunidade.

Como em múltiplas áreas do nosso funcionamento em comunidade e do desenvolvimento pessoal, pela educação é que vamos.

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

AINDA O RISCO DA "RITALINIZAÇÃO"

 Lê-se no JN que, de acordo com informação da Autoridade Nacional do Medicamento, metilfenidato foi o medicamento mais prescrito durante o ano de 2021 a crianças e adolescentes entre os 10 e os 14 anos, 169000 embalagens.

A prescrição deste fármaco, comercializado como Ritalina, Concerta ou Rubifen, é destinada ao tratamento da designada perturbação de hiperactividade e défice de atenção (PHDA). Apesar de, felizmente, o consumo ter vindo a diminuir desde 2014, ainda é muito utilizado como os dados agora conhecidos evidenciam.

Estes fármacos são muitas vezes referidos como “o comprimido da concentração” e usados em quadros de alegados problemas de comportamento, hiperactividade, défice de atenção ou instabilidade. No entanto, é também usada como “auxílio” aos resultados escolares sendo ainda conhecida pelo “comprimido da inteligência”.

Retomo algumas notas pois o consumo destes fármacos envolve muitos milhares de crianças e adolescentes.

Esta matéria tem sido objecto de intervenções recorrentes e dada a sua relevância importa continuarmos atentos. Já em 2015 no seu Relatório Anual, “Estado da Educação 2015”, o Conselho Nacional de Educação relevava o preocupante consumo desta medicação por parte de crianças e adolescentes.

Também em diferentes intervenções públicas, especialistas como Mário Cordeiro, Gomes Pedro ou Ana Vasconcelos têm revelado sempre uma atitude cautelosa e prudente face aos riscos de hipermedicação ou sobrediagnóstico e alertado para os consequências  destas práticas que, aliás, não se verificam em todos os países. A pressão enorme que envolve pais, professores, técnicos e clínicos face ao comportamento de algumas crianças ajuda a perceber a tentação da medicação. Conheço de forma directa algumas situações verdadeiramente preocupantes.

Quem lida com o universo de crianças e jovens que existe um conjunto de problemas que pode afectar crianças e adolescentes, esses problemas devem, se necessário é claro, ser abordados com medicação evidentemente, mas, felizmente, não são tantas as situações como por vezes parece. Inquieta-me muito a ligeireza com que possam ser produzidos "diagnósticos" e rótulos que se colam aos miúdos, dos quais dificilmente se libertarão e que pela banalização da sua utilização se produza uma perigosa indiferença sobre o que se observa nos miúdos. Aliás, é curioso, insisto, perceber o que se passa noutras realidades.

Inquieta-me que muitos miúdos surjam medicados, chamo-lhes "ritalinizados", sem que os respectivos diagnósticos conhecidos pareçam suportar seguramente o recurso à medicação. A sobreutilização ou uso sem justificação do metilfenidato e de outros fármacos terá riscos, uns já referenciados, outros em investigação.

Esta matéria, avaliar e explicar o que se passa com crianças e adolescentes, exige um elevadíssimo padrão ético e deontológico para além da óbvia competência técnica e científica. Não podemos facilitar embora compreenda e sinta que a pressão é muita, quer nos contextos familiares, quer nos contextos escolares e que os recursos, apoios e orientações são muitas vezes insuficientes.

Creio que, com alguma frequência, alguns comportamentos e dificuldades escolares dos miúdos, sobretudo nos mais novos que por vezes, sublinho por vezes, são de uma forma aligeirada remetidos para problemas como hiperactividade ou défice de atenção, podem estar associados aos seus estilos de vida ou aos modelos educativos, universo onde se incluem os hábitos e padrões de sono como, aliás, alguns estudos e a experiência de muitos profissionais parecem sugerir.

Recordo um estudo, já de 2016, realizado pela Universidade do Minho que sugere que cerca de 72% de mais de quinhentas crianças e adolescentes inquiridos, dos 9 aos 17, dormem menos do que seria recomendável para as suas idades. Aliás, estudos liderados pela Professora Teresa Paiva, uma conhecida especialista nesta área, vão no mesmo sentido.

E, de uma forma geral, para além das questões ligadas aos estilos de vida e às rotinas, uma das causas apontadas é a presença de aparelhos como computadores, tablets ou smartphones no quarto. O período de confinamento e sobrevalorização da presença dos dispositivos digitais no dia-a-dia acentuou algumas preocupações.

Assim, acontece que durante o período que seria dedicado ao sono, sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes continuam diante de um ecrã. Como é óbvio, este comportamento não pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida.

Também sabemos que este período de pandemia e pós-pandemia tem evidenciado um acréscimo de situações de mal-estar de crianças e jovens pelo que aumentarão os pedidos de ajuda. No entanto, a prudência é um bem de primeira necessidade.

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

AGRESSÃO A PROFESSORES, ENÉSIMA SITUAÇÃO

 Com alguma frequência, demasiada frequência, aqui escrevo sobre ou a propósito de situações de violência dirigida a professores realizada por alunos ou encarregados de educação (serão mesmo de educação?!). Desta vez aconteceu no Centro Escolar de Vila verde, Figueira da Foz. Uma professora foi agredida com severidade por um grupo de mulheres, mãe e familiares de um aluno da escola que esteve envolvido num incidente com colegas no qual a professora agredida interveio.

Andam negros os tempos para os professores. Sempre que escrevo sobre esta questão, agressões ou insultos a professores e dadas as circunstâncias faço-o com regularidade, é sempre com preocupação e mal-estar, mas creio que é preciso insistir.

As notícias sobre agressões a professores, cometidas por alunos ou encarregados de educação, continuam com demasiada frequência embora nem todos os episódios sejam divulgados. Aliás, são conhecidos casos de direcções que desincentivam as queixas dado o “incómodo” e “publicidade negativa” para a escola que trará a divulgação.

Os testemunhos de professores vitimizados são perturbadores e exigem atenção e intervenção.

Cada um dos recorrentes episódios é, obviamente, um caso de polícia, mas não pode ser “apenas” mais um caso de polícia e julgo que, mais do que ser notícia, importaria reflectir nos caminhos que seguimos.

Esta matéria, embora seja objecto de rápidos discursos de natureza populista e securitária, parece-me complexa e de análise pouco compatível com um espaço desta natureza. Apenas umas notas repescadas.

Começo por uma breve reflexão em torno de três eixos: a imagem social dos professores, a mudança na percepção social dos traços de autoridade e o sentimento de impunidade que me parecem fortemente ligados a este fenómeno.

Já aqui tenho referido que os ataques, intencionais ou não, à imagem dos professores, incluindo parte do discurso de gente dentro do universo da educação que tem, evidentemente, responsabilidades acrescidas e também o discurso que muitos opinadores profissionais, mais ou menos ignorantes ou com agendas implícitas, produzem sobre os professores e a escola, contribuíram para alterações significativas da percepção social de autoridade dos professores, fragilizando-a seriamente aos olhos da comunidade educativa, sobretudo, alunos e pais. Os últimos tempos têm sido, aliás, elucidativos. 

Esta fragilização tem, do meu ponto de vista, graves e óbvias consequências, na relação dos professores com alunos e pais.

No entanto, importa registar que a classe docente é dos grupos profissionais em que os portugueses mais confiam o que me parece relevante.

Em segundo lugar, tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade. Os professores, entre outras profissões, polícias ou profissionais de saúde, por exemplo, eram percebidos, só pela sua condição de professores, como fontes de autoridade. Tal processo alterou-se, o facto de se ser professor, já não confere, só por si, “autoridade” que iniba a utilização de comportamentos de desrespeito ou de agressão. O mesmo se passa, como referi, com outras profissões em que também, por razões deste tipo, aumentam as agressões a profissionais da área da saúde, médicos e enfermeiros.

Finalmente, importa considerar, creio, o sentimento instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa porque não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a grandes, o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”.

Considerando este quadro, creio que, independente de dispositivos de formação e apoio, com impacto quer preventivo, quer na actuação em caso de conflito, obviamente úteis, o caminho essencial é a revalorização da função docente tarefa que exige o envolvimento de toda a comunidade e a retirada da educação da agenda da partidocracia para a recolocar como prioridade na agenda política.

Definitivamente, a valorização social e profissional dos professores, em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade sendo esta valorização uma das dimensões identificadas nos sistemas educativos mais bem considerados.

É ainda fundamental que se agilizem, ganhem eficácia e sejam divulgados os processos de avaliação ou julgamento e a punição e responsabilização sérias dos casos verificados, o que contribuirá para combater, justamente, a ideia de impunidade.

terça-feira, 11 de outubro de 2022

EDUCAÇÃO E OGE

 Está apresentada a proposta de OGE para 2023. Trata-se um orçamento preparado em circunstâncias particularmente complexas e com um grau significativo de incerteza face ao futuro imediato.

No que respeita à educação o montante previsto regista um decréscimo de 7,6% (5691 milhões de euros) relativamente a 2022. A justificação prende-se com a descentralização de competências para as autarquias, as verbas envolvidas estarão no Fundo de Financiamento da Descentralização e não no ME.

Não sabemos o resultado da discussão, mas a maioria absoluta antecipa aprovação desta proposta sem alterações significativas.

Estão definidas algumas intenções já conhecidas como a alteração do modelo de contratação e exigência de habilitações e formação inicial dos professores. Acontece que o que se vai ouvindo ou lendo retoma ideias já conhecidas e levanta algumas inquietações que aqui tenho referido.

Pretende-se desburocratizar o trabalho dos docentes, designadamente, dos directores de turma. Está em linha com que há muitos anos se afirma e … vamos aguardar. Esperemos que se não alarguem as plataformas que simplifiquem as plataformas

Continua o desenvolvimento do Plano Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, traduzindo uma preocupação de décadas e com várias designações.

É referido uma forte aposta na “desmaterialização” envolvendo verbas do Plano de Recuperação e Resiliência. Já são conhecidos os objectivos de “desmaterializar” os manuais, de “desmaterializar” os exames finais do 3ºciclo. Temo que se “desmaterialize” a educação ou mesmo os professores, substituindo-os algo como Siri.

Continuará em desenvolvimento o Plano de Recuperação das Aprendizagens sendo ainda referida a Proposta de OGE a preocupação relativa aos efeitos da pandemia como “dificuldades acrescidas na aprendizagem da Matemática, a par de dificuldades de leitura dos alunos mais novos” bem como “consequências no bem-estar emocional da comunidade escolar”.

O sistema educativo, nas suas múltiplas dimensões, tem necessidades identificadas e urgentes, parque informático renovado e aumentado bem como recursos eficazes de acesso à net, equipamentos adequados (recordo a surreal situação de ser solicitado nas provas de aferição a utilização de equipamentos não existentes nas escolas), recursos humanos em áreas como psicologia e mediação, a questão ainda preocupante dos auxiliares de educação embora se anuncie a revisão das regras que definem o número de auxiliares por escola/agrupamento. Atravessa-se uma situação complexa com a falta de docentes em muitas escolas, com muitas comunidades escolares com climas de trabalho pouco amigáveis, com um modelo de avaliação de docentes pouco transparente e injusto, com arbitrariedades e discrepâncias na governança escolas e agrupamentos, etc.

Aguardemos pela discussão e por 2023. Quase sempre algum tipo de mudança começa com o anúncio de uma intenção, a elaboração de uma proposta, a constituição de um grupo de trabalho para definir um plano, de preferência inovador e … recomeça tudo. A ver vamos.

As diferentes opções em matéria de OGE e políticas públicas são legítimas em sociedades abertas, tão legítimas como a concordância ou discordância dos cidadãos.

Assim, é com algumas inquietações que olho para algumas das intenções que informa a proposta de OGE.

Por outro lado, está estudada e reconhecida de há muito a associação fortíssima entre o investimento em educação, conhecimento e investigação e o desenvolvimento das comunidades, seja por via directa, qualificação e produção de conhecimento, seja por via indirecta, condições económicas, qualidade de vida e condições de saúde, por exemplo.

É necessário combater o desperdício. Sim, é.

É necessário combater despesismo e clientelismos, por exemplo com a proliferação de planos inovadores destinados a tudo e mais alguma coisa que, apesar de objectivos e destinatários adequados, consomem recursos e esforços, internos e externos ao ME, nem sempre avaliados. Sim, é. Algumas situações que vou contactando ou tomando conhecimento em vários programas em desenvolvimento são bons exemplos embora também conheça trabalhos notáveis. Esta situação ilustra alguma desregulação em diferentes patamares do sistema educativo e torna necessária a definição de dispositivos de avaliação e regulação também externa das diferentes iniciativas que consomem recursos. 

Resta que se assim for, em educação não há despesa, há investimento. Não se esqueçam.

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

DIA MUNDIAL DA SAÚDE MENTAL

 No calendário das consciências assinala-se hoje o Dia Mundial da Saúde Mental. Vários trabalhos na imprensa abordam a questão o que, relativamente ao que se passava há alguns anos, representa uma diferença significativa de tratamento e importância atribuída apesar do muito que ainda precisamos de caminhar.

A generalidade dos indicadores aponta para uma maior incidência de problemas nesta área afectando todas as idades.

De acordo com o Infarmed, nos primeiros seis meses do ano venderam-se 10.871.282 de embalagens de ansiolíticos, sedativos, hipnóticos e antidepressivos, cerca de 60000 por dia, um acréscimo de 4,1% face a 2021 traduzindo-se num encargo de 32,5 milhões de euros para o SNS.

A estes dados faltará do volume de situações de mal-estar não abordadas através dos fármacos, as não tratadas e o contributo da automedicação apesar da exigência de prescrição médica para este consumo. Este quadro levará a que o número de consumidores seja superior às prescrições e número global de situações de mal-estar seja bem superior aos indicadores de consumo.

Ainda não há muito tempo aqui referi um estudo divulgado em 2021 realizado pelo investigador na área da economia da saúde da Nova SBE, Pedro Pita Barros, “Acesso a cuidados de saúde - As escolhas dos cidadãos 2020, em que se referia que 10% dos portugueses não vão ao médico quando sentem algum mal-estar e que desta população, 63% recorre à automedicação.

Também o número de pedidos de ajuda ao Centro de Apoio Psicológico e Intervenção em Crise do INEM para situações mais graves, comportamentos suicidários por exemplo, aumentaram 4,1% face ao mesmo período do ano passado.

A estes dados faltará do volume de situações de mal-estar não abordadas através dos fármacos, as não tratadas e o contributo da automedicação apesar da exigência de prescrição médica para este consumo. Este quadro levará a que o número de consumidores seja superior às prescrições e número global de situações de mal-estar seja bem superior aos indicadores de consumo.

Ainda não há muito tempo aqui referi um estudo divulgado em 2021 realizado pelo investigador na área da economia da saúde da Nova SBE, Pedro Pita Barros, “Acesso a cuidados de saúde - As escolhas dos cidadãos 2020, em que se referia que 10% dos portugueses não vão ao médico quando sentem algum mal-estar e que desta população, 63% recorre à automedicação.

Um estudo coordenado pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra durante o ano lectivo 21/22 envolvendo 5.440 jovens, com uma idade média de 14 anos e de mais de 150 escolas do Continente e Madeira encontrou sintomas de depressão em 42% dos adolescentes. Este este aumento está em linha com outros estudos, nacionais e internacionais.

Os efeitos da pandemia e as dificuldades que agora se vivem terão um impacto severo no bem-estar de de pessoas e famílias como, aliás, salienta Miguel Xavier, coordenador nacional das políticas da Saúde Mental, em entrevista ao DN.

Na mesma entrevista, Miguel Xavier mostra alguma confiança no processo de reforma dos serviços de saúde mental que está em curso.

Numa outra entrevista em Julho Miguel Xavier afirmava que “Os problemas de Saúde Mental previnem-se antes de aparecerem. Através de bons programas de parentalidade, bons programas sociais, como os programas de apoio às populações vulneráveis”, o que envolve a necessidade de políticas integradas, mas também sublinha a importância dos recursos adequados.

Esperemos que assim seja, a saúde mental tem sido o parente pobre das políticas públicas de saúde.

Existe muita gente a passar mal, pode ser na casa ao lado.

No entanto, como agora se diz, somos resilientes e queremos viver, seremos capazes de continuar.

domingo, 9 de outubro de 2022

"SE FORMOS PENSAR NOS OBSTÁCULOS NÃO SAÍMOS DE CASA"

 No Público encontra-se uma peça que julgo merecer leitura e reflexão, “Sofia e uma cadeira de rodas: “Se formos pensar nos obstáculos não saímos de casa”.

Ana Sofia Martins que se desloca em cadeira de rodas criou um espaço "JustGo" com o objectivo de promover boas práticas de turismo para pessoas com mobilidade reduzida. As dificuldades sentidas por si levaram-na a esta iniciativa, pretende contribuir para “um mundo mais acessível”. Está a fazer a sua parte.

Como muitas vezes aqui escrevo e afirmo, a vida de muitas pessoas com deficiência é, na verdade, uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, que ampliam de forma inaceitável a limitação na mobilidade e a funcionalidade em diferentes áreas que a sua condição, só por si, pode implicar. Como é evidente, existem muitas áreas de dificuldades colocadas às pessoas com deficiência, designadamente, educação e emprego em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são enormes.

Reafirmo algo que recorrentemente subscrevo, os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como lidam com as minorias e as suas problemáticas.

sábado, 8 de outubro de 2022

OS DIAS DO ALENTEJO

 Quem por aqui passa sabe que para além da paixão pela educação e a escola, universo no qual entrei aos seis anos pela mão da D. Beatriz e de que não mais saí, o Alentejo é outra das que me alimento. Começou em 1975 quando namorava, lá está, outra paixão até hoje, com uma então jovem professora do 1º ciclo que iniciou a sua carreira em Panóias, perto de Ourique.  Acabei por, há quase trinta anos e num tempo em que o Alentejo ainda não estava em moda, adquirir um pedaço de paraíso onde não falta nada do que é o Alentejo, incluindo o trabalho.

Desejo muito que o Alentejo sobreviva à ameaça do amendoal e olival superintensivos à mercê do engodo dos lucros imediatos e com a complacência de políticas públicas que hipotecam o futuro.

Enquanto não … trabalhamos, dizem que o trabalho dá saúde. Então que assim seja, os setenta já não estão longe. Falta o Mestre Zé Marrafa que não merecia o que está a passar, mas vem o Valter, rapaz vontadeiro e amigo que dá uma ajuda.

Como dizia o Mestre Zé, há sempre que fazer, um hortelão só não trabalha quando não quer. E nós queremos.

Por estes dias, foi acabar de traçar e carregar a lenha e sobrantes da limpeza de uns pinheiros bem grandes e de umas nespereiras, fabricar um bocado de terra para encanteirar para nabiças, espinafres e nabos que daqui a pouco serão semeados. Antecipando a chuva que teima em não chegar, tapou-se a lenha que há-de aquecer o Inverno que traz um frio áspero, tão áspero como o calor no Verão.

Acabámos de colher a azeitona para conserva, este ano quase não há azeitona para azeite, mas, quase sempre, depois de um ano bom, o anterior foi excepcional, vem um ano fraco. Aproveitamos para lá para Janeiro limpar algumas oliveiras e arranjar mais lenha. Ainda apanhamos mais umas nozes tardias e plantei uma gamboa que o Meste Zé carinhosamente tinha guardada para pôr aqui no monte e o filho me disse para ir buscar.

Também é preciso regar e não sabemos até quando, o tempo ainda vai quente. Oxalá o Outono traga água.

É uma paixão exigente, esta do Alentejo, do meu Alentejo, mas as paixões são assim, ou não o seriam.

E são assim os dias do Alentejo.

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

UMA REALIDADE DESAFIANTE

 De acordo com a imprensa de hoje, o Ministro da Educação espera que até 2026 todas as escolas estejam equipadas com manuais digitais. Os recursos necessários serão assegurados com financiamento do Plano de Recuperação e Resiliência. Chamam-lhe desmaterialização.

Entretanto, por razões e responsabilidades conhecidas, estão a chegar às escolas cidadãos com formação científica em diferentes domínios, mas sem formação para a docência. Chama-se “desprofissionalização” que se atenuará com uma onda de “capacitação” e com o jeito e boa vontade que, obviamente, todos terão. Professor é uma profissão fácil como se sabe.

Estamos e vamos certamente continuar perante uma realidade que se pode chamar de desafiante.

Como por aqui dizemos, deixem lá ver.

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

DEFICIÊNCIA E DIREITOS

 É com alguma frequência que aqui abordo a situação de pessoas com deficiência, mas não posso deixar de o fazer, os problemas que afectam as minorias têm menor visibilidade e em tempos de dificuldade as pessoas mais vulneráveis estão ainda mais expostas. Conforme um trabalho do JN, a Prestação Social para a Inclusão apenas estará a ser recebida por 7.5% da população com deficiência.

O acesso ao valor total da Prestação depende de um grau de deficiência de 80%, as pessoas com um grau de deficiência entre 60% e 79% apenas acedem se não trabalharem ou tiverem rendimento líquido abaixo de 658,22€. Os restantes cidadãos com deficiência não têm acesso.

A Prestação Social para a Inclusão foi criada em 2017 e a sua componente base tem o valor actual de 275,30 euros. Acresce que outras componente previstas não foram regulamentadas e não é aumentada desde Janeiro de 2021. A situação económica actual veio agravar fortemente as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência e as suas famílias.

Recordo que de acordo com o relatório “Pessoas com deficiência em Portugal — indicadores de direitos humanos 2021", do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos”, em 2020 a taxa de risco de pobreza ou exclusão social em agregados de pessoas com deficiência (16-64 anos) era 11,7% superior ao dos agregados da população em geral na mesma faixa etária (28,5% vs. 16,8%)”. Um outro indicador revela que os agregados de mulheres com deficiência, 26,5%, e os agregados de pessoas com deficiência grave, 31,5%, eram os grupos que enfrentavam o maior risco de pobreza ou exclusão social.

A existência da Prestação Social para a Inclusão contribuindo para minimizar as dificuldades é manifestamente insuficiente para a protecção dos direitos e qualidade de vida das pessoas com deficiência quer pelo valor, quer por não chegar ao universo cidadãos com deficiência.

Recordo ainda que um trabalho já com alguns anos divulgado em 2010 pelo Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, apontava para que uma pessoa com deficiência tenha um gasto anual entre 6 000 e 27 000 € decorrentes especificamente da sua condição e considerando diferentes quadros de deficiência. Este cálculo ficou incompleto porque os investigadores não conseguiram elementos sobre os gastos no âmbito do Ministério da Saúde.

O estudo, para além das dificuldades mais objectiváveis, referenciou ainda os enormes custos sociais, não quantificáveis facilmente, envolvidos na vida destes cidadãos e que têm impacto no contexto familiar, profissional, relacional, lazer, etc.

O valor base actual da Prestação Social para a Inclusão será cerca de 5.5% dos custos estimados percebendo-se assim a extrema vulnerabilidade das pessoas com deficiência e dos seus agregados familiares e os enormes riscos de pobreza.

A vida de muitas pessoas com deficiência é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, em variadíssimas áreas como mobilidade e acessibilidade, educação, emprego, saúde e apoio social, em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são enormes. Assim sendo, exige-se a quem decide uma ponderação criteriosa de prioridades que proteja os cidadãos dos riscos de exclusão, em particular os que se encontram em situações mais vulneráveis. Como frequentemente afirmo, os direitos não são de geometria variável cumprindo-se apenas quando é possível.