AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

PROVAS DE AFERIÇÃO E EXAMES FINAIS

 O Conselho das Escolas defende que, tal como no ano passado, se realizem apenas os exames nacionais do ensino secundário exigidos para o acesso ao ensino superior, que não se realizem as provas de aferição no 2.º, 5.º e 8.º anos e que sejam também suspensos os exames do 9º ano. Umas notas breves.

No que respeita aos exames finais do secundário e o acesso ao ensino superior, de há muito que defendo um outro modelo de acesso considerando o facto de o actual estar excessivamente centrado nos exames e desvirtuando a importância própria do ensino secundário. Assim, e enquanto não se alterar o modelo pode compreender-se a realização de exames apenas para o acesso ao superior.

Quanto à não realização das provas de aferição lembro que não existência de exames nacionais no 4º e 6º ano colocou a imprescindível necessidade de dispositivos externos de regulação que nos dessem “retratos” robustos e comparáveis dos trajectos escolares.

Seria esta a função da reintrodução das provas de aferição. Só que o modelo decidido não cumpre esta função, não parece, de facto, uma avaliação de aferição. Dado que ainda não foi alterada, a Lei de Bases do Sistema Educativo define que o ensino básico se organiza numa lógica de ciclo e não de disciplina como o secundário.

Assim, uma avaliação externa de aferição teria de ser realizada no ano final de cada ciclo e não nos anos intermédios, 2º, 5º e 8º ano, os alunos estão a meio do seu caminho de um ciclo.

A argumentação foi de que, realizadas nestes anos, a identificação de dificuldades e a devolução de resultados permitiriam a correcção de trajectórias futuras dos alunos. Certo, assim sendo e neste caso a avaliação não é de aferição, mas de diagnóstico. No entanto, espera-se que diariamente nas salas de aula os professores realizem, mais formal ou mais informalmente, avaliações desta natureza, mais formativa, pois é a mais sólida ferramenta que possuem de regulação do trabalho dos alunos e do seu próprio trabalho.

Acresce que tem sido habitual a rotação em cada ano das disciplinas envolvidas nas provas o que não permite estabelecer de forma sólida dados comparativos que permitam perceber eventuais ajustamentos na trajectória dos alunos.

Neste quadro, a não realização das provas de aferição como sugerido pelo Conselho das Escolas não tem grande impacto dado o trabalho que professores e escolas realizam regularmente de regulação dos processos de ensino e de aprendizagem.

Finalmente, no que toca à não realização dos exames do 9º ano e em linha com o que disse acima, julgo que a sua existência seria importante como dispositivo de uma imprescindível avaliação externa.

Sabemos que também este ano lectivo pode ser considerado atípico face ao impacto da pandemia, no entanto, e talvez por isso mesmo, a realização dos exames nacionais nos ajudasse a perceber o “estado da arte” relativo às aprendizagens até porque temos em operacionalização, ainda que com muitos sobressaltos, um Plano de Recuperação. Assim, para além, mais uma vez, do trabalho de regulação de professores e escolas poderia ser pertinente obter através dos exames indicadores externos das aprendizagens.

Quem acompanha o escrevo e afirmo, sabe que não defendo que muitos exames sejam, só por existirem, a base da qualidade. Não é por medir muitas vezes a febre que a febre baixa, mas a verdade é que necessitamos de saber se existe febre e tratá-la, esta sim a grande questão, como melhorar os resultados e com que recursos.

domingo, 27 de fevereiro de 2022

A COMICHÃO DO CRESCER

 A propósito da entrevista de Margarida Gaspar de Matos no I que merece leitura e reflexão, umas notas.

Não é raro que a entrada na pré-adolescência e adolescência seja acompanhada pelo aparecimento de uma irritante comichão decorrente das "borbulhas" do crescimento. Ainda menos raramente, os pais dos miúdos que entram nesta fase desenvolvem também uma fortíssima comichão resultante dos comportamentos, nem sempre esperados e entendidos, dos seus miúdos.

A esta fase de comichão em filhos e pais corresponde também com alguma frequência uma espécie de afastamento e abaixamento dos níveis de comunicação recíprocos o que, naturalmente, acentua a comichão que sendo ela irritante, acaba por deixar todos muito irritados.

Como também é previsível nestas idades, os miúdos tendem a procurar os anti-histamínicos junto dos amigos que, claro, também atravessam um período em que sentem a comichão do crescer e "padecem" das mesmas inquietações.

Por outro lado, os pais, muitas vezes assustados, não sabem como procurar os miúdos e viram-se, na melhor das hipóteses para outros pais com comichão e falam deles, dos filhos, não falando com eles, os filhos. Na pior das hipóteses, os mais assustados escondem, tentam esquecer e não sentir a preocupação com a comichão, esperando que a simples passagem do tempo, que se deseja rápida, a cure.

Talvez fosse de recordar que a comichão do crescer é algo de absolutamente natural, como talvez se lembrem nem sempre é fácil crescer, ficar diferente.

Assim, a gente mais crescida, mais experiente, estando atenta aos sinais, pode contribuir para tranquilizar os miúdos, não se assustando, dando-lhes espaço e tempo para perceber que vão ser capazes de lidar com a comichão do crescer.

sábado, 26 de fevereiro de 2022

DA BARBÁRIE

 Já faltam as palavras para falar do horror e da barbaridade que vão acontecendo. Sei também da inutilidade deste texto, ainda assim aqui fica.

A mediocridade das lideranças actuais da generalidade dos países e de entidades que põem e dispõem no xadrez do poder mundial e de tantos outros subservientes e submissos que, em muitos casos, de pessoas não sabe nem quer saber, permite, sem um sobressalto e com palavras e acções que de inócuas são um insulto, que se assista à barbaridade que as imagens, os relatos, mostram e o muito que se imagina, mas não se vê.

Morre gente inocente, milhares de vidas destruídas, a barbaridade estende-se, o horror é imenso e, por vezes, nem a retórica da condenação ou uma afirmação de solidariedade é convincente e muitos menos é eficaz, evidentemente. Apesar da história, também é ainda possível assistir ao branqueamento patético do horror.

A questão é séria, os ventos sempre semeiam tempestades e as tempestades num mundo global não ficam confinadas nos epicentros.

Não existe terror mau e terror bom. Não existe horror mau e horror bom. Não existe terrorismo bom e terrorismo mau, não existe democracia sem direitos humanos.

Como é possível que tal horror aconteça? Como explicar a guerra aos meus netos?

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

ATRASOS NA RECUPERAÇÃO DAS APRENDIZAGENS

 

No DN de ontem, directores escolares e professores manifestavam preocupações com o “andamento” do Plano 21/23 Escola + destinado a recuperar aprendizagens comprometidas por efeito dos constrangimentos provocados pela pandemia.

Na peça afirmava-se que as dificuldades percepcionadas nos alunos, designadamente nos do 1º ciclo, a que acresce a situação de “entre e sai” de alunos para cumprimento de períodos de isolamento e a alta de docentes que se verifica, contribuíram também de forma significativa para dificultar a operacionalização do Plano 21/23 Escola +.

Algumas notas a propósito da “recuperação” das aprendizagens e do atraso que parece verificar-se.

Parece ser consensual que o maior ou menor impacto nas aprendizagens, por múltiplas razões, é extremamente diversificado em cada aluno. Parece razoavelmente claro que a diversidade de situações, o seu número, os anos de escolaridade dos alunos, as variáveis contextuais relativas a cada comunidade escolar, recursos disponíveis em cada comunidade, as necessidades específicas de muitos alunos, etc. etc. sugerem que devem ser as escolas a avaliar as necessidades, identificar os recursos necessários, estabelecer objectivos, definir metodologias e dispositivos de regulação e avaliação.

Os professores sabem como avaliar e identificar as dificuldades dos alunos. O que verdadeiramente é imprescindível é dotar as escolas dos recursos necessários para minimizar tanto e tão rápido quanto possível as dificuldades que identificam. Recursos suficientes para recorrer a apoios tutoriais ou ao trabalho com grupos de alunos de menor dimensão, apoios específicos a alunos mais vulneráveis, técnicos, psicólogos, por exemplo, num rácio que possibilite um trabalho multidimensionado como é exigido, etc., são essenciais. Torna-se também necessária a existência de dispositivos de regulação que sustentem o trabalho desenvolvido, de processos desburocratizados.

Para além das narrativas institucionais mais “simpáticas”, por assim dizer, o que se vai sabendo das escolas mostra, sem surpresa, o conjunto de dificuldades que se continuam a sentir.

Por outro lado, considerando os indicadores relativos ao impacto das variáveis relativas ao contexto sociofamiliar e económico dos alunos nos seus trajectos de aprendizagem é preciso considerar que não é uma questão compatível com um Plano de curto prazo por melhor que seja.

Importa ainda recordar que, como já aqui referi, um trabalho divulgado em Maio de 2021 pela Human Rignts Watch sobre os efeitos da pandemia na população escolar e com dados da ONU afirmava que “Uma em cada cinco crianças estava fora da escola antes mesmo da covid-19”.

Num cenário de desigualdades que a pandemia potenciou e que o pós-pandemia continuará a revelar ainda mais relevantes se tornam as políticas públicas.

É neste contexto que emerge a razão destas notas. Do meu ponto de vista, a questão central não deve ser definida em torno da recuperação dos efeitos da pandemia nas aprendizagens ou no bem-estar através de planos de recuperação finitos, mas sim, na mudança ao nível das políticas públicas dos diferentes países, incluindo Portugal, que, para além de forma mais imediata “recuperarem aprendizagens”, tenham impacto a prazo através de recursos suficientes e competentes, definição de dispositivos de apoio eficientes e de acordo com as necessidades, apoios sociais que minimizem vulnerabilidades que a escola não suprime, valorização da educação e dos professores, diferenciação e autonomia nas respostas das instituições educativas, etc.

Sintetizando, para além da conjuntura próxima, cuidar dos danos da pandemia, importa considerar o que é estrutural e imprescindível em nome do futuro, a qualidade da educação e uma educação de qualidade para todos.

Estamos à espera de um novo Governo, aguardemos o que traz dentro, talvez até tenha um ministro da Educação.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

JÁ CHOVE

 Acho mais sinceros os dias de chuva. Nos dias que em chove ponho-me a pensar que não sou só eu que vivo arreliado. Depois, o cheiro da terra molhada é que me faz de novo animar.” (Almada Negreiros)

Já chove no Meu Alentejo. Que saudades desta chuva a bater no telhado e a cair certinha, bem chovida, a entrar na terra. Ainda não será suficiente para alimentar nascentes, mas é muito bem-vinda.  A terra gretada pela secura que parecia chorar lágrimas secas pela chegada da chuva, as lágrimas molhadas, já liberta o inconfundível cheiro de que falava Mestre Almada e que me deixa mais animado.

Bem que era precisa a água e oxalá ela também pudesse lavar e levar estes tempos malinos e a mediocridade da generalidade das lideranças que nos coloca outra vez à beira do abismo. Não aprendemos de todo. São tempos em que o terrorismo assume múltiplas formas e chega ao poder, aos poderes.

Esta chuva vai renovar e fazer crescer o verde que estava a desaparecer e tudo ficará mais bonito.

A terra vai ficar melhor, já chove no Meu Alentejo.

Esperemos que continue, mas as previsões não são animadoras. Para o estado do mundo também não.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

DA AVALIAÇÃO DE PROFESSORES

 Quem acompanha o universo da educação conhece a polémica em que a avaliação de professores tem estado permanentemente envolvida. Nos tempos que correm também assim acontece. As peças de hoje no Público sobre esta questão são elucidativas do que se vai passando em muitas escolas e agrupamentos.

Uma das questões mais discutidas é a definição de quotas em matéria de avaliação que se repercute na atribuição dos níveis qualitativos superiores com consequências que envolvem profunda injustiça.

Já muitas vezes me tenho aqui referido a esta matéria que tenho alguma dificuldade em perceber como se pode promover o mérito se, simultaneamente, se definem quotas para a excelência. Mais uma vez vejamos. Se um qualquer profissional, à luz dos critérios, sejam quais forem, que avaliam a qualidade do seu desempenho, merecer uma avaliação de excelente, tem, necessariamente, de obter esse patamar, dizer-lhe que é excelente, mas já não cabe na quota de excelência é atacar o mérito e incentivar a desmotivação.

O cenário actual abra a porta múltiplas abordagens, a um enorme risco da arbitrariedade e, naturalmente à inaceitável situação de professores com excelente trabalho se verem impedidos de que esse trabalho seja reconhecido, por vezes com a conivência de colegas e direcções.

São recorrentes as referências a situações que acontecem nas escolas e que são todo menos um processo justo e transparente, qualidades imprescindíveis a qualquer sistema da avaliação de profissionais.

Do meu ponto de vista, a insistência, a acontecer, na manutenção de quotas é manter um terrível equívoco que se pode traduzir, simplificando, no enunciado, “és excelente, tem paciência, mas já não cabes”.

Não entendo.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS

 No Público encontra-se a referência ao “Relatório sobre o Estado da Tecnologia na Educação em Portugal” realizado pela Promethean em colaboração com investigadores da Universidade do Minho que, através de inquéritos a professores, evidencia algumas carências na formação para a utilização das tecnologias digitais em sala de aula. Um número ainda significativo de professores afirma não as utilizar, mas a maioria refere vantagens na sua utilização.

Importa ainda sublinhar que não estão resolvidos os problemas relativos aos equipamentos nas escolas e a acessibilidade eficiente à net.

Por outro lado, Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, minimiza as necessidades de formação, o estudo, diz, é já de algum tempo e existe actualmente muita oferta de formação nesta matéria.

Manuel Pereira, presidente da direcção da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, reconhece as necessidades de formação e sobrevaloriza o recurso às tecnologias digitais uma vez que “as novas tecnologias podem ser um instrumento fantástico de motivação tanto para professores como para alunos”. Mais afirma que “A escola não pode fugir da realidade onde está integrada e hoje as crianças e jovens vivem em função das tecnologias.”

Esta afirmação deixou-me um pouco perplexo. Para utilizar a mesma terminologia eu diria que as tecnologias vivem (existem) em função das crianças, dos jovens, dos adultos, enfim de todos os que de alguma forma e em múltiplas dimensões podemos beneficiar destas ferramentas, não somos nós que vivemos em função delas.

Apesar do seu enorme potencial as ferramentas digitais não são a poção mágica para o ensino e aprendizagem. Os computadores ou tablets na sala de aula, os smart boards, não promovem sucesso só pela sua existência. A forma como são utilizados por professores e alunos é que potencia a qualidade e os resultados desse trabalho. Aliás, o mesmo se pode dizer de qualquer outro recurso ou actividade no âmbito dos processos de aprendizagem.

Sublinho, no entanto, os múltiplos estudos e experiências valorizam este recurso nos processos de ensino e aprendizagem pelo que é importante garantir o acesso pela generalidade dos alunos.

Neste contexto e como já tenho afirmado, considerando o que se sabe em matéria de desenvolvimento das crianças e adolescentes, dos processos de ensino e aprendizagem e da sua complexa teia de variáveis, das experiências e dos estudos neste universo, mesmo quando aparentemente contraditórios:

1 – O contacto precoce com as tecnologias digitais é, por princípio, uma experiência positiva para os alunos, para todos os alunos, se considerarmos o mundo em que vivemos e no qual eles se estão a preparar para viver. Nós adultos ainda estamos a pagar um preço elevado pela iliteracia, os nossos miúdos não devem correr o risco da iliteracia informática. Os tempos da da pandemia mostraram isso mesmo.

2 – O computador/tablet, kits robóticos, smart boards, etc., na sala de aula são mais uma ferramenta, não são A ferramenta, não substitui a escrita manual, não substitui a aprendizagem do cálculo, não substitui coisa nenhuma, é “apenas” mais um meio, muito potente sem dúvida, ao dispor de alunos e professores para ensinar e aprender e agilizar o acesso a informação e conhecimento.

3 - O que dá qualidade e eficácia aos materiais e instrumentos que se utilizam na sala de aula não é a tanto a sua natureza, mas, sobretudo, a sua utilização, ou seja, incontornavelmente, o trabalho dos professores é uma variável determinante. Posso ter um computador para fazer todos os dias a mesma tarefa, da mesma maneira, sobre o mesmo tema, etc. Rapidamente se atinge a desmotivação e ineficácia, é a utilização adequada que potencia o efeito as capacidades dos materiais e dispositivos.

4 - Para alguns alunos com necessidades especiais o computador pode ser mesmo a sua mais eficiente ferramenta e apoio para acesso ao currículo.

5 – Para além de garantir o acesso dos miúdos aos materiais é obviamente imprescindível promover o acesso a formação e apoio ajustados aos professores sem os quais se compromete a qualidade do trabalho a desenvolver bem como, evidentemente, assegurar as condições exigidas para que o material possa ser rentabilizado.

6 – Finalmente, como em todo o trabalho educativo, são essenciais os dispositivos de regulação e avaliação do trabalho de alunos e professores.

7 – Tudo isto considerado a escola pública deve promover até ao limite a universalidade do acesso a estes dispositivos. Sim tem custos, mas a exclusão sai mais onerosa.

Como referi acima não existem poções mágicas em educação por mais desejável que possa parecer a sua existência. Não deixemos que o fascínio deslumbrado pelas "salas do Futuro" faça esquecer os problemas do presente.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

EDUCAÇÃO FAMILIAR, COMPORTAMENTO E ESCOLA

 No Público divulga-se um trabalho desenvolvido por investigadores da Universidade de Xangai que concluíram que uma relação autoritária dos pais para com os filhos tem impactos negativos no seu desenvolvimento. O estudo, recorrendo a técnicas de electroencefalografia, evidenciou atraso no desenvolvimento das funções cerebrais em comparação com outras crianças educadas através de estilos parentais menos autoritários.

Ao abordar estas questões prefiro a terminologia “parentalidade severa" que me parece mais adequada e também usada na literatura e envolve recorrer com regularidade ao gritar, bater ou outro tipo de comportamento coercivo, humilhação, além de ameaças físicas e verbais como forma de punição.

A referência ao impacto negativo da parentalidade severa não é nova, embora seja importante sublinhar nesta investigação as consequências no desenvolvimento de funções cerebrais.

Recordo um trabalho desenvolvido pela Universidade de Pittsburgh nos EUA divulgado na Society for Research in Child Development em 2017, “Harsh parenting predicts low educational attainment through increasing peer problems”. Considerando diferentes variáveis foram seguidos 1482 alunos durante nove anos e evidenciou-se uma relação sólida entre o que foi considerado “parentalidade severa” e baixo rendimento escolar e problemas de comportamento nas crianças envolvidas nesse “modelo” de educação familiar.

Em 2018 a Academia Americana de Pediatria produziu novas orientações sobre a parentalidade afirmando veementemente que bater nas crianças, insultá-las, humilhá-las ou envergonhá-las são comportamentos a banir.

Um trabalho mais recente de Liz Gershoff divulgado em 2021 é também elucidativo sobre a mesma questão.

Dados divulgados em 2019 relativos ao Projecto Geração XXI, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, que acompanha desde o nascimento um número muito significativo de crianças na área metropolitana do Porto, mostraram que 75% das crianças com 7 anos serão vítimas de agressão psicológica ou castigos corporais em contexto de educação familiar. Cerca de 10% sofreram agressões graves (como bater com cinto ou objecto contundente ou queimar) com frequência. As avaliações mostram que que impacto na saúde é significativo, 58% apresentam valores de inflamação elevados, quase o dobro das que não são vítimas de maus-tratos.

Ainda para lembrar que o Código Penal Português estabelece desde 2007 no Arº 152 a proibição dos “castigos corporais”.

No trabalho realizado com pais é muito frequente estas questões serem afloradas assim como é habitual que quando na imprensa se refere comportamentos menos positivos de crianças ou adolescentes são inúmeros os comentários e discursos sobre a alegada falência das famílias na definição de regras e limites nos comportamentos de crianças e adolescentes. Muitos destes discursos e comentários têm sido acompanhados de referências ao facto de não se recorrer a umas “palmadas”, à “pedagogia do chinelo” ou outras variações no mesmo tom, com uns “tabefes” a coisa resolvia-se. Muitas vezes as referências são mitigadas com o reurso à ideia de “palmada educativa”.

As alusões às dificuldades das famílias ou da escola na regulação dos comportamentos de crianças e adolescentes podem ser justificáveis, mas lidar com estas dificuldades através do bater parece-me na verdade preocupante para além da sua potencial ineficácia. Ninguém pode garantir que foram ou que são as “tareias” que constroem pessoas de bem.

Confesso que sinto alguma dificuldade em compreender como um comportamento de violência dirigido a uma criança possa ser algo de educativo.

No entanto e dito tudo isto, também entendo que comportamentos inadequados ou incompetentes não significam necessariamente que estejamos perante pessoas, pais, más ou incompetentes.

Todos nós, alguma vez, agimos de uma forma menos ajustada ou adequada com os nossos filhos e isso não nos transforma em pessoas más, significa que somos apenas pessoas, que somos imperfeitos, por assim dizer e para utilizar uma expressão actual.

Assim sendo, creio que devemos ser cautelosos, quer na defesa da "palmada ou estalada educativa", quer na diabolização definitiva de pais que numa situação eventualmente esporádica e de tensão assumem um comportamento de que podem ser os primeiros a arrepender-se.

Esta nota, não branqueadora ou desculpabilizante de nada, pode não ser particularmente simpática, mas estou cansado, tanto de discursos de legitimação do efeito "educativo" da violência e outros comportamentos integrados na parentalidade severa dirigidos a crianças, como de discursos demagógicos e, por vezes hipócritas, que clamam pelo "crucificação" cega de uma pessoa, o outro que bate, mas são produzidos por gente desatenta ou mesmo autora ou apoiante doutros comportamentos dirigidos a miúdos tão indignos quanto a "palmada" ainda que menos visíveis.

Finalmente, a experiência mostra-me que muitos pais desejam ou exprimem a necessidade de alguma ajuda ou orientação nestas questões.


domingo, 20 de fevereiro de 2022

PAI E FILHO, OUTRO DIÁLOGO IMPROVÁVEL

 Olá pai, ainda bem que te vejo, passas pouco tempo em casa, chegas tarde, queria falar contigo.

Olá Miguel, não estou com muito tempo, mas diz lá.

É o costume, sempre que quero falar contigo não tens muito tempo.

Ainda agora estamos a começar já me estás a dar uma seca.

Não te estou a dar seca nenhuma, sabes que é verdade e que me preocupo contigo.

Vá Miguel, despacha-te, já te disse que tenho um bocado de pressa.

Pai, que tal está a correr o teu trabalho.

Uma seca, tenho que fazer uma data de coisas de que não gosto, tenho um tipo a mandar que é um incompetente e me chateia o tempo todo e ainda por cima ganho pouco.

Pois é pai, mas tens de te esforçar, nem sempre gostamos do que fazemos, mas é importante que as coisas sejam bem feitas. Tens a certeza que quando tu achas que o teu chefe te chateia ele não terá alguma razão pois estás a fazer as coisas menos bem feitas porque não gostas de as fazer?

Que ideia, o tipo é mesmo incompetente e burro.

Pai já te tenho dito que não me parece bem que fales assim das pessoas. E com os teus colegas vai tudo bem?

Mais ou menos, lá na firma há uns gajos porreiros com quem me dou bem, mas há um tipo ou dois, sempre armados em santinhos, a dar graxa ao chefe e dizer coisas do resto do pessoal. Um dia deste quase que pegava com um deles.

Pai, quantas vezes preciso de te dizer que os assuntos não se resolvem com violência. Não somos obrigados a gostar de toda a gente nem a estar sempre de acordo, mas não é necessário resolver as coisas dessa forma.

Miguel, mas sabes que um tipo às vezes passa-se.

Tens de ser capaz de te controlar pai. Bom, vai lá à tua vida e porta-te como deve ser.

Mas porquê esta conversa toda?

Vou ter uma reunião de filhos e preciso de saber como andam as coisas contigo.

sábado, 19 de fevereiro de 2022

OS PROBLEMAS DA EDUCAÇÃO E A BARRAGEM DO ALQUEVA

 

Talvez vos possa parecer estranho, mas tenho recordado a mítica expressão que corria no Alentejo relativa à Barragem do Alqueva, “Construam-me porra!” Vou tentar explicar.

No Expresso está uma entrevista com Karine Tremblay da OCDE e responsável durante algum tempo pelos estudos relativos a professores, Teaching and Learning International Survey. Com base no de 2018 evidencia-se o abaixamento do número de inscrições nos cursos que habilitam para o ensino, os níveis de (in)satisfação com a carreira, de stresse, de desmotivação, de arrependimento pela escolha da profissão, etc. Acresce o também muito conhecido envelhecimento da classe que justificará o agudizar a curto prazo da falta de professores com a entrada na reforma de alguns milhares e insuficiência dos inscritos nos cursos de formação para a sua substituição.

A questão é que nada disto é novo. Sucessivos estudos nacionais e internacionais têm de há vários anos referido estas matérias e a mudança mais substantiva é o agravamento da situação com o passar do tempo.

Na entrevista também são sugeridas algumas medidas que, mais uma vez, não trazem nada de particularmente novo, são conhecidas e a situação torna-se progressivamente mais complicada há medida que … nada de substantivo acontece.

Talvez um contributo para essa inacção seja a deriva política a que o universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas, criando instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio que potencie o trabalho de alunos, pais e professores. Acresce que sucessivas equipas ministeriais têm desenvolvido políticas que contribuem para a desvalorização dos professores com impacto evidente no clima das escolas e nas relações que a comunidade estabelece com estes profissionais. Este cenário revela uma das dimensões mais frágeis das políticas públicas de educação nos últimos anos em que sempre se insistia na narrativa dos professores a mais com resultados que estão à vista.

Sabemos que os velhos não sabem tudo e os novos nem sempre trazem novidade. Mas também sabemos que qualquer grupo profissional exige renovação por diferentes razões incluindo emocionais, de suporte, partilha de experiência ou pela diversidade.

Como já referi, são conhecidos os problemas e também algumas hipóteses de minimização. Sabemos que os sistemas educativos com melhor desempenho são também os sistemas em que os professores são mais valorizados, reconhecidos e apoiados.

Estou a lembrar-me Almada Negreiros na “Invenção do Dia Claro” “Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa - salvar a humanidade.”

Numa versão mais alentejana lembro-me da famosa “reclamação”, “Construam-me porra!” escrita no pontão de apoio às obras protestando com o tempo de espera pela Barragem do Alqueva.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

LIVROS, LEITURA, LEITORES

 Foi divulgado um estudo realizado pela Fundação Gulbenkian e pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, “Práticas Culturais dos Portugueses”. Os resultados estão em linha com os de outros trabalhos com o mesmo objectivo e sublinham o que está por caminhar no sentido de aumentar o consumo de produtos culturais, ferramenta imprescindível no desenvolvimento das sociedades.

Do vasto conjunto de indicadores umas notas direccionadas para a área dos livros e leitura.

No último ano 61% dos inquiridos não leu um livro impresso e em formato digital apenas 10% o fizeram. A leitura por prazer é referida por 10%.

Sem surpresa é também evidenciado pelo estudo a importância do estatuto socioeconómico e nível de literacia familiar, sendo que os leitores mais assíduos têm formação superior ou com pais com esse estatuto académico.

Estando comprovado o impacto relevante que os estímulos à leitura em contexto familiar assumem na promoção de hábitos de leitura, é muito significativo registar essa falta incentivo expressa pela maioria dos inquiridos, 71% nunca foi levado a uma livraria, 77% a uma biblioteca e 75% a uma feira do livro. Também 47% afirmam nunca ter recebido um livro e 54% referem que ninguém lhes leu um livro enquanto crianças.

São, na verdade, dados preocupantes, mas que, lamentavelmente não surpreendem e, naturalmente, reflectem-se no consumo de bens culturais.

Os bens culturais em Portugal parecem continuar a ser percebidos como bens supérfluos e não um bem de que necessitamos. O universo da cultura ainda vive numa apagada e vil tristeza orçamental. Sabe-se como os museus têm dificuldade em manter portas abertas, para não falar de investimento e manutenção nos respectivos espólios. As visitas aos museus têm aumentado, mas sobretudo devido aos visitantes estrangeiros. Muito do que se realiza em Portugal em matéria de cultura está dependente de apoios privados, carolice ou mecenato.

Por outro lado, e no que respeita ao mercado livreiro, creio que uma das grandes razões para o preço dos livros será o reduzido volume de consumo desse bem por parte do cidadão comum. De facto, à excepção de alguns, poucos, nomes, edições reduzidas dificultarão, por questões de escala, o abaixamento do preço. Algumas editoras ou grupos editoriais têm experimentado o lançamento de colecções com obras a mais baixo custo, mas muitos dos potenciais compradores dessas obras, já as terão adquirido pelo que, mais uma vez será difícil que sejam bem-sucedidas essas edições. Se considerarmos o caso particular da poesia a situação pode ser um pouco mais negra, basta atentar nas montras ou nas listas dos mais vendidos.

Acresce que o mercado assenta cada vez mais numa meia dúzia de pontos de venda que asseguram o grosso do "rendimento" e por uma distribuição que trata, muitas vezes, o livro como apenas um produto e não o distribui como um "bem". Importa ainda considerar o aumento exponencial das vendas online cujo circuito acaba por deixar de fora a livraria mais tradicional, espaço de descoberta, troca de informação e partilha com gente conhecedora que conhece e ama os livros

No entanto e já o tenho aqui afirmado, penso que a grande aposta deveria ser no leitor e não no livro, ou seja, criando mais leitores, talvez as edições, que poderiam em todo o caso ser menos exigentes em papel e grafismo, ficassem mais acessíveis como se verifica noutros países. Esta batalha ganha-se na família, na escola e na comunicação social como os dados agora conhecidos reconhecem.

Será consensual, que a questão central, embora importante, não assenta nos livros, bibliotecas (escolares ou de outra natureza) ou na presença crescente e atractiva dos "tablets", a questão central é o leitor, ou seja, o essencial é criar leitores que, quando o forem, procurarão o que ler, livros por exemplo, espaços ou recursos, biblioteca, casa ou escola e suportes diferente, papel ou digital. 

Creio que também estaremos de acordo que um leitor se constrói desde o início do processo educativo. Desde logo assume especial importância o ambiente de literacia familiar e o envolvimento das famílias neste tipo de situações, através de actividades que desde a educação pré-escolar e 1º ciclo deveriam, muitas vezes são, ser estimuladas e para as quais poderiam ser disponibilizadas aos pais algumas orientações. Os dados agora conhecidos mais uma vez sublinham esta importância.

Nos primeiros anos de escolaridade é fundamental uma relação estreita com a leitura, não só com os aspectos técnicos, por assim dizer, da aprendizagem da leitura e da escrita da língua portuguesa, mas um contacto estreito e regular com a actividade de leitura acomodando motivações e culturas diferenciadas a dos alunos e das famílias.

Só se aprende a ler, lendo, só se aprende a escrever, escrevendo, etc.

Recordo dados divulgados no final de 2021 dados no âmbito do estudo “Práticas de Leituras dos estudantes do ensino básico e secundário”, realizado pelo Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE em parceria com o Plano Nacional de Leitura 2017-2027.

Os indicadores são relativos a alunos do 1º ciclo (3º e 4º ano) e do 2º ciclo e devem ser lidos tendo em conta o que foi encontrado numa fase anterior em alunos do 3º ciclo e secundário.

Aos 10 anos verifica-se uma percentagem de 11% de alunos que afirmam só ler quando só obrigados, a partir dos 11 anos a percentagem sobre significativamente até aos 25% sendo que existem diferenças significativas entre rapazes e raparigas com estas a evidenciarem hábitos de leitura mais robustos.

Na fase anterior do estudo envolvendo o 3º ciclo e o secundário a percentagem de alunos que só lêem quando obrigados foi de 32% e de 25%.

A situação é preocupante e creio que mesmo no ensino superior os hábitos de leitura dos alunos não serão ser muito robustos.

É certo que existe em actividade o Plano Nacional de Leitura que, parece, estará a dar alguns resultados, mas na comunicação social generalista o espaço dedicado aos livros é pouco significativo, ainda se mantém veremos até quando o JL, e na comunicação televisiva o panorama não é melhor e o que existe parece pouco eficaz.

Insisto, é um problema de leitores não de livros, aliás e estranhamente, o volume de obras publicadas é significativo, o que é motivo de reflexão.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

DO PISA E PARA ALÉM DO PISA

 Leio no Público que foi ontem apresentado em Lisboa um trabalho coordenado por António Teodoro sobre o conhecido estudo comparativo internacional o PISA (Programme for International Student Assessment).

Neste trabalho colocam-se reservas ao PISA ao nível metodológico, natureza dos conteúdos avaliados e amostras utilizadas. Por outro lado, questiona-se a utilização dos seus resultados na fundamentação de decisões em matéria de políticas educativas. Não conheço o trabalho agora apresentado e aguardo com alguma expectativa a sua divulgação. Algumas notas a propósito do PISA e para além do PISA.

A existência de avaliação externa nos sistemas educativos é uma ferramenta imprescindível de regulação e promoção da sua qualidade embora, só por si, não a garantam. Esta avaliação externa pode ser realizada em diferentes patamares e dispositivos de que exames, provas de aferição ou estudos comparativos internacionais de desempenho dos alunos como o PISA, PIRLS (Progress in International Reading Literacy Study) ou o TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study)..

Nesta perspectiva é sempre com interesse que se aguardam resultados destes dispositivos e importa considerar os seus indicadores.

No entanto como contributo para esta reflexão recupero uma peça publicada no The Guardian em 6 de Maio de 2014. Trata-se de uma carta dirigida a Andreas Schleicher, Director da OCDE e responsável pelo PISA, subscrita por um grupo alargado, significativo e de vários países de académicos e especialistas em educação ou representantes de entidades a operar neste universo. No documento é apresentada uma leitura muito interessante do PISA e também avançadas algumas sugestões de desenvolvimento.

Um pequeno excerto para apelar à leitura e, sobretudo, à reflexão.

"(…) By emphasising a narrow range of measurable aspects of education, Pisa takes attention away from the less measurable or immeasurable educational objectives like physical, moral, civic and artistic development, thereby dangerously narrowing our collective imagination regarding what education is and ought to be about. (…)"

Precisamos de não esquecer que existe educação para além do PISA.

Entretanto, vou procurar conhecer o trabalho agora divulgado.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

EDUCAÇÃO E EMOÇÕES

 Li no JN sem, no entanto, conseguir aceder à totalidade da peça que “Professores vão ter formação para lidar com emoções”. Deu para perceber que vai arrancar um projecto-piloto, mais um projecto, com 200 voluntários e que posteriormente a formação será realizada nos centros de formação.

Como se sabe quem anda por estas lidas, para além dos rigores do Inverno, as escolas são também geladas emocionalmente, a generalidade dos professores não sabe lidar com emoções, tal como alunos, os técnicos que estão nas escolas incluindo os funcionários. Dito da maneira actual, não estão capacitados.

Percebe-se, assim, que nos últimos tempos se tenha desencadeado uma onda de promoção, perdão, capacitação, nas escolas através de imensos projectos e iniciativas de escala variável visando o desenvolvimento da inteligência emocional, da empatia, da Social-Emotional Learning (SEL) e outras designações.

É importante registar o esforço no âmbito da formação, aliás, capacitação, dos profissionais da educação, mas, certamente por incompetência ou desconhecimento vou sentindo algumas reservas face a esta onda, que pela visão mágica com que parece ser informada, quer pela regular apresentação de um receituário ou programa que garante que se vai aprender a fazer o que nunca foi feito nas escolas “lidar com as emoções” independentemente da formulação. Dito isto, sublinho que em muitas circunstâncias nos confrontamos com dificuldades neste domínio.

Dada a importância e actualidade destas questões leva-me a retomar algumas notas.

As alterações nos estilos de vida, nos valores sociais, culturais, económicos, etc., nos modelos de desenvolvimento económico e consequente visão política e as suas consequências nas políticas educativas parecem ter criado um tempo em que emerge a necessidade de “trabalhar” as emoções nos contextos educativos.

Os climas sociais e de aprendizagem em diferentes escolas e salas de aula nem sempre são particularmente amigáveis para todos os alunos, mas também para professores como múltiplos estudos evidenciam.

Talvez tenhamos que reflectir sobre isto e retomar coisas velhas, nada “inovadoras”, nada "revolucionárias", nenhum “novo paradigma”, a educação escolar é estruturada e alimentada pela relação e a relação, para que exista e seja positiva, tem como ingrediente … a emoção. Nas minhas conversas por aí sobre estas coisas da educação desafio muitas vezes pais ou professores a recordarem muito brevemente professores de quem guardam boas memórias. Quando lhes pergunto porquê, as justificações remetem muito significativamente para a relação que com eles tiveram, para além do que com eles aprenderam das “coisas da escola”.

Como dizia em cima, a educação escolar, a acção do professor, tem esse princípio fundador, assenta na relação que se operacionaliza na comunicação e se tempera com a emoção. Também por isso são também preocupantes os tempos que vivemos em que os professores têm pouco tempo para comunicar, para conversar com os alunos e as emoções, por vezes, entram em turbulência e descontrolo.

Também a pressão para os resultados, a natureza dos conteúdos e gestão curriculares ou o número de alunos por turma por exemplo, dificultam essa relação. O professor “fala com o programa”, a maioria dos alunos entende, outros não e com esses é preciso falar, mas … para os mandar calar ou até sair. Há pouco tempo para conversar, para “cativar”, como diria Saint-Exupéry.

Por isso tantas vezes afirmo que os professores, tanto ou mais do que ensinar o que sabem, ensinam o que são. Quando nos lembramos com ternura e admiração de alguns professores é pelo que eles eram e nem sempre pelo que nos ensinaram apesar da importância que tenha tido.

O Mestre João dos Santos quando afirmava que alguém tinha sido seu professor justificava, "porque foi meu amigo", traduzindo para uma linguagem mais actual, "estava capacitado para gerir as minhas emoções, tinha empatia".

São assim os professores que nos marcaram de forma positiva, ensinam-nos o que são, não só o que sabem como acima escrevi.

Sendo certo que precisamos de ajustamentos regulares no que fazemos, no como fazemos e para que fazemos, não “inovemos” tanto, não queiramos tantos “novos paradigmas”, não "mudemos" tudo pela ilusão mágica da mudança.

Criemos, apenas, o tempo e o modo para que nas salas de aula os professores e os alunos, todos os alunos, tenham o tempo e a circunstância que lhes permita comunicar, entre si, com a razão e com a emoção. Irão aprender e ser.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

A SAÚDE MENTAL DE CRIANÇAS E JOVENS. DE NOVO

 No Público de Domingo encontrava-se um extenso trabalho sobre a saúde mental de crianças e jovens. Muitas vezes aqui tenho abordado esta questão, mas a realidade conhecida justifica a insistência.

As circunstâncias vividas nos últimos dois anos têm vindo a evidenciar impacto significativo na saúde mental e no bem-estar de crianças e jovens.

O recurso a apoios na área da saúde mental tem vindo a crescer provocando o aumento dos tempos de espera para primeiras consultas, assim como o recurso às urgências e o número de casos referenciados por outros serviços de saúde. A insuficiência de recursos impede uma resposta em tempo mais oportuno.

Na peça refere-se a situação do Hospital de Dona Estefânia em que a espera chega aos seis meses, do Hospital de São João, no Porto, três meses e meio e o Hospital de Braga a espera era superior a oito meses no final do ano.

Em Janeiro noticiava-se que nos dois anos que vivemos neste cenário de pandemia os pedidos de ajuda ao Centro de Apoio Psicológico e Intervenção em Crise do INEM aumentaram 52,8% nos jovens até aos 19 anos em dois anos de pandemia.

Numa peça do Público de hoje refere-se que dados preliminares da actividade em 2021 de algumas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens evidenciam  um aumento de criançs e jovens em risco com problemáticas de saúde mental.

Recordo um trabalho divulgado em Agosto e que aqui citei realizado pela Universidade de Calgary, no Canadá em que foram analisados 29 estudos de diferentes países envolvendo 80879 crianças e jovens. Como dado mais relevante constata-se que um em cada quatro crianças ou jovens tem sintomas de depressão elevados e um em cada cinco apresenta sintomas de ansiedade altos devido à pandemia da covid-19.

Os especialistas referidos na peça do Público referem a peso dos mesmos quadros clínicos nos pedidos de apoio.

De facto, têm sido múltiplos os estudos que referem esta questão, a deterioração da saúde mental de crianças e jovens, mas também de adultos, no quadro da pandemia. Os confinamentos a que se associaram os períodos de isolamento, a falta de rede social dos pares, as dificuldades de diversa ordem sentidas nos contextos familiares terão dado um contributo significativo. Os dados mais recentes acentuam a importância desta matéria.

Deste quadro resulta a necessidade e urgência de atenção à saúde mental de crianças e jovens ainda que habitualmente a saúde mental seja um parente pobre das políticas públicas de saúde.

O impacto da pandemia nas aprendizagens tem sido muito referido e está a ser objecto de um plano específico, Plano 21/23 Escola + que, esperamos, mobilize os recursos e as intervenções necessárias aos que se propõe. Seria importante que a esta recuperação no plano das aprendizagens estivesse associada a uma forte preocupação com a saúde mental de crianças e jovens com os apoios e recursos necessários. Ao que tem sido divulgado o Plano de Recuperação e Resiliência prevê um investimento nos serviços de saúde incluindo a saúde mental, a ver vamos.

Crianças e jovens que passam mal, não aprendem, vivem pior e correm riscos sérios de comprometer o futuro pelo que os apoios e resposta não podem, não devem, falhar.

Como o povo diz, é de pequenino que se torce o … destino.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

DIA DE SÃO VALENTIM, MALTRATAR NÃO É GOSTAR

 No dia de São Valentim, para além de tudo o que se desenvolve em torno do romantismo do namoro e da menos romântica dimensão de negócio, umas notas sobre o lado B das relações de namoro, a violência nas suas diferentes formas.

Em 2021 a PSP registou 2215 queixas e a GNR 1105 sendo que cerca de um terço ocorrem até aos 24 anos. Importa ainda sublinhar que boa parte dos episódios não são objecto de denúncia pelo que os números serão a ponta do icebergue. Ambas forças desencadearão, mais uma vez, acções de sensibilização junto da população mais jovem.

O que torna a situação ainda mais complexa é a manutenção sem grandes alterações destes indicadores ao longo dos anos, incluindo trabalhos com estudantes do ensino superior, o que talvez ajude a perceber como a violência doméstica parece indomesticável.

Os dados convergem no indiciar do que está por fazer em matéria de valores e comportamentos sociais. Acresce qu,e como referi, boa parte das situações de abuso não são objecto de queixa.

Este conjunto de dados é preocupante, gostar não é compatível com maltratar, mas creio que não é surpreendente, lamentavelmente. Os dados sobre violência doméstica em adultos que permanece indomesticável deixam perceber a existência de um trajecto pessoal anterior que suporta os dados muitos trabalhos sobre violência no namoro e que se mantêm inquietantes. Aliás, nos últimos anos a maioria das queixas de violência doméstica registadas pela APAV foram de mulheres jovens embora seja um drama presente em todas as idades.

Os sistemas de valores pessoais alteram-se a um ritmo bem mais lento do que desejamos e estão, também e obviamente, ligados aos valores sociais presentes em cada época. De facto, e reportando-nos apenas aos dados mais gerais, é criticamente relevante a percentagem de jovens, incluindo estudantes universitários, que afirmam um entendimento de normalidade face a diferentes comportamentos que evidentemente significam relações de abuso e maus-tratos.

Como todos os comportamentos fortemente ligados à camada mais funda do nosso sistema de valores, crenças e convicções, os nossos padrões sobre o que devem ser as relações interpessoais, mesmo as de natureza mais íntima, são de mudança demorada. Esta circunstância, torna ainda mais necessária a existência de dispositivos ao nível da formação e educação de crianças e jovens; de uma abordagem séria persistente nos meios de comunicação social; de um enquadramento jurídico dos comportamentos e limites numa perspectiva preventiva e punitiva e, finalmente, de dispositivos eficazes de protecção e apoio a eventuais vítimas.

Só uma aposta muito forte na educação, escolar e familiar, pode promover mudanças sustentadas nesta matéria. É uma aposta que urge e tão importante e sublinha a necessidade óbvia de matérias desta natureza serem objecto de abordagem na educação escolar sendo que não terão de o ser de uma forma “disciplinarizada”. Não me parece que haja outro caminho.

Entretanto e enquanto não muda, "só faço isto, porque gosto de ti, acreditas não acreditas?". Não, não se pode acreditar.

Retomo como iniciei. Apesar da natureza e gravidade fora do comum dos dias que vivemos e para os quais não estávamos preparados, talvez seja de não esquecer questões como estas que devastam o quotidiano de muita gente.

domingo, 13 de fevereiro de 2022

OS DIAS DA RÁDIO

 Passa hoje o Dia Mundial da Rádio uma discreta referência que se assinala e que me fez andar para trás na minha estrada, ainda sou do tempo dos dias da rádio. Foi uma viagem de que gostei ainda que não queira voltar para aqueles tempos.

Quando era miúdo, a rádio era o tudo na nossa vida em matéria de música, a de alguns de nós evidentemente, pois não tínhamos mais do que um aparelho de rádio lá em casa, muito bonito aliás, panorama que mudou quando, pelos meus doze anos, entrou uma novidade extraordinária, um gravador de cassetes, ainda antes de acedermos a um luxo chamado televisão.

A rádio era assim a nossa janela para o mundo para além de uma imprensa em papel que, salvo honrosas e combatidas excepções, era muito cinzenta, como os tempos da época.

Conhecia a música e a informação que a rádio estava autorizada a dar-nos a conhecer.

Felizmente que havia muita gente que tentava contrariar o ditado musical e informativo da época, de diferentes maneiras, abrindo assim umas janelinhas para outros mundos. Ainda me lembro de algumas incursões de alguns programas em autores "proibidos" e da audição às escondidas da BBC em onda curta para saber do outro lado do país.

Recordo como os relatos desportivos feitos pelas estrelas do tempo de forma que quase nos levavam para dentro dos estádios, eram seguidos lá em casa.

Nesta viagem pelos dias da rádio e esquecendo certamente memórias que não deveria recordo, o “Em Órbita” de Jorge Gil no ar de 1965 a 2001 iniciado no antigo Rádio Clube Português, o “Pão com Manteiga” sob a responsabilidade de uma equipa liderada por Carlos Cruz integrando, por exemplo, Mário Zambujal ou os incontornáveis “5 minutos de Jazz “ de José Duarte, iniciado na Rádio Renascença e “Oceano Pacífico” de João Chaves, iniciado em 1984 na RFM.

Recordo ainda o tempo em que gravava já tarde na noite com receio de que os cães dos vizinhos ladrassem umas crónicas sobre educação que eram passadas semanalmente numa rádio local, creio que já não existe, a Nova Antena da zona de Odivelas, era divertido, mas quando tinha de repetir …

No que respeita à música e ainda só com o já referido e “espectacular” gravador de cassetes, numa pirataria ingénua, passei muitas horas de expectativa e ansiedade com o gravador preparado para carregar no "Rec" e ir gravando as músicas que me permitiam a constituição de "playlists" com as preferências, por vezes através dos conhecidos programas “Quando o telefone toca”. E como odiava os homens da rádio quando resolviam falar em cima das músicas inutilizando a sua gravação e o crescimento do meu acervo musical.

Hoje os tempos são outros, a informação chega de múltiplas fontes, tal como a música. No entanto, continuo a ouvir rádio, menos que naquele tempo e do que a qualidade do que se vai fazendo justificaria.

Por outro lado, importa sublinhar o papel das rádios locais que são companhias próximas e imprescindíveis junto de muita gente que, provavelmente, não acede regularmente a outras plataformas de informação ou de música. A proximidade é pouco amigável para a globalização e massificação que caracterizam os tempos.

Não deixemos que os dias da rádio fiquem ameaçados, fazem falta num mundo em que a proximidade é um bem de primeira necessidade.

Hoje, ao ouvir as notícias na rádio do carro, claro, soube que se iniciaria a actividade de uma rádio online exclusivamente dedicada à poesia em língua portuguesa, a Poesia.fm, criada em parceria com a Câmara de Oeiras.

Os dias da rádio não acabam.

sábado, 12 de fevereiro de 2022

NÃO MATEM O FUTEBOL

 Não é matéria que aqui aborde com frequência, mas é umas das minhas paixões, o futebol. Desde que aprendi a andar que me tornei fanático pelo jogo. Quando andava na primária dormia com a bola ao pé da cama e todo o tempo era para … jogar à bola. Só duas lesões graves impediram uma carreira bem-sucedida provavelmente em Itália ou Espanha, mas a paixão continuou sempre, ainda hoje.

No entanto, episódios como o de ontem à noite no jogo entre Porto e Sporting será mais um contributo para a vontade que me parece existir de liquidar o futebol. Não há praticamente fim-de-semana que não seja marcado por incidentes com adeptos, árbitros, jogadores, treinadores e direcções num crescendo de agressividade física e verbal com ofensas diárias nos comentários. Também na comunicação social, o tempo e espaço dado a opinadores e comentadores adeptos sustentam os discursos inflamados, atente-se no esgoto em que tanta vez se transformam as caixas de comentários dos jornais de onde a racionalidade o gosto pelo futebol (porventura algo incompatível) parecem arredados e de onde emergem o ódio e a intolerância que em cado jogo é operacionalizada por adeptos, jogadores, técnicos ou directores.

Há algum tempo assistimos a um apelo contenção feito pelo Presidente da Federação Portuguesa de Futebol dirigido aos responsáveis clubísticos que me parece chegar tarde,  as estruturas directivas e reguladoras são parte do problema embora, evidentemente, se espere que façam parte da solução.

Na verdade, também no desporto, em particular no futebol, os tempos andam feios, por cá e por fora. Estranho seria se assim não fosse.

A minha paixão pelo futebol vai resistindo mal aos maus tratos que vai recebendo. São recorrentes e progressivamente mais radicalizados e violentos os comportamentos e discursos que o envolvem, para além da componente negócio, uma variável fundamental que parece ser fortemente contributiva para o clima criado.

A espiral de gravidade dos episódios que já se anunciava começa a confirmar-se da irracionalidade e do ambiente de hostilidade e ódio instalados. Os recorrentes episódios envolvendo as claques e as direcções dos chamados clubes grandes, mas não só, mostram como podem ser graves as consequências deste clima e da escalada de violência associada.

Há algum tempo a imprensa referia (desejava) que os clubes, leia-se as suas direcções, pudessem tomar medidas face ao comportamento de alguns, muitos, energúmenos que fazem parte das suas claques.

É no mínimo ingénuo acreditar nisto. As direcções e os seus empregados e porta-vozes, os seus discursos, comportamentos e decisões são também parte substantiva do problema, não podem ser parte da decisão e solução.

A mediocridade da generalidade dos dirigentes produz discursos e comportamento que inflamam muitos dos apoiantes, apoiam e organizam as suas actividades. Servem-se deles para os jogos de poder e devem-lhes isso.

O futebol de alto nível não é um mundo que se divida entre santos e pecadores. Talvez a bola seja o elemento mais são deste universo apesar de tantas vezes também ser maltratada e sempre a pontapé. A excepção será o aconchego que recebe nas mãos dos guarda-redes.

Já dificilmente me mobilizo para ir a um estádio, não consigo assistir aos milhentos programas televisivos onde opinadores avençados, salvo algumas raras excepções, vão papagueando agendas encomendadas e se envolvem em obscenas trocas de agressões e boçalidades que são mais um alimento para o clima instalado de ódio, hostilidade e agressividade.

O problema é que não consigo não continuar fascinado com esse jogo estranho chamado futebol. Por isso me inquieta tudo isto. Não matem o futebol.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

SEMENTES DE MAL-ESTAR

 A detenção de um jovem que estaria a preparar um ataque contra os seus colegas estudantes universitários trouxe para perto de nós a evidência dos riscos das sementes de mal-estar que muitos adolescentes e jovens carregam. Têm sido recorrentes nos últimos anos e em diferentes países, sobretudo nos EUA, episódios de extrema violência ocorridos em escolas e com a autoria de jovens.

Em cada momento de circunstâncias desta natureza invade-nos um sentimento de perplexidade. Porquê?

É verdade que também em Portugal se têm verificado alguns casos de violência extrema envolvendo jovens, apesar de terem, felizmente, efeitos menos trágicos, levando-nos a questionar os nossos valores, modelos educativos, códigos e leis pela perplexidade que nos causam.

Esta perplexidade exige a necessidade de tentarmos perceber um processo que designo como "incubação do mal" que se instala nas pessoas, muitas vezes logo na infância e adolescência, a partir de situações de mal-estar que podem passar relativamente despercebidas, mas que insidiosamente começam a ganhar um peso interior insuportável cuja descarga apenas precisa de um gatilho, de uma oportunidade.

A fase seguinte pode passar por duas vias, uma mais optimista em que alguma actividade, socialmente positiva, possa drenar esse mal-estar, nessa altura já desregulação de valores, ódio e agressividade, ou, a outra via, aumenta exponencialmente o risco de um pico que pode ser um ataque numa escola ou noutro espaço público, a bomba meticulosamente e obsessivamente preparada ou uma investida contra alguém arriscando a entrada numa espiral de violência cheia de "adrenalina", em nome de coisa nenhuma a não ser de um "mal-estar" que destrói valores e gente. O jovem envolvido neste episódio parece corresponder ao padrão de quem “incubava o mal” e, aparentemente, estaria entregue a si e ao seu mal-estar.

É evidente que a detenção e eventual punição poderão constituir um importante sinal de combate à sensação de impunidade perigosamente presente na nossa comunidade, mas é minha forte convicção de que só punir e prender não basta. Aliás, muitos destes jovens envolvidos numa espiral de violência e tragédia puseram também fim à sua estrada.

Finalmente, parece clara a importância de uma precoce e permanente atenção às pessoas, ao seu bem-estar, tentando detectar, tanto quanto possível, sinais que indiciem o risco de enveredar por um caminho que se percebe como começa, mas nunca se sabe como acaba.

Nos Estados Unidos, na Noruega, na França, na Alemanha, no Brasil ... ou em Portugal.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

O ABANDONO ESCOLAR BAIXA, MAS O CADERNO DE ENCARGOS CONTINUA PESADO

 O INE divulgou os dados relativos ao abandono escolar precoce que se situou em 5,9% no ano de 2021. Trata-se de um indicador estatístico do Eurostat, que é usado por todos os países europeus para medir a percentagem de jovens entre os 18 anos e os 24 anos que chegam ao mercado de trabalho sem o ensino secundário completo e que não estão a frequentar um programa de formação. Continua, pois a verificar-se tendência de descida que está abaixo da média europeia, 10%.

No final do ano passado a Direcção-Geral de Estatística da Educação divulgou que está a desenvolver uma ferramenta com o objectivo de avaliar e construir uma informação mais robusta sobre o abandono escolar. Em linha com o que já e feito noutros países pretende-se construir informação que permita o acompanhamento próximo do aluno e das escolas, identificando perfis de risco ou preditores de abandono que possibilitarão o desenvolvimento de intervenções oportunas prevenido e combatendo o abandono escolar. Já agora é de desejar que o dispositivo a estruturar não seja mais um contributo para a burocracia platafórmica. Se assim for não ficará do lado da solução, mas do problema.

No entanto, manter-se-á ainda o actual modelo que envolve o INE e a construção de dados sobre abandono no quadro do Eurostat.

Relativamente aos dados agora conhecido, uma primeira nota para realçar o trabalho de alunos, professores, escolas e famílias.

Para além dos efeitos do prolongamento para 12 anos da escolaridade obrigatória nos resultados dos últimos anos, o ME tem vindo associar esta evolução ao sucesso de programas como as escolas TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária), ao Programa de Promoção do Sucesso Escolar, ao Apoio Tutorial Específico, à aposta no Ensino Profissional, e Autonomia e Flexibilidade Curricular e, obviamente, à revolução na educação inclusiva.

A segunda nota para relembrar que apesar do abaixamento do abandono escolar precoce, o caderno de encargos que ainda continuamos a ter pela frente, pois sendo importante que os alunos não abandonem ainda precisamos de assegurar que a sua continuidade tenha sucesso. Os dados conhecidos de escolas e agrupamentos para construção dos rankings evidencia isso mesmo. Aliás, e à semelhança do que tem sido o caminho da designada educação inclusiva, não basta que tenhamos os alunos com necessidades especiais “entregados” nas escolas regulares para que possamos falar de educação inclusiva.

Temos indicadores que mostram que muitos alunos, estando “ligados” à máquina educativa, ainda lutam, por razões diversas, por uma trajectória bem-sucedida e importa que cumprir a escolaridade signifique mesmo carreiras escolares promotoras de competências e capacidades.

Só assim se promove a construção de projectos de vida viáveis, que proporcionem realização pessoal e base do desenvolvimento das comunidades.

Neste caminho é fundamental que a qualidade dos processos educativos e que a existência de dispositivos de apoio competentes e suficientes às dificuldades de alunos e professores na generalidade das comunidades educativas seja uma opção clara pois é uma ferramenta imprescindível à minimização do insucesso.

Por outro lado, importa não perder de vista a população que abandona e que está em alto risco de que tal aconteça. Neste sentido é fundamental que a oferta de trajectos diferenciados de formação e qualificação ou iniciativas em desenvolvimento como o programa Qualifica, sucessor do Novas Oportunidades, ou os anunciados no âmbito do ensino superior tenha os meios necessários e se resista à tentação do trabalho para a “estatística”, confundindo certificar com qualificar.

Apesar dos indicadores de progresso é necessário insistir, merecemos e precisamos de mais e melhor sucesso e qualificação e menos abandono e exclusão.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

A QUALIFICAÇÃO É UM BEM DE PRIMEIRA NECESSIDADE, MAS MUITO CARO

 A propósito de uma peça no DN, umas notas sobre o assunto que muitas vezes aqui tenho abordado, os elevados custos da frequência do ensino superior.

Na verdade, apesar da qualificação ser um bem de primeira necessidade, é muito caro. Este ano lectivo, o número de candidatos a bolsa foi o maior de sempre.É verdade que subiu o número de estudantes que entrou este ano no ensino superior e se verificou a perda de rendimento de muitas famílias em consequência do impacto económico e social da pandemia.

No entanto, apesar destas dimensões poderem constituir alguma justificação creio que importa não esquecer uma questão de natureza estrutural, estudar no ensino superior é muito caro em Portugal. Também a recente alteração do regulamento de atribuição de bolsas não minimizou esta situação.

Algumas notas começando por alguns dados.

De acordo com Relatório do CNE, "Estado da Educação 2019", a percentagem de alunos que em Portugal acede a bolsas de estudo para o 1º ciclo está no segundo escalão mais baixo da análise, entre 10 e 24,9%. Para comparação, Irlanda, Países Baixos estão no intervalo entre 25% e 49,9% e a Suécia no superior a 75%. Países como Espanha, França, Reino Unido e muitos outros têm percentagens de alunos com apoio superiores a nós e, sem estranheza, também maior nível de qualificação.

Em 2018 foi divulgado um estudo já aqui citado, “O Custo dos Estudantes no Ensino Superior Português” da responsabilidade do Instituto de Educação da U. de Lisboa, relativo ao ano lectivo de 2015/2016 mostrando que cada estudante universitário gastou em média 6445€ em despesas como propinas, material escolar, alojamento ou alimentação. Os alunos de instituições universitárias privadas têm uma despesa perto dos 10000€ e nos politécnicos privados o custo será de 8296€. De facto, sendo a qualificação superior um bem de primeira necessidade para os cidadãos e para o país, é um bem muito caro, demasiado caro para muitas famílias e indivíduos.

Também dados de um trabalho conhecido em 2018 realizado pelo Projecto Eurostudent “Social and Economic Conditions of Student Life in Europe” mostra um extenso quadro das condições de frequência do ensino superior em muitos países da Europa com base em dados de 2016 a 2018.

Da imensidade de dados disponíveis releva que Portugal é o quarto país em que as famílias assumem maior fatia dos gastos com a frequência do ensino superior. Verifica-se ainda uma forte associação entre a frequência do ensino superior e nível de escolarização e estatuto económico das famílias.

São conhecidas as dificuldades de promoção de mobilidade social que o sistema educativo português, e não só, atravessa registando ainda níveis baixos de qualificação e perto de 160 000 jovens que não estudam nem trabalham.

Recordo que também em 2014 um estudo patrocinado pela Comissão Europeia em oito países da Europa revelava, sem surpresa, que Portugal apresenta uma das mais altas percentagens, 38%, de jovens que gostava de prosseguir estudos, mas não tem meios para os pagar. Espero que a actual realidade seja mais positiva apesar das dificuldades.

De acordo com o Relatório da OCDE, “Education at a Glance 2015”, os custos da frequência de ensino superior em Portugal suportados pelo universo privado, sobretudo as famílias, era o mais alto da União Europeia, 45.7%.

Segundo o relatório "Sistemas Nacionais de Propinas e Sistemas de Apoio no Ensino Superior 2015-16", da rede Eurydice da União Europeia apenas Portugal e a Holanda cobram propinas a todos os alunos do ensino superior, sendo também Portugal um dos países com valores de propina mais altos, mas como a vimos a percentagem de alunos dos Países Baixos com bolsa é superior à nossa.

Apesar de um abaixamento do valor as propinas no ensino público, as dificuldades sentidas por muitos estudantes do ensino superior e respectivas famílias, quer no sistema público, quer no sistema privado com valores mais altos de propinas, são, do meu ponto de vista, consideradas frequentemente de forma ligeira ou mesmo desvalorizadas. Tal entendimento parece assentar na ideia de que a formação de nível superior é um luxo, um bem supérfluo pelo que ... quem não tem dinheiro não tem vícios.

A qualificação é a melhor forma de promover desenvolvimento e cidadania de qualidade pelo que apesar de ser um bem caro é imprescindível.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

OS ALÇAPÕES DA NET. DE NOVO

 Assinala-se hoje o dia o Dia Europeu da Internet Mais segura. Como é habitual na imprensa surgem algumas referências diversificadas. Nos últimos dois anos e por razões conhecidas a internet passou a estar ainda mais presente na vida de todos os nós. Até a escola chegou via digital aumentando fortemente o tempo de exposição aos ecrãs por parte dos mais novos.

No Expresso refere-se o aumento significativo da designada criminalidade virtual, designadamente “cyberbullying”, “stalking” e a divulgação de vídeos sexuais.

Em 2020, dados da Directoria do Norte da PJ referiam que os crimes sexuais contra crianças aumentaram mais de 150%, de 161 casos registados em 2019 para 396 em 2020.

Como já referi, os períodos de confinamento e isolamento aumentaram exponencialmente o tempo que crianças, adolescentes e jovens, tal como muitos adultos, estão em frente do ecrã. Naturalmente os riscos também aumentaram, não só os de natureza sexual, mas também os de cyberbullying, de chantagem e roubo, de exposição a conteúdos inadequados às idades, etc.

Trata-se de mais um factor de pressão para a supervisão imprescindível, mas muito difícil dos mais novos na sua relação com a net.

É de sublinhar que dados do Estudo Internacional de Alfabetização em Informática e Informação (ICILS) envolvendo 11 países e divulgados em 2020 sugerem que os alunos portugueses são os mais bem preparados para usar a internet de forma responsável. No entanto, os dados relativos aos riscos são, de facto, inquietantes.

No âmbito do Projecto Kids Online que envolve 30 países e analisa a utilização da net e das redes sociais por crianças e adolescentes os dados de 2018, cerca de 2000 alunos entre os 9 e os 17 anos mostraram comparativamente a 2014 se verifica uma subida da frequência das situações de risco a que parece também estar a associada a maior operacionalidade e o tempo de contacto permitido pela migração da utilização dos pc para os mais “operacionais” smartphones”.

Para além dos dados do EU Kids Online recordo um trabalho da OCDE de 2018 "Curriculum Flexibility and Autonomy in Portugal – na OECDreview” em que considerando dados de 2012 e 2015 (recolhidos no âmbito do PISA), oito em cada dez adolescentes portugueses afirmam "sentir-se mal" se não estiverem ligados à internet. Apenas os adolescentes franceses e suecos de entre os 31 países envolvidos evidenciam uma taxa superior.

Podemos considerar mais um sinal dos tempos as múltiplas referências ao tempo excessivo e dos riscos associados que que muitas crianças e adolescentes despendem com a ligação à net nas suas múltiplas possibilidades designadamente as redes sociais e os riscos associados. Os indicadores relativos ao cyberbullying são inquietantes.

Nesta perspectiva e tal como noutras áreas o recurso privilegiado a estratégias proibicionistas não funciona.

São mais eficientes a promoção da utilização autoregulada e informada. A net e o mundo de oportunidades, benefícios e riscos que está presente em todas as suas potencialidades é uma matéria que deve merecer a reflexão de todos os que lidam com crianças e jovens embora não lhes diga exclusivamente respeito. É o nosso trabalho, tornar o imprescindível  acesso à net mais seguro.

Mesmo em tempos “normais”, seja lá isso o que for, em casa, muitas crianças têm um ecrã como companhia durante o pouco tempo que a escola "a tempo inteiro" e as mudanças e constrangimentos nos estilos de vida das famílias lhes deixam "livre". Também é verdade que a crescente "filiação" em redes sociais virtuais pode “disfarçar” o fechamento, juntando quem “sofre” do mesmo mal e o tempo remanescente para estar em família, frequentemente ainda é passado à sombra de uma televisão.

Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos e os riscos potenciais, são problemas menos conhecidos para muitos pais. Aliás, as dificuldades sentidas por muitas famílias na ajuda aos filhos em tempo de ensino não presencial, mostrou isso mesmo, baixos níveis de literacia digital. Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível e útil seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes. Existem demasiadas situações em que desde muito cedo os “smartphones”, por exemplo, funcionam como “babysitters”.

Por outro lado, a experiência mostra-me que muitos pais desejam ou exprimem a necessidade de alguma ajuda ou orientação nestas questões. Sabemos que estratégias proibicionistas tendem a perder eficácia com a idade.

Creio que o caminho terá de passar por autonomia, supervisão, diálogo e muita atenção aos sinais que crianças e adolescentes nos dão sobre o que se passa com elas.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

RELATÓRIO DE ACOMPANHAMENTO, MONITORIZAÇÃO E AVALIAÇÃO DA AUTONOMIA E FLEXIBILIDADE CURRICULAR

 É conhecido o Relatório de Acompanhamento, Monitorização e Avaliação da Autonomia e Flexibilidade Curricular relativo a 20/21. Recomenda-se a sua leitura que, do meu ponto de vista, é bastante estimulante e que acentua a curiosidade relativamente ao futuro próximo no ME.

O Relatório da DGE descreve “as ações desenvolvidas no âmbito desse processo de acompanhamento e monitorização no período compreendido entre setembro de 2020 e agosto de 2021, bem como as opções de gestão curricular tomadas pelas escolas que apresentaram Planos de Inovação, tendo em vista a prossecução dos propósitos explanados nos seus Projetos Educativos. As escolas continuam a desenvolver ações, através da aplicação de diversas medidas e iniciativas no quadro da AFC, em função das particularidades dos seus contextos e públicos-alvo, com o objetivo de garantir a inclusão e o sucesso de todos os alunos e alunas, melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem, de modo que os alunos alcancem as competências previstas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória.”

É interessante a leitura do Relatório de cujas conclusões destaco:

Ao longo do processo de acompanhamento e monitorização das escolas, continua a verificar-se a concretização da Autonomia e Flexibilidade Curricular a nível nacional, conduzindo à ambicionada Escola autónoma que gera uma Educação de qualidade para os seus alunos, conhecedora da confiança depositada em si, com a assunção da responsabilidade inerente à sua missão. O reforço da autonomia da escola e dos seus profissionais relativamente ao desenvolvimento curricular colocam-na como detentora de instrumentos que possibilitam a gestão do currículo, de forma a integrar estratégias promotoras de melhores aprendizagens, em contextos específicos e perante as necessidades de diferentes alunos, assim como estabelecendo prioridades na sua apropriação e assumindo a diversidade nas opções que melhor se adequam aos desafios do seu projeto educativo.

Continuamos a percorrer um caminho para uma Escola inclusiva, que respeita a heterogeneidade dos alunos, elimina obstáculos no acesso às aprendizagens, contemplando a diversidade e garantindo a aquisição de múltiplas literacias necessárias ao cidadão do Século XXI, na sua formação integral ao mesmo tempo que valoriza os alunos, lhes dá voz e possibilita a construção do seu projeto de vida, ao traçar um percurso formativo próprio.

Cada escola é convidada, no contexto da AFC e na prossecução da sua missão social, a garantir o combate às desigualdades, definir uma visão de escola concreta para os alunos que a frequentam e acreditar que todos têm o direito de aprender e de lhes ser proporcionada uma educação relevante e de qualidade.”

É verdade que a leitura e o que conheço das escolas me deixou algumas dúvidas, mas deve ser, certamente um problema meu, pois nem sempre consigo ver a realidade que me dizem ser a realidade.

O melhor mesmo, é analisar e reflectir.

domingo, 6 de fevereiro de 2022

OFERTA DE FORMAÇÃO EM TEATRO NO ENSINO BÁSICO

 A partir do próximo ano lectivo o Teatro estará incluído na oferta de cursos artísticos especializados do ensino básico.

Considerando a necessidade de disponibilizar percursos educativos e de qualificação diferenciados, uma ferramenta potente na promoção de uma educação que responda à diversidade dos alunos, das suas motivações, das suas capacidades. Também há quem lhe chame educação inclusiva, mas já temo recorrer a esta terminologia que tem dado abrigo a tudo o pode significar, mas também a tudo o que não é inclusão.

A propósito do teatro recordo a afirmação, já aqui citada, de Luís Miguel Cintra, um enorme Homem do Teatro, no discurso de aceitação do Prémio Pessoa de 2005. Declarou ter escolhido o teatro "para continuar a fazer em adulto aquilo que fazemos em crianças, para continuar a brincar contra toda a solidão".

Nos tempos duros que vivemos em que tantas crianças e adolescentes se sentem desconfortáveis e, frequentemente, se sentem sós, mesmo quando acompanhados o teatro pode ajudar a “brincar (aprendendo) contra a solidão”.

sábado, 5 de fevereiro de 2022

A HISTÓRIA DO CALADO

 Um dia destes, numa roda de professores falava-se do Calado, um miúdo daquela escola. As pessoas falavam do Calado porque durante muito tempo aquele miúdo não parecia um Calado, antes pelo contrário, parecia mais um Falador. Estava sempre a interromper as aulas, umas vezes a propósito, outras a despropósito, mas sempre a conversar. Não era fácil conseguir que ele se calasse, encontrava sempre novos argumentos para continuar as discussões e com alguma frequência o comportamento também espelhava a agitação que se mostrava na conversa.

O motivo da discussão entre os professores centrava-se nas eventuais causas que poderiam explicar as mudanças que tornaram o Calado num calado.

A maioria das pessoas achavam que não era fácil explicar, mas mostravam satisfação pelo facto de o Calado tornar agora o trabalho na sala mais fácil, não interrompendo, não questionando, mantendo-se no lugar com um ar entre o ausente e o atento, mas quase sempre em silêncio.

O Professor Velho, o que está biblioteca e fala com os livros, ia ouvindo e quando a conversa parecia estabilizar e concluir pelas melhorias do Calado, naquele jeito mansinho disse que agora é que ele começava a ficar preocupado com o Calado. Disse que quando os miúdos falam muito podemos esperar que um eventual desconforto ou mal-estar possam sair por essas falas ou comportamentos. Quando sem razão aparente os miúdos se calam podemos então esperar que um eventual desconforto ou mal-estar fique lá dentro, comprimido e a aumentar. Pode até mesmo acontecer que um dia saia de repente e com violência. Por isso, dizia o Velho, lhe parecia muito importante tentar que o Calado falasse.

E lá ficou a discussão de novo instalada.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

MUITOS DOS PROBLEMAS DOS PROFESSORES SÃO TAMBÉM PROBLEMAS NOSSOS

 Desculpem a insistência, mas a questão é grave. Também sei que não é por muito falar num problema que ele se resolve ou minimiza.

Estou a referir-me à situação dos professores e ao fortíssimo impacto que os múltiplos problemas que os afectam está a ter e terá no curto e médio prazo na qualidade dos percursos escolares dos alunos. Aliás, com frequência afirmo que muitos dos problemas dos professores são também problemas nossos. É importante que os conheçamos, sem demagogia ou preconceito, e possamos exigir a atenção que merecem, em particular quando esperamos a entrada em funções de um novo Governo com um prazo de validade de quatro anos.

O quadro agora divulgado no recente relatório do CNE, “Estado da Educação 2020” agudiza a necessidade de estabelecer um alerta vermelho no mundo da educação.

Nesta altura do ano escolar continuam a faltar professores em muitas turmas e as dificuldades de recrutamento são crescentes mesmo recorrendo, em algumas situações, à contratação de pessoas sem formação para a docência.

Acentua-se o envelhecimento da classe docente sendo que em 2021 se aposentarão mais de 2000 professores e em 2023 estima-se que serão mais de 3000.

Acrescem os efeitos da mobilidade por doença e ainda uma menor capacidade de atracção pela carreira nos jovens que chegam ao ensino superior nos anos mais recentes. Por outro lado, existem múltiplos aspectos relativos à carreira e à sua valorização com implicações devastadoras nos projectos de vida muitos professores quando uma carreira valorizada deveria constituir um projecto de realização.

Lamentavelmente não é nada de novo, há anos que sucessivos relatórios nacionais e internacionais têm alertado para gravidade do envelhecimento da classe docente, dos efeitos associados, e da certeza da falta de docentes a curto prazo como já está a acontecer. Algumas notas repescadas.

O envelhecimento da classe docente não é um problema exclusivo do nosso sistema, mas é particularmente grave sendo que alguns países também afectados têm iniciativas já em desenvolvimento no sentido de o minimizar o que não parece acontecer entre nós.

Ao perfil dos docentes em termos de idade acresce que, como é reconhecido em qualquer país, a profissão docente é altamente permeável a situações de burnout, estado de esgotamento físico e mental provocado pela vida profissional, frequentemente associado a níveis pouco positivos de satisfação profissional.

Na verdade, este cenário só pode surpreender quem não conhece o universo das escolas, como acontece com boa parte dos opinadores que pululam na comunicação social e dos comentários nas redes sociais dirigidos à educação e aos professores.

Também se sabe que as oscilações da demografia discente não explicam a saída de milhares de professores do sistema, novos e velhos, como também não explicam a insuficiente renovação, contratação de docentes novos. Sem estranheza, no universo do ensino privado é bastante superior a presença de docentes mais jovens, mas também se sente a falta.

Não esqueçamos ainda a deriva política a que o universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas, criando instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio que potencie o trabalho de alunos, pais e professores. Acresce que sucessivas equipas ministeriais têm desenvolvido políticas que contribuem para a desvalorização dos professores com impacto evidente no clima das escolas e nas relações que a comunidade estabelece com estes profissionais. Este cenário revela uma das dimensões mais frágeis das políticas públicas de educação nos últimos anos em que sempre se insistia na narrativa dos professores a mais com resultados que estão à vista.

Sabemos que os velhos não sabem tudo e os novos nem sempre trazem novidade. Mas também sabemos que qualquer grupo profissional exige renovação por diferentes razões incluindo emocionais, de suporte, partilha de experiência ou pela diversidade.

Parece clara a necessidade urgente de definir uma resposta oportuna e consistente a este trajecto.

Sabemos que os sistemas educativos com melhor desempenho são também os sistemas em que os professores são mais valorizados, reconhecidos e apoiados.

Não parece difícil perceber porquê.